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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.21 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

O olhar da psicologia sobre demandas emocionais de pacientes em pronto atendimento de hospital geral

 

Psychology's view on the emotional needs of patients in a general hospital emergency care unit

 

 

Kauane Linassi Leite1; Tatiane Pedroso Yoshii2; Fabíola Langaro3

Faculdade Guilherme Guimbala (FGG) – Jonville/SC

 

 


RESUMO

O Pronto Atendimento é porta de entrada de pacientes acometidos por acidentes ou enfermidades inesperadas. Estar neste ambiente e deparar-se com a doença podem levar o indivíduo a apresentar demandas emocionais, enquanto experiência do sofrimento que poderá ser alvo de cuidados da equipe. Esta pesquisa objetivou compreender possíveis demandas emocionais em pacientes hospitalizados em pronto atendimento e pensar sobre possibilidades de atuação da psicologia nesse campo. Foi desenvolvida pesquisa qualitativa por meio de entrevista semiestruturada. Os dados foram reunidos em categorias de análise de conteúdo, a partir das demandas emocionais apresentadas pelos participantes: demandas emocionais provenientes da hospitalização, anteriores à hospitalização e possíveis geradoras do adoecimento físico. Em relação à primeira categoria, verificaram-se sentimentos de ansiedade frente à espera por procedimentos e diagnósticos, ao afastamento das atividades cotidianas e medo do prognóstico. A propósito das demandas anteriores à hospitalização, foram observados conflitos familiares e lutos. Por fim, foram identificados casos em que os pacientes indicavam uma estreita vinculação do seu sofrimento emocional ao adoecimento orgânico. A partir dos dados, confirma-se a importância do cuidado integral ao indivíduo hospitalizado, considerando-se as demandas de cuidado emocional observadas nos participantes, indicando ainda a contribuição da atuação da Psicologia no Pronto Atendimento.

Palavras-chave: psicologia hospitalar; demanda; pronto socorro.


ABSTRACT

Emergency Care is the doorway for patients affected by accidents or unexpected illnesses. Being in such an environment and facing an illness can lead subjects to display emotional needs due to their suffering experience, which may require attention from health teams. This research aimed to understand the emotional needs of patients hospitalized at emergency care units and consider the possibilities for the practice of Psychology in this field. A qualitative research was developed through a semi-structured interview. Data were grouped into content analysis categories, based on the emotional needs presented by participants: emotional needs due to hospitalization, prior to hospitalization, and potential causes of physical illness. Regarding the first category, feelings of anxiety due to waiting for procedures and diagnoses, being away from daily activities, and fear of prognosis were found. With regard to the demands prior to hospitalization, preexisting family conflicts and grief were observed. Finally, there were cases in which patients displayed a close link between emotional distress and organic illness. Data confirm the importance of comprehensive care for hospitalized subjects, considering the need for emotional care observed in participants, and indicate that psychological interventions contribute to Emergency Care.

Keywords: hospital psychology; demand; emergency care unit.


 

 

Introdução

O termo demanda emocional refere-se ao conjunto de questões de ordem emocional que podem vir à tona na fala, no comportamento ou mesmos em manifestações orgânicas, sendo passíveis de cuidados das equipes de saúde (Perez, Chaves & Lopes, 2015; Ieto et al. 2007). Para Ieto et al. (2007), as demandas de um indivíduo podem ou não coincidir com suas queixas, visto que esta últimas estão relacionadas ao motivo expresso que leva o paciente até o lugar onde busca ajuda (ainda que em termos de sinais ou sintomas); já a demanda pode não estar clara para o próprio paciente, necessitando ser não somente identificada, mas elaborada e compreendida, passando a ser o foco da atenção do profissional.

Para Morato (2008), a demanda define-se pelo que urge, mostrando-se imperativo e que precisa de atenção e cuidado. Em contextos de serviços psicológicos, a demanda relaciona-se aos conteúdos, conflitos, relações ou experiências que se tornarão alvo de trabalho clínico. Neste sentido, "cabe ao psicoterapeuta ajudar o paciente a transformar o pedido de ajuda em demanda de tratamento" (Machado et al., 2008, p. 557).

Esta definição aplica-se ao contexto do hospital, uma vez que a demanda emocional que um paciente pode ter muitas vezes não vem explícita no pedido de ajuda do indivíduo, até mesmo porque nesse espaço a ajuda que se pretende ter circunscreve-se a uma questão física. Neste sentido, Sassi (2014) afirma que os aspectos psicológicos não são foco da atenção médica na ocasião em que o paciente vem até o pronto socorro, colocando as questões de ordem psíquica em segundo plano em relação à emergência orgânica apresentada.

Ao ser hospitalizado no pronto atendimento, o paciente vê-se exposto a experiências mobilizadoras de afetos: a espera pela chegada do médico, pela realização e resultado de exames, a expectativa pelo diagnóstico e o impacto que este pode gerar em sua vida, a ansiedade a depender do prognóstico e as implicações geradas pelos tratamentos a serem realizados. Além dos sentimentos de angústia e apreensão que podem ser experienciados, o paciente vê-se em uma situação de vulnerabilidade, uma vez que, além de estar longe de casa, está também submisso aos cuidados de outras pessoas, cerceado em sua autonomia. De acordo com Barbosa et al. (2007) a hospitalização retira o paciente de um lugar seguro: da sua casa, do trabalho, da família, do grupo social.

