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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.9 n.16 São Paulo jun. 2004

 

RESENHA

A construção adolescente no laço social

 

 

Gislene JardimI; Lucy Magalhães (Trad.)

Sociedade de Pediatria de São Paulo

 

 

LESOURD, SergeLacan. La construction adolescente _ Au risque du lien social. Coleção Psicanálise e Educação, 286 p. São Paulo, SP: Vozes, 2004

Acaba de chegar às prateleiras a tradução do livro La construction adolescente – Au risque du lien social, de Serge Lesourd, no qual está reunida uma série de artigos sobre a adolescência produzidos pelo autor a partir de sua experiência psicanalítica ao longo dos últimos vinte anos.

Ao contrário do que ocorre com os estudos sobre a infância, a escassez de publicações sobre a adolescência – não só referenciadas à psicanálise – revela a ausência de grandes tratados acerca desse momento que se interpõe entre a infância e a vida adulta do sujeito. Já nas primeiras páginas do livro o autor anuncia a intrínseca relação entre a adolescência e a modernidade, este último o tempo histórico em que a adolescência surge no discurso social como uma noção compartilhada entre vários campos do conhecimento, da medicina à psicanálise, passando pela antropologia, pela sociologia, pela educa-ção e pelo direito. A explicação inicial do autor para a ausência de um estudo histórico do adolescente resume-se na seguinte frase: “Construir uma história do adolescente seria, pois, construir a história das relações sociais e dos mitos que as organizam” (p. 15). Sem a pretensão de construir historicamente a história dos adolescentes (ou da adolescência), Lesourd lança-se na contextualização da adolescência como uma noção posta para o discurso psicanalítico desde a modernidade.

Duas grandes partes organizam essa obra. A primeira delas, reunida sob o título “Novidades adolescentes”, é inaugurada com um capítulo cujo objetivo principal parece ser o de repropor a novidade freudiana propagada no início do século XX – ou seja, a existência da sexualidade infantil como cerne da organização psíquica –, no tempo do “sujeito púbere” (p. 32), o que acaba por conferir à adolescência um estatuto de operação psíquica. A Parte II, as “Patológicas adolescentes: Questões para a educação”, consagra suas páginas, prioritariamente, aos efeitos da adolescência sobre o sujeito que o lançam para a conquista de novos espaços, caracterizando as particularidades do laço social nessa fase. Entrelaçada nas duas partes, encontramos a base da hipótese que Lesourd sustenta, com outros psicanalistas, de que a adolescência é um momento estruturante para o sujeito, na medida em que ele está, mais uma vez, diante do enlace do corpo com a linguagem. Em outras palavras, a construção adolescente refere-se à construção de um lugar no discurso social que inclua uma posição sexuada diante do outro/Outro.

Ora iluminando a estrutura do sujeito, ora a relação com o Outro, Lesourd nos apresenta os principais elementos que compõem o cenário da construção adolescente como a reconstrução do narcisismo: o feminino como Outro sexo, os ídolos, os semelhantes e os objetos (o próprio Eu, da exibição, da delinqüência e da criação). Em torno da relação do sujeito púbere com os objetos, Lesourd afirma que “a adolescência é o tempo em que o sujeito percebe que nunca encontrará na realidade o objeto adequado a uma satisfação total. Não existe objeto que viria preencher a falta de ser, não existe objeto que ofereceria o gozo pleno” (p. 99). Será nessa perspectiva que Lesourd retornará à proposição de Lacan, que considera a inexistência da relação sexual; se existe, ela existe no fantasma. Na adolescência, a dissimetria entre os sexos está posta de maneira contundente: o pai está morto e a mãe é real. Com esses elementos, o adolescente “convence a si mesmo” da falta no Outro. É pela decepção com a não realização da promessa edipiana que o adolescente procurará em outro espaço, que não o familiar, lugares em que alojar seu gozo. A reorganização do espaço psíquico e físico é marcante da adolescência em construção. Para Lesourd, o adolescente está “à espera da designação de um lugar, ou, em outras palavras, de significantes que o representariam junto a significantes do discurso social, o adolescente usa do espaço externo como de um palco onde possa expressar o íntimo de sua busca. Faz da rua um exterior íntimo” (p. 206). Será no/como laço social que a psicopatologia na adolescência se conformará, e, entre os sintomas mais comuns disso, encontram-se as toxicomanias e as diversas formas de delinqüência.

Vale um comentário sobre a estrutura do livro. A apresentação não uniforme e seqüencial dos temas traz para a leitura, às vezes, um certo descompasso em relação ao encadeamento das principais idéias de cada parte e/ou subcapítulo, pois determinada noção ou conceito se repete ou, então, só aparece descrito ou discutido em outro capítulo. A organização dos artigos não chega a comprometer o texto como um todo, uma vez que a cada capítulo Lesourd apresenta, em perspectivas diferentes, os elementos que compõem o cenário da construção da adolescência no laço social.

Sem indicações diretas para os psicanalistas e para os educadores, o que o livro de Lesourd faz é provocar um gigantesco mal-estar em cada um que se dedica a tratar ou educar adolescentes. Resta ao leitor desse livro, educador ou psicanalista, reposicionar- se diante do discurso social moderno sobre a adolescência, de forma que se inclua a irremediável incompletude do Outro, marca do laço social entre os adolescentes e os adultos. Se as diferentes formas de reivindicações, violências e formações psicopatológicas na adolescência nos informam – no melhor dos casos – sobre a grande descoberta do adolescente, ou seja, o significante da falta no Outro, com esse saber temos, ao menos, a nomeação de uma estrutura de enlace. A cada um cabe recriar seus dispositivos de intervenção para fazer operar no adolescente as duas funções do adulto apontadas por Freud e que Lesourd nos lembra nas primeiras páginas de seu livro: a capacidade de amar e de trabalhar. Fica esta sugestão de leitura para aqueles que se encontram provocados a escutar adolescentes. . .

 

 

Recebido em fevereiro/2004
Aceito em abril/2004

 

 

I Psicanalista, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IP-USP, presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

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