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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH v.11 n.2 Rio de Janeiro dez. 2008
Deficiência física congênita e Saúde Mental
Congenital physical disability and Mental Health
Paula Costa Mosca Macedo1
Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
Apresenta-se as várias modalidades das deficiências físicas congênitas e amplia-se a abordagem do tema, ressaltando o panorama biopsicossocial sempre determinante para a saúde mental dos pacientes portadores de deficiência e na abordagem psicológica de seus pais e familiares. Discute-se à luz da Psicologia Social e da Psicologia da Saúde as diversas interfaces que o tema exige, propondo uma reflexão a respeito das dificuldades emocionais vividas pelos pais quando do nascimento do filho com deficiência, do desenvolvimento da personalidade deste sujeito, do difícil processo para integração social destas pessoas, das vivências emocionais dos protagonistas, e das dinâmicas sociais que se estabelecem à partir das diferenças.
Palavras-chave: Deficiência Física, Reabilitação, Inclusão social, Aconselhamento psicológico.
ABSTRACT
This paper shows a number of congenital physical disabilities and widens the view to this issue focusing on the biopsychosocial aspect, which is of fundamental importance for the mental health of disabled individuals, and on the psychological approach to the patients parents and relatives. The various aspects involved in the issue are discussed under the light of the social and mental health psychology and the reader is invited to consider the emotional difficulties experienced by parents rising from the birth of their disabled child and the development of their childs personality, the emotional drama experienced by the persons involved, the difficult social interaction and acceptance of disabled individuals, and the social dynamics that personal differences usually originate.
Keywords: Physical Disability, Rehabilitation, Social inclusion, Psychological counseling.
Introdução
As chamadas Deficiências Físicas Congênitas definem-se como qualquer perda ou anormalidade de estrutura ou função fisiológica ou anatômica, desde o nascimento, decorrente de causas variadas, como por exemplo: prematuridade, anóxia perinatal, desnutrição materna, rubéola, toxoplasmose, trauma de parto, exposição à radiação, uso de drogas, causas metabólicas e outras desconhecidas.
Esta deficiência pode ser uma alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, podendo apresentar-se sob as formas de: paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral e membros com malformação.
Abaixo segue uma breve definição de cada uma destas várias formas de deficiência:
- Paraplegia: paralisia total ou parcial da metade inferior do corpo, comprometendo as funções das pernas.
- Paraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores.
- Monoplegia: perda total das funções motoras de um só membro (podendo ser membro superior ou membro inferior).
- Monoparesia: perda parcial das funções motoras de um só membro (podendo ser membro superior ou membro inferior).
- Tetraplegia: paralisia total ou parcial do corpo, comprometendo as funções dos braços e pernas.
- Tetraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores e superiores.
- Triplegia: perda total das funções motoras em três membros.
- Triparesia: perda parcial das funções motoras em três membros.
- Hemiplegia: perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo (direito ou esquerdo).
- Hemiparesia: perda parcial das funções motoras de um hemisfério do corpo (direito ou esquerdo).
- Paralisia Cerebral: termo amplo que designa um grupo de limitações psicomotoras resultantes de uma lesão do sistema nervoso central. Geralmente os portadores de paralisia cerebral possuem movimentos involuntários, espasmos musculares repentinos, fenômeno chamado de espasticidade. A paralisia cerebral apresenta diferentes níveis de comprometimento, dependendo da área lesionada no cérebro. Embora haja casos de pessoas com paralisia cerebral e deficiência mental, essas duas condições não acontecem necessariamente ao mesmo tempo.
- Malformação Congênita: anomalia física desde o nascimento.
Pode ocorrer a associação de duas ou mais deficiências primárias (mental/visual/auditiva/física), com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa, e são chamadas de deficiências múltiplas.
Qualquer que seja a forma pela qual o indivíduo tenha a deficiência (congênita ou adquirida), ela repercute com profundas implicações psicológicas, desde a rejeição pura e simples até a dificuldade de elaborar a própria diferença em relação aos outros. O aspecto social, juntamente com o psicológico e o biológico formam um tripé sobre o qual se apóia a experiência vivida de cada pessoa portadora de deficiência.
Deficiência e Cultura
Em nossa cultura, a palavra "deficiente" tem um significado muito estigmatizante, onde a aparência de normalidade ou a invisibilidade do desvio em relação à norma são os principais elementos que podem determinar a inclusão ou a exclusão social.
O que se observa é que a questão da identidade do deficiente, apesar de ser constantemente justificada pela dimensão biológica, é, na verdade, fortemente influenciada pela dimensão cultural.