O sofrimento advindo do adoecer lembra o indivíduo de sua impotência diante do inesperado, coloca-o diante de algo que o desestabiliza e ao mesmo tempo está aparentemente fora de seu alcance modificar. O adoecimento "traz a sensação de que não se é, sequer, dono de si, do seu corpo, quebrando a linearidade da vida e das nossas funções cotidianas" (Barbosa et al., 2007, p. 76). Nesta perspectiva, profissionais de saúde podem auxiliar os indivíduos na adaptação e no enfrentamento do mal-estar instaurado pela situação de urgência, promovendo o acolhimento e a humanização (Vieira, 2010). Em especial, o psicólogo, por ser o profissional que visa o resgate e o "dar lugar" à subjetividade, é capaz de trazer alívio ao sofrimento psíquico do paciente, facilitando também o trabalho dos médicos a fim de que possam compreender melhor as demandas – e não somente as queixas – de cada pessoa que busca pelo atendimento em saúde (Vieira, 2010).

A partir do exposto, a pesquisa apresentada teve como objetivo compreender demandas emocionais de pacientes hospitalizados em pronto atendimento de um hospital geral e que pudessem ser alvo de atenção das equipes de saúde, incluindo o profissional de psicologia. Para alcançar este objetivo, buscou-se identificar quais questões (sintomas, queixas) motivaram a ida do paciente até o hospital; verificar sua condição emocional na hospitalização; investigar histórico de demandas emocionais; e verificar a percepção dos pacientes em relação ao acolhimento de demanda de ordem emocional no pronto atendimento.

 

Método

O trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, que consistiu em entrevistas com pacientes durante sua permanência em um pronto atendimento de um hospital geral particular em uma cidade na região sul do Brasil. A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética sob parecer n° 2.122.898 e as entrevistas foram realizadas mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram selecionados para participar deste estudo pacientes adultos, homens e mulheres, com quadro clínico estabilizado no momento da entrevista e em condições para se comunicar. No total foram entrevistadas 29 pessoas, sendo estas 19 mulheres e 10 homens, com idades entre 24 anos a 83 anos. Dezesseis participantes tinham completado o Ensino Superior, 12 o Ensino Médio e 1 o Ensino Fundamental.

Nem todos os pacientes abordados possuíam o diagnóstico clínico definido quando entrevistados. Em sua maioria, relataram sobre suas dores físicas e os motivos que os levaram a procurar atendimento médico. Dor abdominal, dor no peito, dor no estômago, dor de cabeça, dor nas articulações, pneumonia, infecção urinária e cálculo renal foram alguns dos sintomas físicos relatados pelos pacientes que responderam à pesquisa. Além disso, alguns estavam no setor para realizar procedimento relacionado a doenças crônicas como diabetes e esclerose múltipla e outros aguardavam o encaminhamento para realização de cirurgia.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, baseadas em um roteiro pré-estabelecido elaborado com a finalidade de responder aos objetivos da pesquisa, sendo composto de perguntas objetivas para acesso a informações dos entrevistados como o estado civil, grau de escolaridade, composição familiar e ocupação. Também continha perguntas abertas que buscavam compreender o motivo pelo qual os pacientes estavam no pronto atendimento: se aguardavam resultado de exames; se o diagnóstico havia sido definido e, se sim, do que se tratava; se possuíam alguma doença crônica ou realizavam algum tratamento em saúde; se havia histórico de psicopatologia. Ainda, foram realizadas perguntas relacionadas à condição emocional dos participantes, por exemplo, sobre como estavam se sentindo naquele momento, sobre como haviam passado nas últimas semanas e de como se sentiam em suas relações (com familiares, trabalho, amigos). Todos os dados foram registrados por escrito pelas pesquisadoras durante e logo após as entrevistas.

Após o levantamento dos dados, o material foi submetido à análise de conteúdo por categoria temática que, segundo Pádua (2005), envolve etapas de classificação e organização das informações e, posteriormente, o estabelecimento das relações existentes entre elas, ou seja, seus pontos de divergência, de convergência, tendências, regularidades, princípios de causalidade e possibilidades de generalização. Nesta etapa, foram construídas categorias empregadas para estabelecer classificações, o que significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de conceitos capazes de abranger todos estes aspectos (Pádua, 2005).

Tendo os dados coletados confirmado a hipótese de pesquisa de que os pacientes hospitalizados no pronto atendimento apresentavam demandas emocionais, ou seja, necessidade de cuidados de aspectos emocionais, para além dos aspectos orgânicos que haviam motivado a busca por ajuda, a análise dos dados configurou-se como um processo de busca por compreender quais eram essas demandas apresentadas. Esta apreciação gerou a elaboração de três categorias temáticas, em que os conteúdos das falas dos participantes foram discutidos: demandas emocionais decorrentes da hospitalização e/ou da condição clínica; demandas emocionais anteriores à hospitalização; demandas emocionais como possíveis geradoras do adoecimento.

 

Resultados e Discussão

A seguir são apresentados os resultados e a discussão realizada com base na literatura em psicologia e, em especial, da psicologia da saúde e hospitalar, a respeito das demandas emocionais verificadas nos participantes da pesquisa.

Demandas emocionais decorrentes da hospitalização e/ou da condição clínica

A hospitalização é com frequência geradora de desconforto e angústias decorrentes não somente da condição clínica, mas das rotinas e exigências relacionadas aos tratamentos, exames e procedimentos diagnóstico. Sobre esta experiência, o participante 1 (P1), homem de 71 anos que aguardava realização de exames para identificar uma possível infecção urinária, falou de forma nervosa e ríspida, sem olhar para a entrevistadora: "Ah, só estou ansioso. Três horas já esperando, me prometeram em duas. Estou com fome. Estou nervoso".

