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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.14 no.2 Rio de Janeiro dez. 2011

 

ARTIGOS

 

A difícil tarefa de falar sobre morte no hospital

 

The difficult task of talk about death in hospital

 

 

Luciana Antonieta Medeiros*; Maria Alice Lustosa**

Saúde da Santa Casa da Misericórdia do RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo estudar as possibilidades de ajuda à família no momento da comunicação do óbito e a dificuldades dos profissionais em falar sobre a morte. Para isso, falar-se-á sobre a transformação da morte em um assunto tabu, os aspectos emocionais da família frente à morte e por fim, como os profissionais lidam com o tema, sempre apontando para o trabalho do psicólogo hospitalar com tais questões.

Palavras-chave: Morte, Família, Profissionais da saúde, Psicologia hospitalar.


ABSTRACT

This wok aims to study the possibilities to help the family at the moment of notification of death, and the difficulties of professionals to talk about it. It will be present the transformation of death in a taboo issue, the emotional aspects of family, and how professionals deal with this subject, by the view of heath psychologists.

Keywords: Death, Family, Health professionals, Heath psychologist.


 

 

Considerações Sobre a Morte

Moritz (2002) em sua tese de doutorado usa a definição de morte como a cessação definitiva da vida. E o morrer como o intervalo entre o momento em que a doença se torna irreversível e o êxito letal.

Segundo França & Botomé (2005), a palavra morte traz consigo muitos atributos e associações: dor, ruptura, interrupção, desconhecimento, tristeza. Designa o fim absoluto de um ser humano, de um animal, de uma planta, de uma ideia que "chegada ao topo da montanha, admira-se ante a paisagem, mas compreende ser obrigatória a descida" (p. 547). Numa posição antagônica, a morte coexiste com a vida, o que não a impede de ser angustiante, incutir medo e, ao mesmo tempo, ser musa inspiradora de filósofos, poetas e psicólogos. Por ser terrificante, é costume indicar a morte por meio de eufemismos: "fim", "passagem", encontro, "destruição"... As palavras não conseguem expressar o que é imaginado.

Paralelo ao fascínio instaura-se o medo da morte, a repugnância ao cadáver e a interdição do olhar. O homem durante séculos conseguiu dominar o medo da morte e traduzi-lo em palavras. A sociedade permitia os ritos familiares, e a brevidade melancólica de um fim anunciado era tratada com dignidade sem fugas ou falsificações.

De acordo com Kovács (2005), negar a morte é uma das formas de não entrar em contato com as experiências dolorosas. A grande dádiva da negação e da repressão é permitir que se viva num mundo de fantasia onde há ilusão da imortalidade. Se o medo da morte estivesse constantemente presente, não se conseguiria realizar os sonhos e projetos. Existe, no ser humano, o desejo de se sentir único, criando obras que não permitam o seu esquecimento, dando a ilusão de que a morte e a decadência não ocorrerão. Essa couraça de força esconde uma fragilidade interna, a finitude e a vulnerabilidade.

Na atualidade, a sociedade ocidental compreende a morte como sendo um tabu, um tema interditado e sinônimo de fracasso profissional para quem trabalha na área da saúde. Observa-se que a morte está ausente do dia-a-dia do mundo familiar, pois foi transferida para os hospitais e as crianças são impedidas, pelos adultos, de participarem dos cerimoniais de despedidas. (Costa & Lima, 2005)

Para Kovács (2005), embora a morte esteja tão próxima, ocorre grave distúrbio na comunicação ao qual denomina de conspiração de silêncio; observam-se pais que não sabem se devem falar ou não sobre a morte de um parente próximo, professores que se veem às voltas com perguntas insistentes sobre mortes de ídolos, de pequenos companheiros, de amigos, e profissionais de saúde que se empenham numa luta de vida e morte contra as doenças, e que, muitas vezes, veem seus empenhos frustrados, e não sabem o que e como falar com seus jovens pacientes e familiares sobre o porquê da não melhora e sobre a possível morte. Há idosos que perdem cônjuges com os quais compartilharam uma vida toda e que sentem que a vida acaba por ocasião da morte, ou que sofrem de longas doenças degenerativas que causam grandes dores, limitações e sofrimento e das quais não têm com quem falar. Essas são questões cotidianas.

 

A morte institucionalizada

De acordo com Bellato & Carvalho (2005), tanto a repulsa pela morte como os conhecimentos adquiridos para o seu adiamento indefinido por parte da medicina, legitimaram a passagem do quarto do moribundo da sua casa para o hospital. Esse passou a ser o templo da morte solitária. Apenas os parentes mais próximos acompanham, a uma distância segura, o findar, não raro longo e silencioso, do ente querido. Chega ao fim a morte solene e circunstanciada, em família: morre-se no hospital, símbolo da extraterritorialidade da morte. Sendo a morte considerada obscena e embaraçosa, nada pode deixar de vestígio.

De acordo com Costa & Lima (2005), a morte é agora institucionalizada e medicalizada. Encontram-se nos hospitais aparelhos de alta tecnologia que são utilizados para manterem o organismo do paciente em funcionamento, e profissionais treinados para manipulá-los, porém sem preparo para assistir às reais necessidades do paciente, em iminência de morte, assim como de sua família. A tecnologia prolonga a vida dos doentes, mas não os ajuda no processo de morrer, sendo o doente terminal marginalizado socialmente porque deixou de ter um papel funcional.

