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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Psicologia e trabalho interdisciplinar na Atenção Primária: um relato de experiência

 

Psychology and interdisciplinary work on Primary Care: an experience report

 

 

Daniele Trindade Mesquita1; Juliana Perucchi2; Jéssica Mattos3

Universidade Federal de Juiz de Fora

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar um relato de experiência sobre a atuação de uma residente de psicologia em uma equipe multiprofissional na Atenção Primária à saúde, levantando possibilidades e limitações da prática da Psicologia nesse contexto. O relato das ações desenvolvidas será realizado a partir do arcabouço da etnografia e dos diários de campo. Foram realizadas ações individuais e coletivas com os usuários, como: grupos de educação em saúde, visitas domiciliares, consultas multiprofissionais, elaboração de projetos terapêuticos singulares e atendimento individual. Verificou-se um amplo leque de possibilidades de trabalho para a Psicologia na Atenção Primária, que ultrapassa o modelo tradicional de atendimento clínico, perpassando ações coletivas e individuais, sempre desenvolvidas de forma contextualizada e interdisciplinar.

Palavras-chave: psicologia; atenção primária à saúde; residência multiprofissional.


ABSTRACT

The aim of this paper is to present an experience report about the practice of a psychology resident in a multidisciplinary team in primary health care, raising possibilities and constraints regarding the exercise of psychology in this context. The report of developed actions will be accomplished based on framework of ethnography and of field diaries. We carried out individual and collective actions with users, such as: health education groups, home visits, multidisciplinary appointments, elaboration of singular therapeutic projects and individual care. It was verified a large range of work possibilities for psychology on primary care, that goes beyond the traditional pattern of clinical care, crossing over collective and individuals actions, always developed in a contextualized and interdisciplinary way.

Keywords: psychology; primary health care; multiprofesional residency.


 

 

Introdução

A Reforma Sanitária de 1986 e a instauração do Sistema Único de Saúde-SUS possibilitaram uma visão integral da saúde e dos usuários. Entretanto, ainda persiste nas ações e serviços uma forte ênfase na lógica hospitalocêntrica e no modelo biomédico de assistência (Morais & Souza, 2016). Uma das alternativas para a mudança nesta forma de atuação médicocentrada e para qualificação de profissionais do SUS foi a regulamentação dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde (PRMS) em 2005, através da lei n.º 11.129/2005, que apresenta os programas como uma estratégia na reorientação dos serviços públicos pautados na lógica do SUS.

Os PRMS são uma modalidade de pós-graduação lato sensu apresentados pelo Estado como uma estratégia para a qualificação de recursos humanos no âmbito da saúde pública, através da formação em serviço (Ministério da Saúde, 1998). As residências multiprofissionais evocam uma concepção de trabalho interdisciplinar, entendendo que nenhum profissional ou serviço isolado dispõe de todos os recursos e competências necessários para um atendimento integral no âmbito individual ou coletivo (Brito-Silva, Bezerra & Tanaka, 2012). O psicólogo nestas equipes contribui com seu olhar acerca dos aspectos psicológicos e sociais de maneira contextualizada, além de buscar desenvolver a humanização dos espaços de saúde, na compreensão e modificação de fatores psicológicos no processo saúde-doença, e na promoção da qualidade de vida dos usuários (Paulin & Luzio, 2009; Rocha, Almeida & Ferreira, 2016).

A Atenção Primária à Saúde (APS) constitui-se como um dos lócus possíveis de atuação dos programas de residência e é sobre ela que versa este relato. Assim, no Brasil, a APS objetiva possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema de saúde, oferecendo um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, de forma a prover atenção integral, com impactos relevantes na situação de saúde e autonomia dos usuários, bem como nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Ministério da Saúde, 2012). Ainda de acordo com o Ministério da Saúde (2012), através dos princípios organizativos do SUS de descentralização e territorialização, a APS, por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF), localiza-se na comunidade, próxima do cotidiano e da vida das pessoas.

A inserção da Psicologia na atenção básica se deu no Brasil a partir da década de 1980, impulsionada pelos movimentos sociais no campo da saúde e pelos princípios da reforma psiquiátrica. Embora alguns estudos apontem para a importância da Psicologia na Atenção Primária (Jimenez, 2011; Sundfeld, 2010; Conselho Federal de Psicologia, 2010), a inserção neste campo ainda é incipiente, visto que a equipe mínima da ESF não contempla o psicólogo e quando a inserção acontece é em forma de apoio via Núcleo de Saúde da Família (NASF) (Conselho Federal de Psicologia, 2010). Assim, em muitos municípios, a contratação de um profissional de psicologia acaba sendo vista de forma opulente.

