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Psicologo informacao

versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.15 no.15 São Paulo dez. 2011

 

Artigo

 

 

Influência da personalidade do pai na participação da prestação de cuidados ao bebê

 

Influence of the personality of the father's participation in the care of the baby

 

 

Sofia Afonseca*; Alda Martins**; Vaness a Pires***

 

 


RESUMO

O papel do pai na participação da prestação de cuidados ao bebê tem-se vindo a alterar nos últimos tempos, tornando o pai mais participativo e ativo. No entanto, nem todos os pais partilham os cuidados do bebê, sendo ainda a mãe a principal cuidadora na maior parte dos casos. Um dos fatores que poderão explicar uma maior responsabilização e consequente participação na prestação de cuidados por parte do pai são os traços de personalidade. Deste modo, para compreender de que forma a personalidade influencia a participação da prestação de cuidados ao bebê, utilizou-se um questionário com cinco perguntas referentes à prestação de cuidados e o Questionário de Personalidade de Eysenck, na sua versão reduzida [Eysenck Personality Questionnaire-R48]. Responderam voluntariamente aos questionários 52 pais, com idades compreendidas entre os 20 e os 53 anos. Os resultados demonstraram que os fatores de personalidade Neuroticismo/Estabilidade, Extroversão/Introversão e Psicoticismo/ Superego parecem influenciar a prestação de cuidados. De acordo com os resultados, observaram-se correlações positivas significativas entre o neuroticismo e a ida às consultas pré-natais (r = - 0,277; p = 0,047); extroversão e partilha de dúvidas e sentimentos por parte do pai (r = 0,348; p = 0,01); e psicoticismo e confiança na prestação de cuidados (r = 0,290; p = 0,037). Em suma, a personalidade tem algum impacto na participação da prestação de cuidados ao bebê, não se demonstrando, no entanto, a principal influência, ficando por esclarecer que outras variáveis intervêm no processo.

Palavras-chave: pai; parentalidade; prestação de cuidados; bebê; personalidade; Eysenck; neuroticismo; psicoticismo; extroversão.


ABSTRACT

The father's role in the childcare is changing since the last years and they are turning more participative and active. However, some fathers don't share the childcare and in the most cases the mother is the principal responsible for that. One of the factors that may explain the participation of the father is the personality traces. Accordingly, to understand how the personality can influence the participation of the father in the baby's care it was developed five questions related to childcare and it was used the Eysenck Personality Questionnaire- -R48 to measure the personality of the fathers. These questionnaires were completed by 52 volunteers with ages between 20 and 53 years old. The results showed that neuroticism/stability, extroversion/introversion, and Psychoticism/Superego appear to be an influence in the childcare. In the results, it was possible to verify a positive correlation between neuroticism and to go to the prenatal appointments (r = - 0,277; p = 0,047); extraversion and to share concerning and feelings (r = 0,348; p = 0,01); and psychoticism and confidence in giving childcare (r = 0,290; p = 0,037). In summary, the personality has some impact in the father's childcare but it is not the principal influence, staying for understand the others variables that take part in this process.

Keywords: father; parenting; childcare; baby; personality; Eysenck; neuroticism; psychoticism; extraversion.


 

 

Introdução

A preparação dos pais para a parentalidade tem sido um tema discutido na área da saúde. Preparar os pais para receberem a criança e conseguirem ultrapassar essa difícil fase de adaptação de forma bem-sucedida reflete-se não só no bem-estar pessoal, mas também na saúde mental da própria criança (ELLENBOGEN; OSTIGUY; HODGINS, 2010, FORMOSO, GONZALES; BARRERA; DUMKA, 2007, LAHEY, 2009, LU, 2006, SCHWARTZ; FINLEY, 2006, SILVA, 2006).

Vários autores têm defendido que as características da personalidade dos pais são uns dos fatores que mais contribuem na adaptação do indivíduo à parentalidade (ABREU, 2009, BELSKY, 1984, HEINICKE, 1995, HIDALGO, 1998, KROB, PICCININI; SILVA, 2009).

Existem diversas teorias acerca da personalidade, entre as quais se destaca a de Hans Eyesenck por ter um vasto suporte teórico e uma grande sustentabilidade empírica. A perspectiva de Eysenck admite uma visão mais objetiva e sistêmica da personalidade, permitindo avaliá-la e compreendê-la em grandes grupos, sem a necessidade de uma avaliação vasta e prolongada, o que pode ser uma mais valia no estudo da transição para a parentalidade, nomeadamente na predisposição por parte do pai na prestação de cuidados ao bebê, facilitando possíveis medidas de intervenção neste campo.

Hans J. Eysenck (1952, 1969) defendia a existência de apenas três fatores de personalidade, cada um deles com um polo oposto: Extroversão/Introversão, Neuroticismo/Estabilidade e Psicoticismo/Superego.

Os indivíduos extrovertidos podem ser caracterizados como sociáveis, adaptáveis, despreocupados, otimistas, impulsivos, energéticos, rebeldes, aventureiros, resistentes e costumam procurar novas sensações ativamente; enquanto um indivíduo introvertido possuirá características próximas da passividade, tranquilidade, fobia social, pessimismo, pouca atividade, preocupação, reservado, responsabilidade, acanhamento, evitação de sensações (EYSENCK, 1952,1969).

