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Psicologo informacao

versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.12 no.12 São Paulo out. 2008

 

Conhecimento morfológico derivacional e suas relações com o desempenho na escrita de palavras*

 

Knowledge of Derivational Morphology and its Relations to Word Writing Performance

 

 

Suzana Barbosa Cardoso**; Débora da Silva Leandro**; Fräulein Vidigal de Paula***

Universidade Metodista de São Paulo

 

 


Resumo

Este estudo investigou se as crianças da 1ª e 3ª séries do ensino fundamental possuem conhecimento morfológico derivacional e qual sua relação com o desempenho na escrita ortográfica de palavras isoladas. A morfologia refere-se à produção e estrutura do significado das palavras, a partir dos morfemas, que são as menores unidades de significado de uma língua. Participaram deste estudo 20 crianças de uma escola pública, sendo 12 crianças da 1ª série e oito da 3ª série. Utilizamos a tarefa de Escrita de palavras isoladas sob Ditado (T1) para avaliar a escrita ortográfica, e a de Produção de Neologismo (T2) para avaliar o conhecimento morfológico derivacional. Destacamos os seguintes resultados: ambas as séries se saíram melhor na T1 do que na T2; a 3ª obteve um desempenho superior em relação à 1ª série nas duas tarefas; essa diferença entre as séries foi maior na T2; na T1, a 3ª série se diferenciou da 1ª, principalmente, nas palavras irregulares; na T2, ambas as séries foram melhores na invenção de palavras por acréscimo de sufixos. Concluímos que as crianças das séries estudadas já possuem conhecimento inicial sobre morfologia derivacional e que este mantém relação positiva com o desempenho na escrita de palavras.

Palavras-chave:Consciência morfológica. Linguagem escrita. Aprendizagem. Desenvolvimento metalinguístico.


Abstract

This study investigated whether the children of the 1st and 3rd grade elementary school have knowledge morphological derivational, and what its relation to performance in written spelling of words alone. The morphology is the production structure and the meaning of the words from the morphemes which are the smallest units of meaning from one language. This study involved 20 children from a public municipal school, and 12 children from the 1st and eight of the 3rd grade. We used one task to evaluate the writing spelling - Writing of isolated words under Dictation, and another to assess the morphological knowledge - production of neologisms. Both series are best left with the task of dictation than in the neologism; the 3rd got a superior performance in relation to the 1st series in the two tasks; the difference between series was higher in task of neologism; the task of saying the 3rd grade is separated from the 1st mainly in writing to correct irregular words; and finally, the production of neologism noticed that 1st and 3rd grade were better in the invention of words for a fee of suffix. We conclude that children already had knowledge that the morphological and maintains positive relationship with the performance in the writing.

Keywords: Morphological consciousness. Language writing. Learning. Metalinguistic development.


 

 

Em diversas atividades da vida cotidiana, ler e escrever são mediadores necessários para as pessoas poderem, por exemplo, ler o nome do ônibus, não precisar perguntar a ninguém o que está escrito em algum lugar, poder assinar documentos diversos, vender ou comprar algo, votar nas eleições ou até mesmo preencher uma ficha de emprego e assim adquirir autonomia e exercer sua cidadania.

Desse modo, é bastante difícil viver em nosso mundo contemporâneo sem dominar a escrita, uma vez que, desde que nascemos, estamos mergulhados no mundo da linguagem escrita. No entanto, apesar da evidente importância da escrita para o exercício da cidadania e da autonomia na vida cotidiana, muitos brasileiros ainda não sabem ler e escrever. Dados do IBGE revelam que, em 2007, dentre cerca de 28,3 milhões de crianças com idades entre 7 e 14 anos, 2,4 milhões ainda não sabem ler e escrever, apesar de já terem passado pelo processo de alfabetização. Quanto à taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos, caiu de 14,7 para 10% no entanto, persistia um número elevado de pessoas que não sabiam ler ou escrever: 14,1 milhões de analfabetos (IBGE, 2007).

O analfabetismo no Brasil é marcado também pela desigualdade social e regional. Cerca de 9 milhões das crianças analfabetas com idades entre 7 e 14 anos residem na região Nordeste do país. Junto a isso, existem também outros fatores, como a questão da renda familiar. Em 2007, aproximadamente um terço das famílias vivia com rendimento mensal de até 1/2 salário mínimo per capita. No caso dos domicílios com crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, essa proporção subia para 46%. Esses dados demonstram que ainda é um desafio para a educação conhecer todos os aspectos que contribuem para o aprender e o não aprender a escrita; os motivos citados são apenas os mais reconhecidos, porém sabemos que existem outros que devem ser estudados.