De acordo com pesquisas realizadas no Brasil, incluindo pessoas com transtorno mental e com sofrimento mental pouco abaixo do limiar diagnóstico (casos subclínicos), a cada duas pessoas que procuram a APS uma apresenta sofrimento por questões psiquiátricas/psicológicas (Busnello, Lima, &Bertolote, 1983; Mari, 1987; Fortes, Villano, & Lopes, 2008). Entretanto, nem sempre os profissionais estão preparados e aptos a trabalhar com o sofrimento que vai para além das questões estritamente orgânicas.

Os dados apresentados justificam a necessidade da produção científica sobre a Psicologia na APS, principalmente aquela que prioriza os relatos de experiência profissional, como este. Nesse sentido, o presente relato pretende discutir as possibilidades e limitações da Psicologia no nível de atenção em questão, a partir da atuação de uma residente de psicologia em uma unidade de Atenção Primária à saúde (UAPS), utilizando-se para tal o arcabouço da etnografia e dos diários de campo.

 

Metodologia

Este trabalho utiliza como base teórico-metodológica os estudos da Psicologia Social, que se constitui como campo interdisciplinar, abrangendo conhecimentos tanto das Ciências Sociais quanto da Psicologia. Dessa forma, o método que orientou a construção do relato foi a etnografia, originalmente utilizada na Antropologia e atualmente presente nas mais diversas áreas de conhecimento, incluindo a Psicologia e o campo da saúde. De acordo com Nakamura (2011) a etnografia caracteriza-se por um trabalho de campo orientado pela observação e descrição aprofundada dos fenômenos culturais e sociais de um determinado grupo social, que se expressam em situações particulares, revelando valores, comportamentos, modos de vida e visões de mundo diferentes. A Psicologia tem, neste método, um importante aliado para compreender a produção de subjetividades nos mais diversos contextos. Como tecnologia de registro foi utilizado o diário de campo que possibilita a descrição de eventos cotidianos, interações sociais, acontecimentos, comportamentos e sentimentos em um determinado período de tempo.

 

Relatos

Os relatos presentes neste trabalho são referentes ao período de quatro meses de atuação da residente de psicologia, juntamente com outras residentes de enfermagem, nutrição e serviço social na Atenção Primária, no período de dezembro de 2015 a março de 2016, que é o tempo em que os residentes ficam em cada eixo de atividades. É importante ressaltar que o programa de residência aqui mencionado é o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto, com ênfase em doenças crônico degenerativas de um Hospital Universitário localizado no estado de Minas Gerais. O programa tem duração de dois anos e os profissionais atuam nos três níveis de atenção à saúde, incluindo a Atenção Primária, que constitui o foco deste trabalho.

A UAPS na qual foi desenvolvido o trabalho é caracterizada por ser mista, ou seja, possui oferta de atendimento tradicional e também atuações em áreas específicas da ESF, como por exemplo, as visitas domiciliares. Possui uma área de abrangência muito grande, que, embora tenha sido territorializada, atende a uma população de aproximadamente 44 mil habitantes, com crescimento contínuo, principalmente devido à sua localização, que compreende uma área de conjuntos habitacionais e condomínios de luxo, fazendo coexistir em um mesmo espaço pessoas de diferentes classes socioeconômicas.

As ações propostas foram pautadas pelo conceito de clínica ampliada, que é a diretriz norteadora para o trabalho dos profissionais de saúde. De acordo com Sundfeld (2010), a clínica ampliada se define através de uma perspectiva sobre os processos de saúde e adoecimento pautada em uma articulação entre diversos tipos de saberes, promovendo maior autonomia aos usuários ao possibilitar que os mesmos participem das condutas de saúde, inclusive da elaboração de seus próprios projetos terapêuticos. Assim, além do trabalho interdisciplinar, as ações visaram colocar o usuário, individual e coletivo, como sujeito ativo na construção de sua saúde.

A primeira ação realizada pelas residentes foi o reconhecimento da área, que não pode ser feito de forma satisfatória, visto que, devido à ampla abrangência territorial e populacional, muitos bairros não possuíam agentes comunitários de saúde, que são um importante elo entre o serviço e a comunidade. Outro aspecto limitador da ambientação foi o desconhecimento pela própria UAPS da população abrangente, pois torna-se impossível conhecer as potencialidades, vulnerabilidades e perfil epidemiológico de uma comunidade que excede em dez vezes o número ideal de pessoas que deveriam ser atendidas por equipe. Assim, através de conversas com antigos residentes e profissionais da UAPS foi feito um plano de ações, que será apresentado a seguir.