Por meio desta afirmação, P1 indica que o hospital é um lugar de imprevisibilidades, de perda da independência, de sensação de impotência, da retirada de direitos sobre seu próprio corpo e rotinas. Atrasos, indisponibilidade da equipe, necessidade de espera, bem como a angústia frente ao desconhecido são vivências comuns, aumentando a probabilidade da evocação de respostas indicadoras de ansiedade (Sant'Anna, 2000).

Em pacientes internados, a ansiedade é disparada devido à inserção em um ambiente estranho, mas tende a diminuir 24 horas após a hospitalização, sobretudo se uma relação de respeito e confiança se estabelece com a equipe. Tal redução de ansiedade, porém, torna-se improvável em um pronto atendimento, visto ser este um espaço em que os pacientes permanecem por tempo reduzido, dificultando o estabelecimento dessa relação com a equipe e com o ambiente, desfavorecendo sua adaptação (Delfini et al., 2009).

Foi possível perceber também que o ambiente hospitalar tira o paciente de sua rotina, como no caso do participante 2 (P2), homem de 28 anos que veio ao pronto atendimento por estar sentindo dores fortes na virilha, e expressou sua "agonia" por se sentir "perdendo tempo por não estar no trabalho": "me sinto mal, poderia estar trabalhando e estou aqui. Sou muito ativo, geralmente estou no celular resolvendo problemas, aqui não posso fazer isso". Esse desabafo aconteceu em uma terça-feira no meio da tarde, horário de produtividade para a maioria dos trabalhadores. Nas palavras de Pitta (1994), o adoecimento é, na sociedade atual, sinônimo de "deixar de produzir" e, portanto, de ser; é vergonhoso e, portanto, deve ser ocultado, até porque dificulta que familiares e/ou amigos também produzam.

Esse mesmo entrevistado relatou sua dificuldade de relação com os médicos e com o ambiente hospitalar, o que gerou nele o desejo de sair do local o mais rápido possível. Relatou estar esperando uma avaliação e, em meio a uma cena vivenciada no setor, referiu: "Me senti esquecido", evidenciando uma necessidade de atenção não satisfeita, bem como de acolhimento e constituição de um vínculo em que pudesse sentir-se reconhecido em suas demandas. De acordo com Ardigo, 1995 (apud Caprara et al., 1999, p. 649):

a relação médico-paciente tem sido focalizada como um aspecto-chave para a melhoria da qualidade do serviço de saúde e desdobra-se em diversos componentes, como a personalização da assistência, a humanização do atendimento e o direito à informação.

Ao ser abordado pela pesquisadora, P2 expressou seu alívio diante do espaço de escuta: "É bom conversar. Sou quieto, tenho uma barreira para isso. Mas falar desfoca da dor". Por essa perspectiva, o acolhimento, enquanto compromisso de resposta às necessidades daqueles que procuram os serviços de saúde que possibilita a abertura para as demandas dos pacientes, visando o encontro entre o indivíduo a ser cuidado e o trabalhador de saúde (Brasil, 2010), pode ser pensado como uma estratégia que possibilita que o ambiente hospitalar seja encarado de maneira menos negativa. Assim, por meio de uma escuta ativa, centrada no indivíduo, que procura ajuda, pode gerar o resgate dos recursos da pessoa atendida para que ela se reconheça como sujeito de sua própria saúde, identificando aspectos que possam auxiliá-lo a elaborar a experiência gerada pela hospitalização emergencial (Brasil, 2010).

Além das demandas emocionais geradas pela experiência da hospitalização, também foram observados casos em que demandas emocionais apareceram devido às condições clínicas apresentadas. Foi o caso da participante 3 (P3), uma senhora de 61 anos, internada com dores no joelho recém operado. A mesma relatou que após a cirurgia "não tem mais vida" em função das fortes dores que sente, que a impedem de se locomover sem auxílio. Segundo sua fala, essa condição clínica afetou suas relações, uma vez que a partir dessa situação a família afastou-se dela, manifestando sentimentos de repúdio.

No que se refere ao seu casamento, P3 relatou, em meio às lágrimas, o quanto temia perder o marido, tendo em vista que por estar afetada fisicamente dependia dele e, além disso, ficava impossibilitada de se relacionar intimamente com o mesmo. Durante a entrevista, disse: "Eu só ando me arrastando e me segurando. Hoje vi uma pessoa caminhando e pensei: como ela é feliz por poder andar". Conforme Olivieri (1985, pg. 73): "em geral, possui o doente a vontade desesperada de ter bem-estar, e a doença é sentida como a perda do seu 'eu' anterior; não se satisfaz com o estar doente, pela vontade de ser o 'eu são'". Nesse caso, é possível perceber que P3 se mostrava atravessada pela condição clínica, lamentando não poder ter, naquele momento, a saúde de que anteriormente gozava.

Diante de uma condição clínica agravante, além da ansiedade, sentimentos de desamparo podem surgir. Em entrevista com o participante 4 (P4), um senhor de 50 anos, há um ano diagnosticado com doença cardíaca, este se mostrou pessimista quanto à recuperação. O motivo que o levou até o pronto atendimento foi um sangramento em seu estômago, diagnosticado como uma úlcera. P4, que já se encontrava angustiado em função do quadro principal de saúde, mostrou-se ainda mais abalado diante do novo diagnóstico.