A alfabetização deve ser ponto de importante valor, não só para a inserção da população na escola, que é o que acontece hoje, quando essas são inseridas apenas para aumentar o índice de desenvolvimento do país, pois é constante o aumento demográfico natural. Mas também através do conhecimento da língua falada e escrita, desenvolver a compreensão, a conscientização e o uso dos mais diversos símbolos e linguagens, mostrando o valor social da palavra escrita desde a infância e os benefícios que o interpretar, decodificar e adquirir pode trazer não só para a formação de cidadãos, mas também para a sobrevivência e prosperidade no futuro. Crescemos ouvindo nossos cuidadores falarem conosco e assim aprendemos nossa língua materna. Se considerarmos o contexto social no qual estas aprendizagens acontecem, verificamos que a população brasileira fala o português de diferentes formas, em função dos espaços geográficos que ocupa, da classe social, da idade e do gênero a que pertence. Essas diferenças – que podem ser de natureza sintática, semântica, fonética, morfológica e fonológica – é que fazem, em parte, a riqueza e diversidade de nossa língua e de nossa cultura. Porém, só existe uma realização ortográfica para o português escrito, compartilhada em todo o território nacional. Posteriormente, começamos a aprendê-la na versão escrita, mesmo antes do ingresso na educação formal. Dominar essas convenções exige a passagem por um processo de ensino e aprendizagem sistemático do código escrito. Em nossa sociedade, isso ocorre normalmente na escola e compõe o que chamamos de processo de alfabetização.

Conforme Caligari (1997 apud Queiroga , 2006), a escrita resiste muito mais às mudanças do que a fala, o que gera um descompasso entre as duas. Dessa forma, a ortografia tem, segundo o autor, o papel de evitar escritas diferentes de uma mesma palavra. Portanto, reconhece-se o caráter necessário das convenções ortográficas na busca de uma unificação da escrita, facilitando, assim, o processo comunicativo.

Dessa forma, há a necessidade de romper com alguns mitos, como, por exemplo, o de que existe apenas uma forma correta de se falar e de que a escrita é apenas uma reprodução da fala. A respeito deste segundo mito, nossa ortografia representa, além dos sons da fala, também os significados da língua. Dito de outro modo, a ortografia do português escrito é determinada, ao mesmo tempo, pelas correspondências entre os sons que compõem as palavras e as letras (relação grafema-fonema), e pelas correspondências entre o significado de uma palavra e sua grafia (relação grafema-morfema). Portanto, saber escrever é um processo que envolve diversas habilidades.

Trataremos neste estudo das relações entre aquisição inicial da escrita e habilidade das crianças de manipularem a produção de palavras com significado. Acreditamos que a criança desde cedo cria hipóteses sobre como se constrói o significado de uma palavra, por ser esta uma parte fundamental da nossa língua, que corresponde à sua dimensão morfológica. Assim, não seria importante para ela compreender apenas que a escrita representa os sons da fala, dimensão fonológica, mas também seus significados.

Para contemplar este propósito, na revisão teórica apresentamos o conceito de linguagem, de linguagem escrita, focalizando sua aquisição, características e dimensões; uma revisão das pesquisas sobre o tema no Brasil, dando uma atenção especial aos estudos que investigaram o conhecimento morfológico das crianças em processo de alfabetização e suas relações com a aquisição do português escrito.

 

Linguagem

De acordo com Stenberg (2000), a linguagem refere-se ao potencial humano para o uso de um meio organizado e padronizado de combinar as palavras para fins de comunicação. Possibilita que essa ocorra, através da escrita, da oralidade ou de sinais.

Stenberg (2000) identificou um consenso entre diversos autores no que diz respeito a um conjunto de características que definem linguagem: (1) ter uma função comunicativa; (2) estabelecer uma relação arbitrária entre um símbolo e seu referente; (3) ser regularmente estruturada, pois apenas arranjos de símbolos especialmente padronizados têm significação compartilhada; (4) ser gerativa, pois as possibilidades para criar novas palavras ou combinação entre palavras são muito amplas e dinâmicas dentro de uma língua. Isto faz com que uma língua se modifique constantemente.

De acordo com Myers (1999), de modo complementar, podemos dizer que qualquer língua, para existir e expressar nosso potencial para a linguagem, deve conter alguns elementos básicos: um conjunto de sons (fonemas) e um conjunto de unidades mínimas de significado (morfemas) que podem ser combinados para formar palavras e, a partir dessas, formar frases e assim por diante. Para efetuar estas combinações possíveis e aceitáveis, cada língua deve possuir também uma gramática (conjunto de regras). Na versão escrita, uma língua deve possuir regras específicas para ortografar estes elementos e suas combinações.

 

Dimensões da linguagem

A linguagem escrita é uma criação recente da humanidade, se comparada a seu uso na versão oral. De acordo com Kato (1990), no caminho da invenção da escrita, o homem obteve a capacidade de simbolização através de figuras, para só depois atingir uma etapa que represente a fala. Durante esse percurso, vai tomando consciência das várias unidades linguísticas (palavra, sílaba e som) até a escrita alfabética. Na pré-história, o desenho criado pelo homem primitivo sobre uma superfície tinha de início a função de expressar suas ideias visualmente, para só depois desenvolver-se em duas direções: o desenho e o sistema pictográfico. Os sistemas de escrita pictórica, tais como a escrita cuneiforme, desenvolvida há aproximadamente 3.000 a.C. pelos sumérios, utilizavam símbolos que são mais padronizados do que o desenho, para representar, registrar e comunicar aspectos do seu cotidiano. As escritas pictóricas representam diretamente as ideias. Diferentemente, as escritas alfabéticas, tais como o grego e o latim representam as ideias de modo indireto, pois representam uma correspondência entre o signo e os sons da fala. Ou seja, a fala representa ideias e a escrita representa a fala.