Grupos de Educação em Saúde: espaços para trocas de saberes e promoção da saúde

A educação em saúde é um conjunto de saberes e práticas voltados para a prevenção de doenças e promoção da saúde, que se efetiva através do diálogo entre saber científico e saber popular, sendo a cultura fator preponderante no planejamento das ações (Alves, 2005; Meyer, Mello, Valadão & Ayres, 2006). Uma das formas de promover a educação em saúde é por meio de grupos.

Os grupos realizados na comunidade tiveram como objetivo principal trabalhar aspectos relacionados à saúde de forma ampla e atender às especificidades das populações atendidas. Algumas demandas recorrentes foram por ações que proporcionassem a perda de peso e controle das taxas glicêmicas da população. Dessa forma, foram realizados quatro grupos: grupo sobre diabetes e hipertensão, grupo sobre educação alimentar, grupo de caminhada orientada e grupo de cessação do tabagismo. Em todos os grupos realizou-se um levantamento de demandas no intuito de trabalhar o que fosse de interesse da população. A partir desta ótica de trabalho em conjunto seguimos a ideia introduzida por Pichón-Rivière (2005), que conceitua o grupo operativo como um conjunto de pessoas com necessidades semelhantes que se reúnem em torno de uma tarefa específica ou objetivo compartilhado, onde cada participante expressa suas opiniões, defende pontos de vistas ou, simplesmente, fica em silêncio.

Um aspecto importante que o trabalho em grupo propicia é a aproximação entre profissional-usuário, já que a estrutura de trabalho é diferente dos moldes de atendimento clínico em consultório. A formação dinâmica de circularidade no processo grupal permite, conforme salientam Souza, Colomé, Costa & Oliveira (2005), a quebra da tradicional relação vertical entre profissional de saúde e o sujeito da ação, mostrando-se como uma estratégia facilitadora da expressão das necessidades, expectativas, angústias e circunstâncias de vida que impactam a saúde dos indivíduos e coletividades. Dessa forma, os integrantes tiveram uma grande aproximação da equipe e pôde-se constatar, por exemplo, uma gama de fatores relacionados à saúde mental que, muitas vezes, são ignorados na condução de grupos que apresentam uma preocupação excessiva em relação à saúde física, fazendo uma cisão no indivíduo, que prejudica a visão integral do processo saúde-doença.

Os grupos eram formados principalmente por mulheres com idade acima de 40 anos, que traziam consigo suas histórias de vida, marcadas por situações relacionadas à pobreza, à violência de gênero, problemas de autoestima, vínculos familiares empobrecidos, perdas de entes queridos, entre outros, que culminavam em sintomas depressivos e ansiosos. Apresentavam grande dificuldade em aderir aos tratamentos, atribuindo esta dificuldade a aspectos emocionais, como sintomas de ansiedade, estresse e depressão e faziam uso constante de benzodiazepínicos. Muitas vezes, pessoas que apresentam estes sintomas não encontram uma possibilidade de os atenuar através de estratégias terapêuticas, como tratamento psicológico, grupos terapêuticos e de educação em saúde. Portanto, uma das alternativas mais comuns e viáveis acaba sendo a medicalização da tristeza, do estresse e da ansiedade (Ministério da Saúde, 2013).

Dessa forma, para além do objetivo das trocas de saber popular e científico sobre a saúde predominantemente física, os grupos tornaram-se espaços com funções terapêuticas, transformando-se em momentos para acolhimento das queixas e de elaboração das vivências, sendo os casos mais específicos encaminhados para uma escuta individual. A partir dessas demandas de cunho social e psicológico algumas temáticas relacionadas a estresse, depressão e ansiedade foram trabalhadas nos encontros, de forma a relacionar estes tópicos com os outros problemas de saúde apresentados pelos integrantes, bem como encontrar em conjunto formas de lidar com eles.

Visitas Domiciliares

As visitas domiciliares (VDs) podem ser entendidas como uma tecnologia de interação no cuidado à saúde da família, atuando para um trabalho mais humano e acolhedor, permitindo o vínculo, laços de confiança e propiciando o conhecimento do usuário no seu ambiente familiar (Sakata, Almeida, Avarenga, Craco& Pereira, 2007). As VDs eram uma atividade frequente na UAPS, e podiam ser agendadas a pedido da família, por solicitação de algum agente comunitário da área ou de qualquer outro membro da equipe. O perfil das pessoas atendidas nas VDs era composto por: pessoas idosas com dificuldade de locomoção, pessoas com algum tipo de deficiência física incapacitante, pessoas com algum transtorno ou retardo mental que dificultasse o deslocamento até a unidade, denúncias de maus tratos, principalmente contra idosos.