Segundo Pessini (in Kovács, 2005), existem dois paradigmas vinculados à ação de saúde: o curar e o cuidar. No paradigma do curar, o investimento é na vida a qualquer preço, na qual a Medicina de alta tecnologia se torna presente, e as práticas mais humanistas ficam em segundo plano. No paradigma do cuidar, há uma aceitação da morte como parte da condição humana, leva-se em conta a pessoa doente, e não somente a doença; enfatiza-se a multidimensionalidade da doença, a dor total.

Para Escobar (in Moritz, 2002), no século XX, a morte modernizada pode ser qualificada por cinco características: um ato prolongado gerado pelo desenvolvimento tecnológico, um fato científico gerado pelo aperfeiçoamento da monitoração, um fato passivo já que as decisões pertencem aos médicos e aos familiares e não ao enfermo, um ato profano por não atender a crenças e a valores do paciente e finalmente um fato de isolamento já que o ser humano morre socialmente em solidão.

Segundo Azeredo et al (2011), o sofrimento no fim da vida é um desafio que se apresenta à Medicina nesta era tecnológica. O processo de morrer traz à tona a questão sobre qual aspecto da vida do paciente deve ser priorizado: a qualidade ou a quantidade de vida. A ideia de viver deveria estar condicionada à ideia de bem-estar, de bem-querer. Não basta ter uma Medicina para que se tenha uma boa morte. A boa morte deveria estar acompanhada por uma integração entre os princípios religiosos, morais e terapêuticos, dando aquele que está morrendo um cuidado respeitoso com suas crenças e valores. A boa morte deve garantir o sentido da vida e da existência, para que a morte seja um ato de cuidado. Quando o profissional se priva de suas emoções, usando como escudo uma pretensa neutralidade científica, o paciente é, muitas vezes, transformado em objeto. Desta forma, seu corpo passa a ser considerado um meio através do qual se podem observar fenômenos científicos. Ele, paciente, deixa de ser considerado sujeito de sua vida e de sua morte.

De acordo com Kovács (2005), combater a morte pode dar a ideia de força e controle; entretanto, quando ocorrem perdas sem possibilidade de elaboração do luto, não há permissão para expressão da tristeza e da dor, trazendo graves consequências como maior possibilidade de adoecimento. É por isso que a depressão é atualmente uma doença que tem acometido os profissionais da área de saúde. O luto mal-elaborado está se tornando um problema de saúde pública, dado o grande número de pessoas que adoecem em função de uma carga excessiva de sofrimento sem possibilidade de que este seja elaborado. Esse mal também está afetando os profissionais de saúde, que cuidam do sofrimento alheio e que, muitas vezes, não têm espaço para cuidar da sua dor, levando ao adoecimento destes.

Para Moritz (2002), historicamente, as profissões da área da saúde são definidas como aquelas destinadas a Promover a Saúde. A especificidade do sofrimento psíquico desses profissionais relaciona-se às suas possibilidades reais de sucesso ou fracasso. A equipe médica é a que detém a maior responsabilidade da "cura" e, portanto a que tem o maior sentimento de fracasso perante a morte do paciente sob os seus cuidados.

Para Kovács (2005), a diferença entre as pessoas em geral e os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos é que, na vida destes, a morte faz parte do cotidiano, tornando-se companheira de trabalho. Doenças com prognósticos reservados trazem uma ameaça à vida e um aceno à morte.

 

Aspectos Emocionais da Família Frente à Morte

Oliveira, Voltarelli, Santos & Mastropietro (2005) ressaltam que a família merece um cuidado especial desde o instante da comunicação do diagnóstico, uma vez que esse momento tem um enorme impacto sobre os familiares, que veem seu mundo desabar após a descoberta de que uma doença potencialmente fatal atingiu um dos seus membros. Isso faz com que, em muitas circunstâncias, suas necessidades psicológicas excedam as do paciente. Dependendo da intensidade das reações emocionais desencadeadas, a ansiedade familiar torna-se um dos aspectos de mais difícil manejo.

Brown (1995) reforça a tese que a única certeza da vida é a morte. E considerando as profundas conexões históricas entre os membros de um sistema familiar, não surpreende que o ajustamento à morte seja mais difícil que o ajustamento às outras transições da vida. Para a autora, existem algumas evidências clínicas, a partir da terapia de família, de que a morte é um processo sistemático do qual todos os membros participam de maneiras mutuamente reforçadoras, sendo aquele que apresenta um sintoma apenas um dos que foram, direta ou indiretamente, afetados pela perda de uma pessoa da família.

De acordo com Bromberg (1994), o luto não começa com a morte. Ele já estará sendo determinado a partir da qualidade das relações familiares existentes antes dela, pela qualidade dos vínculos estabelecidos e, também, afetado por condições atuantes mais próximas à morte propriamente dita. O luto, mesmo quando considerado normal, não significa que não seja doloroso ou que não exija um grande esforço de adaptação às novas condições de vida, tanto por parte de cada um dos indivíduos afetados quanto no sistema familiar, que também sofre impacto em seu funcionamento e em sua identidade.