Conforme Barbosa et al. (2007), a procura pelos serviços de emergência geralmente ocorre após a manifestação súbita de sintomas físicos que promovem a necessidade de um diagnóstico imediato e a esclarecer. Desconhecer a condição clínica e o prognóstico podem gerar um aumento significativo nos níveis de ansiedade e estresse, bem como preocupação, medo e um desfazer de certezas anteriormente estabelecidas.

Em entrevista com o participante 5 (P5), um senhor de 52 anos, observou-se a agonia de alguém cansado e com dor intensa nas pernas. Somado a isso, segundo o médico, existia a possibilidade de o paciente apresentar o diagnóstico de esclerose múltipla. Ao ser questionado acerca de como se sentia diante dessa probabilidade, expressou: "Imagina, não sei como vai ser. Fico assustado um pouco, mas vou tratar. Não tem o que fazer".

Desse modo, tendo ido ao pronto atendimento para verificar o que seriam suas dores, seria possível que a hospitalização culminasse em um diagnóstico de uma doença grave, fazendo o paciente entrar em contato com incertezas quanto ao seu futuro, bem como antecipar possíveis mudanças consideráveis que o adoecimento o faria enfrentar, incluindo perdas reais e simbólicas, ou seja, perdas que perpassam pela dimensão física, mas também pela psíquica, como os elos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares. Tudo isso era gerador de mobilização de afetos que, até o momento da entrevista com as pesquisadoras, não havia ainda sido foco de atenção das equipes de saúde.

Se, por um lado, há uma urgência em relação às questões orgânicas, tornando difícil o espaço para considerar e elaborar os impactos emocionais provenientes do adoecimento e hospitalização, em outras situações, percebeu-se que os pacientes levam para o hospital sofrimentos emocionais prévios, tendo suas dores anteriores somadas e, em alguns casos, potencializadas pela experiência de internação atual. A seguir será exposta a categoria dedicada a elucidar as demandas emocionais percebidas como anteriores a ocasião da hospitalização e que encontraram espaço de escuta no momento das entrevistas.

Demandas emocionais anteriores à hospitalização

Uma das participantes da pesquisa que falou de suas dores anteriores foi a participante 6 (P6), uma mulher de 35 anos, professora, que se encontrava no pronto atendimento por estar com febre dias depois de ter realizado uma cirurgia para retirada de cálculos nos rins. Contou que vinha enfrentando uma crise importante no casamento, dizendo que, após a realização de uma cirurgia bariátrica (para tratamento da obesidade), havia alimentado esperanças acerca de uma possível solução para seus problemas conjugais, o que não ocorreu.

Desde então, passou a se sentir gradativamente mais deprimida e sem esperanças de restaurar seu casamento: "Os benefícios que eu achei que viriam com a cirurgia não vieram. Isso é o que mais me deprime, meu casamento não vai nada bem". A participante conta ainda que vinha tomando antidepressivos. "Me sinto triste, tomo antidepressivos, mas não acredito que meus problemas tenham solução".Assim, questões emocionais e relacionais anteriores à hospitalização emergiram em sua fala e a fragilizam na hospitalização, indicando a necessidade de cuidados relacionados não somente à condição orgânica que a levara ao hospital, mas a experiências prévias aos eventos atuais. Seu relato reforça os dados discutidos por Botega e Dalgalarrondo (1997) de que pelo menos um terço de pacientes com sofrimento psíquico em hospitais gerais não são reconhecidos pela equipe de saúde. Os autores alertam que a desconsideração dos fatores psíquicos e sociais dos pacientes pode influenciar a evolução das enfermidades, mantendo-as ou agravando o quadro clínico.

Também foi possível identificar em alguns participantes demandas relacionadas a processos de luto. A participante 7 (P7), uma senhora de 72 anos, foi até o hospital por estar sentindo dores para urinar. Na entrevista, pouco falou a respeito de sua dor física, contando sentir-se ansiosa, em especial desde que perdeu sua mãe. Ao ser perguntada sobre como se sentia no hospital, relatou que não sentia tanta angústia por precisar ir até o local. No entanto, por muito tempo não conseguia aproximar-se deste ambiente: "Por dez anos precisei vir três vezes por semana ao hospital, pois cuidava da minha mãe. Exatamente neste tempo abortei por duas vezes, foi muito difícil. Hoje sinto que estou superando as perdas". Comentou ainda que na ocasião fez psicoterapia, o que a auxiliou a superar em parte o ocorrido.

Outro paciente que se utilizou do espaço da entrevista para falar de seu luto foi o participante 8 (P8), um senhor de 62 anos, hospitalizado para realizar uma segunda angioplastia. Dias atrás havia feito a primeira e, naquela ocasião, contraiu uma infecção. Após aquele procedimento, ele, que é diabético, precisou amputar os dedos de um dos pés. Além disso, referiu deslocar-se ao hospital com frequência para realizar hemodiálise. Diante de seu quadro, mostrava-se bastante cansado, no entanto, muito esperançoso quanto à recuperação. Apesar do otimismo, quando diante da escuta oferecida, pareceu encontrar uma oportunidade de expressão e falou por cerca de 40 minutos sobre a morte do filho que se deu há 17 anos e que, de acordo com ele, "já foi superada".