O português, por exemplo, é uma língua latina e alfabética. Porém, ao longo de sua história foi sofrendo influência de vários outros idiomas e de convenções que a fizeram não corresponder mais totalmente ao princípio alfabético. Desse modo, para se escrever e ler corretamente o português é preciso conhecer uma série de convenções ortográficas, as quais um aprendiz da língua passa a ter acesso de modo sistemático quando ingressa no processo de alfabetização, no contexto da educação formal. Neste sentido, estudos realizados por Kato (1990), sobre o desenvolvimento linguístico, revelam que há uma evolução da escrita em direção à gramaticalização. A natureza da nossa ortografia é alfabética, porém com algumas peculiaridades, conforme abaixo:

[...] embora a primeira intenção tenha sido talvez a de fazer um alfabeto de natureza fonética, o fato de toda língua mudar, ter diferenças dialetais e variações estilísticas que afetam a pronúncia impediu que a escrita alfabética pudesse ter uma natureza estritamente fonética. Na verdade, a relação é essencialmente fonêmica, isto é, a escrita procura representar aquilo que é funcionalmente significativo (KATO, 1990, p. 16).

Kato (1990) considera que a complexidade da nossa língua e o desafio que representa compreender como ela é adquirida ao longo do tempo é que fazem com que profissionais das áreas de psicologia, fonoaudiologia e linguística se interessem por investigar o assunto. Nossa língua apresenta várias diferenças formais, que são observadas entre a fala e a escrita, diferenças essas acarretadas pelas condições de produção e de uso da linguagem. No curso de sua aquisição estão envolvidos muitos fatores, como variáveis sociais e psicológicas, grau de letramento, desenvolvimento linguístico.

 

Aquisição da linguagem escrita

O processo de aquisição da linguagem escrita é complexo e dinâmico; envolve a construção e a reconstrução de aspectos funcionais, textuais, gráficos e os relativos ao sistema alfabético de representação. Ao contrário do que se acreditava anteriormente, de que, para tanto, era preciso que as crianças tivessem maturidade necessária e, primeiramente, desenvolvessem a coordenação motora fina, as percepções visuais, auditivas, olfativas e táteis, a linguagem oral e a coordenação visiomotora, o que denominamos de “pré-requisitos” para a alfabetização, conforme Ferreiro e Teberosky (1999).

Verificamos que o início da investigação no Brasil sobre o processo de aquisição da escrita foi impulsionado em parte pelo trabalho de Ferreiro e Teberosky, datado da década de 1970, o que Weisz (1999) chama de “revolução conceitual”, pois deslocou o foco de pesquisas sobre o ensino para a aprendizagem, ou seja, de como se deve ensinar para como realmente se aprende. A constatação do fracasso da escola em alfabetizar boa parte das crianças pode ser considerada também um impulsionador da pesquisa sobre a aquisição da linguagem escrita em nosso país.

Ferreiro e Teberosky (1999), a respeito da aquisição da escrita, afirmam que “a mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando do cérebro, que pensa sobre a escrita, que existe num meio social e com a qual toma contato através da sua própria participação em atos que envolvem o ler ou o escrever, em práticas sociais mediadas pela escrita”.

De acordo com Barrera (2003), as habilidades linguísticas são desenvolvidas na criança nas situações comunicativas do cotidiano. Quando a criança inicia o processo de alfabetização, ela já está utilizando a linguagem de forma comunicativa, ou seja, já possui regras gramaticais internalizadas e as utiliza de forma não consciente. Desde muito cedo, a criança, imersa num meio social, aprende e utiliza a linguagem oral com certa eficiência. Isso ocorre de maneira espontânea e só mais tarde ela será capaz de manejar as organizações linguísticas conscientemente. Porém, antes desse domínio consciente, ela já apresenta controle sobre a sua linguagem. Mas, as habilidades metalinguísticas se desenvolvem, sobretudo, durante o processo de escolarização, quando é solicitada à criança a reflexão consciente sobre a língua, suas regras e irregularidades.

Segundo Queiroga (2006), dos diversos fatores que compõem o processo de aquisição da escrita, destacam-se, da parte do aprendiz, as habilidades metalinguísticas que são as habilidades de reflexão sobre a língua, tomando as unidades da fala ou da escrita como analisáveis de modo consciente e deliberado.

apropriação da linguagem, segundo Correa (2005), acontece de forma gradual, seguindo uma sequência em seu desenvolvimento, na qual o aprendiz reconstrói as relações entre os sistemas fonológicos, ortográficos e morfológicos da língua. De acordo com Maluf, Zanella e Pagnez (2006), a aquisição da linguagem escrita é um objetivo básico a ser alcançado na fase inicial de escolarização e dele depende o sucesso da aprendizagem escolar nas fases posteriores; ou seja, para a autora, o desenvolvimento dessas habilidades ocorre durante a alfabetização, nos primeiros anos de escolarização, como resultados da instrução formal recebida.