Oliveira, Voltarelli, Santos & Mastropietro (2005) afirmam que em alguns casos, a possibilidade de perder o paciente torna-se muito concreta e ineludível. Nesse momento, os familiares, ao se depararem com esta realidade impactante, geralmente vivenciam as teorizadas fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Na fase da negação, os familiares não acreditam (ou melhor, não podem acreditar) na gravidade do diagnóstico e do reservado prognóstico do paciente. Aparece com frequência o discurso da possibilidade de ter havido um erro no seu exame, ou de troca do resultado. O primeiro contato com a doença grave em geral tem como características: o choque inicial frente ao diagnóstico e o início de uma busca frenética, que logo se torna uma autêntica peregrinação de especialista em especialista, na expectativa de mudança do diagnóstico.

Na fase da raiva, é esperado um questionamento da vontade divina e do poder da equipe, uma vez que a melhora está demorando por vir. O familiar passa a experimentar outros sentimentos, com forte carga de ambivalência afetiva, podendo tornar-se hostil e agressivo ao meio que o rodeia e mesmo em relação a Deus. Nesse momento penoso, o sentimento predominante é de impotência, alternando-se com momentos de revolta e franca hostilidade. Em relação à equipe são esperadas reações de desconfiança e de agressividade por parte do familiar, que nesse momento se questiona se deveria ter realmente permitido o tratamento, se o tratamento não acabou antecipando a morte do familiar, e coloca em dúvida a própria capacidade técnica da equipe.

São características da fase da barganha: a busca de métodos mágicos de cura, apelos dramáticos, e a celebração de pactos ou promessas. Nesse momento o familiar estabelece acordos, reais ou imaginários, com figuras que representam, em seu sistema de crenças e valores, o ideal de onipotência e supremacia, e que, em sua fantasia, têm poder sobre o bem e o mal, sobre a vida e a morte. Essas figuras aparecem, frequentemente, encarnadas em certos profissionais da equipe, sobretudo da especialidade médica. No plano sobrenatural, o poder absoluto é investido em Deus ou nos santos de devoção.

Nesse momento, os familiares podem voltar-se para uma introspecção religiosa, que lhes permite obter certo alívio e tranquilidade, que são ingredientes necessários para enfrentar a crise que se instalou no cotidiano familiar. É um mecanismo de luta, esperança de cura e prolongamento da vida do paciente.

Uma vez que percebem que o quadro clínico do paciente não apresenta melhoras, ou que caminha inexoravelmente para uma situação irreversível, o familiar adquire a percepção da perda iminente. Nesse momento, instaura-se a fase de depressão: a angústia e a introspecção aumentam, acompanhando progressivamente a deterioração do estado do paciente.

A dor psíquica é imensa, pois começa a se esboçar o contato nítido com o início do fim. Sentimentos de culpa e insegurança, tristeza e pesar, retornam com maior intensidade. São características dessa fase: introspecção e isolamento, episódios de choro e profunda tristeza.

A fase da aceitação é o estágio da quietude e do isolamento. A vontade de lutar cessa gradualmente e a necessidade de descanso é imensa. A aceitação da morte do familiar não significa perder a esperança de vida, mas não mais temer ou se angustiar intensamente ao entrar em contato com a perda inevitável. É o aprendizado do desinvestimento afetivo, necessário para que se possa elaborar o desligamento e a separação que estão por advir. É um tempo precioso e ao mesmo tempo delicado da resignação, que se bem elaborada propicia uma maior harmonia consigo mesmo.

Bromberg (2000) afirma que a experiência do luto é um momento potencializador de crise, em face das possíveis alterações no bem estar de saúde das pessoas que vivenciam a perda, entre as quais as expressões correlatas de sentimentos de tristeza, isolamento e presença de humor depressivo, articulados a um desinteresse, afastamento e desânimo pelas atividades relacionadas ao trabalho, ao lazer e às atividades da vida diária. Há também pessoas que, ao contrário, apresentam uma hiperatividade na execução de suas ocupações e se envolvem ainda mais em suas atividades, em um movimento de fuga, de não-contato com o sentimento de dor.

Para Brown (1995), a morte e uma doença grave de qualquer membro da família rompem o equilíbrio familiar. O grau de ruptura do sistema familiar é afetado por diversos fatores, sendo os mais significativos: o contexto social e étnico da morte; histórias de perdas anteriores; o timing da morte no ciclo da vida; a natureza da morte ou da doença grave; a posição e função da pessoa no sistema familiar; e a abertura do sistema familiar.

Segundo a autora com a entrada das mulheres no mercado de trabalho mudou seu papel familiar e acorreu um vácuo no funcionamento da família. "Quem cuidará dos doentes e dos agonizantes?" - é uma pergunta que surge em virtude da centralidade das mulheres na vida familiar. Elas muitas vezes se sentem culpadas e perturbadas por não estarem dispostas a desempenhar sozinhas esse papel, frequentemente sem recompensas em termos emocionais.

Quanto à etnicidade, a autora aponta que, não apenas influencia na maneira como encara-se a saúde e a doença, mas também, por extensão, como encara-se a vida e a morte. Alguns grupos étnicos parecem estar mais bem preparados do que outros para lidar com a morte, com o morrer e as doenças graves.

Ainda segundo a autora, perdas passadas, e a capacidade familiar de dominá-las, podem cruzar com uma perda no ciclo atual e criar um impasse no ciclo da vida – um impasse no tempo, com a família ficando incapaz em mover-se em busca de uma resolução. Uma sobrecarga de perdas passadas e uma história de dificuldade no manejo dessas perdas parecem prejudicar a capacidade da família em lidar com uma perda atual. Ao inibir o uso do passado no presente, a família fica impedida de aprender a partir da experiência e de compreender as semelhanças e diferenças entre as várias perdas.