P8 contou, comovido, que apesar de ser otimista, quando fala sobre esse assunto fica deprimido, salientando o desejo de saber como o filho estaria hoje se estivesse vivo. Falou que depois que o filho partiu passou a ingerir bebida alcóolica, mas abandonou o uso a partir da influência da filha de sete anos que lhe disse uma frase que fez questão de repetir: "O mano morreu, mas e nós? Nós estamos aqui". Comenta ter sido profundamente impactado pela postura da filha, que também passou a esperar o pai chegar em casa todos os dias para conferir seu hálito, de modo a verificar se havia bebido. Conta que a partir disso, nunca mais bebeu. Ao final da entrevista, sua atual esposa interrompeu a conversa dizendo que todas as doenças dele surgiram após a morte do filho.

O relato de P8 aponta que sua necessidade de apoio estava, naquele momento, mais relacionada ao luto do filho e às perdas vividas ao longo de sua vida do que à hospitalização atual. Nesses casos, por vezes, ao observar o paciente com aspecto deprimido ou mesmo com sintomas como de choro ou apatia, as equipes de saúde podem ter dificuldade de oferecer assistência adequada sem que esses aspectos sejam conhecidos. A importância de compreender as razões da mobilização dos afetos de pacientes como P8 tem relação com o fato de que o atendimento às necessidades emocionais requer urgência, pois o suprimento de contribuições psicossociais aumenta os sentimentos de segurança e autoestima para que os pacientes possam enfrentar as dificuldades relacionadas com a hospitalização, a doença e tratamentos (Gomes & Fraga, 1997).

Outro caso de luto vivenciado com sofrimento apareceu na fala da participante 9 (P9), uma mulher que foi abordada no setor de medicação, esperando intervenção por estar com pneumonia. Em seus 58 anos, mãe de dois filhos, um biológico e outro "de coração" (adotivo) - como informou, é agente comunitária e contou estar bem habituada ao ambiente por já ter trabalhado em hospital por dez anos. Quando interrogada sobre a existência de um histórico de psicopatologia ou questões emocionais, mostrou-se comovida: "Perdi minha mãe, meu pai e meu irmão há treze anos. Foi uma morte estúpida, até hoje me faz chorar. Mas deixa pra lá, Deus sabe o que faz." A entrevistadora disponibiliza-se para ouvir mais, mas a entrevistada fala, chorando muito: "Prefiro não tocar nesse assunto. É melhor deixar quieto". Apesar disso, complementa: "É bom ter alguém aqui no hospital para ouvir as pessoas. [...]. É bom ter um ombro amigo. Isso dá um alívio".Seu relato aponta que, ao ser considerada em suas emoções e acolhida em sua angústia, sentiu-se amparada e, possivelmente, ampliou seus recursos para enfrentamento ao tratamento (Gomes & Fraga, 1997). Além disso, em pacientes com respostas emocionais intensas a eventos atuais ou anteriores ao adoecimento, o alívio das tensões e ansiedades pode gerar também melhora nas respostas fisiológicas e, consequentemente, do quadro clínico (Dias, Cruz & Fonseca, 2008).

Em alguns relatos, foi percebido receio dos participantes em falar de suas dores emocionais, justificado por eles pelo fato de que não estarem no hospital para falar de si, mas para tratar daquilo que era orgânico, visto que essa é a função socialmente reconhecida da instituição. Este foi também o caso do participante 10 (P10), homem de 78 anos, que aguardava atendimento após ter tido um desmaio. Num primeiro momento, mostrou-se resistente à entrevista, mas quando convidado para participar da pesquisa, aceitou e, então, seu filho, que se retirou do ambiente, comentou que acreditava ser bom para o pai conversar.

A conversa foi iniciada e o participante respondeu de maneira objetiva às perguntas realizadas. Mas, quando a pesquisadora esclareceu que era comum as pessoas apresentarem fragilidades no ambiente hospitalar, P10 passou a falar sobre o sofrimento relacionado à necessidade de cuidar de sua esposa, há dois anos diagnosticada com Alzheimer. Ao expor como reagiu diante do diagnóstico, disse: "Foi como uma bomba que caiu no quintal da minha casa. Sacudiu tudo. Mas tenho que me contentar com isso". Falou que ao lembrar disso se sentia triste, mas preferia não dar espaço para esse sentimento. "Falar ou não falar é a mesma coisa. Sou realista. Não tem nada que alivia. É mais fácil aprender a administrar e encontrar um equilíbrio". O participante expôs seu incômodo que, mesmo não estando relacionado à sua doença ou presença no hospital, parecia lhe gerar sofrimento. Neste sentido, aponta que uma possibilidade para a ampliação de seus cuidados no ambiente hospitalar estaria uma escuta que possibilitasse expressar-se quanto ao sofrimento pela vivência da doença da esposa, mas também pelo seu próprio e pela impossibilidade, ainda que temporária, de continuar a prestar-lhes os cuidados. Considerando, então, que "quando uma pessoa entra em um hospital para realizar qualquer tipo de tratamento, seu equilíbrio psicológico, tanto quanto o equilíbrio fisiológico, encontra-se abalado" (Gomes & Fraga, 1997, p. 429), novamente fica evidente a importância de que as equipes de saúde considerem as demandas emocionais dos pacientes hospitalizados a fim de prestar-lhes o atendimento de que realmente necessitam e que, em uma perspectiva de integralidade, ultrapassa o orgânico.

Outros pacientes, em suas falas, relacionam seu adoecimento físico a sofrimentos emocionais decorrentes de experiências de vida. A categoria a seguir discute os relatos de pessoas que percebiam a doença e a hospitalização como tendo sido diretamente gerados por demandas emocionais.

