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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.21 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Características de personalidade e adesão ao tratamento em pacientes jovens portadores de HIV

 

Personality characteristics and adherence to treatment in young patients with HIV

 

 

Lívia Maria Cunha Bueno Villares Costa1; Jorge Simão do Rosário Casseb2; Maria Rita Polo Gascon3; Luiz Augusto Marcondes Fonseca4

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Introdução: A contaminação por HIV entre jovens está aumentando e adesão ao tratamento antirretroviral tornou-se desafio para saúde pública. Objetivo: Avaliar a relação entre adesão e características de personalidade em pacientes jovens com HIV em dois hospitais. Hipótese: A adesão é influenciada por características de personalidade. Método: Amostra de 63 pacientes, 16 mulheres (25,4%) e 47 homens (74,6 %), idade entre 18 e 32 anos (média 25,6 anos, desvio padrão 3,67) que compareceram aos hospitais durante um ano. Utilizou-se o ASSIST para rastreio de abuso de substâncias químicas e Questionário para Avaliação de Adesão ao Tratamento Antirretroviral. A Bateria Fatorial de Personalidade avaliou as características de personalidade. Resultados: Os fatores Realização, Empenho, Vulnerabilidade e os itens 109 e 112 da BFP mostraram-se preditores independentes para adesão. O paciente que mantém sua carga viral detectável por mais tempo tem menos chances de aderir ao tratamento no futuro. Conclusão: É necessária a inclusão destes preditores na avaliação do paciente, aumentando as chances de adesão adequada. Enfatiza-se a importância do psicólogo na equipe, auxiliando o paciente a desenvolver características de personalidade mais adaptativas.

Palavras-chave: HIV; jovem; adesão; terapêutica; personalidade.


ABSTRACT

Introduction: Contamination of HIV among young people is increasing and adherence to treatment became a challenge for public health. Objective: Evaluate the association between adherence and personality characteristics in young HIV-positive patients in two hospitals. Hypothesis: Adherence is influenced by personality characteristics. Methods: The sample consisted of 63 patients, 16 women (25,4%) and 47 men (74,6%), age between 18 and 32 years (average 25,6, standard deviation 3,67) that came to the services during one year. The ASSIST test was used to evaluate abuse of chemical substances, the "Questionnaire to Evaluate Adherence to HIV Treatment" to evaluate adherence and the Factorial Battery of Personality to access personality characteristics. Results: Conscientiousness, Effort, Vulnerability and the 109 and 112 items of the FBP were independently associated with adherence. Those patients who keep their viral load detectable have less chance to adherence in the future. Conclusion: Including these predictors in the general evaluation of patients can improve adherence. A psychologist as part of the team is important because it is possible to develop more adaptive personality characteristics through counseling.

Keywords: HIV; young; adherence; therapeutic; personality.


 

 

Introdução

Os índices de contaminação pelo HIV em pessoas jovens apresentam tendência de aumento no mundo todo, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil. Atualmente, de acordo com a UNAIDS (UNAIDS, 2017), estima-se que aproximadamente 37 milhões de pessoas vivam com HIV, 15 milhões façam uso de tratamento antirretroviral e 1.2 milhões morreram por doenças relacionadas à infecção.

O Boletim Epidemiológico Brasileiro HIV/aids publicado em 2016 ("Boletim Epidemiológico HIV/AIDS," 2016) estima que 843 mil pessoas sejam portadores do vírus no país. Vale ressaltar que este número pode estar subestimado diante da dificuldade de testagem na população e também pelo estigma relacionado ao HIV. Atualmente, também é possível realizar o exame através de testes disponíveis em farmácia, dificultando o registro oficial dos casos positivos pelos órgãos de saúde responsáveis. De 1980 até junho de 2015 foram registrados em torno de 549 mil casos de aids em homens e 294 mil em mulheres e foram identificados 303 mil óbitos por causa da doença.

A maior concentração dos casos de aids no país encontra-se em indivíduos com idade entre 25 a 39 anos de ambos os sexos. Na última década, observa-se um aumento estatisticamente significativo da taxa de detecção entre homens com 15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 60 anos ou mais. A relação sexual permanece como principal meio de contaminação entre os jovens maiores de 13 anos, tanto em homens (92,9%) quanto em mulheres (82,2%). Na cidade de São Paulo, o número de casos de infecção triplicou em jovens do sexo masculino de 15 a 19 anos também na última década. Os dados apontam que, embora os jovens tenham elevado conhecimento sobre prevenção do HIV e aids, além de outras doenças sexualmente transmissíveis, há tendência de crescimento na contaminação pelo HIV ("Boletim Epidemiológico HIV/AIDS", 2016).

O desenvolvimento de novas tecnologias e possibilidades na área da saúde trouxe avanço no tratamento e tem aumentado o tempo de vida de pacientes com doenças crônicas, como a contaminação pelo HIV. Em 2016, a UNAIDS propôs uma meta mundial a ser alcançada em 2020: identificar 90% das pessoas vivendo com HIV, oferecer tratamento antirretroviral a 90% das pessoas identificadas e manter a carga viral indetectável de 90% dos pacientes tratados (UNAIDS, 2017). Em dezembro de 2013, o Brasil tornou-se o primeiro país em desenvolvimento e o terceiro do mundo a recomendar o início imediato do tratamento antirretroviral (TARV) para todas as pessoas portadoras do vírus, considerando a motivação do paciente para início do tratamento (Lundgren et al., 2015). Tal medida foi tomada visando tornar-se uma importante ação de saúde pública para o controle da transmissão do vírus.