Ainda de acordo com Barrera (2003), esse desenvolvimento ocorre de acordo com as mudanças mais gerais do desenvolvimento cognitivo, responsáveis pelo sistema de processamento de informações, o que ocorre por volta dos sete anos de idade.

A aprendizagem da linguagem escrita difere da aquisição da linguagem oral. Esta última é sustentada em grande parte por préprogramações inatas, biologicamente determinadas, que são ativadas automaticamente ao contato da criança com a linguagem oral. Precocemente, a criança aprende a falar e entender o idioma de seu grupo social, sem, contudo, conhecer conscientemente a estrutura formal (fonológica, morfológica e sintática) da língua, ou as regras que aplica no tratamento dessa estrutura, não lhe sendo possível fazer um trabalho intencional de instalação de novos conhecimentos (GOMBERT, 2003).

Segundo Ferreiro e Teberosky (1999), muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento. A grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que aquilo que se pode ler é o que contém letras. E que nenhuma criança entra na escola regular sem nada saber sobre a escrita. O processo de alfabetização é longo e trabalhoso para todas, não importa a individualidade de cada uma delas.

Mas, para avançar na aquisição da escrita, as crianças precisam desenvolver competências que as permitam entender que nem sempre a grafia das palavras obedece ao princípio alfabético, e que, muitas vezes, a origem morfológica da palavra determina a grafia das mesmas (Ex.: beleza – eza, indicador de adjetivo; princesa – esa, indicador de substantivo).

As propostas de alfabetização na escola, segundo Zorzi (1998), definem que a criança começa a aprender alguma coisa sobre a escrita quando é exposta a algum método sistemático, e a maioria desses métodos possuem uma hierarquia de apresentação dos elementos da escrita: primeiramente apresenta-se aquilo que é mais simples, depois o que é mais complexo (de acordo com o ponto de vista de quem ensina), mostrando assim o que há de mais regular e que tem mais correspondência com a língua oral, acreditando assim que a compreensão das crianças está sendo facilitada. Porém, isto produz a fixação e a automatização, tornando a aprendizagem da escrita artificial, o que (Faraco, 1984 apud Zorzi, 1998) caracteriza uma das “sete pragas” do ensino do português, porque não leva o aluno a compreender como funciona tal sistema. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), as crianças não são aprendizes passivos que apenas recebem conhecimentos, mas transformam e tematizam a língua escrita de acordo com o que vão aprendendo.

Zorzi (1998) afirma que, no início da aquisição da escrita, a oralidade é usada como referência, o que é visto quando a criança escreve do modo que fala; aos poucos, a criança começa a perceber a diferença entre as duas línguas – a que se fala e a que se escreve –, na medida em que a escrita vai se tornando mais independente da oralidade, pois a criança pode transformar a própria oralidade através do “apoio” da escrita.

Contrapondo-se ao sistema de “automatização”, Zorzi (1998) afirma que o ponto de partida para que as crianças escrevam as palavras corretamente, de acordo com as convenções ortográficas, é que devem entender tanto as regras e convenções, não somente decorando-as, quanto as funções que ler e escrever vão exercer em suas vidas.

Kato (1990) afirma que o processo de letramento começa na fase pré-escolar e envolve não apenas a interação da criança com o objeto escrito, mas também é mediada por uma interação com o adulto. Nesse processo, o adulto assume dois papéis importantes, sendo o primeiro de servir de modelo e o segundo de alicerce para a construção da identidade da criança. Também afirma que a criança, em seu período de letramento emergente, deve ter um insight fundamental, de que a escrita tem uma função comunicativa.

Segundo Baron (1976 apud Kato ; Moreira ; Tarallo, 1997), tanto uma boa leitura quanto uma boa ortografia dependem mais da sensibilidade a padrões de letras do que de correspondências individuais entre letras e sons. O conhecimento desses padrões é usado, pelos bons soletradores, na grafia de pseudopalavras.

Para Bryant e Bradley (1983 apud Kato ; Moreira ; Tarallo, 1997), as estratégias de leitura e de escrita são diferenciadas, sendo a primeira guiada por uma estratégia visual e semântico-textual e a segunda guiada por estratégia fonológica. Esses autores ainda falam sobre o consenso que há de que crianças leem palavras que não sabem escrever, mas que a hipótese recíproca parece ser desacreditada, isto é, que crianças escrevem palavras que não sabem ler.

Em um experimento realizado por Bryant e Bradley, as palavras, para serem lidas e escritas, foram categorizadas de várias formas, dentre elas –L+E (não lidas, mas escritas), quando todas essas palavras não lidas, mas escritas, foram regulares levando a conclusão de que as crianças leem em fatias visuais, porém escrevem fazendo uso de regras.

Conforme Oliveira (2007), a linguagem, seja ela de forma escrita ou falada, é uma atividade complexa que envolve a interação de diversas dimensões, tais como a morfologia, a sintaxe e a fonologia.