Sobre o momento da morte, a autora ressalta que, de um modo geral, quanto mais tarde no ciclo da vida, menor é o grau de estresse associado à morte e à doença grave. A morte numa idade mais avançada é considerada um processo natural. Embora a morte dos idosos seja vista como uma parte integrante do ciclo de vida familiar, isso não acontece sem estresse. Parte do estresse decorre das mudanças no estilo de vida, necessárias para lidar com os efeitos da própria doença debilitante.

Sobre a natureza da morte, Brown (1995) fala que, a morte pode ser esperada ou inesperada, e pode envolver períodos ou não de cuidados. Cada tipo de morte tem implicações na reação e no ajustamento familiar. As mortes súbitas pegam o indivíduo e/ou a família despreparada. A família reage em choque. Não há tempo para despedidas ou resoluções das questões de relacionamentos. Não há nenhum luto antecipatório.

Nas famílias que estão lidando com a morte ou com a doença terminal, Brown (1995) descobriu haver uma maior probabilidade de desenvolvimento de sintomas emocionais e/ou físicos quando seus membros são incapazes de se relacionarem francamente uns com os outros em relação à morte. Entretanto, independentemente de quão bem diferenciada for a família, a capacidade de se expressar com franqueza os próprios pensamentos e sentimentos e não reagir à ansiedade do outro, está relacionada à intensidade e duração do estresse. Quanto mais longo e intenso for o estresse, mais difícil será que os relacionamentos familiares permaneçam francos, e mais provável que se estabeleça a disfunção. As famílias que conseguem se comunicar, compartilhar informações e opções, e utilizar fontes externas de apoio para essas funções parecem se reestabilizar melhor após a morte.

Ainda de acordo com a autora, nem todas as mortes têm igual importância para o sistema familiar. Em geral, quanto mais emocionalmente significativa é aquela pessoa para a família, mais provável que sua morte seja seguida por uma agitação nas várias gerações. A razão para esse efeito é dupla: o rompimento no equilíbrio familiar e tendência familiar a negar a dependência emocional quando essa dependência é grande.

 

O papel do psicólogo hospitalar

De acordo com Simonetti (2004), o foco da psicologia hospitalar é o aspecto psicológico em torno do adoecimento. Mas aspectos psicológicos não existem soltos no ar, e sim encarnados em pessoas; na pessoa do paciente, nas pessoas da família e nas pessoas da equipe profissionais. A psicologia hospitalar define como objeto de trabalho não só a dor do paciente, mas também a angústia declarada da família, a angústia disfarçada da equipe e a angústia geralmente negada dos médicos. Além de considerar essas pessoas individualmente a psicologia hospitalar também se ocupa das relações entre elas, constituindo-se em uma verdadeira psicologia de ligação, com a função de facilitar os relacionamentos entre pacientes, familiares e médicos.

Identificar a necessidade e encaminhar, quando necessário, para terapia familiar faz parte do papel do psicólogo hospitalar.

Souza et al. (2007) ressaltam que acompanhar estes familiares permite ao psicólogo hospitalar observar o momento e a maneira mais adequada para intervir, de acordo com as características emocionais de cada familiar enlutado, bem como ajudar na realização do enfrentamento desse processo, vivenciando as fases peculiares do luto.

Nos casos em que, tanto a família como o paciente, vinham sendo assistidos ao longo da internação existe um vínculo estabelecido através das intervenções psicológicas realizadas. No caso dos familiares, as observações auxiliam no trabalho pela maior proximidade e conhecimento das características do caso e dos perfis de personalidade. Nestas situações é comum que o profissional também seja exigido afetivamente por enfrentar um processo de luto por seu paciente falecido.

Quando não existia o conhecimento prévio do caso, esta abordagem fica dificultada, na maioria das vezes, por não haver a relação de confiança estabelecida.

Segundo Souza et al (2007), é nesse aspecto que o trabalho da psicologia hospitalar se insere e se organiza, propiciando um adequado e especializado apoio, além de um reforço dos vínculos e da rede de apoio familiar, para que a superação do luto possa ser mais provável e menos "devastadora", evitando, dessa forma, o luto patológico e suas previsíveis consequências físicas e emocionais.

Mendes, Lustosa & Andrade (2009), ressaltam que o psicólogo hospitalar tem como foco: auxiliar na reorganização egóica frente ao sofrimento; facilitar e trabalhar medos, fantasias, angústias, ansiedades; enfrentamento da dor, sofrimento e medo da morte do paciente; detectar e trabalhar focos de ansiedade, dúvidas; facilitar e incentivar vínculo com a equipe de saúde; detectar e reforçar defesas egóicas adaptativas, etc. Também importante é o trabalho do psicólogo na facilitação da comunicação da família com o próprio paciente, para que se possa, muitas vezes, auxiliar na solução de situações emocionais muitas vezes vividas como difíceis durante a convivência anterior ao advento da doença terminal. Não raro, se pode proporcionar elucidação de situações existenciais mal resolvidas, gerando alívio de culpas, ressentimentos e dores, frutos de relações neurotizadas pela convivência existencial prévia. A preparação de um luto antecipatório, sempre facilita e minimiza dores naturais da perda de entes emocionalmente importantes.