De fato, indivíduos infectados pelo HIV e aderentes à TARV praticamente não transmitem sexualmente o vírus quando estão com níveis de carga viral plasmática (CV) indetectável. Em 2016, o estudo PARTNER (Rodger et al., 2016) mostrou resultados bastante importantes relacionados às taxas de transmissão do HIV em parceiros sorodiscordantes que mantinham relações sexuais sem o uso de preservativo. O objetivo principal do estudo era avaliar quais os riscos de transmissão do vírus via sexo anal e vaginal quando o parceiro contaminado estava em tratamento, com a carga viral indetectável e a camisinha não era utilizada. Os dados foram coletados entre 2010 e 2014 em 75 centros de tratamento espalhados por 14 países europeus. Os participantes eram casais sorodiscordantes heterossexuais e homossexuais, que mantinham relações sexuais sem preservativo e não era permitido o uso de profilaxia pré ou pós exposição. Houveram apenas 11 contaminações pelo HIV e não estavam geneticamente ligadas ao parceiro soropositivo, ou seja, ocorreram através de relações sexuais com outros parceiros. O estudo apresentou uma série de limitações tais como o não alcance do número de participantes do cálculo amostral, não continuidade de participação de algumas pessoas, dentre outros. Porém, evidenciou o fato de que o risco de transmissão do HIV pode ser bastante diminuído quando o portador do vírus for aderente ao tratamento e mantiver sua carga viral indetectável.

A adesão ao tratamento antirretroviral, principalmente entre os jovens, ganha importância no cenário global de combate à infecção pelo HIV, demandando da comunidade científica estudos que possam avaliar os fatores sociais e psíquicos envolvidos numa adesão adequada e com bons resultados (Rodger et al., 2016). Compreende-se por adesão não somente o seguimento estrito das orientações médicas pelo paciente, mas também sua compreensão e aceitação sobre o diagnóstico, a concordância com o tratamento, sua relação com a instituição e equipe que o acolhe e, por fim, a postura pessoal assumida ao lidar com sua saúde. Assim, adesão adquire um caráter dinâmico influenciado por múltiplos fatores ("Constituição da Organização Mundial da Saúde", 1946; Reis, Melo, & Gir, 2016; Rey, 2004).

Para a Organização Mundial da Saúde ("Constituição da Organização Mundial da Saúde", 1946), o conceito de saúde não é apenas definido pela ausência de doenças, mas sim por completo bem-estar físico, mental e social e a eficácia do tratamento está ligada a mudanças de comportamento por parte do indivíduo, que tem um papel ativo em seu estilo de vida e cuidados. O paciente que não faz seguimento no serviço de saúde e não toma adequadamente sua medicação contribui para a escape do vírus e posterior criação de tipos virais multirresistentes, por causa da quantidade inadequada de medicação na corrente sanguínea e mucosas. O vírus mais resistente causa falência terapêutica e surge a necessidade de trocar o antirretroviral utilizado por outro, possivelmente com mais efeitos colaterais (Polejack & Seidl, 2010).

De acordo com o Manual de adesão para pessoas vivendo com HIV e aids (Brasil, 2008) a eficácia do tratamento, mensurada através da supressão viral, exige que o uso do esquema terapêutico deva ser igual ou superior a 95% das doses prescritas. Porém, diversos estudos apontam que manter uma adesão adequada não é algo simples, principalmente para os pacientes jovens, que se encontram imersos nas experiências e angústias inerentes a esta fase de vida (Lambert, Orrell, Bangsberg, & Haberer, 2017; Wong, Murray, Phelps, Vermund, & McCarraher, 2017).

Alguns fatores já conhecidos que prejudicam a adesão ao tratamento são a complexidade do regime terapêutico (número de comprimidos e tamanho dos mesmos, diferentes horários das doses, forma de armazenamento), efeitos colaterais da medicação, baixa escolaridade, habilidades cognitivas insuficientes para lidar com o tratamento, relação insatisfatória do usuário com equipe multidisciplinar, não aceitação do diagnóstico, crenças negativas e informações inadequadas a respeito da doença, ausência de suporte social e afetivo ou percepção de tal suporte como insuficiente, abuso de álcool e drogas e presença de transtornos mentais (Bakiono, Guiguimde, Sanou, Ouedraogo, & Robert, 2015; Silveira, Guttier, Moreira, Mirzazadeh, & Page, 2014). Em relação aos fatores que podem influenciar a adesão adequada pode-se citar conhecimento e compreensão corretos sobre a enfermidade e tratamento, bom vínculo com a equipe e o serviço de saúde, participação da equipe multidisciplinar, parcerias com organizações da sociedade civil, apoio social e afetivo (Bakiono et al., 2015; Brasil, 2008; Kim, McDonald, Kim, Foster, & Fidler, 2015; Mey et al., 2017; Pellowski & Kalichman, 2016; Santos, 2015).

Estudos específicos sobre a população jovem com HIV indicaram que este grupo ainda apresenta baixos índices de diagnóstico e tratamento, comparado às demais faixas etárias, enfatizando a vulnerabilidade do grupo (Wong et al., 2017). Os pacientes jovens apresentam especificidades que devem ser levadas em consideração. Pode-se citar a necessidade de autoafirmação e identificação com grupos e medo de não aceitação, desejo de testar seus limites, inseguranças relacionadas à vida adulta, entre outros. Nesta população, a infecção pelo vírus mostrou-se associada ao envelhecimento precoce, portanto ampliar a retenção destes pacientes nos serviços de saúde pode contribuir para melhor qualidade de vida, tornando necessária a compreensão sobre variáveis particulares que influenciem a adesão nesta faixa etária (Audet, Salato, Vermund, & Amico, 2017; Rajasuriar et al., 2017).