Um indivíduo neurótico terá uma maior probabilidade de interpretar negativamente as experiências traumáticas e será mais ansioso, estará mais predisposto a uma rápida resposta ao estresse, entendendo todos os estímulos como ameaçadores, e quando esses indivíduos são confrontados com estímulos estressantes, têm mais dificuldade em voltar ao nível basal, i.e., em acalmar-se. Esses indivíduos têm também maiores propensões à depressão, têm frequentemente sentimentos de culpa, são tensos, sensíveis, tímidos, temperamentais, e na sua maior parte apresentam uma baixa autoestima. Por sua vez, as características de estabilidade permitem ao indivíduo enfrentar situações ameaçadoras, desenvolvendo normalmente uma resposta de ansiedade mais lenta e voltando rapidamente ao seu nível basal. Assim, são considerados como pessoas calmas, racionais, atrevidas, controladas, despreocupadas, relaxadas e alegres. Normalmente, têm uma autoestima elevada e apresentam locus de controle externo. A pessoa psicótica é mais voltada para si mesma, é agressiva, hostil, fria, egocêntrica, impessoal, antissocial, impulsiva, rígida e com grandes dificuldades em estabelecer empatia com os outros. Contrariamente, o indivíduo com uma elevada pontuação no fator superego é caracterizado pela passividade, flexibilidade, facilidade em criar relações calorosas, próximas e íntimas, sendo normalmente sociável, empático e objetivo. Pensa constantemente na sua atitude e é altruísta (EYSENK, 1952).

Neste quadro conceptual, as características individuais, que se manifestam notoriamente em termos comportamentais, assumem um papel relevante no quotidiano do indivíduo e na maneira como irá se adaptar às novas situações e papéis que a vida proporciona. Assim, também essas características assumirão um papel determinante na forma como os pais vão participar nas tarefas quotidianas do bebê, e na forma como irão adaptar-se a todas as suas necessidades emergentes.

De acordo com o modelo da prestação de cuidados, para ser um cuidador competente são necessárias três características essenciais: cuidado, eficácia e partilha. A primeira característica consiste na motivação do cuidador pelo bem-estar e crescimento do bebê; a segunda consiste na disponibilidade do cuidador para partilhar, assimilar novos conhecimentos e confirmar a experiência pessoal como prestação dos cuidados; a terceira diz respeito à competência do cuidador em desenvolver ações eficazes na resolução de problemas, bem como promover o bem-estar e o desenvolvimento da criança (MOREIRA, 2007).

Para uma boa transição para a parentalidade, tanto o pai como a mãe devem sentir-se predispostos para prestar os melhores cuidados ao bebê que acaba de chegar, assumindo ativamente o seu papel enquanto cuidadores.

Vários autores afirmam que a participação paterna nos cuidados do filho, logo após o seu nascimento, proporciona ao bebê uma melhor regulação e controle do comportamento e das emoções, tornando-os capazes de se adaptar mais facilmente a outros sentimentos vivenciados e às diversas situações inesperadas, desenvolvendo assim um forte compromisso com a paternidade (BALANCHO; 2003, DOHERTY; KOUNESKI; ERICKSON, 1996, FURSTENBERG, 1995, MARSIGLIO, 1995).

Embora o papel da mãe seja notoriamente destacado na prestação de cuidados da criança nos primeiros anos de vida, o papel do pai tem assumido uma maior importância nos últimos anos (DEUTSCH, 1999, RISMAN, 1998, SILVERSTEIN, 1996, STEIL, 1997). Na sociedade contemporânea, a sua função de criar os filhos não se limita ao sustento à criança e à própria família, tornando-se numa figura presente no dia a dia dos filhos e contribuindo ativamente na sua educação e desenvolvimento. O papel do pai tem vindo de tal forma a alterar-se, que alguns estudos realizados com casais encontraram nos pais a presença de sintomas físicos semelhantes aos sentidos pelas mulheres no decorrer da gravidez (e.g., alterações hormonais, desejos, aumento de peso) (CAMPOS, 2006, COLMAN; COLMAN, 1994, MARX, 2004).

Vários estudos têm demonstrado a existência de uma idêntica transição para a parentalidade entre homens e mulheres que se traduz por um perfil semelhante de preocupações, embora a forma como a vivenciam seja distinta. As mães, por um lado, preocupam-se com a globalidade dos acontecimentos adversos e particularmente com situações relativas ao contexto familiar, interpessoal e econômico- social, com a sua própria competência para cuidar do bebê. A saúde do recém-nascido e a preparação física e/ou emocional para a chegada do novo membro da família também são assumidas pela mãe em suas tarefas quotidianas. Por sua vez, os pais centram as suas preocupações no desempenho do seu papel após o nascimento do filho, no modo como irão prestar apoio à companheira nesta situação, nas brincadeiras mais ativas; porém, não assumem tão ativamente o papel de cuidador responsável (CONDE; FIGUEIREDO, 2007, LAMB, 2010).

No entanto, Parke (1996) refere que o pai é tão responsável pelos cuidados do bebê quanto a mãe. Cabe também ao pai estar atento aos sinais do filho e responsabilizar-se pela supressão das suas necessidades básicas, como a alimentação, higiene, saúde, choro, etc. A participação do pai nessa prestação de cuidados dependerá também dos fatores biogenéticos (fatores que influenciam a evolução da espécie), ecológicos, psicossociais (motivação, habilidades, autoconfiança, suporte social) e, por fim, os fatores institucionais (LAMB; PLECK; CHARNOV; LEVINE, 1985).