Demandas emocionais como possíveis geradoras do adoecimento

Houve participantes que associaram a doença apresentada no momento da hospitalização diretamente a questões emocionais vivenciadas. Alguns relataram ainda não ter conhecimento da causa da enfermidade ou sobre a definição diagnóstica, o que os levou a pensar na possibilidade de a doença física apresentada ter sido desencadeada pela existência de demandas emocionais anteriores. De acordo com Arrais et al. (2012), o pronto socorro é um setor que não atende apenas emergências médicas, mas também problemas de nível biopsicossocial, fazendo com que alguns pacientes busquem este local com queixas físicas decorrentes do adoecimento psíquico.

A participante 11 (P11), uma mulher de 42 anos, casada e mãe de dois filhos, avisou de antemão necessitar de um espaço para falar daquilo que sentia e convidou a pesquisadora a sentar na poltrona destinada ao acompanhante, indicando que precisava de tempo para ser ouvida. Conforme Barbosa et al. (2007, p. 76):

essa angústia do desamparo, atualizada nas situações de doença, muitas vezes torna-se paralisante, imobilizando e congelando nossa existência e nossa relação com o mundo. Assim, a entrada no hospital, motivada pelo adoecimento, e ainda pela porta da emergência, potencializa esse impacto.

P11 referiu ter ido ao pronto atendimento por fortes dores nas costas, no peito, no estômago e dificuldade para respirar. Explicou que quando está passando por algum momento difícil essas dores aparecem. Durante a madrugada daquele dia começou a sentir essas dores de modo acentuado e frequente. Não conseguindo mais suportar os sintomas, pediu para que seu marido a levasse até o hospital. P11 disse que: "sabia que suas dores eram provenientes de suas questões emocionais e não cessariam enquanto não fosse tratada psiquicamente".

Falou sobre seu casamento, sua relação com os filhos, discorrendo sobre episódios traumáticos pelos quais passou. Entre lágrimas, contou sobre o arrependimento de ter gerado o segundo filho e as implicações disso em sua vida. Relatou ter tido depressão pós-parto e associou o acúmulo de angústias também ao fato de não ter "tratado na época". Falou sobre não ter um espaço em que pudesse falar sobre seus sentimentos, incômodos e inquietações; logo, desfrutou da escuta oferecida como quem realmente sabe que necessitava disso: "Não tenho ninguém aqui nessa cidade, sinto uma tristeza, me sinto perdida, desnorteada."

Embora o relato de P11 tenha se dado em um contexto de pesquisa (e não de investigação clínica, por exemplo) e não seja possível afirmar sobre a associação que a mesma faz de que as dores físicas eram provenientes de demandas emocionais não elaboradas, é aceitável discutir sobre a possibilidade de que os processos de somatização, ou seja, aqueles em que pode haver influência de aspectos psicológicos na expressão somática, sejam motivadores da busca por atendimento médico (Perez, Chaves & Lopes, 2015).

Segundo Vieira (2010), se o aparelho psíquico não puder assimilar um trauma, devido a uma vida representativa pobre ou por este trauma superar a capacidade de elaboração psíquica, o excesso de excitação pulsional pode descarregar-se no plano dos comportamentos ou transbordar para o corpo, resultando em somatização. Desse modo, "fatores psicológicos e psicossociais desempenham um papel importante na etiologia [das condições orgânicas]. Em pacientes com transtornos de somatização, o sofrimento emocional ou as situações de vida difíceis são experimentados como sintomas físicos" (Lazzaro & Ávila, 2004, p. 2).

Para estes pacientes, a escuta realizada por profissionais de psicologia pode contribuir significativamente para seus cuidados no âmbito hospitalar "ao oferecer uma escuta para os aspectos do seu funcionamento psíquico, que estão sustentando a sua relação com o tratamento que lhe é oferecido, possibilita-se a consciência para uma atitude de acordo com seu desejo" (Perez, Chaves e Lopes, 2015, p. 152). Deste modo, "reconhecer a importância da necessidade da inserção do psicólogo na equipe de emergência é um primeiro passo rumo à adequada prática do acolhimento e na humanização preconizadas dentro das Unidades de Urgência e Emergência" (Vieira, 2010, p. 513), auxiliando as equipes na execução de um trabalho interdisciplinar que vise a integralidade dos indivíduos.

P11 deu continuidade à fala, aproveitando o espaço:

Quando eu pedia ajuda ao meu marido ele dizia: 'vai passar' e dizia que não era nada. Quando eu falava estar mal as pessoas achavam que não era nada. Eu falava, era uma forma de pedir ajuda, talvez se tivessem levado em conta poderia ter sido tratada. Hoje fico pensando que poderia ter feito qualquer besteira sozinha com meu filho e fico imaginando o perigo disso. Com o passar do tempo não consegui mais controlar minhas emoções, tinha acessos de explosão, descontava no meu filho e me sentia pior ainda. Eu ficava assustada comigo mesma.

Transparece em sua fala que o pedido de ajuda feito por ela não era compreendido por sua família:

Me sinto mal. Por que [meu marido] não viu que eu estava diferente? Estava na cara. Essas dores que eu sinto acho que tem a ver. Uma coisa leva a outra. É isso. Acho que é até por isso que vim parar aqui. As pessoas não entendem. Meu marido acha que tudo vai passar. Ele diz: 'você tem a mim'. Mas eu não vejo isso, me sinto sozinha nessa cidade.