 

Atuação da equipe de saúde perante a morte

De acordo com Azeredo et al. (2011), a aceleração do processo de interdição da morte está associada ao deslocamento do local da morte, pois já não se morre em casa, entre os seus. Em geral, o homem morre sozinho, longe de seus familiares, na solidão de um leito hospitalar. Sendo assim, o hospital passa a ser o novo local para morrer e dá um sentido novo ao ato de morrer. A função do hospital contemporâneo consiste em recuperar a força de trabalho e, quando isto não é possível, em acolher a morte. A técnica se encontra impregnada na estrutura e na organização do hospital. O médico, ainda que seja o profissional símbolo da instituição, passou a ter que dividir poder com os outros profissionais de saúde, e a clientela passou a incluir portadores de todos os tipos de enfermidades, físicas ou mentais. Ao se transformar o hospital no local onde as pessoas adoecem e morrem, as questões inerentes a este ato, antes compartilhadas socialmente – pois a morte era domiciliar -, ficam restritas ao âmbito hospitalar. Essa transferência do local onde se morre vem sendo vivenciada de forma rotineira pelos profissionais que lidam com o paciente que está morrendo. No meio médico, não se pode pensar em morte, pois ela não é vista como um desenlace possível, mesmo naqueles casos em que esteja claro que a morte é inevitável.

 

De acordo com Bowlby (2004):

A perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer. É penosa não só para quem a experimenta, como também para quem a observa, ainda que pelo simples fato de sermos tão impotentes para ajudar. Para a pessoa enlutada, apenas a volta da pessoa perdida pode proporcionar o verdadeiro conforto; se o que lhe oferecemos fica aquém disso, é recebido quase como um insulto. (p. 4)

 

O que não é ensinado na graduação

De acordo com Bellato & Carvalho (2005), é necessário compreender que a formação dos profissionais integrantes da equipe de saúde tem se dado no sentido de estar preparado, essencialmente, para a promoção e preservação da vida e, nesse contexto, entender a morte como algo contrário e não como parte intrínseca dela. A obstinação terapêutica leva até as últimas consequências a tentativa de afastar a morte e, nessa tentativa de afastamento indefinido, o doente não morre mais na sua hora, mas naquela da equipe de saúde. Como consequência última desse processo, temos a desumanização do atendimento àquele que morre, pois a técnica matou a morte natural e o morrer dissolveu-se em um contexto sócio-organizacional no qual o funcional substituiu o humano. Por fim, a escamoteação da morte se faz expropriação e destituição, pois é tudo previsto para que o moribundo deixe de estar no centro de seu trespasse.

De acordo com Azeredo et al (2011), a experiência da morte não é vivenciada apenas pelos profissionais da área da saúde: é também vivenciada pelos estudantes que tem como seu objeto de estudo o ser humano. Por este motivo, eles se defrontam cotidianamente com a doença, com a dor e com a morte. Dento do hospital, o auxílio da tecnologia também faz parte deste aprendizado diário, em que formulam e reformulam seus conteúdos e suas práticas. Todo esse conjunto de experiências diárias pode tornar latentes, para os alunos, seus sentimentos de impotência diante do não solucionável.

Segundo Silva & Ayres (2010), durante a formação acadêmica, estudantes e residentes iniciam o contato com a morte sem subjetividade, sem história. Trata-se do encontro com uma morte "morta", sem alma. Quando, mais tarde, eles se encontram em sua prática com a morte "vivida", onde corpo, alma, alegrias, dores se apresentam de forma intensa, importantes conflitos e paradoxos são experimentados. Eles vão descobrir no encontro com os pacientes que não ser tocado pelo outro e sua dor não será possível o tempo todo. Ao descobrirem isso, reclamam por práticas, professores e política de educação que os auxiliem, que os preparem.

De acordo com Azeredo et al (2011), a presença da morte no cotidiano dos profissionais de saúde é uma constante. Ela também se faz constante nas vivências e no aprendizado dos acadêmicos da área da saúde que passam pelos hospitais. Por esta razão, identificar o significado da morte e do morrer, bem como de que maneira o acadêmico elabora a sua relação com o limite terapêutico, parece ser uma necessidade. Da mesma forma, é verdadeiro que a morte e o morrer são temas frequentemente discutidos pelos profissionais da saúde. Contudo, também é fato que muitas dessas discussões estão perpassadas por questões relacionadas a como realizar procedimentos corretos, técnicas assépticas, administrar medicamentos adequados e o motivo pelo qual as terapêuticas fracassam diante da morte. Poucos são os espaços que questionam os sentimentos e as percepções destes profissionais diante da morte.

Silva & Ayres (2010) identificaram que não só o tema morte é evitado, pouco abordado, como também que a experiência do estudante com a morte de um paciente, quando acontece na graduação, ocorre nos últimos anos do curso ou é presenciada de forma acidental. A maioria dos estudantes, até o final do curso, não acompanhou o processo de morte de um paciente.

Por outro lado, pontuam os autores, sabe-se que também são raras as oportunidades de conversa entre os alunos e entre eles e os profissionais sobre seus medos, culpas, inseguranças, angústias e outros sentimentos que surgem no cotidiano da relação médico / aluno / paciente e família. Ocorre uma invisibilidade do sofrimento existencial dos estudantes. Há uma falta de acolhimento e continência aos aspectos emocionais dos próprios estudantes, que podem se reproduzir mais tarde em semelhante falta com seus pacientes.