Como já foi referido, o papel do pai tem sofrido mudanças, assumindo-se mais ativamente como um prestador de cuidados. Atualmente, verifica-se um maior número de pais interessados em ajudar a cuidar do bebê, não só no apoio financeiro como também em ajudar nas tarefas domésticas, prestação de cuidados, proporcionar apoio emocional e ainda em manter uma maior interação com o filho (ABREU, 2009, DOHERTY et al., 1996, FALCETO, 2002, MARX, 2004, LEVINE; PITT, 1995, O'BRIEN, 2005).

Constata-se que os pais de hoje estão mais predispostos a assimilar diversas informações sobre a gravidez e os cuidados do bebê, sentindo-se mais responsáveis pelo cuidado diário dos seus filhos (SERÔDIO, 2009). De fato, com a emancipação da mulher, o homem torna-se mais ativo e reivindica para si algumas tarefas anteriormente exclusivas da mulher (DOUCET, 2006, EGEREN, 2004). Ao contrário do que acontecia nos anos 80, em que a própria mãe receava uma participação mais ativa do pai (COWAN; COWAN, 1987), nos dias de hoje constata-se que a mãe permite o envolvimento parental também porque tal lhe permite centrar-se igualmente na sua vida profissional (ABREU, 2009, DOHERTY et al., 1996).

Assim, poderá ser que agora, mais frequentemente, seja possível se encontrar pais ativos, responsáveis por tarefas como a higiene do bebê ou da alimentação. Apesar de o pai participar nas tarefas dos cuidados da criança e nas tarefas domésticas mais do que nunca, o pai apenas realiza uma pequena parcela dessas tarefas quando comparado com a mãe e, raramente assume a verdadeira responsabilidade destas funções (COLTRANE, 1995, PARKE, 1996).

Segundo Krob et al. (2009), existem dois tipos de pai, ou seja, aquele que assume no seu quotidiano os cuidados do bebê de forma espontânea por sentir satisfação e prazer em participar na prestação de cuidados, e o pai com uma participação esporádica e/ou quando solicitada pela mãe.

Apesar da nova definição de pai, existem alguns obstáculos que dificultam uma participação igualitária na nova etapa do ciclo de vida, nomeadamente, em termos profissionais/sociais e familiares. Em termos profissionais, apesar da lei (portuguesa) prever que a licença de maternidade possa ser gozada também pelo pai em caso de mútuo acordo do casal, tal não é bem visto socialmente e pode ter repercussões mais graves na vida profissional do pai, por exemplo, a não renovação de contratos de trabalho ou a impossibilidade de progressão na carreira. Por outro lado, no ambiente familiar também não é bem aceito que o pai preste o mesmo número de cuidados do que a mãe, nomeadamente pela família ampliada (avós e tios), porque este não é percebido como competente para estes tipos de funções (COWAN; COWAN, 1987, REIS; DORNTE; LIPPE, 2011).

De fato, um dos fatores que parecem influenciar a participação do pai nos cuidados do bebê é a confiança atribuída pela mulher para a realização desse tipo de tarefas (ABREU, 2009, DOHERTY et al., 1996).

Autores como Brito e Oliveira (2006) defendem que a maioria dos homens sente-se excluída da parentalidade pelo fato de não terem participação no processo da amamentação. Essa função que biologicamente é destinada à mãe nos primeiros meses, concede-lhe um poder de determinar a participação do homem, e, como tal, cabe também à mulher incluir o pai nos cuidados do bebê.

Assim, os sentimentos de competência e autoestima são dimensões relevantes no comportamento do pai, e, quanto mais se sentem apoiados pela sua esposa, tanto mais envolvidos ficarão na sua nova função. O comportamento mais ausente está associado ao medo, insegurança e falta de confiança por parte do pai (KROB et al., 2009).

Então, as características individuais do homem também parecem influenciar a participação ativa na prestação de cuidados, entre elas os fatores de personalidade descritos.

De acordo com o estudo de Bouchard e Poirie (2011), os homens com alto nível de neuroticismo têm sentimentos de sobrecarga devido às necessidades que o novo papel impõe; assim, a sua capacidade de se adaptar fica comprometida e, por vezes, o pai evita colaborar na prestação dos cuidados. Da mesma forma, vários estudos têm constatado que níveis altos de neuroticismo estão relacionados com uma menor competência na prestação de cuidados ao bebê (CLARK; KOCHANSKA; READY, 2000, KENDLER; SHAM; MACLEAN, 1997, KOCHANSKA; CLARK; GOLDMAN, 1997), enquanto que os pais que apresentam alto nível de estabilidade são mais participativos e sentem-se mais eficazes na sua função como pais (BORNSTEIN et al., 2003; COLEMAN; KARRAKER, 1997). De fato, os indivíduos neuróticos tendem a centrar-se em aspectos negativos que abalam a sua autoconfiança, enquanto os mais estáveis são relaxados e confiantes por natureza, assumindo de melhor forma as novas responsabilidades.