Lambert (Lambert et al., 2017) verificou que o paciente jovem preocupa-se bastante com sua imagem e em manter uma aparência saudável, sugerindo que esta preocupação poderia se tornar motivadora para o sucesso terapêutico. Holloway (Holloway et al., 2017) também verificou que o uso do aparelho celular poderia ser um instrumento poderoso na prevenção e manutenção do tratamento de homens jovens infectados. Compreender os fatores individuais que influenciam a adesão no serviço de saúde possibilita ação rápida e direta, evitando as falhas de tratamento e contribuindo para melhor prognóstico nesta população que se apresenta no início da infecção. Portanto, fica cada vez mais evidente que a avaliação de características específicas de personalidade da população jovem pode ser a chave para o desenvolvimento de estratégias de saúde personalizadas para este grupo.

Sigmund Freud foi, de fato, o primeiro pensador a desenvolver uma teoria moderna de personalidade, baseada em suas observações clínicas de atendimento. Posteriormente, muitos outros teóricos desenvolveram grandes teorias alternativas baseadas em seus pontos de vista e também em observações científicas. No entanto, os teóricos da Psicologia não entraram em consenso em relação a definição do conceito de personalidade (Feist, 2015). Apesar de não existir um conceito único e aceito por todos, a personalidade pode ser definida como um padrão de traços relativamente permanentes e características singulares que dão consistência e individualidade ao comportamento de uma pessoa. Um conjunto de pensamentos e ações que guiam a vida do indivíduo e estabelecem a forma pela qual este reage ao meio em que vive. Os traços de personalidade indicam padrões de sentimentos, pensamentos e ações e explicam a regularidade ou consistência de um comportamento (Feist, 2015; Natividade, Aguirre, Bizarro, & Hutz, 2012; Nunes & Hutz, 2010; Thomas & Castro, 2012).

Podemos destacar Allport (1937) como um dos primeiros autores a utilizar o conceito de traço de personalidade, pois para ele cada indivíduo é único devido a uma configuração específica destes traços. O autor definiu personalidade como uma "organização dinâmica dentro do indivíduo daqueles sistemas psicofísicos que determinam seus ajustes únicos a seu ambiente". Transmitia a ideia de que o comportamento, além de adaptativo, também era expressivo. Sugeria que as pessoas possuem uma estrutura organizada e também a capacidade para mudá-la e adaptar-se. Para ele, os traços comuns dizem respeito às características gerais que muitas pessoas têm em comum. Estes traços podem ser inferidos por inventários de personalidade e também através de estudos analíticos de fatores, como a Teoria dos Cinco Grande Fatores (Feist, 2015).

O Modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF) ou Five Factor Model (FFM) propõe uma visão integrada da personalidade considerando disposição, características pessoais, história e contexto cultural em que o indivíduo está inserido. Agrupa características permanentes e adaptativas da personalidade que colaboram no ajuste individual para as constantes mudanças no ambiente social (Costa, Busch, Zonderman, & McCrae, 1986; Costa & McCrae, 2010; De Fruyt, McCrae, Szirmak, & Nagy, 2004; McCrae, 1991; McCrae & Costa, 1987; McCrae & John, 1992). O modelo também possibilitou a interpretação da personalidade com indicadores de emoções e de comportamento, observadas em diferentes culturas de uma forma estável e contínua e diversas pesquisas mostraram sua alta coerência e estabilidade (Feist, 2015; Nunes & Hutz, 2010).

O modelo propõe que as pessoas possuem traços de personalidade considerados como predisposições a comportarem-se de determinado modo, agrupando-os em cinco grandes dimensões: Socialização, Realização, Extroversão, Neuroticismo e Abertura. O fator Socialização diz respeito a características de relacionamento interpessoal. Pessoas com alta pontuação em Socialização tendem a ser afetuosas, cooperativas, agradáveis e altruístas, preocupando-se com os outros e agindo de modo empático. As pessoas com baixos escores tendem a ser vingativas, manipuladoras, não cooperativas e irritáveis (Nunes & Hutz, 2010).

O grau de organização, persistência, controle e motivação para atingir metas diz respeito ao fator Realização. Pessoas com altos escores neste fator tendem a ser confiáveis, pontuais, decididas, organizadas e perseverantes. Porém, as pessoas com baixos escores tendem a ser menos rígidas, sem clareza definida em seus objetivos, não confiáveis, descuidadas e negligentes (Nunes & Hutz, 2010). Neuroticismo diz respeito ao ajustamento e instabilidade emocional ao lidar com conflitos e desconfortos psicológico. Escores elevados neste fator indicam tendência a ansiedade, depressão, preocupação, melancolia e baixa tolerância à frustração e autocrítica. Ao contrário, escores baixos em Neuroticismo, indicam pessoas calmas e estáveis emocionalmente. Porém, os autores sugerem que baixas médias em Neuroticismo não significam necessariamente saúde mental e que os extremos se revelam como problemas neste fator. (Nunes & Hutz, 2010)

O fator Abertura faz referência ao reconhecimento da importância de novas experiências e aos comportamentos exploratórios. Escores altos indicam curiosidade, imaginação e criatividade e também experimentação ampla das emoções. Baixos escores indicam tendência ao convencional, dogmas e rigidez, sendo pessoas conservadoras e menos responsivas emocionalmente (Nunes & Hutz, 2010). Por fim, o fator Extroversão diz respeito a interação com os pares, comunicação e atividade. Pessoas com altos escores neste fator tendem a ser ativas, sociáveis, falantes, otimistas e afetuosas. Baixos escores indicam pessoas mais reservadas, sóbrias, indiferentes e quietas (Nunes & Hutz, 2010).