A sintaxe se ocupa de estudar as palavras agrupadas em segmentos que cumprem funções específicas no discurso e as relações entre os segmentos, pois existem regras para ordená-las de forma que o discurso faça sentido; ou seja, estuda as relações que as palavras estabelecem entre si nas orações e das relações que se estabelecem entre as orações nos períodos.

A fonologia estuda as palavras sob o aspecto sonoro, os sons e a representação da pronúncia. As unidades fônicas que compõem as palavras são chamadas de fonemas.

A morfologia está relacionada à formação de palavras a partir dos morfemas, suas flexões derivacionais, composições, suas funções e relações na frase. Os morfemas constituem as menores unidades de significação na língua. Uma palavra pode ser constituída de apenas um morfema (Ex.: “flor”), de dois ou mais (Ex.: “florzinha” = flor de pequeno tamanho).

A dimensão morfológica

De acordo com Correa (2005), no caso da morfologia derivacional, investiga-se a habilidade da criança em lidar com a formação de palavras pelo acréscimo de prefixos ou sufixos a um radical ou ainda com a decomposição de palavras derivadas gerando palavras primitivas. Quanto à morfologia flexional é estudada a sensibilidade da criança às flexões de modo-tempo, número-pessoa de verbos, adjetivos e substantivos.

Para a morfologia temos duas grandes categorias, a morfologia flexional e a derivacional, utilizada na língua para agregar traços específicos às palavras dando novo significado, e formando assim uma nova palavra. Esses traços se distribuem de forma complementar [...]. Exemplos: morfologia flexional = professor-professores e morfologia derivacional = café-cafeteira (MOTA, 2007, p. 1).

Consciência morfológica derivacional refere-se, segundo Paula (2007), à habilidade de refletir sobre o significado e as combinações possíveis dos morfemas na formação das palavras.

As investigações sobre a consciência morfológica ganham bastante importância, uma vez que, conforme Correa (2005), há a necessidade da criança de desenvolver tais competências que lhe permitam refletir sobre a estrutura das palavras e sua colocação nas frases (consciência sintática e morfossintática) a fim de escrever ortograficamente correto e aumentar seu vocabulário.

Conforme Paula (2007), estudos recentes em línguas alfabéticas, como o inglês, o francês, o espanhol e o português, têm comprovado a existência do conhecimento morfológico nos estágios iniciais da aquisição da escrita, porém ainda são poucos os estudos a respeito da aprendizagem dessa dimensão da linguagem na língua portuguesa.

Boa parte dos modelos que representam a aquisição da língua escrita considera que esse conhecimento é somente construído e passa a influenciar o desempenho no exercício da leitura e da escrita em momentos mais avançados dos processos de aquisição da mesma (PAULA, 2007).

Um aspecto importante que, segundo Correa (2005), vem sendo investigado a respeito da aquisição da escrita é a natureza da ortografia, pois, em línguas como o inglês, a questão da variação quanto ao grau de correspondência entre letra e som é mais opaca do que em línguas como o português. Por exemplo, em inglês, a palavra “bad”, apesar de escrita com a letra “a”, lê-se “bed”, o que não ocorre com o português. Nesse âmbito, vários estudos mostraram que no inglês, de fato, a consciência morfológica está relacionada à aquisição da escrita. Portanto, um desafio contemporâneo é investigar se a morfologia tem um papel na aquisição da escrita ortográfica do português. Sendo esta uma língua morfologicamente complexa, ou seja, as regras muitas vezes são arbitrárias e cheias de exceções, neste caso, acreditamos que o desenvolvimento da consciência morfológica possui papel fundamental na aquisição da escrita dessa língua.

Queiroga (2006) afirma que a ortografia não pode ser concebida como um processo reprodutivo, pois as crianças são capazes de gerar palavras que jamais escreveram antes.

Pesquisas sobre aquisição do português língua escrita

Conforme Barrera (2003), nos últimos anos tem se verificado um aumento de estudos sobre a relação entre o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas e a aprendizagem da linguagem escrita, isso indica a importância teórica e prática do tema. Nos últimos 30 anos houve enorme avanço nos conhecimentos a respeito deste tema. São frequentes as pesquisas sobre a habilidade de identificar os componentes fonológicos e de manipulá-los de modo intencional, porém até o momento pouco se estudou sobre o conhecimento morfológico e a linguagem escrita. Como não há muitos estudos sobre a morfologia, se faz necessária a continuação de pesquisas relacionadas a esta.

Conforme Correa (2005), é necessário investigar como a habilidade de refletir sobre os aspectos morfológicos da língua interage com a alfabetização e em que momento do desenvolvimento a criança começa a processar esse conhecimento. Isto é importante, pois tem implicações pedagógicas, como a maneira e o momento do desenvolvimento da criança em que os conhecimentos morfológicos devem ser ensinados explicitamente.