No que diz respeito ao fator extroversão/introversão, alguns estudos mostram que os traços de extroversão e de amabilidade estão relacionados com uma boa participação na prestação dos cuidados do seu filho (BELSKY; CRNIC; WOODWORTH, 1995, CLARK et al., 2000). O pai extrovertido tem demonstrado maior nível intelectual nas suas ações e práticas parentais, porém, pode não transmitir tanta segurança aos seus filhos por ser demasiado aventureiro, ativo e enérgico. O fato de ser expansivo e dominante não lhe permite se adaptar tão bem às necessidades da criança, apesar de normalmente ter características mais assertivas do que pais mais introvertidos. Os pais introvertidos, por sua vez, são controlados, calmos, atentos e tendem a centrarem-se na criança, adaptarem-se melhor às suas necessidades, transmitindo assim mais confiança e segurança ao filho (METSÄPELTO, 2003).

Apesar disso, os pais extrovertidos se percebem mais ativos e competentes, principalmente quando o cuidado envolve atividades sociais (LENT; BROWN; HACKET, 1994, NAUTA, 2004), ainda que do ponto de vista da criança a percepção possa ser diferente.

Finalmente, no que concerne ao fator psicoticismo/superego, os estudos parecem mais escassos. Para isso, muito podem contribuir os resultados positivos de confiabilidade deste fator, sendo ainda hoje muito discutida a sua validade empírica (EYSENCK; EYSENCK, 1976). No entanto, alguns traços relacionados a esta dimensão podem ser destacados na literatura encontrada. Por exemplo, os pais criativos, traço referente ao fator psicoticismo, sentem-se mais confiantes e competentes nos cuidados do bebê (BORNSTEIN et al., 2003; COLEMAN; KARRAKER, 1997). Por sua vez, os indivíduos amáveis, característica pertencente ao fator Superego, revelam-se mais motivados e acabam por se sentir competentes porque normalmente recebem um bom feedback da criança (METSÄPELTO, 2003).

Por intermédio dos estudos encontrados percebe-se que a participação do pai nos cuidados do bebê é, ainda, um tema pouco estudado e do qual é difícil tirar conclusões no que respeita à influência da personalidade.

No entanto, sabendo a influência positiva quer para o pai, quer para o bebê, da contribuição ativa na prestação de cuidados por parte do pai, torna-se cada vez mais importante compreender as dimensões que possam afetar essa prestação.

Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar a influência da personalidade na prestação de cuidados ao filho, delineando futuras linhas de investigação e intervenção que fomentem a participação parental e contribuam para uma maior satisfação familiar.

 

Método

Participantes – neste estudo participaram 52 pessoas do sexo masculino com idades compreendidas entre os 20 e os 53 anos (M = 34; DP = 5,62). No que respeita às habilitações literárias, 5,8% dos homens tinham o 1º. ciclo de escolaridade (1º. ao 4º. ano); 7,7% dos participantes tinham o 2º. ciclo (5º. ao 6º. ano); 25% o 3º. ciclo (7º. ano ao 9º. ano); 25% tinham o ensino secundário (10º. ao 12º. ano) e 36,5% possuíam habilitações superiores. No que concerne ao estado civil, mais de metade são casados (65,4%) ou vivem em união de fato (21,2%). Apenas 9,6% são solteiros e 3,8% divorciados. O número de filhos variou entre 1 a 3 filhos (M = 1,37; DP = 0,60), cujas idades se situavam entre 1 mês e 20 anos (M [anos] = 4,30; DP [anos] = 4,33) no caso do primeiro filho, e, 1 mês a 5 anos (M [anos] = 2,36; DP [anos] = 1,63) no caso do último.

Instrumentos – para avaliar a personalidade, foi utilizado o "Questionário de Personalidade de Eysenck" versão reduzida (48 itens) [Eysenck Personality Questionnaire-R48] (EYSENCK; EYSENCK; BARRETT, 1985), traduzida e adaptada para o português. Este questionário é constituído por 48 itens cotados numa escala dicotômica (sim/não), dos quais 18 itens são invertidos. Com este questionário pretendeu-se avaliar o tipo de personalidade dos sujeitos, nas dimensões extroversão, psicoticismo e neuroticismo. As pontuações, em cada uma das escalas, podem oscilar entre 0 (zero) e 12 pontos, sendo que 0 (zero) corresponde às pessoas estáveis, introvertidas e com elevado valor de superego, e, ao contrário, 12 corresponde às pessoas neuróticas, extrovertidas e psicóticas. Foram também elaborados itens que procuraram traduzir a participação do pai nos cuidados do bebê e que se encontram descritos no quadro 1. Os itens foram cotados numa escala tipo Likert de 1 a 5 pontos, em que 1 corresponde a Nunca e 5 corresponde a Sempre.

 

 

Procedimentos – para selecionar a amostra, foram contatados vários infantários (escolas de educação infantil) do sul, centro, norte e ilhas de Portugal e enviados questionários. Foram utilizados aqueles questionários devolvidos e corretamente preenchidos e cuja idade do último filho do casal não tivesse ultrapassado os 5 anos. Os questionários continham uma folha de rosto com consentimento informado, garantindo o sigilo, o anonimato dos dados, e informações para o preenchimento do mesmo. Nas informações, era solicitado ao pai que recordasse as experiências de prestação de cuidados posteriores ao nascimento do seu último filho. Os dados foram introduzidos e analisados através do programa estatístico PAWS Statistics 18®.