No Brasil, a Bateria Fatorial de Personalidade possui embasamento teórico no FFM e é um importante instrumento na avaliação de personalidade em pesquisa clínica, inclusive validado com outros testes de replicabilidade internacional (Hesse, Capitão, Muner, & Rossi, 2015). Por ser uma bateria bastante versátil e de amplo uso, diversos estudos evidenciaram a relação entre características de personalidade e stress, bem-estar, afetos negativos, depressão, percepção da dinâmica familiar, dentre outros (Borine, Baptista, & Cremasco, 2016; Gasparetto, Bandeira, & Giacomoni, 2017; Noronha, Lamas, & Barros, 2016; Querido, Naghettini, Orsini, Bartholomeu, & Montiel, 2016).

Axelsson et al (2009) estudaram a influência da personalidade na adesão ao tratamento em pacientes com doenças crônicas. A análise estatística indicou que quanto maior o escore em Neuroticismo menor seria o grau de adesão. Dobbles et al (2009), num estudo com pacientes em lista de espera para transplantes, verificaram que baixas pontuações no fator Realização indicavam não adesão ao tratamento menos de um ano após a cirurgia. O fator Realização foi considerado um preditor independente para não adesão à medicação. Em outro estudo, Jerant, Chapman, Duberstein, Robbins, & Franks (2011) verificaram que o fator Neuroticismo estava associado a não adesão ao programa medicamentoso para prevenção de demência em idosos.

Diante da realidade de aumento da contaminação pelo HIV em jovens, é importante o desenvolvimento de pesquisas e ações que considerem as características de personalidade envolvidas e estimulem a adesão, principalmente no paciente que ainda está no início da infecção (Wong et al., 2017). O planejamento de estratégias individualizadas de avaliação e atendimento pode melhorar a qualidade de vida do indivíduo e sua capacidade adaptativa.

O diferencial deste estudo é ampliar o olhar sobre o grupo jovem de maior vulnerabilidade e bastante refratário a medidas preventivas, buscando encontrar fatores ainda desconhecidos ou pouco explorados pela literatura atual que influenciem bons resultados no tratamento. A elaboração de estratégias preventivas focadas e individualizadas, principalmente em centros com elevada demanda de atendimento, melhora a qualidade de vida dos pacientes e aumenta as chances de sucesso terapêutico, consequentemente contribuindo para a diminuição dos índices de transmissão na população geral (Halkitis, Shrem, Zade, & Wilton, 2005; Manhas, 2014; Natividade et al., 2012).

Objetivo

Avaliar a relação entre adesão ao tratamento antirretroviral e características de personalidade em pacientes adultos jovens (idade entre 18 e 32 anos) provenientes de dois hospitais universitários diferentes da cidade de São Paulo.

Hipótese

A adesão ao tratamento antirretroviral em pacientes jovens é influenciada por características de personalidade dos mesmos.

Amostra

Optou-se por realizar um estudo piloto com 43 pacientes para cálculo de tamanho amostral. Foi utilizado o teste ANOVA (Bussab & Morettin, 2004; Siegel & Castellan, 1988), com nível de confiança de 95%, poder do teste de 80% e desvio padrão de 0,83 (obtido através do pior valor da escala de Realização gerando o maior tamanho amostral possível). De acordo com este cálculo 60 pacientes foram elegíveis para o estudo. A amostra foi composta por 63 pacientes, 16 mulheres (25,4%) e 47 homens (74,6 %), com idade entre 18 e 32 anos (média 25,6 anos, desvio padrão 3,67) que compareceram aos hospitais no período de um ano.

Procedimento

Antes do início da coleta de dados, o estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa sob registro online 11435 e número do parecer 673.917. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as informações demográficas e clínicas dos pacientes eram obtidas através de um questionário estruturado e posteriormente realizava-se a aplicação dos instrumentos de pesquisa.

Para rastreio e avaliação do uso de substâncias psicoativas foi utilizado o teste de triagem do envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test). O teste é composto por oito questões sobre o uso de substâncias psicoativas que abordam a frequência e problemas relacionados ao uso, preocupação de pessoas próximas ao usuário, prejuízo na execução de tarefas, tentativas mal sucedidas de cessar ou reduzir o uso, sentimento de compulsão, entre outros (Henrique, De Micheli, Lacerda, Lacerda, & Formigoni, 2004). Os pacientes que apresentassem resultados indicativos de abuso de substâncias não poderiam participar do estudo, pois os resultados dos demais testes psicológicos poderiam ser prejudicados.

A avaliação de adesão ao tratamento foi realizada pela aplicação do "Questionário para Avaliação da Adesão ao Tratamento Antirretroviral", traduzido, adaptado e validado para a língua e população brasileira (Remor, 2013; Remor, Milner-Moskovics, & Preussler, 2007). É um instrumento auto informe composto por vinte perguntas que possui caráter multidimensional, pois avalia os principais fatores que podem modular o comportamento de adesão ao tratamento. As seguintes faixas de pontuação foram consideradas: baixa adesão (pontuação total menor ou igual a 74); boa adesão (pontuação total entre 75 e 79) e adesão estrita (pontuação maior ou igual a 80). Para a realização das análises estatísticas optou-se por reunir em um só grupo os pacientes que apresentavam boa e estrita adesão.

Para avaliação de personalidade foi utilizada a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), um instrumento psicológico construído a partir do modelo dos Cinco Grandes Fatores, que inclui as dimensões Extroversão, Socialização, Realização, Neuroticismo e a Abertura. A bateria foi desenvolvida no Brasil considerando valores culturais, diversidades regionais e especificidades dos quadros clínicos na nossa realidade. É composta por frases avaliadas por uma escala tipo Likert de sete pontos, que indica o nível de identificação das pessoas com características descritas nas mesmas. Dezoito estudos independentes compuseram a análise da dimensionalidade da BFP, totalizando dados de 6.599 pessoas em todo o Brasil (Nunes & Hutz, 2010).