Na formação acadêmica, ainda hoje se segue o discurso da impessoalidade e do distanciamento de fatos que cotidianamente se enfrentam nas práticas diárias: a dor, o sofrimento e, principalmente, a morte. Muitos cursos de formação de profissionais da saúde estão carentes, em seus currículos, de disciplinas que abordem a morte, o luto e o processo de morrer, a morte no sentido de sua inexorabilidade, não como uma inimiga a vencer, mas como uma etapa da vida que necessita ser cuidada. (Azeredo et al, 2011)

Silva & Ayres (2010) fizeram uma pesquisa com estudantes de Medicina e perguntaram quais seriam as soluções para tal problema. As sugestões dadas foram: educação continuada sobre morte, maior ênfase do tema na disciplina de Psicologia Médica, experiência prática com pacientes terminais e assistência psicológica aos estudantes.

A experiência prática entre estudantes e pacientes terminais é avaliada, pelos autores, como escassa e dificultada pela existência de um grande número de alunos nesses momentos. Além de se fazer necessária, acompanhamento, preparo e supervisão de médicos e profissionais de saúde mental – psiquiatras e/ou psicólogos. O contato com o paciente terminal pode diminuir o medo de interagir com tais pacientes, mas é imprescindível um preparo adequado para essa experiência.

Azeredo et al (2011), propõe a criação de espaços de discussão nos quais as emoções decorrentes da formação possam ser compartilhadas como uma forma de minimizar as consequências de lidar todos os dias com a morte e ter um outro ser humano como seu objeto de estudo. Além disto, recomenda-se que algumas disciplinas enfatizem as emoções geradas no aluno em função de sua formação, não somente de forma teórica, mas por meio de observação e apresentação de casos, propiciando sua aproximação com pessoas em diferentes fases do desenvolvimento.

De acordo com Silva & Ayres (2010), quando o estudante não consegue elaborar os conflitos gerados pelas dificuldades próprias do curso médico, é importante que existam propostas de assistência psicológica e acompanhamento psicopedagógico, fazendo parte de um programa de atenção primária à saúde dos estudantes.

É possível concluir que os acadêmicos da área da saúde, em sua formação, aprendem a se comprometer com a vida em detrimento da morte, como se esta não fizesse parte daquela. Afinal, toda a sua capacitação é para a cura, que traz gratificação do aprendizado e recompensa o esforço realizado. Quando a morte se apresenta, ela traz para o acadêmico uma sensação de frustração e um sentimento de incapacidade, pois existe um despreparo para lidar "dignamente" com a morte, já que a cura parece ser a única grande meta. Contudo, não se pode negar a existência da morte, sendo a preparação para enfrentá-la a melhor alternativa viável. (Azeredo et al, 2011)

 

Comunicando uma "má notícia"

De acordo com Lino et al (2011), o termo "má notícia" designa qualquer informação transmitida ao paciente ou a seus familiares que implique, direta ou indiretamente, alguma alteração negativa na vida destes. É importante que seja definido do ponto de vista do paciente e familiares: a notícia recebida por estes é considerada desagradável em seu contexto. Dessa forma, embora normalmente associada à transmissão de diagnóstico de doenças terminais ou à comunicação do óbito, a má notícia pode trazer patologias menos dramáticas, mas também traumatizantes para o paciente e /ou familiares. Vê-se, então, que o ato de transmitir más notícias provavelmente estará presente em algum momento da atuação profissional da maioria dos médicos.

Ainda de acordo com os autores, a literatura oferece algumas orientações gerais sobre como sistematizar a transmissão de uma má notícia, tornando-a menos traumática para o médico e ao mesmo tempo focalizando a atenção no paciente e/ou familiares. A maioria dos médicos, no entanto, utiliza sua experiência na prática clínica para decidir como se comportar ao transmitir uma má notícia. Sabe-se que o resultado nem sempre é satisfatório. Apesar de ser objeto de estudo em muitos cursos de Medicina em nível internacional, o tema ainda é pouco abordado por professores e estudantes no Brasil.

De acordo com Mendes, Lustosa & Andrade (2009), a comunicação do diagnóstico e prognóstico ao paciente fora de condições terapêuticas é tarefa de dificuldade comum na equipe de saúde. Além do confronto com uma situação para o qual a sociedade ocidental não prepara seus indivíduos, no que se refere à formação médica, este não é um assunto privilegiado em sua formação acadêmica.

Segundo Lino et al (2010), assim como para o paciente e/ou familiares, o ato de transmitir uma notícia desagradável é desconfortável também para o médico por várias motivos. Primeiramente, este se vê na situação difícil de lidar com emoções experimentadas pelo paciente e/ou familiares e suas reações. Por outro lado, o médico também deve lidar com as próprias emoções e receios, devendo enfrentar sua própria finitude. Some-se a isso o fato de que a maioria deles não recebeu treinamento formal durante sua formação profissional que oferecesse mais segurança ao transmitir más notícias.

A falta a de informação sobre o psiquismo humano não favorece a habilidade de médicos em lidar com o sofrimento humano, tão importante num momento como este. Alguns escolhem comunicar as notícias mais difíceis aos parentes, mas não ao paciente, para evitar contato com eventual crise emocional deste. Outros são sensíveis, e melhor preparados emocionalmente para lidar com as necessidades emocionais de seu pacientes, e obtêm êxito ao transmitir-lhes a existência de uma doença séria, sem lhes tirar esperança. (Mendes, Lustosa & Andrade, 2009).