Não se deve, é claro, confundir essa influência com um determinismo cultural. A questão da deficiência deve ser tratada sob o ponto de vista do homem total, ou seja, deum sujeito que é biopsicossocial em sua essência.
Quando dizemos que o social contribui enormemente para a definição da identidade do deficiente, não estamos afirmando que exista um determinismo social e nem tampouco que as sociedades sejam rigidamente organizadas, sem nenhum espaço para qualquer elemento desviante. Porém, é claro que qualquer "desviante" da "normalidade" em qualquer sociedade, não é inserido nos grupos e padrões sociais sem que ocorram importantes níveis de tensões.
É preciso esclarecer que as sociedades são realidades vivas e, portanto, dinâmicas, sempre sujeitas a tensões e ajustes que tentam lidar com os problemas concretos e históricos que lhes são pertinentes, inclusive com as questões relativas ao poder e a desigualdade. Mas nos importa repensar a grande carga simbólica atribuída às pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, e que só pode ser dada pelo aspecto cultural.
MERLEAU-PONTY (1971) apresenta uma conceituação interessante a respeito da influência do corpo na existência de todo ser humano: "O corpo é a unidade máxima de representação do ser humano e por isso adquire importância para toda vida e cultura. Para viver é necessária a mediação do corpo, que é o primeiro dos objetos culturais, o portador dos comportamentos. Vive-se com o corpo e nos relacionamos através dele. Toda percepção exterior é imediatamente sinônima de certa percepção do corpo, como toda percepção do corpo se explicita na linguagem da percepção exterior".
Assumir este olhar significa compreender o comportamento humano, observado na manifestação das experiências motoras, como expressão da dinâmica intrínseca do organismo humano, além de refletir sobre sua contribuição na organização da auto-imagem (Coelho et al., 2000), da imagem corporal (Van Kolck, 1987) e do auto-conceito (Tamayo et al., 2001), elementos fundamentais para a vida psíquica.
Segundo Goffman (1982), três modelos de "carreiras morais" ou tipos básicos de história de vida podem ser identificadas entre as pessoas deficientes. A primeira delas diz respeito àqueles indivíduos que nascem com algum tipo de deficiência, e que tem a oportunidade de incluir a socialização dentro da deficiência, são aqueles em que as funções da família e da educação são essenciais para que a criança possa se inserir no meio social com um impacto minimizado das tensões geradas pelas suas diferenças, com chances maiores de desenvolver suas habilidades motoras e adaptar-se, porém, de qualquer maneira, a socialização ocorre em meio às desvantagens.
No segundo modelo, que é da socialização dentro de uma situação de proteção, é onde se observa que a atuação da família e da instituição educativa são prejudiciais, pois levam a uma "cristalização" da deficiência (a limitação do deficiente dentro de um mundo irreal) com a possibilidade do surgimento de níveis maiores de tensões, quando ocorrer o contato com o mundo exterior, uma vez que seus potenciais adaptativos não foram suficientemente evocados e desenvolvidos.
Para àqueles que adquirem a deficiência depois de socializados, que pertencem ao terceiro modelo, pressupõe-se que já houve tempo e condições suficientes para a aquisição de certos preconceitos com relação aos indivíduos portadores de algum tipo de deficiência. Nestes casos, será preciso um esforço emocional e o uso de mecanismos de enfrentamento para superá-los, pois o indivíduo verá a si próprio como costumava ver o outro. A maior dificuldade, contudo, será a adaptação à nova condição, processo que requer grande responsabilidade, ainda, por parte da família e da instituição de reabilitação, além é claro, do próprio portador da deficiência, sujeito implicado e protagonista de sua própria história.
Auto-Imagem, Imagem Corporal, Identidade Pessoal e Auto-Estima
Por ser visivelmente manifesta, a diferença apresentada pelos deficientes é um elemento absolutamente essencial para a construção do que Goffman (1982) chama de "Identidade Pessoal".
A identidade pessoal, construída pelos outros, é a imagem que as pessoas têm sobre o indivíduo deficiente. Essa imagem é criada e pode não corresponder (e em geral não corresponde) à realidade, mas acaba influenciando fortemente o relacionamento do estigmatizado com as pessoas com as quais ele se relaciona ou encontra cotidianamente, e que acabam se remetendo aos estereótipos da deficiência, pré-julgando as suas capacidades na forma de abordagem.