Análise estatística

A análise descritiva foi realizada por medidas usuais como média e desvio padrão, mediana, mínimo e máximo. Para a análise de preditores independentes para adesão ao tratamento foi realizado um modelo de regressão logística através do método backward com critério de saída de 0,10 e também foi feito gráfico de envelope para verificar a qualidade de ajuste do modelo final. O primeiro modelo de regressão incluiu os itens carga viral, hospital, gênero, idade e todas as escalas principais da BFP. O segundo modelo incluiu os itens carga viral, hospital, gênero e idade e todas as subescalas da BFP. Já o terceiro modelo de regressão logística incluiu os itens hospital, carga viral, gênero, idade e os itens da BFP que tiveram p valor < 0,10.

 

Resultados

A amostra total era composta por 63 pacientes provenientes de dois hospitais universitários diferentes: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (H1) e Instituto de Infectologia Emílio Ribas (H2). A primeira amostra (H1) foi composta por 6 mulheres (13%) e 41 homens (87%), totalizando 47 pacientes. A idade média era 26 anos (desvio padrão 3,81) e escolaridade média de 10,5 anos (desvio padrão 1,82). A segunda amostra (H2) foi composta por 10 mulheres (62,5%) e 6 homens (37,5%), totalizando 16 pacientes. A idade média era 24,5 anos (desvio padrão 3,12) e escolaridade média de 12 anos (desvio padrão 2,38). Os pacientes dos dois centros apresentaram diferenças estatísticas significantes em relação aos itens gênero, nível educacional, tempo de infecção e mecanismo de transmissão.

 

 

Os itens grau de adesão ao tratamento e características de personalidade não apresentaram diferenças significantes entre os hospitais, exceto a subescala Nível de Comunicação. A despeito das diferenças sociodemográficas apresentadas pelos os pacientes, o local de tratamento não influenciou seu comportamento em relação a adesão neste estudo. Portanto, optou-se por reuni-los em uma única amostra para as demais análises estatísticas. Esta escolha foi reforçada posteriormente através dos resultados dos testes de regressão logística, pois o item hospital não se mostrou preditor independente para adesão ao tratamento.

 

 

Em relação a adesão, 47 pacientes (74,6%) apresentaram boa/estrita adesão (37 homens e 10 mulheres) e 16 pacientes (25,4%) demonstraram baixa adesão (10 homens e 6 mulheres). Os grupos não apresentaram diferenças significativas em relação a gênero, idade, nível educacional, tempo de infecção, mecanismos de transmissão ou carga viral.

 

 

Em relação aos fatores de personalidade, os pacientes do grupo aderente apresentaram médias significativamente maiores nos itens Realização e Ponderação, comparadas as médias dos pacientes não aderentes. Sobre as pontuações atribuídas pelos pacientes aos 126 itens da BFP os grupos apresentaram diferenças em relação aos seguintes itens: 104 ("Importo-me com os sentimentos dos outros"), 109 ("Respeito autoridades"), 112 ("Meus amigos me dizem que eu trabalho/estudo demais") e 126 ("Sou disposto a rever meu posicionamento sobre diferentes assuntos").

 

 

O primeiro modelo de regressão logística foi o resultado da seleção dos itens hospital, carga viral, gênero, idade e todas os fatores principais da BFP. O modelo final permaneceu com a escala de Realização e a interação entre carga viral e idade do paciente. Cada 1 ponto aumentado na escala Realização sugere um aumento de 238% na chance de o paciente apresentar adesão boa ou estrita. Em relação aos pacientes com carga viral detectável, cada 1 ano de aumento na idade sugere uma diminuição de 21% na chance de apresentar adesão boa ou estrita.

O segundo modelo de regressão logística foi o resultado da seleção dos itens hospital, carga viral, gênero, idade e todas as subescalas da BFP. As subescalas Empenho e Vulnerabilidade permaneceram no modelo final. Sendo assim, cada 1 ponto aumentado na subescala Empenho sugere um aumento de 125% na chance do paciente apresentar adesão boa/estrita. Em relação à subescala Vulnerabilidade, cada 1 ponto aumentado sugere um aumento de 80% na chance do paciente apresentar adesão boa ou estrita.

O terceiro modelo de regressão logística corresponde a seleção entre os itens hospital, carga viral, gênero, idade e os itens da BFP que tiveram p valor < 0,10 (itens 1, 25, 51, 83, 101, 104, 109, 112 e 126). O modelo final permaneceu com as frases 109 ("Respeito autoridades") e 112 (""Meus amigos dizem que eu trabalho/estudo demais"), além da interação entre idade e carga viral. Cada 1 ponto na questão 109 sugere um aumento de 212% na chance do paciente apresentar adesão boa/estrita e cada 1 ponto na questão 112 temos um aumento de 114% na chance do paciente ter adesão boa/estrita. Os pacientes mais velhos mostraram-se menos aderentes, não importando se possuem carga viral detectável ou não.

 

Discussão

Na literatura científica, encontram-se pesquisas que se propuseram a identificar fatores de risco para baixa adesão ao tratamento em pacientes portadores de HIV. Porém, poucos estudos priorizaram a população jovem contaminada dando enfoque a características de personalidade. Alguns autores realizaram pesquisas priorizando dados sociodemográficos, qualidade de vida e transtornos psiquiátricos, porém, faz-se necessária a ampliação do olhar sobre os aspectos subjetivos destes pacientes. Sendo assim, o objetivo deste estudo era avaliar a relação entre características de personalidade e adesão ao tratamento antirretroviral em pacientes jovens portadores de HIV.