De acordo com Lino et al (2010), um erro comum é encarar o processo da má notícia com sentimento de fracasso ou até de culpa. Para o médico, um fracasso terapêutico pode significar fracasso profissional. O profissional deve tentar entender os próprios sentimentos evocados no momento em que se comunica notícias difíceis. Ao enfrentar seus medos e ansiedades, aprendendo a reconhecê-los e a controlá-los, o médico se sente mais à vontade diante das reações dos pacientes e/ou familiares, podendo ajudá-los da melhor forma possível.

Após a pessoa ser informada do óbito, é muito importante que haja uma conversa com a equipe médica para esclarecimentos sobre o caso. Essa comunicação deve ser clara, em local adequado e passando serenidade para a família que está vivendo um momento tão difícil.

Segundo pesquisa realizada por Starzewski Jr et al (2005), as reclamações mais comuns das famílias eram informações superficiais, vagas, uso de linguagem médica ou de difícil compreensão, insegurança do profissional, informações secas ou com frialdade.

Os profissionais entrevistados por Starzewski Jr et al (2005) foram questionados quanto às dificuldades existentes. O estudo demonstra que 50,9% dos médicos têm dificuldades para tratar este tema, 13,5% têm muita dificuldade e 1,9% evitam o assunto. As principais dificuldades apontadas na pesquisa foram a comunicação do óbito em caso de mortes súbitas, ou que não respondem ao tratamento e "familiares não cientes, que não entendem" (p.15). Por isso deve-se deixar sempre a situação clara, principalmente em casos de pacientes jovens, agudos e mais carentes. Também foi apontado que "as crianças com doenças fatais criam estresses emocionais imensos sobre aqueles que as atendem, sejam pais, parentes, equipe hospitalar, ou médicos" (p.15). Assim sendo a morte de uma criança frequentemente é uma experiência emocional mais intensa do que a morte de um adulto. Também a morte súbita é mais traumática do que a morte por doença prolongada, uma vez que nesta última pode ocorrer tristeza antecipatória.

Cuidando de quem cuida. Segundo Azeredo et al (2011), a negação da morte coloca o profissional da saúde numa situação ilusória de onipotência que o protegeria de seus temores e ansiedades. Para defender-se destas situações, extremamente angustiantes e difíceis, os profissionais que lidam com a morte muitas vezes se isolam e se fragmentam. No entanto, ao tentarem fugir da morte, perdem o contato com algo que também faz parte de sua formação. Da mesma forma como a onipotência e o poder de cura são idealizados, também são alienantes, no que se refere tanto à perda como à inevitabilidade da morte.

De acordo com Mendes & Linhares (1996), os profissionais da saúde estão expostos a dois tipos de angústia na confrontação com a morte: a fantasia da própria morte e da morte dos outros, em especial, de pessoas ligadas a elas afetivamente.

Segundo Silva (2007), à equipe restam então, os recursos defensivos e a repressão dos sentimentos como proteção e forma de não entrar em contato com essa angústia. O psicólogo pode aparecer neste cenário como um agente facilitador desta relação equipe/paciente/família, propiciando um espaço continente para que as emoções desencadeadas neste processo possam ter liberdade de expressão e deste modo possam vir a ser entendidas e acolhidas.

Salomé, Martins & Espósito (2009) afirmam que é necessário que as instituições tenham um espaço destinado ao apoio psicológico para os funcionários e, que esta ofereça a oportunidade necessária para discutir questões conflitantes, sofrimentos e propor sugestões. Acredita-se que o profissional respeitado e valorizado desempenha melhor sua atividade, com consequente melhoria na qualidade da assistência prestada ao paciente.

Mendes, Lustosa & Andrade (2009), tendo identificado que grande parte das dificuldades de lidar com o paciente terminal está relacionada à da equipe de saúde de se confrontar com a morte, recomenda-se um preparo das mesmas através de grupos de discussão baseados na metodologia de Balint, ou seja, pressupõe a discussão de casos para obter um melhor entendimento das questões emocionais que os médicos encontram na sua prática diária como estratégia para diminuir a ansiedade da equipe.

O objetivo dessa metodologia é oferecer ao profissional, um espaço onde as angústias e a dor frente à situação de terminalidade de pacientes, sejam elaboradas, e assim, construir estratégias defensivas que lhe ofereçam uma forma de trabalho em situações como estas.

De acordo com Mendes, Lustosa & Andrade (2009), a proposta do trabalho do psicólogo junto à equipe de saúde é auxiliar na capacitação destes profissionais a lidar, de forma mais adequada, com fontes de tensão interna oriundas de sua prática profissional, possibilitando a utilização de arsenal egóico defensório adaptativo que possibilite retorno ao equilíbrio emocional, principalmente visando um estado de maior tranquilidade para lidar com situações tão difíceis com a de terminalidade de pacientes, com também com o prazer do exercício de sua maravilhosa profissão. Além desta árdua tarefa, o psicólogo também intenta conseguir com que os profissionais da equipe de saúde possam estabelecer uma relação mais saudável com os familiares e pacientes terminais, evitando que os sentimentos destes possam interferir, de forma negativa, em sua estrutura emocional. Afinal, a saúde de sua estrutura emocional é um fator preponderante do qual depende o êxito de sua atividade profissional.