O próprio indivíduo também tem uma auto-imagem, nomeada por Goffman (1982) de "Identidade do Eu", que em geral é construída com os elementos que o senso comum usa para montar o quadro da identidade pessoal. Mas estes elementos podem ser combinados de modo a resultar numa elaboração final mais coerente com a real dimensão da deficiência. Se essa auto-imagem, ao formar-se, for muito influenciada pelo senso comum, o indivíduo correrá o risco de introjetar os mesmos preconceitos que a sociedade tem em relação a ele (passando a ter preconceito contra si próprio) resultando, não raro, em sentimentos de insegurança e forte angústia, dificultando ainda mais o uso apropriado de mecanismos de enfrentamento.
Coelho et. al. (2000) entendem a auto-imagem como uma constelação de pensamentos, sentimentos e ações relativas aos relacionamentos entre pessoas e do self como diferente dos outros. Ela é constituída pelo self independente (enfatizando qualidades internas, pensamentos e sentimentos para expressar a si mesmo aos demais) e o self interdependente (enfatizando os feitos públicos e externos para se relacionar com o meio social).
Van kolck (1987) entende essa percepção individual como imagem corporal. Para a autora, a imagem corporal é como cada pessoa elabora a imagem de seu próprio corpo acentuando ou modificando as diferentes partes em função dos mecanismos de sua personalidade e de todas as suas vivências, passadas e presentes. A imagem corporal não é apenas consciente, ela é construída tomando em grande parte a referência do corpo de outras pessoas predominando, em geral, os elementos visuais. Porém, a imagem dos outros não está ligada somente à sua aparência física, mas principalmente à qualidade de nosso relacionamento com eles, além de aspectos do outro que desejamos ser. "O modo como uma pessoa sente e vive o mundo à sua volta dependerá em grande parte, de como ela se considere 'forte', 'bonita', 'flexível', 'alta' e estas avaliações são aprendidas através do contato com outros corpos" (Penna, 1990).
Tamayo et. al. (2001) indicam que o processo do indivíduo organizar suas experiências, reais ou imaginárias, controlar o processo informativo relacionado consigo mesmo e desempenhar a função de auto-regulação deve ser denominado de auto-conceito, o qual é constituído pelos componentes avaliativo (auto-estima), cognitivo (percepção dos traços, características e habilidades) e comportamental (estratégias de auto-apresentação), todos fortemente influenciados pela cultura.
Portanto, compreende-se que os conceitos de auto-imagem, imagem corporal e auto-conceito são indicadores de um auto-conhecimento maior, o qual é construído com base no relacionamento consigo mesmo e com os outros. Por esse motivo, o termo imagem corporal passou a representar o conhecimento que o ser humano possui acerca da relação de seu corpo com o mundo. A imagem corporal é a configuração do nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós mesmos. Os indivíduos portadores de deficiência desde o nascimento, apresentam vantagens neste aspecto, em relação àqueles que adquirem a deficiência posteriormente, pois seus registros de imagem corporal tem seu correspondente emocional desde os primórdios. Não ocorre a ruptura, o indivíduo se reconhece naquele corpo e se identifica com ele. Suas relações com o mundo externo partem desta imagem corporal, e contribuem para o desenvolvimento e estruturação da personalidade.
Isto vem demonstrar que a imagem corporal consiste em um processo dinâmico que se modifica de acordo com os valores socioculturais, sofrendo alterações a todo o momento, fato que comprova não existir a percepção de objetos exteriores sem uma referência corporal e não haver percepção do corpo como objeto, sem uma referência ambiental.
Verifica-se, portanto, que o ser humano constrói sua imagem corporal na relação com o mundo vivido e essa percepção não ocorre sempre da mesma maneira, isto é, se alterar a percepção, negativa ou positivamente, alterará sua auto-imagem (Almeida et al, 2002; Cometti et. al, 2000; Fernandez e Loureiro, 1990; Penna, 1990).
Especificamente, no caso do portador de deficiência física, pela sua diferença corporal ser, em geral, significativa, essa percepção, caso não gere sensação de auto-aceitação, poderá provocar desequilíbrios emocionais, gerando sentimentos negativos, contribuindo para um prejuízo da auto-estima e definindo aspectos de sua psicodinâmica.
Duarte (2001) entende que para a pessoa portadora de deficiência conseguir manter um equilíbrio emocional positivo é necessário um constante processo de adaptação da capacidade de resolver problemas, atendendo as demandas exigidas pela vida cotidiana, fato que pode colaborar para a construção de sua auto-imagem positiva.