Visto que a proposição inicial da pesquisa era comparar os grupos de pacientes separadamente por centros de atendimento realizou-se uma análise das variáveis sociodemográficas e clínicas com a finalidade de verificar a existência de diferenças estatísticas significantes entre os hospitais. Os itens que se mostraram estatisticamente diferentes foram gênero, mecanismo de transmissão, tempo de infecção e nível educacional. Em relação aos fatores e itens da BFP, somente a escala Nível de Comunicação e as questões 11, 38, 71, 95 e 97 apresentaram diferenças. Apesar de diferenças sociodemográficas importantes, o local de atendimento não influenciou o modo como os pacientes se comportavam em relação a adesão ao tratamento. Optou-se, então, por reuni-los em uma única amostra para as demais análises, modificando-se a ideia inicial. A assertividade da escolha foi posteriormente reforçada pelos resultados de regressão logística que não evidenciaram o local de atendimento como preditor para adesão.

Podemos citar alguns fatores amplamente conhecidos na literatura que influenciam boa adesão tais como compreensão correta sobre a doença e tratamento, bom vínculo com a equipe de saúde, participação de equipe multidisciplinar, apoio social e afetivo e capacidade para reconhecer e aceitar este apoio (Audet et al., 2017; Polejack & Seidl, 2010). Em contrapartida, os fatores que dificultam a adesão são: ser do gênero feminino, possuir baixa escolaridade, ter menos de 40 anos, ausência de suporte social e afetivo ou percepção deste suporte como insuficiente, relação insatisfatória com a equipe de saúde, informações inadequadas a respeito da doença e uso de drogas ilícitas. Alguns autores realizaram pesquisas priorizando características sociodemográficas, qualidade de vida e transtornos psiquiátricos, porém faz-se necessária a ampliação do olhar sobre os aspectos subjetivos dos pacientes jovens (Audet et al., 2017; Bonolo et al., 2013; Brasil, 2008; Durham et al., 2017; Holloway et al., 2017; Lambert et al., 2017; Mey et al., 2017; Mills et al., 2006; Pellowski & Kalichman, 2016; Pellowski, Kalichman, & Grebler, 2016; Polejack & Seidl, 2010; Remor, 2013; Remor et al., 2007; Silveira et al., 2014; Silveira et al., 2012; Silveira, Maurer, Guttier, & Moreira, 2015; Wong et al., 2017).

Neste estudo não foi encontrada diferença significante na adesão de homens e mulheres ou relacionada a diferentes níveis educacionais ou idade, fato que não corrobora os resultados encontrados na literatura (Bonolo et al., 2013; Silveira et al., 2014; Silveira et al., 2012; Silveira et al., 2015). Os pacientes de ambos os hospitais possuem taxa de adesão de 75%, valor bastante alto comparado a outros centros de saúde no país com média nacional em torno de 34,4% (Casseb, Fonseca, & Duarte, 2018; Knoll, Maeyama, Schmidlin, & Branchi, 2016). Visto que a amostra apresentou alto grau de adesão e nível educacional elevado não foi possível a comparação com índices relativamente piores e talvez por isso estes resultados foram diferentes dos encontrados na literatura.

Knoll et al (2016), ao entrevistarem pacientes portadores de HIV em um centro de saúde de Santa Catarina, concluíram que a adesão ao tratamento deve ser avaliada através de três prismas: contexto da pessoa, serviço de saúde e tratamento medicamentoso. A categoria "contexto da pessoa" englobou aspectos relacionados ao entendimento da doença, rede de apoio informal, vida e rotina demonstrando interferência na adesão ao tratamento. "Serviço de saúde" estava associado às atividades oferecidas pelo serviço e aspectos do relacionamento com a equipe. "Tratamento medicamentoso" foi relacionado aos efeitos adversos e quantidade da medicação. Em concordância com este estudo, as equipes multidisciplinares dos hospitais avaliados são formadas por médicos, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, enfermeiros e todos os pacientes recebem suporte completo e adequado desde a primeira consulta. Os pacientes são tratados de modo integral, respeitoso, preservando seu sigilo e a boa relação com a equipe, não focando apenas na melhora de seu quadro clínico. Portanto, nosso estudo também sugere a possibilidade de que uma alta complexidade da equipe de saúde possa contribuir para melhor qualidade no atendimento, proporcionando condições para adesão adequada na amostra como um todo (Casseb et al., 2018; Knoll et al., 2016; Polejack & Seidl, 2010).

O sucesso do tratamento não se restringe apenas a compreensão e seguimento das orientações da equipe ou simplesmente a ingestão de medicação por parte do paciente. Também diz respeito ao comprometimento com sua saúde e seu preparo para o seguimento, ambos influenciados por características individuais de personalidade. Comparando-se as escalas e subescalas da BFP e os dois grupos de adesão ao tratamento, o fator Realização mostrou-se associado a boa adesão e preditor independente para a mesma, corroborando os resultados encontrados na literatura (Axelsson, Brink, Lundgren, & Lotvall, 2011; Axelsson et al., 2009; Nunes & Hutz, 2010). Baseando-se nestes resultados, pode-se pensar que o paciente que não possui adequada capacidade de organização, disciplina e clareza em relação aos objetivos do tratamento tende a ser menos aderente. Deste modo, as características de personalidade relacionadas ao fator Realização podem influenciar a baixa adesão ao tratamento, mesmo quando todos os outros aspectos facilitadores apontados pela literatura estão presentes (Brasil, 2008; Kim et al., 2015; Polejack & Seidl, 2010).