Conforme Gombert (2003), pesquisadores se interessam em saber quando começa o desenvolvimento da consciência morfológica, pois alguns autores mostraram que, desde os anos iniciais da alfabetização, as crianças processam a morfologia derivacional no francês. Estudos realizados por Paula (2007) com a língua portuguesa demonstram que crianças de 1ª série possuem conhecimento implícito, ou sensibilidade para a morfologia derivacional, mais principalmente para o conhecimento de sufixos, se comparados a conhecimento sobre prefixos. A partir dessa série, também, verificou um número crescente de correlações entre conhecimento morfológico e desempenho em leitura e em escrita. Ainda precisamos saber mais se, no português, o processamento morfológico tem um papel a desempenhar na aquisição da escrita. Estes resultados a respeito da maior facilidade das crianças em manipular a formação de palavras por sufixação do que por prefixação são coerentes com dados encontrados por Marec-Breton (2003 apud PAULA, 2007) para o francês. Para explicar estes resultados, as autoras consideram que:

Se por um lado alguns autores consideram que esta atenção ao conjunto de sons finais e ao conjunto de grafemas correspondentes, auxiliam a leitura por analogia de palavras que terminam com o mesmo som e grafia (Goswani, 1989), também podemos supor que isto facilitaria também o uso da habilidade de efetuar analogias em termo do significado que aprendeu implicitamente a relacionar a estes morfes. (PAULA, 2007, p. 80)

Diante disso, temos como objetivo verificar o conhecimento morfológico derivacional e sobre ortografia de palavras isoladas. Por meio deste estudo, pretendemos investigar se há conhecimento morfológico em crianças no início da alfabetização e relacionar esse conhecimento com o desempenho na escrita de palavras, fornecendo subsídios para o avanço das pesquisas nessa área temática. Devido à existência de poucos estudos nessa área, principalmente sobre a morfologia, nos dispomos a investigar se crianças da primeira série do ensino fundamental de uma escola pública possuem conhecimento morfológico e se esse conhecimento está relacionado à aquisição da escrita, tal como demonstrado por Paula (2007) para crianças de escola privada.

 

MÉTODO

Participantes

O estudo foi realizado com 20 alunos, sendo 10 meninas e 10 meninos, com idades entre 6 e 10 anos, sendo 12 da 1ª série e oito da 3ª série de uma escola pública na cidade de São Bernardo do Campo (SP). Dos alunos da 1ª série, temos sete meninas e cinco meninos e em relação aos alunos da 3ª série temos três meninas e cinco meninos.

Ao entrarmos em contato com a escola, conseguimos autorização de duas professoras que disponibilizaram uma aula com os 28 alunos de suas salas de aula, sendo uma da 1ª série e uma da 3ª série. Entregamos os termos de consentimento livre esclarecido para todos os alunos, porém somente 20 alunos nos trouxeram as autorizações devidamente assinadas pelos pais, o que nos reduziu o número de crianças participantes.

Instrumentos

Neste estudo foram utilizadas duas tarefas, sendo uma para a avaliação do conhecimento morfológico derivacional e outra para avaliação do desempenho na escrita de palavras. A primeira é uma tarefa de Produção de neologismos – palavras que não existem na língua – desenvolvida por Marec-Breton (2003) e adaptada para o português por Paula (2007). Nesta, a partir do acréscimo de prefixo ou sufixo a uma palavra já existente na língua e familiar para a criança, deve-se formar uma palavra nova com um significado válido no português.

A segunda é uma tarefa de Escrita sob Ditado, utilizada para avaliar a escrita ortográfica, composta por uma lista de 20 palavras isoladas, extraídas da tarefa original desenvolvida por Capovilla e Capovilla (2000).

Tarefa de Produção de Neologismos

Esta tarefa foi elaborada com o intuito de verificar o modo como são acessados conhecimentos sobre morfemas do português, por meio da invenção de palavras que são possíveis, a partir do acréscimo de prefixo ou sufixo às palavras que são familiares e que apresentam alta frequência para as crianças, mas que não fazem parte do vocábulo da língua, permitindo assim que utilizem seus conhecimentos morfológicos para a realização da mesma.

A seguinte instrução foi fornecida aos participantes para a realização da mesma, incluindo exemplos para ensaio coletivo da tarefa: “Vamos jogar um jogo: você vai inventar novas palavras da mesma família da que eu vou te dar. Por exemplo, eu te digo cadeira e você deve dizer: como é que nós podemos chamar uma pessoa que faz cadeiras (cadeireiro). Como nós podemos chamar a ação de fazer piquenique? (piquenicar). Você compreendeu bem o que é pra ser feito? Vamos começar!”.

Nesta atividade utilizamos palavras com derivação de dois tipos de prefixo e dois tipos de sufixo, conforme exemplos abaixo.

Prefixos: “rasgar: rasgar mais uma vez é rerasgar”; “esquentar: deixar de esquentar é desesquentar”. Sufixos: “cenoura: comida feita de cenoura é uma cenourada”; “piscina: aquele que trabalha na piscina é um piscineiro”.

Tarefa de escrita sob ditado

Esta tarefa foi utilizada para avaliar a escrita ortográfica. Sua aplicação foi coletiva. Os participantes foram instruídos a escrever, sob ditado, uma lista de 24 palavras isoladas. Esta lista foi obtida da tarefa original criada por Capovilla e Capovilla (2000). Quanto à regularidade, temos oito palavras regulares, ou seja, que não tem mais de uma realização ortográfica possível na língua; oito cuja ortografia é orientada por regra e oito irregulares, cuja ortografia é arbitrária.