Este processo é fundamental para a pessoa portadora de deficiência não gerar ansiedade, medo ou outros sentimentos em demasia e, com isso, não desestruturar seu auto-conceito. Além desses fatores, há forte influência para o processo de integração social dos portadores de deficiência, que são os fatores que dependem diretamente das melhorias nas condições estruturais como a acessibilidade, o aumento de meios de transportes adaptados, o atendimento integral as necessidades individuais, etc.
Amaral (2001) apresenta algumas atitudes que, em geral, são observadas em pessoas portadoras de deficiência no processo de adequação ao contexto vivido, são elas: "compensação desmesurada", ou seja, querer compensar a deficiência se dedicando excessivamente a atividades que não foram afetadas pela deficiência, por exemplo, tornar-se campeão em natação, artista plástico; ou a "sub-valorização" de si mesmo, na qual a pessoa se nega a vivenciar novas experiências com medo de fracassar ou se frustrar, se "escondendo" atrás da deficiência. Em muitos casos observa-se também a presença de agressividade, comportamento que se mostra presente como um mecanismo de defesa do deficiente perante o tratamento estigmatizante de desvalorização que recebe do meio social, ou quando adianta-se à rejeição que imagina que irá sofrer, e projeta agredindo antes.
Desta maneira, verifica-se que uma maior integração poderia ser favorecida por meio de atividades que objetivassem resgatar, nas pessoas portadoras de deficiências, sentimentos positivos de dignidade e auto-estima. Assim, um exemplo disto é a prática de atividade física, que pode se constituir num momento privilegiado de estimulação e percepção das potencialidades do ser humano portador de deficiência, servindo como estímulo para integrar os aspectos constitucionais da auto-imagem. Nesse entendimento, a prática não necessita valorizar demasiadamente os aspectos técnicos, mas servir como um estimulador da auto-imagem da pessoa, proporcionando reconhecimento social por meio das mudanças de comportamento, gerados pela experiência de conseguir superar dificuldades e, desse modo, poder estimular atitudes de inclusão da pessoa portadora de deficiência. Entende-se que o portador de deficiência física parece obter benefícios em suas capacidades funcionais, fato que pode otimizar sua percepção relacionada a auto-imagem, favorecer relações inter-pessoais e contribuir para uma construção ou até mesmo a modificação positiva de sua auto-imagem.
O estímulo às potencialidades e o desejo da pessoa viver o mais independentemente quanto lhe for possível, deve começar desde muito cedo para os nascidos com deficiência física, e fazer parte de uma conscientização permanente das pessoas que prestam cuidados significativos. Portanto, isto deve começar em casa e continuar a ser estimulado na escola e pela sociedade em geral. Tornarmo-nos conscientes das questões relacionadas a essa auto-determinação, que incorpora independência e auto suficiência como fatores que contribuem para todo o processo de adaptação, constitui-se um primeiro passo essencial a ser dado pelas famílias que recebem seu filho com deficiência; ao meio social no qual estarão inseridos e aos profissionais envolvidos na assistência.
Ao alcançar esta aceitação, os portadores de deficiência descobrem que a vida deles é superar obstáculos. Por isso, precisam estar sempre trabalhando a sua auto-estima, que representa uma importante ferramenta de enfrentamento e adaptação á realidade.
Àquela criança portadora de deficiência física congênita, que cresce e se desenvolve em meio a um contexto afetivo e sócio-ambiental pouco estimulador, limitando-se aos prejuízos acarretados pela deficiência, apresentará maiores dificuldades de adaptação e inserção social, o que ao longo de sua vida, resultará no estigma pessoal, que por sua vez logo encontrará no meio social outros elementos dificultadores, que contribuirão para que este indivíduo veja seus potenciais sub-julgados ou desconsiderados, e sinta-se "rotulado" como incapaz ou ineficiente, o que poderá gerar sentimentos negativos e afetar sobremaneira seu bem estar psicológico.
Em termos de socialização, diversos estudos sobre os comportamentos gerados pelo enfrentamento das dificuldades cotidianas, programas de inclusão social e a prática de atividade física, vêm se constituindo como uma abordagem científica desta situação-problema (Costa e Duarte, 2001 e 2002; Oliveira e Casal, 2001). Estas pesquisas têm indicado que, mudanças de atitude provenientes dos próprios portadores de deficiência, nos seus variados tipos de manifestação (dança, esporte, mercado de trabalho, inclusão social), como meio de vivenciar sensações de bem estar geral , vêm contribuindo para a diminuição da ansiedade e depressão, com ganhos emocionais e funcionais, e melhora do auto-conceito, auto-imagem, auto-estima e auto-confiança.