O fator Empenho também apresentou-se como preditor independente para boa adesão. Por se tratar de uma subescala do fator Realização está relacionado ao nível de exigência pessoal com a qualidade das tarefas realizadas. Pessoas com altos escores nesta faceta tendem a dedicar-se com exímio em suas atividades profissionais e acadêmicas, geralmente são perfeccionistas e gostam de ser reconhecidas por seus esforços. Baixos escores nesta faceta indicam pouco comprometimento em tarefas e objetivos, prejudicando a qualidade de seu trabalho (Nunes & Hutz, 2010). Este conjunto de características também auxilia a adesão adequada mesmo quando outras características desfavoráveis, individuais ou sociais, estejam presentes.

Identificar falhas nestas facetas é trabalho da equipe de saúde, mais especificamente do psicólogo hospitalar, que possui recursos técnicos para oferecer ao paciente o aprimoramento das mesmas, melhorando sua condição psíquica e preparando-o para o tratamento subsequente. Vale ressaltar que o fator Empenho, de modo isolado, não influenciou a adesão ao tratamento antirretroviral. Porém, na presença de outras variáveis (teste de regressão logística) esta faceta aparece como preditora para boa adesão. Em sentido oposto, a variável Ponderação apresentou significância no teste de associação porém, na presença de outras variáveis, não se mostrou preditora independente.

O paciente que possui adesão adequada tende a manter a carga viral indetectável por maior tempo, visto que o grau de eficácia da TARV é bastante alto (Brasil, 2008; Polejack & Seidl, 2010; Resende et al., 2012; Rodger et al., 2016; Silveira et al., 2014; Silveira et al., 2015). Nesta amostra, a interação entre as variáveis carga viral e idade surge como preditora para adesão: a cada um ano aumentado na idade do paciente com carga viral detectável temos uma diminuição de 21% em sua chance de apresentar boa adesão. As dificuldades de adesão não observadas pela equipe de saúde poderão se agravar ao longo dos anos, principalmente nos pacientes jovens que iniciam o tratamento muito cedo.

Grande parte dos pacientes do H1 foi composta por indivíduos que voluntariamente vieram doar sangue e se depararam com um diagnóstico inesperado e maior parte dos pacientes do H2 são portadores do HIV desde seu nascimento. Todos estes aspectos contribuem para o aumento da fragilidade e instabilidade emocional que, quando não avaliadas, podem levar o paciente a desenvolver um quadro depressivo com consequências importantes.

A depressão é amplamente associada na literatura a baixa adesão ao tratamento e diversos estudos caracterizam esse transtorno como um dos principais diagnósticos psiquiátricos concomitantes à infecção pelo HIV. As taxas de prevalência de depressão variam de 12% a 66% nesta população e o transtorno não é diagnosticado em aproximadamente 50% do casos. A confirmação do diagnóstico evidencia inseguranças relacionadas à saúde e vínculos sociais e afetivos, medo do preconceito, mudança de estilo de vida, visitas mais frequentes ao centro de tratamento, tomada de medicação diária, dentre outros (Silva & Nakano, 2011; Silva, Cardoso, Netto, & Kritski, 2015; Silveira et al., 2012).

Em oposição ao dados encontrados na literatura o fator Neuroticismo (que diz respeito a fragilidade e instabilidade emocional) não apresentou associação com baixa adesão ao tratamento. Pode-se pensar na hipótese de que os fatores Realização e Empenho poderiam agir como protetores ao fator Neuroticismo (Axelsson et al., 2011; Axelsson et al., 2009; Choi et al., 2016; Kim et al., 2015; Manhas, 2014; Oliveira, Moura, Araújo, & Andrade, 2015; Riggs, Vosvick, & Stallings, 2007; Souza, 2007; Thomas & Castro, 2014). Brown et al (2016) demonstraram que pacientes jovens com HIV e depressão, tratados com medicação e psicoterapia associados, apresentaram melhora dos sintoma depressivos comparados àqueles tratados apenas com a medicação usual.

Portanto, os pacientes mantêm-se aderentes quando outras características de personalidade são fortalecidas através de acompanhamento psicológico, indicando boas perspectivas para aqueles que apresentam quadro de depressão associada. A subescala Vulnerabilidade, ao mostrar-se preditora independente para adesão na presença da variável Empenho corrobora tal hipótese. Quanto mais vulnerável encontrar-se o indivíduo, maior seria sua necessidade de utilizar recursos psíquicos relacionados à capacidade de engajar-se em metas e tarefas para conseguir vencer suas dificuldades e continuar seguindo o tratamento.

Em relação às pontuações atribuídas por todos os pacientes aos 126 itens da bateria fatorial de personalidade, nota-se que as frases que receberam maior pontuação foram aquelas referentes a Amabilidade, subescala do fator Socialização. Frases relacionadas a Empenho e Competência, subescalas do fator Realização, também receberam alta pontuação, reforçando os resultados encontrados nos testes de associação. As frases que receberam menor pontuação, indicando menor identificação dos pacientes com seu conteúdo, dizem respeito ao engessamento de pensamento, medo de novas ideias e também a falta de empatia e interesse pelos demais. Tais resultados sugerem que estes pacientes possuem maior grau de preocupação com o bem estar do outro, sensibilizando-se com a condição alheia. Em contrapartida, pode-se pensar que as respostas foram socialmente adequadas, o que seria um fator limitador do estudo.