E o psicólogo hospitalar?. O psicólogo, segundo Silva (2007), que vivencia em sua realidade profissional a experiência de se deparar (além do sofrimento psíquico) com o sofrimento físico de um paciente em um contexto hospitalar, presencia a interligação de conflitos emocionais com a existência de uma fragilidade física. Fragilidade esta, exposta em limitação e dependência. Uma exposição à deficiência do humano em relação a sua própria finitude.

De acordo com Mendes, Lustosa & Andrade (2009), obviamente, o profissional psicólogo deve ser o primeiro a se preocupar para o impacto da morte em sua estrutura psíquica. Primeiro ele deve olhar para o significado deste evento, o significado desta realidade inexorável, em sua participação existencial.

Esse processo, aponta Silva (2007), remete o psicólogo a uma relação dialética com seu paciente, pautada no movimento polarizado entre a onipotência e a impotência diante da dor e do sofrimento do outro e de sua possibilidade de ajuda. No momento em que o profissional se sente impotente em acabar com o sofrimento de seu paciente, vive uma espécie de paralisação, a qual o impossibilita de qualquer ação efetiva que ajude o paciente a administrar seus conflitos. Isto pode gerar no psicólogo, sentimentos de frustração e questionamentos em relação a seu "poder" de ajuda. Em muitos casos, para fugir desta sensação de fracasso em sua persona profissional, o psicólogo pode acabar recorrendo a um movimento oposto de necessidade de fazer algo que minimize esse sofrimento, tanto dele próprio quanto do paciente, estabelecendo consigo mesmo inconscientemente um "contrato onipotente" em que lhe compete "salvar" o outro de sua dor e livrá-lo se suas angústias. Com isto, estrutura defesas que o impossibilitam enxergar o real desejo do outro em seu próprio processo, perdendo a subjetividade e o caráter simbólico do tratamento.

Não se pode deixar de considerar o psicólogo como um profissional da equipe de saúde, extremamente privilegiado, dado que este tem inúmeros recursos para lidar com tal temática. Tem ele, à sua disposição, a supervisão, a literatura, e a psicoterapia para prepará-lo para lidar com o impacto e significado da morte em sua existência, assim como na existência de seu objeto de trabalho. Não se pode admitir que profissionais psicólogos não recorram a estes recursos básicos para melhor prepararem-se no lidar com situações de terminalidade no hospital geral. (Mendes, Lustosa & Andrade, 2009)

A equipe médica, em alguns casos, delega ao psicólogo a responsabilidade de aliviar o sofrimento tanto do paciente como de sua família, por um entendimento de que as questões emocionais são da competência exclusiva deste profissional. Este delegar pode afastar o médico de seu paciente, e o psicólogo assumir para si esse contrato onipotente, que compete dar conta da dor emocional do paciente e também da angústia projetada da equipe que se sente impotente mediante a fragilidade daquele enfermo. (Silva, 2007)

 

Conclusões e Considerações Finais

A vivência da morte de um paciente, conforme aponta Azeredo et al (2011) suscita angústias, pois coloca os profissionais frente a frente com a incômoda sensação da própria finitude. Se não existe vida sem morte – e, em consequência, a morte faz parte da vida dos profissionais da saúde -, ao educar o aluno para o enfrentamento da morte, respeita-se a integralidade do doente, do aluno e dos profissionais, como sujeitos de vida e de morte.

A ruptura na comunicação entre médico e paciente (e dos profissionais de saúde entre si) verificada através da atitude de não falar da doença (e da morte) e que, posteriormente, vai contaminando todos os assuntos condena o paciente ao isolamento. Se, por um lado, nunca antes as pessoas morreram de forma tão silenciosa e higiênica, por outro lado, nunca morreram em condições tão propícias à solidão. (Azeredo et al, 2011).

Bolze & Castoldi (2005) afirmam que para o psicólogo hospitalar que vive em seu cotidiano situações muito semelhantes e trabalha constantemente no limiar vida e morte, é necessário ter um bom aporte teórico para realizar suas intervenções com êxito. Igualmente, é importante que ele receba apoio psicoterápico, pois é afetado emocionalmente por seu trabalho. Há também algumas características que este profissional deve ter como pessoa, tais como a disponibilidade para a tarefa, além da perseverança, dedicação e certeza de que poderá ajudar. Somente desta forma pode-se oferecer ao paciente terminal uma escuta e uma qualidade de vida, bem como um apoio para sua família.

Muito se fala sobre o paciente terminal e sua família mas pouco se estudou sobre os profissionais e suas dificuldades em falar sobre morte. E como instituir uma atenção humanizada aos pacientes se não cuidar dos profissionais?

Existe a necessidade de se fazer mais pesquisas, ampliando o que já foi estudado, sobre esse tema e assim, dar atenção humanizada não só para os pacientes, mas também aos profissionais.

 

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Endereço para correspondência
Luciana Antonieta Medeiros
E-mail: lu_antonieto@yahoo.com.br

 

 

* Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde, pela Santa Casa da Misericórdia do RJ.
** Doutora em Psicologia pela UFRJ; Coordenadora do Centro de Cursos de Pós Graduação da Santa Casa ddo RJ; Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Psicologia Hospitalar e da Saúde da Santa Casa da Misericórdia do RJ. www.cepsi.psc.br

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