A forma como P11 se expressou também diz sobre seu desespero por encontrar esse lugar de amparo. Falou, aos prantos e, ouvindo a si mesma, concluiu que precisava de uma intervenção da psicologia. Contou que estava tomando antidepressivos, o que proporcionava certo alívio, porém percebia não ser o suficiente, pois precisava conviver com a tristeza intensa, com a angústia constante e ainda assim "de vez em quando me dá essas dores". Sobre os psicotrópicos, Lazzaro e Ávila (2004) observam que sua prescrição deve ser realizada com cuidado e que, por mais que a farmacoterapia possa contribuir no tratamento, não dará conta sozinha de suas questões, visto que não abordam os mecanismos da amplificação de sintomas e os processos e experiências que podem levar à somatização.

De maneira poética, P11 resume o que percebeu estar acontecendo:

Parece que vou explodir, e aí vim parar aqui. É tudo na minha responsabilidade, levar meus filhos para cortar cabelo, fazer comida, é tudo comigo. Quase não tenho dormido. A vida fica um caos e eu não consigo. A única coisa que delego é a faxina. Tudo em cima de mim. Explodo pra dentro, tento levar, tem hora que vai para o corpo, eu não tinha essa dor antes. Poder falar o que está aqui dentro me dá alivio, porque não tenho pra quem falar, não tenho mesmo. É como se fosse uma caixinha fechada e quando abro saem cobras e lagartos. Se falo pra outros vão ver como fraqueza, então vou levando. Só estou esperando o médico falar que posso fazer terapia. Saio do ponto de solidão ao falar e vou pra onde existe gente.

A fala de P11 aponta para o trabalho que Volich (2010) descreve como o desafio do psicólogo junto aos pacientes somatizantes: auxiliar o indivíduo cujos recursos representativos limitam sua capacidade de perceber e comunicar seu sofrimento e que podem apenas reconhecer a realidade concreta da lesão corporal ou da dor, propiciar um espaço que permita pensar sobre seu sofrimento e integrar, no plano psíquico, o que está sendo vivido no corpo, buscando tornar acessível o que não encontra outros meios para se expressar.

Por fim, P11 expressou sentir que não podia ser ouvida por qualquer pessoa. Seu receio era de que outras pessoas enxergassem seus dilemas como fraqueza. Seria preciso, então, falar num espaço sem julgamento, para algum profissional que, de maneira técnica e ética, intervisse de modo a auxiliá-la em seu sofrimento. A participante talvez não tivesse acesso a esse entendimento até então, mas em seu discurso mostrou que é nesse tipo de espaço - e em uma relação de vínculo e de confiança como aquele oferecido pela psicologia – que poderia falar de si e iniciar um processo de simbolização de seu sofrimento e consequentemente encontrar outras vias de elaborá-lo, significá-lo para, então, talvez superá-lo.

Mais uma vez ficou evidenciada a relevância do Serviço de Psicologia atuando no pronto atendimento. Na ocasião da entrevista com P11, foi possível também comunicar a ela sobre a importância e os objetivos da Psicologia como Ciência e Profissão e encorajá-la a procurar ajuda. Conforme Rossi (2008), o psicólogo no pronto atendimento tem como objetivo incluir um olhar para a subjetividade e, de certa forma, caminha na contramão da emergência. Não porque seu atendimento não seja urgente, mas pela sua escuta singular, que implica a valorização dos vínculos e a compreensão do sofrimento do paciente, dos familiares e das equipes de saúde.

Outros participantes associaram as enfermidades apresentadas a questões emocionais. O participante 12 (P12), um homem de 52 anos que estava no pronto atendimento por ter apresentado a segunda convulsão dentro de dois meses, arrazoou sobre a possibilidade de esta manifestação ter relação com seu histórico de psicopatologia, que incluía a depressão. Intrigava-se ao lembrar que os médicos não descobriram o que poderia ter motivado tal fenômeno: "Convulsão é como um descarrego! Sinto dor. Mas não sei por que tenho isso, sei que começou quando eu tinha 15 anos e os negócios do meu pai iam mal. Eu recebia as cobranças e não tínhamos dinheiro para pagar. Fiquei depressivo e tive a primeira convulsão".

A paciente 13 (P13), uma mulher de 42 anos que respondeu à entrevista brevemente, identificou que o sofrimento teve relação com sua hospitalização. Referiu ter vindo até o hospital por estar sentindo fortes dores de cabeça há dois dias. Em sua fala, enfatizou o desejo de ver a equipe agilizar os procedimentos para que pudesse sair o mais breve possível do setor de medicação para estar com a filha, em outro setor do hospital. Sua filha havia sido submetida a uma cirurgia no dia anterior, o que a mobilizou emocionalmente: "Minha filha saiu bem da cirurgia, quem saiu mal fui eu", relata contando sentir-se "invadida e dominada pela ansiedade", referindo-se à ansiedade como "o mal do século".

Assim como neste caso, outra entrevistada que se definiu como ansiosa foi a participante 14 (P14), uma mulher de 25 anos, procurou o hospital devido a dor nas articulações. Ela se comunicava com dificuldade, com certa tensão na maneira de se expressar, justificando "sofrer dos nervos". Os médicos não haviam conseguido, até então, identificar a causa dessas dores, o que a fez pensar sobre uma possível relação com suas questões emocionais. Contou que sofria de intensa ansiedade e, por consequência disso, costumeiramente mordia os lábios, limpava a casa, mexia as pernas, brigava com o filho e cozinhava como forma de diminuir as tensões. "Só queria ser calma, sou muito nervosa, ansiosa", disse com lágrimas nos olhos. Por tal motivo, relacionou as dores nas articulações ao fato de fazer muito esforço limpando a casa, atividade que desempenhava com constância e certo exagero a fim de acalmar-se.