Filhos desejados X Filhos reais
Um outro aspecto relevante na abordagem do tema Deficiências Físicas Congênitas é o fato de que culturalmente, somos ensinados a esperar e a planejar o futuro de um filho-sonho. Desde o início imaginamos um futuro brilhante para nossos filhos. A gestação, o parto, os primeiros dias em casa, tudo se transforma em apreensão e ansiedade. Porém, alguns recém-nascidos são bem diferentes daqueles acalentados em nossos sonhos. Mas, o que acontece quando o bebê real é muito diferente do bebê desejado? Incentivados por toda a vida para receber filhos perfeitos, é natural que os pais sintam dificuldade em lidar com este filho real que apresenta diferenças e que frustram seus desejos mais íntimos de normalidade, além de terem que lidar com o olhar social.
Os profissionais de saúde envolvidos neste contexto, com freqüência também costumam ser pouco hábeis diante do recém-nascido que não corresponde à expectativa dos familiares e da equipe médica. Em vez de fortalecerem os vínculos afetivos entre pais e filho, que se inicia naquele instante, muitos profissionais da área de saúde (os primeiros a ter contato com a família), por falta de informação, de conhecimento técnico, por preconceito ou por não terem consciência sobre a importância de seu papel, agem com constrangimento, dando àquele bebê o lugar de "doente", do "diferente".
Voltando ao recém-nascido, se a limitação apresentada é grave, ou pelo menos visível, até as visitas, ansiosas e bem intencionadas perdem a naturalidade e evitam fazer comentários ou perguntas, todos apresentam dificuldades no momento de abordar o assunto. Tantos equívocos de abordagem refletem a imensa dificuldade que temos com aquela que deveria ser a mais estimulada de todas as reflexões, desde a infância: a ética do indivíduo com sua espécie e o respeito à diversidade.
Discutir diversidade humana ainda é uma necessidade em tempos modernos, já que é a característica mais intrínseca do gênero humano. O bebê com deficiência nos surpreende com suas diferenças, suscita fantasias, nos remete ao desconhecido.
O que muito frequentemente e lamentavelmente ocorre, é que o meio familiar baixa imediatamente suas expectativas em relação ao seu recém-nascido real por não conseguir adequá-lo à imagem do seu recém-nascido desejado. Inabilidade esta que tende a se replicar no relacionamento familiar, e se multiplicar pelas vias sociais, contagiando de forma discriminatória todo o meio social.
A deficiência se impõe à vida emocional da família, trazendo uma concretude difícil de se lidar, gerando inúmeros sentimentos ambivalentes e angustiantes, reações emocionais variadas e sentimentos de culpa. Observa-se que ao abrir caminhos para a dimensão simbólica desta vivência, o processo pode tornar-se muito mais criativo e portanto, mais adaptativo.
Uma abordagem especializada na área de Saúde Mental, com uso de técnicas de aconselhamento psicológico adotadas mais precocemente podem contribuir de maneira eficiente, ajudando principalmente aos pais, a desenvolverem mecanismos de enfrentamento para lidar de forma mais saudável com suas frustrações, inseguranças e fantasias. A reestruturação emocional dos pais e do próprio grupo familiar, após o encontro com o bebê real, pode ser decisiva para a vida emocional deste e para que um processo de adequação e habilitação funcional se construa.
Considerando o exposto, verifica-se que a Psicologia da Saúde na área de reabilitação, com toda a sua potencialidade de ação, trabalhará para a estimulação e formação da imagem corporal mais saudável dos indivíduos portadores de deficiência, favorecendo os sentimentos de auto-aceitação e auto-confiança, os quais poderão se constituir em estímulos para que estas pessoas desenvolvam suas habilidades e talentos, diminuindo as limitações impostas pela deficiência física e aumentando as possibilidades de construir uma auto-imagem positiva e desta forma buscarem suas formas de auto-realização.
Ao indivíduo com deficiência cabe explorar-se em busca de maior autonomia, transformar suas crenças internas, para que desta forma possa mudar os aspectos externos de sua vida. Como que num movimento contínuo, a sociedade integra os protagonistas da deficiência, se aprimora, se humaniza, liberta-se dos preconceitos e aprende com a diversidade humana. Melhoramos todos e transformamos os caminhos da desigualdade.
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1 Psicóloga do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP. Coordenadora do Programa de Capacitação e Assessoria ao Profissional de Saúde do SAPIS (Serviço de Atenção Psicossocial Integrada em Saúde). - paulammacedo@gmail.com