Geralmente as VDs eram realizadas pela equipe formada por: médica, enfermeira, agente comunitário de saúde e equipe de residentes (no caso, uma psicóloga, uma enfermeira, uma assistente social e uma nutricionista). Os principais motivos de agendamento das visitas se referiam a necessidades físicas, como: exame clínico do usuário, cuidado de feridas, aferição de pressão arterial e glicemia, entre outros. Entretanto, a inserção de uma equipe multiprofissional, formada por residentes, contribuiu para um atendimento mais integral. Assim, outros fatores eram abordados pelas residentes durante as VDs, como, por exemplo: 1) composição e qualidade dos vínculos familiares; 2) qualidade de vida do cuidador; 3) avaliação das funções psíquicas do paciente; 4) atividades e interesses do paciente, bem como sua independência nas atividades de vida diária; 5) infraestrutura da casa; 6) autocuidado; 7) qualidade da alimentação; e 8) uso dos medicamentos. Em alguns casos, as residentes retornavam a casa em um curto espaço de tempo para fornecer orientações e estabelecer um plano de cuidados; em outros momentos os cuidadores iam até a unidade para conversar com as residentes sobre os casos.

A atuação da Psicologia se fazia importante principalmente nos quatro primeiros tópicos apresentados, que denotam um cuidado com a saúde mental do paciente e de seus cuidadores, além das relações familiares. Este tipo de atuação apresenta um interesse pelo paciente que vai além de sua patologia, além do diabetes, do Alzheimer ou do retardo mental, considerando o sujeito em seu contexto e as especificidades de cada tipo de adoecimento, que estão ligadas ao processo de subjetivação de cada um.

Consultas multiprofissionais: uma alternativa possível

Muitas demandas que surgiram nos grupos ou foram solicitadas por outros profissionais se referiam a um cuidado mais próximo, dentro de um atendimento específico de uma das profissões da equipe de residentes. Assim, uma tecnologia criada pelas residentes, a partir de uma leitura prévia de materiais da área, foi a ficha de avaliação multiprofissional, que objetivou analisar diversos aspectos da vida do usuário e montar um plano de ações a partir de uma consulta multiprofissional. As consultas podiam ser agendadas por demanda espontânea ou encaminhamento de qualquer profissional da equipe. A maior parte dos pacientes atendidos veio por demanda espontânea, mas também houve muitos encaminhamentos, principalmente das médicas.

As consultas funcionavam com a participação das quatro residentes e do usuário. Eram investigados aspectos como: composição familiar, dados socioeconômicos, história clínica, englobando a saúde mental; exame físico; alimentação e hidratação; e história social e familiar. A maior parte da demanda explícita, ou seja, a demanda verbalizada pelo usuário, era direcionada para o atendimento psicológico e nutricional. Alguns possíveis motivos para este fato são: escassez de psicólogos e nutricionistas no serviço público de saúde, e o fato de que todas as UAPS da cidade têm em sua equipe enfermeiros e assistentes sociais, que eram as profissões das demais residentes.

Apesar desta demanda explícita, no decorrer dos atendimentos íamos observando que outras apareciam. Constatamos, por exemplo, que uma senhora diabética que vinha queixar-se da dificuldade em manter uma alimentação adequada tinha também sintomas de ansiedade, que mobilizavam a alimentação compulsiva; ou que uma mãe que se queixava do filho que estava obeso e não parava de comer, somente ofertava a ele alimentos com alto teor calórico, pois não tinha conhecimentos a respeito de fatores nutricionais dos alimentos e sua situação socioeconômica não lhe permitia comprar os alimentos recomendados pelo médico; ou ainda, que uma paciente diabética não sabia fazer uso dos medicamentos devido ao analfabetismo, o que demandou um cuidado maior da enfermagem. Esses exemplos permitemnos conceber a complexidade dos usuários com os quais lidamos e que o acolhimento e a escuta qualificados são imprescindíveis para um atendimento integral e ações efetivas.

As consultas também proporcionaram às residentes um conhecimento maior sobre cada profissão, o que permite um olhar interdisciplinar. De acordo com Loch-Neckel, Seemann, Eidt, Rabuske & Crepaldi (2009) a prática interdisciplinar não pretende desvalorizar ou negar as especialidades, mas superar a fragmentação do conhecimento, reconhecendo e respeitando as especificidades de cada área. Assim, a análise da necessidade de encaminhamento para outro profissional torna-se mais consciente se os profissionais de cada área compreenderem as atribuições e competências da outra; é neste diálogo entre as profissões que se dá o cuidado.