Ainda sobre a atribuição de pontuação aos itens da BFP, o grupo com boa/estrita adesão apresentou médias significativamente maiores em relação ao grupo de baixa adesão nos seguintes itens: 104 - Importo-me com os sentimentos dos outros; 109 - Respeito autoridades; 112 - Meus amigos dizem que eu trabalho/estudo demais; 126 - Sou disposto a rever meu posicionamento sobre diferentes assuntos. Os pacientes aderentes possuíam maior empatia com o sofrimento alheio, respeito por figuras que consideram como autoridades, melhor capacidade de colocar seus planos em prática através de trabalho ou estudo e maior disponibilidade em rever suas ideias e pensamentos. Os itens 109 e 112 também aparecem como preditores independentes para adesão ao tratamento, corroborando os resultados encontrados.

O grande diferencial deste estudo chama a atenção para características específicas de personalidade relacionadas à adesão a TARV que devem ser levadas em consideração no atendimento ao paciente jovem portador do HIV. Visto que os aspectos que geralmente recebem maior atenção são a existência de transtorno psiquiátrico, aceitação do diagnóstico, qualidade dos vínculos e suporte emocional, buscou-se ampliar o escopo para outras variáveis ainda desconhecidas (Rodger et al., 2016). Na prática clínica, torna-se imprescindível que os aspectos relacionados à capacidade psíquica do paciente seguir o tratamento, grau de motivação e autoconfiança, nível de organização pessoal, clareza de ideias e disponibilidade para atingir seus próprios objetivos sejam avaliados pela equipe de saúde antes da prescrição do tratamento antirretroviral. Diante da realidade atual, na qual novas diretrizes em relação ao HIV são valorizadas, como a meta 90-90-90 da UNAIDS (UNAIDS, 2017), torna-se fundamental que o paciente somente inicie o tratamento quando demonstrar condições psíquicas favoráveis. Assim, diminui-se a chance de falha terapêutica e consequente sentimento de frustração e desistência por parte do paciente do jovem, que encontra-se no início da infecção.

As características de personalidade talvez sejam a chave para a compreensão mais integrada dos processos psíquicos associados a condutas adequadas no tratamento do HIV. Surge a necessidade de mudança de postura em relação ao paciente na prática da equipe de saúde, ampliando o olhar para questões individualizadas. Evidencia-se a importância do psicólogo hospitalar na equipe e o acompanhamento psicológico frequente para os pacientes, pois as características de personalidade podem se tornar mais adaptativas através acompanhamento psicológico (Brown et al., 2016; Knoll et al., 2016). De modo geral, todos os membros da equipe de saúde são capazes de perceber estas falhas através de uma escuta sensível e focada nas capacidades psíquicas do indivíduo e poderão encaminhá-lo ao especialista. O profissional especializado poderá avaliar detalhadamente quais fatores psicológicos estão influenciando a baixa adesão, minimizando seus impactos. A maior integração entre os profissionais de saúde oferece aos pacientes a oportunidade de melhorar sua qualidade de vida, consequentemente diminuindo os índices de transmissão do HIV na população geral, principalmente no grupo jovem de maior vulnerabilidade.

 

Conclusão

A prevalência de adesão boa e estrita nesta amostra foi alta, em torno de 75%, e os fatores de personalidade preditores independentes para adesão adequada foram Realização, Empenho e Vulnerabilidade e os itens 109 ("Respeito autoridades") e 112 ("Meus amigos dizem que eu trabalho/estudo demais") da Bateria Fatorial de Personalidade. Este trabalho evidencia a necessidade de inclusão destes aspectos da personalidade na avaliação do paciente jovem portador de HIV, antes do início da terapia antirretroviral, principal grupo vulnerável atualmente. Seria interessante que as políticas públicas de saúde direcionassem cada vez mais suas ações de forma a individualizar o tratamento, priorizando as particularidades e escolhas de cada paciente. Portanto, enfatiza-se a necessidade de mais pesquisas que possam reforçar e acrescentar novas perspectivas aos resultados encontrados neste estudo.

O instrumento utilizado para avaliar as características de personalidade foi desenvolvido no Brasil e ainda não é possível utilizá-lo em outras línguas e populações, apesar de ter sua validade comprovada em comparação com outros instrumentos de uso internacional. Tal fato acaba sendo um limitador do estudo, visto que sua metodologia ainda não pode ser replicada em outros países. O grau de adesão e nível educacional verificados na amostra foram bastante elevados, dificultando a generalização dos resultados devido a esta especificidade. Portanto, fazem-se necessários novos estudos com foco em características individuais e de personalidade em populações e países diferentes, possibilitando maiores comparações e generalizações.

 

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1 Núcleo de Imunodeficiências Secundárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Psicóloga, doutora e mestre em Ciências da Saúde (FMUSP), especialista em psicoterapia psicanalítica (IPUSP), especialista em psicologia hospitalar (HCFMUSP) e pós-graduada em psicologia clínica (PUCSP). Atua como psicóloga clínica em consultório particular e psicóloga colaboradora do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Retrovírus. Contato: liviabueno.psicologia@gmail.com
2 Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico infectologista, professor associado do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Imunologia, com ênfase em Imunologia Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: HIV-1, HTLV, imunologia e mielopatia associada ao HTLV-1. Contato: jcasseb10@gmail.com
3 Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Psicóloga do Hospital das Clinicas da FMUSP e docente em Psicologia na Universidade São Judas Tadeu. Doutora em Ciências da Saúde da Coordenadoria de Controle de Doenças/Secretaria do Estado de Saúde, na área de concentração em Infectologia em Saúde Pública. Contato: mariaritapolo@yahoo.com.br
4 Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico assistente do Hospital das Clínicas da FMUSP e pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP. Atua nos seguintes temas: mortalidade e morbidade por doenças não-transmissíveis, incluindo câncer e doenças cardiovasculares, e história natural e prognóstico da infecção pelo HIV e outros retrovírus. Contato:luizaugusto.marcondes@gmail.com

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