A avaliação foi realizada, computando-se um ponto para cada palavra escrita corretamente, conforme Tabela 1.

 

 

Procedimentos

Após obter autorização dos pais dos alunos, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram iniciadas as sessões de coletas de dados, com duração de 40 minutos aproximadamente. Foi realizada uma única sessão coletiva para a aplicação das duas tarefas, em uma sala da escola para onde encaminhamos os participantes de cada série. A sequência de aplicação das tarefas foi a mesma para ambas as turmas; primeiramente, a tarefa de Escrita sob Ditado e, na sequência, a Tarefa de Neologismo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A apresentação dos resultados baseou-se em uma análise descritiva dos dados, computando-se os acertos dos participantes em cada tarefa investigada. Nossos resultados estão expressos em porcentagem.

Inicialmente, trataremos do desempenho geral de ambas as séries nas duas tarefas, ditado e neologismo. Em seguida, são analisados os resultados referentes às subcategorias das referidas tarefas. As análises são acompanhadas de uma breve discussão, levando-se em conta o objetivo e as hipóteses norteadores deste estudo.

A Figura 1 ilustra a diferença dos desempenhos de ambas as séries entre as duas tarefas solicitadas.

 

 

De um modo geral, conforme verificamos na Figura 1, os participantes de ambas as séries se saíram bem melhor na tarefa de Escrita de palavras sob ditado do que na tarefa de Produção de Neologismo.

Comparando o desempenho das séries nas duas tarefas, verificamos que na tarefa de Escrita de palavras sob ditado a porcentagem de acerto foi maior na 3ª série (64 %) em relação à 1ª série (54%) e, da mesma forma, superior na tarefa de Produção de Neologismo com os seguintes resultados: 3ª série, 18%, e 1ª série, 5%. O que indica uma evolução na apropriação da ortografia em função do avanço escolar. Sobretudo, verificamos que a diferença entre as duas séries é maior em relação ao conhecimento morfológico derivacional, via formação de neologismos, do que em relação à ortografia de palavras. Este resultado nos permite considerar que, conforme a criança avança nas séries escolares, vai adquirindo maior conhecimento e contato com a língua escrita, incluindo o conhecimento morfológico. Desse modo, vai adquirindo maior habilidade em manipular aspectos relacionados à dimensão morfológica da língua portuguesa na sua versão escrita.

A Figura 2 ilustra a diferença dos desempenhos de ambas as séries na tarefa de Escrita sob Ditado em termos de regularidade das palavras.

 

 

De acordo com o gráfico acima, a respeito dos resultados na tarefa de Escrita de palavras sob Ditado, podemos identificar que tanto a 1ª série quanto a 3ª série obtiveram um desempenho idêntico (69% acertos em ambas) nas palavras regulares e superior ao obtido nas demais subcategorias de palavras.

Notamos que a 1ª série ortografa melhor as palavras regulares, do que as orientadas por regras, nestas melhor do que nas palavras irregulares, cuja ortografia é arbitrária. Retomamos a hipótese de que esse desempenho segue a forma como o ensino é apresentado pelo método de ensino formal, quando as palavras são apresentadas de modo a iniciar pelas mais simples caminhando para as mais complexas, levando-se em consideração que, no caso da 1ª série, estão no início do processo de aquisição desses conhecimentos.

Na 3ª série, a sequência de desempenho se apresenta de forma diferente. Após o desempenho maior de 69% nas palavras regulares, temos as irregulares com 64% e em seguida as formadas a partir de regras com 58%. O resultado superior na escrita de palavras irregulares, comparado à escrita das regulares, pode denotar certo nível de conhecimento ortográfico explicado pela decoração da ortografia correta.

Na Figura 3, ilustramos a diferença dos desempenhos de ambas as séries na tarefa de Produção de Neologismos em função das subcategorias de prefixo e sufixo.

 

 

Nas subcategorias, a 3ª série obteve resultados superiores em relação à 1ª série, ou seja, tanto com os prefixos quanto com os sufixos observamos essa relação de desempenho crescente de acordo com as séries. Ambas as séries tiveram um desempenho muito superior nos itens que exigiam formação de palavras por sufixação do que por prefixação e esta diferença fica ainda mais evidente nos resultados da 3ª série. Portanto, temos a 1ª série com 1%, enquanto a 3ª série com 5% de acertos. Para a subcategoria de sufixos, a diferença é bastante significativa, temos a 1ª série com 9% e a 3ª série com 30% de acertos.

Essas diferenças se dão, conforme Paula (2007), porque as crianças desenvolvem primeiramente conhecimentos sobre informações contidas no final das palavras, como a identificação de rima, por exemplo, mas também pela realização de analogias entre “pedaços” característicos de final de palavras, os quais podem coincidir com morfemas. Intuitivamente, a criança se torna sensível para o fato de que obtemos mais informação sobre a palavra olhando para o seu final do que para o início. Por exemplo, é olhando para o final da palavra que podemos inferir se ela é um substantivo, um verbo ou um adjetivo; se ela está no plural ou no singular, no feminino ou no masculino.