 

Resultados

De forma a caracterizar a contribuição dos pais que participaram neste estudo, realizou-se uma análise descritiva das variáveis avaliadas no questionário (Tabela 1). Assim, podemos constatar que a maior parte dos pais vai frequentemente às consultas pré-natais, conversa sobre as dúvidas durante a gravidez, faz compras para o bebê com a mãe e sente-se confiante para tratar do bebê. No entanto, apenas em algumas circunstâncias são responsáveis pelos cuidados do bebê. Relativamente às características de personalidade, a amostra no global tem níveis menos elevados de neuroticismo, psicoticismo e introversão, tendo, portanto, mais características do fator estabilidade, superego e extroversão.

 

 

Para além dos fatores de personalidade, identificaram-se algumas variáveis que poderiam afetar a prestação de cuidados ao bebê, nomeadamente a idade, o grau de instrução, o estado civil e o número de filhos. Para determinar se essas variáveis produziam algum efeito na prestação de cuidados, realizou-se uma correlação de Pearson, não se obtendo correlações significativas. No caso do número de filhos, realizou-se o Independent Sample T-Test para testar diferenças entre homens com um ou mais filhos, não havendo diferenças significativas em nenhuma das variáveis estudadas, à exceção da idade (t = - 3,578; p = 0,001).

De forma a compreender a influência da personalidade na prestação de cuidados ao bebê realizou-se, primeiramente, uma Correlação de Pearson para verificar a existência de relações entre as variáveis identificadas.

No caso do neuroticismo, apenas foi encontrada uma correlação positiva baixa e significativa entre neuroticismo e ir às consultas pré-natais (r = - 0,277; p = 0,047), ou seja, quanto maior o nível de neuroticismo, tanto mais os pais irão às consultas pré-natais.

Em relação à extroversão, encontrou-se uma correlação positiva baixa significativa com o item 2: "Com que frequência conversava com a mãe do bebê durante a gravidez acerca dos seus sentimentos e dúvidas?" (r = 0,348; p = 0,01), o que significa que quanto maior o nível de extroversão, tanto mais os pais conversam sobre as dúvidas durante a gravidez.

Finalmente, altos níveis de psicoticismo encontram-se correlacionados positivamente de forma significativa com elevados níveis de confiança na prestação de cuidados (r = 0,290; p = 0,037).

Dada a existência, segundo Eysenck, de dois polos opostos para cada fator, agruparam-se os indivíduos em dois grupos, consoante às pontuações obtidas para cada um dos fatores. Assim, todos os indivíduos com pontuações iguais ou inferiores a 6 foram englobados no polo estabilidade, introversão e superego; enquanto que os indivíduos com pontuações superiores a 6 valores agruparam-se no polo oposto para cada um dos fatores, nomeadamente, neuroticismo, extroversão e psicoticismo.

Em relação ao neuroticismo/estabilidade, como é possível conferir na tabela 2, apenas a frequência nas consultas pré-natais se mostrou estatisticamente diferente entre os dois polos (t = 2,00; p = 0,05), sendo que os homens que pontuaram mais no polo estabilidade eram aqueles que mais compareciam às consultas pré-natais (M = 4,22; DP = 0,96) em relação aos neuróticos (M = 3,56; DP = 1,37). Esta tendência, embora não de forma significativa, verificou- -se para todos os itens à exceção do assumir a responsabilidade dos cuidados do bebê.

 

 

No que concerne ao fator extroversão/introversão, apenas o item 2, a frequência que o pai conversa com a mãe acerca dos seus sentimentos e dúvidas apresenta diferenças significativas (t = -2,60; p = 0,01), sendo que os pais extrovertidos (M = 4,24; DP = 0,90) conversam mais frequentemente com a mãe do que os introvertidos (M = 3,47; DP = 1,22). Apesar de não ser significativo, também são os pais extrovertidos que vão mais às consultas e que fazem as compras em conjunto. Por sua vez, os pais introvertidos sentem-se mais confiantes e acabam por se sentirem mais responsáveis pelos cuidados do bebê (tabela 3).

Finalmente, o fator psicoticismo/superego apresentou diferenças significativas relativamente à confiança que o pai sente em cuidar do filho, sendo mais elevado nos pais com traços de psicoticismo (t = -2,65; p = 0,01). Os pais que pontuam mais alto neste fator são também aqueles que fazem mais compras para o bebê, ainda que as diferenças encontradas não sejam significativas. Por outro lado, embora os resultados não sejam significativamente diferentes, os pais com níveis elevados de superego conversam mais sobre as dúvidas durante a gravidez e sentem-se mais responsáveis no cuidado do filho (tabela 4).

 

 

 

De forma a compreender como é que os fatores de personalidade no seu conjunto, bem como os dados sociodemográficos recolhidos poderiam determinar cada um dos cinco itens estudados acerca da prestação de cuidados, realizou-se uma regressão linear com recurso ao método stepwise. Em nenhuma das regressões houve influência de fatores sociodemográficos ou combinações de dois ou mais fatores de personalidade. Assim, para o item 1, "Com que frequência durante a gravidez iam ambos às consultas pré-natais?", a única variável que parece contribuir para a sua explicação é o neuroticismo (R = 0,277; p = 0,047). De forma a compreender que traços de personalidade específicos deste fator podem contribuir para explicar o fato de os pais irem às consultas pré-natais, realizou-se novamente uma regressão linear por intermédio do método stepwise, incluindo todos os itens do questionário de personalidade. O único item que contribui significativamente para explicar o comportamento do pai é "Sente-se habitualmente sozinho?" (R = 0,341; R2 = 0,116; p = 0,013).