Durante a consulta, a equipe, na medida do possível, tentava estabelecer um Projeto Terapêutico Singular (PTS) para os usuários. O PTS, segundo o Ministério da Saúde (2013), é formulado e constituído por propostas terapêuticas pensadas por uma equipe interdisciplinar, em conjunto com o usuário que será beneficiado pelo mesmo. Embora a história do sujeito seja importante na compreensão de sua singularidade e subjetividade, contribuindo para a formulação do projeto terapêutico, este se pauta em ações e estratégias futuras, que deverão ser fomentadas e reavaliadas (Pinto, Jorge, Pinto, Vasconcelos, Calvacante & Flores, 2011).

Atendimentos individuais como possibilidade terapêutica

Outra ação realizada pela equipe foram os atendimentos individuais. A Psicologia realizava este tipo de atendimento somente após o usuário passar pela consulta multiprofissional, pois através dela eram investigadas as demandas, que poderiam se colocar ou não como necessidade do atendimento psicológico individual.

Foi observado que a maior parte das queixas de consultas para a Psicologia foram relatos de sintomas de tristeza e ansiedade. Esta constatação está de acordo com os dados trazidos pelo Ministério da Saúde (2013) que revelam que as queixas mais frequentes na APS são os chamados transtornos mentais comuns, que são caracterizados por pessoas com sofrimento mental pouco abaixo do limiar diagnóstico, os casos designados como subclínicos, com queixas envolvendo sintomas depressivos, ansiosos e somáticos.

Também foi possível notar que essas demandas frequentemente tinham significativas relações com as condições de vida da população, denotando que problemas sociais, como desemprego, pobreza, preconceito e violência eram recorrentes nas narrativas, contribuindo e/ou propiciando fenômenos psicopatológicos. Assim, de acordo com Teixeira (2005), a APS apresenta como mais frequentes as demandas de saúde:

Que se encontram muitas vezes na fronteira entre os 'problemas da vida' e a 'patologia' objetivamente definida e que, portanto, nem sempre estão claramente configuradas como demandas cuja resposta mais adequada possa ser encontrada exclusivamente no arsenal diagnóstico-terapêutico da biomedicina; desta última característica decorrem duas outras, fundamentais: a importância excepcional que adquire neste espaço o que Deslandes chamou de 'tecnologias de escuta e de negociação das regras comportamentais e organizacionais' ou, em outras palavras, a importância das 'tecnologias de conversa' que facilitariam a identificação, elaboração e negociação com os usuários das necessidades que podem vir a ser satisfeitas naquele ou em outros espaços institucionais (Teixeira, 2005, p. 592).

Assim, muitos atendimentos funcionaram mais como uma espécie de acolhimento e os usuários julgaram não mais precisar de ajuda, pois conseguiram aliviar seu sofrimento através da fala. Esta escuta tem grande relevância pois possibilita ao paciente que ele narre e ouça suas questões por outra perspectiva, intermediada por um interlocutor. O atendimento pode servir como um meio para lidar com os sofrimentos do dia-a-dia, responsáveis por somatizações ou complicações clínicas (Ministério da Saúde, 2013). O atendimento também possibilitou um espaço de promoção de saúde, pois através do vínculo estabelecido com os usuários, os mesmos engajaram-se em ações da unidade, como os grupos, por exemplo.

 

Considerações finais

Verificou-se um amplo leque de possibilidades de trabalho para a Psicologia na Atenção Primária, que ultrapassa o modelo tradicional de atendimento clínico, perpassando ações coletivas e individuais, sempre desenvolvidas de forma contextualizada. Como foi visto ao longo do trabalho, as atuações neste nível de atenção tornam-se complexas, pois estão próximas ao cotidiano das pessoas, denotando a importância da valorização de aspectos sociais, biológicos, psicológicos e espirituais naquilo que se apresenta como queixa. Dessa forma, a interdisciplinaridade parece ser o caminho mais exitoso para o cuidado integral.

 

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1 Psicóloga - Universidade Federal de Juiz de Fora – Minas Gerais – E-mail: dani.t.mesquita@gmail.com
2 Psicóloga e Docente da Universidade Federal de Juiz de Fora – Minas Gerais – E-mail: jperucchi@gmail.com
3 Psicóloga - Universidade Federal de Juiz de Fora – Minas Gerais – E-mail: jessicacmpsi@yahoo.com.br

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