 

Conclusão

O objetivo desse trabalho foi confirmar se há conhecimento morfológico em crianças no início da alfabetização e verificar se há relação entre estes e o conhecimento sobre escrita ortográfica de palavras. Participaram dessa investigação 20 alunos de uma escola pública do município de São Bernardo do Campo (SP), estudantes da 1ª e 3ª séries. Nossas metas foram alcançadas na medida em que pudemos identificar diferenças de desempenho entre as séries na habilidade de inventar palavras formadas por acréscimo de sufixo ou de prefixo a palavras conhecidas, tendo a 3ª se sobressaído em relação à 1ª série. Também foi possível verificar que se saem melhor na formação de palavras que exigem uso de sufixo do que de prefixo.

Nosso interesse por essa pesquisa foi desencadeado devido, principalmente, a dois motivos: (1) à aquisição da linguagem escrita constituir-se como problema nacional, pois temos dados que comprovam que alunos chegam a 4ª ou 5ª série sem aquisição da leitura e da escrita, destacando-se dificuldades na compreensão e ortografia de palavras e textos e (2) pela crença de que o trabalho com a dimensão morfológica da linguagem, que diz respeito à produção do significado das palavras deveria ganhar mais atenção na organização das situações da aprendizagem da língua pela criança.

Trabalhamos com a hipótese de que, muito cedo no processo de alfabetização, o aprendiz é sensível à morfologia, antes mesmo de tomar consciência da existência da mesma, mesmo constatando informalmente que esta dimensão da linguagem encontrada é menos enfatizada do que outras, como a fonologia ou a compreensão da estrutura textual, no planejamento de ensino e em provas que avaliam resultados de alfabetização.

Em relação a isto, a hipótese foi confirmada ao constatarmos que o conhecimento morfológico já está presente desde a primeira série. Constatamos que existe uma construção ativa por parte do aprendiz, pois as crianças foram capazes de gerar a grafia das palavras, inclusive de palavras que jamais escreveram (na tarefa de produção de Neologismo) através de sua concepção de língua escrita. Demonstra também uma certa independência da criança em relação à escola na construção do seu conhecimento linguístico.

Na 3ª série, o conhecimento morfológico derivacional também está presente, porém é recuperado com mais eficácia nas tarefas, provavelmente em função das aprendizagens explícitas proporcionadas pela instrução formal e também pelos progressos obtidos, por exemplo, no plano dos seus recursos cognitivos e ampliação de vocabulário. Estes são temas que gostaríamos de explorar em estudos futuros.

Assim como Paula (2007), verificamos uma enorme variedade de produções apresentadas na tarefa de Produção de Neologismo e consideramos que uma vez dada liberdade ao aprendiz para expressar seu conhecimento lexical em atividades como esta, podemos verificar o quanto este é rico, se isolado de outros critérios de avaliação linguística, como a ortografia.

Recomenda-se, portanto, tal como Bryant (2006 apud MOTTA, 2007), que nas séries iniciais do ensino fundamental sejam desenvolvidas atividades pedagógicas que tenham como objetivo levar os alunos à tomada de consciência dos aspectos formais e estruturais da língua oral e sua relação com a escrita, como por exemplo, as tarefas que nós propomos para a realização deste estudo. As práticas de ensino não devem envolver decorar listas de palavras descontextualizadas, mas sim refletir sobre a estrutura interna das palavras e tornar explícita a relação entre os morfemas das palavras e a escrita; ajudam as crianças a melhorar o desempenho na escrita.

Sintetizando os resultados referentes às tarefas de ditado e neologismo, chamou a atenção: 1) o fato de que a diferença de desempenho entre as séries foi maior na tarefa de neologismo do que na de ditado; 2) de que na tarefa de ditado, a 3ª série se diferenciou da 1ª, principalmente na redação correta de palavras irregulares e, 3) por último, de que na produção de neologismo observamos uma

diferença de desempenho a favor da 3ª série principalmente na manipulação de sufixos. Estes resultados nos permitem considerar que estudos futuros considerem e explorem as relações possíveis entre conhecimento morfológico derivacional e ortografia de palavras irregulares.

Concluindo, contribuímos um pouco para a caracterização do conhecimento morfológico derivacional dos aprendizes da língua portuguesa escrita, deixando novas questões a serem investigadas, como, por exemplo, estudos empíricos para avaliar o impacto destas práticas no desempenho escolar dos alunos.

 

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Recebido em: 15/04/2008
Aprovado em: 02/06/2008

 

* Baseado em trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção da formação em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), sob a orientação da Profa. Dra. Fräulein Vidigal de Paula.
** Graduanda em Psicologia pela Facsuzibc@yahoo.com.bruldade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). E-mail: suzibc@yahoo.com.br; debora.leandro@delga.com.br
*** Psicóloga e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, docente do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: frauleindepaula@yahoo.com.br