A participante 15 (P15), uma jovem de 27 anos que procurou o pronto atendimento em virtude de fortes dores de cabeça, relatou que passou a sentir tais dores na ocasião em que se separou do esposo, há dois anos. Conta que, em seguida, reatou com ele, mas as dores intensificaram-se. Quando questionada sobre como estava se sentido emocionalmente nas últimas semanas, recordou que tentou suicídio há quatro meses: "É, eu tentei me matar, usei uma corda, mas não deu certo. Depois me arrependi, ainda bem que deu errado".

P15 disse que embora tivesse o esposo e a mãe por perto, se sentia muito solitária. "Mesmo que eu esteja rodeada de pessoas é como se estas pessoas não estivessem comigo". Lembrou também que na adolescência havia tentado tirar a própria vida utilizando medicamentos. Durante a entrevista, passou a se sentir um pouco mais à vontade, contando que sua ida até o pronto atendimento foi também devido a uma crise que denomina como nervosa: "sou muito nervosa, me estresso com meu marido, minha mãe, meu trabalho".

Neste sentido, Lazzaro e Ávila (2004, p. 2) destacam que nos serviços de pronto atendimento "é grande a demanda de pacientes com queixas somáticas, sem uma base orgânica identificável. O fenômeno, universal, é conhecido como 'somatização'", sendo esta condição "mais frequente do que se imagina". Além disso, "quando não reconhecidos e tratados de forma apropriada, esses pacientes podem ser vítimas de intervenções frustrantes, caras e potencialmente perigosas, que não contribuem para reduzir os altos níveis de sofrimento e incapacidade que eles geralmente relatam" (Lazzaro & Ávila, 2004, p. 2).

De acordo com o exposto nesta categoria, observou-se a necessidade dos participantes de falar de suas aflições que, quando encontravam espaço de escuta e acolhimento, produziam um alívio percebível pelas pesquisadoras. Tal constatação reforça, com ainda maior assertividade, a relevância e necessidade do serviço de psicologia nestes espaços.

 

Considerações Finais

No estudo realizado, foi possível identificar demandas emocionais nos participantes, fossem elas provenientes da hospitalização ou da condição clínica, anteriores à hospitalização ou possíveis geradoras de adoecimento. Tais demandas apareceram nas falas, gestos, comportamentos e, em alguns casos, na doença orgânica que os pacientes apresentavam.

Entende-se que cada indivíduo, a partir de sua singularidade, vive a doença e é afetado por ela de modo particular. Nas análises, foi possível, a partir das categorias descritas, verificar pontos comuns ao sofrimento dos participantes, sem perder de vista a compreensão singular de cada experiência relatada. Buscou-se, com isso, evidenciar cada indivíduo, levando em conta sua história e contexto de vida, e por isso, optou-se por dar importância às falas dos entrevistados, uma vez que foi a partir delas que a grande maioria dos pacientes expressou seu sofrimento. Destacaram-se demandas emocionais que envolviam as relações familiares, incômodos relacionados ao ambiente hospitalar, sofrimento diante da doença apresentada, ansiedade diante da recuperação e processos de luto.

Investigar o contexto de vida, as relações afetivas e laborais, o histórico de doenças apresentadas, a relação com a equipe médica, a relação com o ambiente hospitalar e as demais questões de ordem emocional apresentadas por cada paciente possibilitou perceber que um grande número de pacientes que procura o pronto atendimento possui demandas possíveis de serem trabalhadas por alguma intervenção de profissionais de Psicologia. Levando em conta que a pesquisa se deu pelo acesso direto à fala dos indivíduos, ficou claro que a escuta sensível realizada pelas pesquisadoras apenas durante a entrevista já pode ter gerado algum alívio em alguns dos participantes, o que reforça a necessidade desta escuta. Além do acolhimento, alguns casos indicavam a necessidade de outras intervenções da Psicologia, como a psicoterapia, de modo a cuidar e intervir no sofrimento apresentado por alguns entrevistados.

As discussões aqui realizadas reforçam, assim, que os processos de saúde e doença geram impactos em todas as dimensões da vida. Desta forma, é possível considerar a relevância do olhar da Psicologia atuando em prontos atendimentos de hospitais gerais, contribuindo para um atendimento integral em saúde.

 

Referências

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1 Psicóloga formada pela Faculdade Guilherme Guimbala (FGG) – Jonville/SC. Contato: kauanelinassileite@gmail.com.
2 Psicóloga formada pela Faculdade Guilherme Guimbala (FGG) – Psicóloga Clínica - Jonville/SC. Contato: tatianep.yoshii@hotmail.com.
3 Docente de Psicologia da Faculdade Guilherme Guimbala (FGG) - Jonville/SC – Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011), Especialização em Psicologia da Saúde e Hospitalar pelas Faculdades Pequeno Príncipe (2014), Título de Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Conselho Regional de Psicologia. Doutoranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Federal de Santa Catarina e docente do curso de Psicologia da Faculdade Guilherme Guimbala/Associação Catarinense de Ensino. Contato: flangaro@hotmail.com.

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