Relativamente ao item 2, "Com que frequência conversava com a mãe do bebê durante a gravidez acerca dos seus sentimentos e dúvidas?", a única variável que parece contribuir para a sua explicação é a extroversão (R = 0,344; p = 0,01). Relativamente aos itens do questionário de personalidade, verificou-se que as perguntas "Considera-se uma pessoa animada" e "Gosta de se misturar com outras pessoas" contribuem 27,5% para a explicação do fato de o pai conversar com a mãe acerca dos seus sentimentos e dúvidas (R = 0,551; p = 0,00).

No que concerne ao item 3, "Com que frequência, durante a gravidez, ia às compras para o seu filho, com a mãe do bebê?", não demonstrou ser influenciado significativamente por nenhuma variável relativa à personalidade.

Ao contrário, o item 4, “Durante o primeiro mês em que medida se sentia confiante para cuidar do seu bebê?”, pode ser explicado pelo psicoticismo (R = 0,288; p = 0,045). Neste fator, os itens que contribuem significativamente na explicação da confiança sentida pelo pai são: “É melhor seguir as regras de sociedade do que seguir o seu próprio caminho?” e “Gostaria que as outras pessoas tivessem medo de si” (R = 0,438; R2 = 0,159; p = 0,005).

Por fim, o item 5, apesar de não ser influenciado significativamente por nenhum dos três fatores de personalidade, parece parcialmente explicado pelo item "Sente-se frequentemente perturbada por sentimentos de culpa?" relativo ao fator neuroticismo (R = 0,303; R2 = 0,092; p = 0,029).Por fim, o item 5, apesar de não ser influenciado significativamente por nenhum dos três fatores de personalidade, parece parcialmente explicado pelo item "Sente-se frequentemente perturbada por sentimentos de culpa?" relativo ao fator neuroticismo (R = 0,303; R2 = 0,092; p = 0,029).

 

Discussão

O presente estudo pretendeu compreender de que forma é que a prestação de cuidados por parte do pai pode ser influenciada pela personalidade deste. Neste sentido, procurou-se, por um lado, descrever as características psicológicas dos pais que participaram deste estudo, e por outro, tentar por meio de diferentes análises compreender a influência da personalidade nessas características.

De acordo com alguns estudos, o papel do pai nos dias de hoje é mais progressista, ou seja, o pai não se preocupa unicamente em contribuir com o fator financeiro, sendo mais ativo, responsável, colaborador e interessado em participar na prestação de cuidados ao bebê, nas tarefas domésticas e proporcionar o apoio emocional ao seu filho (ABREU 2009; DOHERTY et al., 1996; FALCETO, 2002, MARX, 2004; LEVINE; PITT, 1995, O'BRIEN, 2005, SERÔDIO, 2009). A mãe, de forma a poder manter a sua vida profissional ativa, permite ao homem uma participação mais ativa nas tarefas relacionadas com o bebê, ficando ambos envolvidos na prestação de cuidados (ABREU, 2009, DOHERTY et al., 1996, DOUCET, 2006, EGEREN, 2004).

A presente investigação vai de encontro ao referenciado na literatura, evidenciando que os pais participam ativamente na prestação de cuidados. Nos primeiros quatro itens, numa escala de 1 a 5, os pais pontuaram sempre perto de 4. Não obstante, na pergunta referente à responsabilização pelos principais cuidados, a pontuação foi mais perto do ponto 3, revelando que é a mãe que mais se ocupa das tarefas relacionadas com o bebê (alimentação, higiene e segurança).

Porém, os valores apresentados podem estar enviesados, pois, por um lado, pode haver desejabilidade social nas respostas dadas, e por outro, a metodologia utilizada com base na devolução voluntária do questionário vai centrar-se nos pais mais colaborativos na vida do filho; na medida em que os que não participam, têm uma maior tendência a não responder.

No que diz respeito aos fatores de personalidade, neuroticismo/ estabilidade, psicoticismo/superego, e introversão/extroversão, todos parecem, de alguma forma, influenciar a prestação de cuidados.

Atendendo ao fator neuroticismo, podemos supor que o pai neurótico tem uma tendência elevada para interpretar negativamente as experiências traumáticas, revelando-se ansioso, preocupado, e apresentando frequentemente sentimentos de culpa. Por outro lado, são também mais sensíveis. Por sua vez, os pais estáveis são considerados como pessoas calmas, racionais, controladas, despreocupadas e relaxadas. Da mesma forma, vários estudos desenvolvidos por Eysenck (1952) demonstraram que os níveis de ajustamento dos neuróticos eram mais baixos e apresentavam mais tendência para a psicopatologia do que os indivíduos não neuróticos. Assim, não é de estranhar que, na literatura, o neuroticismo esteja associado ao aumento da depressão pós-natal (BOYCE; HICKEY; GILCHRIST; TALLEY, 2001) e à ocorrência de sintomas depressivos no homem durante o primeiro ano do nascimento do bebê (DUDLEY; ROY; KELK; BERNARD, 2001, MATTHEY; BARNETT; UNGERER; WATERS, 2000).

Muitas vezes, o neuroticismo está associado ao evitamento em participar na educação da criança porque o pai não se sente confiante para fazê-lo, principalmente se não consegue controlar o comportamento do filho (BOUCHARD; POIRIE, 2011, CLARK et al., 2000, KENDLER et al., 1997, KOCHANSKA, et al., 1997, GUZELL; VERNON-FEANGANS, 2004; VAN EGEREN, 2003). Neste estudo, os pais neuróticos parecem participar mais ativamente na prestação de cuidados ao bebê, sendo responsáveis por tarefas como a higiene e a alimentação, contrariando o encontrado na literatura. Por um lado, isto pode acontecer porque o estudo refere-se aos primeiros meses de vida do bebê, onde o comportamento da criança é geralmente mais controlável e, como tal, o pai pode sentir-se menos confrontado pelo filho. Por outro lado, quando procuramos saber o que influenciava a prestação direta de cuidados ao bebê por parte do pai (item 5), o único item que se revelou influente estava relacionado com os sentimentos de culpa. Neste sentido, podemos depreender que os pais participam ativamente porque poderiam se sentir culpados por não o fazerem e sobrecarregarem a mãe com todas as atividades.

Embora não de forma significativa, os pais estáveis cooperam mais com a mãe do bebê (vão às consultas, vão às compras e conversam sobre as suas dúvidas e sentimentos). Tal pode acontecer porque os pais neuróticos podem ser caracterizados como tímidos e ansiosos, e evitam a sua participação na fase pré-natal, por se sentirem demasiados ansiosos e por não conseguirem assumir o controle de algo inevitavelmente inerente à mulher. O estudo de VanEgeren (2003) vem confirmar este pressuposto, uma vez que os pais com elevados níveis de neuroticismo demonstraram dificuldade em cooperar e comprometer-se com os seus parceiros. O fato de não partilharem as dúvidas e sentimentos, e de não participarem tão ativamente durante a gravidez, pode contribuir para que se sintam mais deprimidos durante a fase pós-natal (BOYCE, et al., 2001; DUDLEY et al., 2001; MATTHEY et al., 2000).

Os pais estáveis também parecem sentir-se mais confiantes, o que vai de encontro a outros estudos que inclusivamente evidenciam que, para além de mais competentes, são mais organizados e práticos, sentindo-se menos sobrecarregados (BORNSTEIN et al., 2003, COLEMAN; KARRAKER, 1997).

Relativamente aos pais extrovertidos, podem ser caracterizados como sociáveis, adaptáveis, despreocupados, otimistas, impulsivos e energéticos, enquanto que os pais introvertidos possuirão características próximas da passividade, tranquilidade, pouca sociabilidade e atividade e responsabilidade. Os pais extrovertidos possuem traços de personalidade que os leva a experimentar muito mais o sentimento de felicidade do que os introvertidos, e, assim, a extroversão aparece relacionada com vivências mais positivas na transição para a parentalidade e a práticas parentais calorosas (BELSKY et al., 1995; HAAN; PRINZIE; DEKOVIĆ, 2009).

De acordo com o presente estudo, os extrovertidos conversam mais com a mãe do bebê acerca das suas dúvidas e sentimentos. Ramos e Canavarro (2007) também identificaram que os pais mais extrovertidos estão mais abertos ao diálogo acerca das relações, sentimentos, dúvidas, emoções, o que confirma os resultados obtidos. De fato, quando se analisou os itens correspondentes à personalidade, verificou-se que o fato do pai se considerar animado e gostar de se misturar com outras pessoas parece influenciar a partilha dos seus sentimentos e dúvidas com a mãe.

Apesar de outros resultados não serem estatisticamente significativos, no que diz respeito àqueles "pais extrovertidos", verificou- -se pontuações mais altas em suas idas às consultas pré-natais e no acompanhamento da mãe do bebê às compras. Esses resultados são facilmente explicados atendendo aos traços de personalidade inerentes aos extrovertidos, pois os sujeitos que pontuam mais nesse fator são caracterizados como ativos e sociáveis (EYSENCK, 1952). Dado que as situações anteriormente descritas são sociais, o pai introvertido pode ter mais tendência a inibir-se e evitar.

No entanto, no que diz respeito ao sentimento de confiança e responsabilidade para cuidar do bebê, os indivíduos introvertidos mostram-se mais competentes em desempenhar esta função e as crianças demonstram sentir-se mais confiantes e seguras ao lado do pai introvertido do que do pai extrovertido (METSÄPELTO, 2003). No presente estudo, apesar dos resultados não serem significativos, confirma-se esta tendência, pois os pais introvertidos revelaram mais confiança e também maior participação nos cuidados do bebê. No mesmo sentido, diversos artigos têm identificado os pais extrovertidos como demasiado aventureiros, ativos, enérgicos e dominantes (BELSKY et al., 1995, CLARK et al., 2000, LENT et al., 1994, NAUTA, 2004), não lhes permitindo adaptar-se tão bem às necessidades da criança (METSÄPELTO, 2003).

De fato, Gribbin (1979) detectou em um estudo com crianças, que as crianças cujos pais davam mais regras eram mais felizes, confiantes e menos violentas do que as que tinham educações mais liberais. Assim, os pais extrovertidos, mais aventureiros e corajosos provocam menos sentimentos de segurança na criança, tendo um feedback do meio (mãe, família ampliada) e da própria criança nesse sentido, e como tal sentindo-se também menos confiantes. Dado que a participação do pai nas atividades é fortemente condicionada pela confiança que a mãe demonstra nas suas competências (ABREU, 2009, DOHERTY et al., 1996), é natural que o pai mais enérgico e ativo seja menos participativo nos cuidados de higiene e alimentação, pois se percebe como incapaz para esse tipo de cuidados. No entanto, no que diz respeito a atividades mais lúdicas, os pais extrovertidos podem perceber-se como mais competentes e, inclusive, participarem mais (LENT et al., 1994; NAUTA, 2004), aspecto esse que não foi analisado neste estudo.

No que concerne ao pai psicótico, este pode ser caracterizado como mais voltado para si próprio, agressivo, hostil, frio, egocêntrico, impessoal, antissocial, impulsivo, rígido e com grandes dificuldades em estabelecer empatia com os outros e, por sua vez, com o seu próprio filho. Contrariamente, o indivíduo com uma elevada pontuação no fator superego pode ser caracterizado pela passividade, flexibilidade, facilidade em criar relações calorosas, próximas e íntimas, sendo normalmente sociável, empático e objetivo, tendo em conta os traços de personalidade identificados por Eysenck (1952) na sua teoria.

Deste modo, atividades que exijam uma carga maior de socialização são menos susceptíveis de serem praticadas por parte dos pais psicóticos, pois são atividades que englobam socialização, diálogo, altruísmo e preocupação (BORNSTEIN et al., 2003, COLEMAN; KARRAKER, 1997). Assim, também o fato de ir às consultas pré-natais, conversar sobre as suas dúvidas e sentimentos, fazer compras com a mãe são tarefas que os pais psicóticos evitam. Por sua vez, os indivíduos com elevados níveis superego sentem-se mais competentes em participar na prestação de cuidados do bebê porque são motivados pelo feedback positivo proporcionado pela criança face à sua capacidade de prestar bons cuidados (METSÄPELTO, 2003). Apesar de os resultados não terem sido significativos, o presente estudo evidencia a mesma tendência, confirmando o encontrado por Metsäpelto (2003).

Segundo Eysenck (1969), indivíduos com elevados níveis de psicoticismo dificilmente riem de si mesmos ou dos seus defeitos, e ofendem-se intensamente quando são criticados. Deste modo, desenvolvem mais facilmente sentimentos de autoconfiança e de valorização pessoal. Tal fato pode justificar que apenas o fator confiança tenha obtido médias superiores nos indivíduos com maior pontuação de psicoticismo, pois estes esquecem os seus defeitos e acreditam que conseguem realizar uma tarefa de forma positiva. A influência dos itens relativos ao psicoticismo identificados nos resultados como explicativos da confiança sentida pelo pai ("É melhor seguir as regras da sociedade do que seguir o seu próprio caminho?" e "Gostaria que as outras pessoas tivessem medo de si?"), revelam uma evidência de características psicóticas no aumento da confiança, o que parece confirmar a maior prevalência de sentimentos de autoconfiança. No entanto, tal não parece verificado pelos outros, e daí que não lhes seja concedido espaço para os cuidados do bebê, porque poderão se perceber como demasiado despreocupados.

 

Considerações finais

A presente investigação permitiu constatar que os fatores de personalidade e as características a eles subjacentes têm uma influência na participação da prestação de cuidados ao bebê por parte do pai. As pessoas comportam-se de acordo com a sua personalidade e com as suas características, e isso vai surtir diferentes adaptações na prestação de cuidados ao bebê.

No entanto, os resultados devem ser analisados atendendo a algumas limitações, nomeadamente no que diz respeito à falta de estudos confirmatórios no caso do psicoticismo. Este estudo poderá ser um bom ponto de partida para futuras investigações nesta área, nomeadamente para compreender o impacto das características do pai na própria criança.

Os resultados encontrados parecem explicar muito pouco cada um dos itens, o que evidencia a existência de outras variáveis que merecem ser exploradas e que podem contribuir de forma mais concreta na transição para a parentalidade, nomeadamente a confiança que a mãe confere ao pai na prestação de cuidados do filho.

Da mesma forma, os resultados encontrados carecem de confirmações por meio de outros estudos, na medida em que nem sempre foram significativos. Tal poderá ter acontecido por diversas razões, por exemplo, o questionário de personalidade, os itens utilizados para avaliar a prestação de cuidados ou ainda a própria metodologia de coleta de resultados que favorece a "desejabilidade" social e exclui os pais menos participativos.

Por outro lado, recolher dados antes e depois do nascimento do primeiro filho poderá ser uma metodologia mais realista na percepção de diferenças, contribuindo para um menor viés na percepção dos pais.

Poderá ser também de interesse perceber de que forma é que a personalidade dos pais pode influenciar o estilo parental, de maneira a estabelecer melhores estratégias educativas.

Caracterizar as diferentes variáveis poderá permitir o delineamento de um modelo conceitual para a transição para a parentalidade, o que permite uma melhor otimização dos cursos pré-natais, contribuindo para uma melhor saúde mental do pai, da mãe e do próprio bebê.

Em suma, este estudo contribuiu de forma preponderante na explicação da influência da personalidade do pai na prestação de cuidados ao bebê. No entanto, verifica-se uma necessidade emergente de caracterizar os novos pais nas suas práticas, incluindo outras variáveis explicativas deste fenômeno.

 

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Recebido em: 02/07/2011
Aceito em: 01/09/2012

 

 

*Discente do Curso de Psicologia – Universidade do Algarve, Portugal (a38868@ualg.pt)
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Professora – Universidade do Algarve, Portugal e doutoranda em Psicologia (acmartins@ualg.pt)

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Discente do Curso de Psicologia – Universidade do Algarve, Portugal (vanebessa@ hotmail.com)