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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.25 no.1 São Paulo jan./jun. 2022

https://doi.org/10.57167/Rev-SBPH.v25.030 

PARTE III - LUTO E MORTE

 

Impactos psíquicos nas vivências de mães de bebê com extremo baixo peso internado em UTI Neonatal*

 

Psychic impacts on the experiences of mothers of extremely low weight baby admitted to a Neonatal ICU

 

 

Natalia de Sousa AlmeidaI; Rosely Abramowicz GoldsteinII

ISecretaria Municipal da Saúde de São Paulo - São Paulo/SP - nataliaalmeida.psi@gmail.com
IIHospital Municipal Maternidade Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva (HMEC) - São Paulo/SP - rosely.goldstein@uol.com.br

 

 


RESUMO

A prematuridade constitui motivo de preocupação para a saúde pública, tendo em vista a significativa taxa de óbito neonatal e morbidade, além dos riscos psíquicos que podem advir do nascimento prematuro. A literatura aponta que ter um bebê com baixo peso, pouco responsivo aos apelos dos pais e diferente do que foi imaginado, pode provocar desinvestimento afetivo da mãe em relação ao bebê, ocasionando dificuldades no processo de vinculação entre eles. Assim, esse estudo teve como finalidade analisar as vivências de mães de bebê prematuro com extremo baixo peso (<1.000g) internado na UTI Neonatal, bem como os impactos no interesse da mãe pelo bebê. A pesquisa foi transversal descritiva, de natureza qualitativa. Foram entrevistadas 8 mães dentro dos critérios elegíveis da pesquisa e os dados coletados foram examinados mediante a análise de conteúdo. Os resultados apontaram que a experiência do parto prematuro gerou desamparo, angústia e sensação de impotência para a mulher. Entretanto, as mães mantiveram a aposta no filho, a idealização do mesmo e a esperança de desenvolvimento contínuo.

Palavras-chave: luto; maternidade; extremo baixo peso; investimento afetivo; UTI neonatal.


ABSTRACT

Prematurity is a matter of concern for public health, given the significant rate of neonatal death and morbidity, in addition to the psychological risks that may arise from premature birth. The literature points out that having a baby with low birth weight, unresponsive to the parents' appeals and different from what was imagined can affect the mother's affective investiment in relation to the baby, causing difficulties in the bonding process between them. Thus, this study aimed to analyze the experiences of mothers of premature babies with extremely low weight (<1,000g) admitted to the Neonatal ICU, as well as the impacts on the mother's interest in the baby. The research was cross-sectional, descriptive, qualitative. Eight mothers were interviewed within the eligible criteria of the research and the collected data were examined through content analysis. The results showed that the experience of premature birth generated helplessness, anguish, and a feeling of impotence for the woman. However, the mothers maintained their bet on the child, their idealization and the hope of continuous development.

Keywords: mourning; motherhood; severely underweight; affective investment; neonatal intensive care unit.


 

 

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS (WHO, 2012), considera-se prematuro o bebê nascido antes de completar a 37ª semana de gestação (idade gestacional de 36 e 6 dias). Dentro da prematuridade há a categoria "Prematuro extremo" cuja idade gestacional é inferior a 28 semanas. Em relação à categorização do peso, constitui "Peso extremamente baixo" bebês que nascem com menos de 1.000g, os quais são o foco do trabalho.

O nascimento prematuro estabelece motivo de preocupação para a saúde pública, uma vez que representa uma alta taxa de mortalidade neonatal, como também de morbidade. Wanderley (1999) complementa este panorama ao dizer que o bebê nascido prematuro é considerado de risco, não somente do ponto de vista orgânico, mas também psicológico porque ele será privado do contato íntimo com seus pais em um momento do desenvolvimento no qual há extrema dependência de um outro.

Em sua grande maioria, os bebês pré-termos necessitam de cuidados especiais, o que ocasiona a internação na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), a qual configura-se como um ambiente onde o bebê é manipulado muitas vezes pelos profissionais de saúde tais como os médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, mediante os dados do Ministério da Saúde (2011). O ambiente de UTIN, no qual os bebês internados ficam em suas incubadoras, priva-os do contato físico com seus pais. Em relação aos riscos do nascimento pré-termo, Rossi (2017) ressalta que deixar o ventre materno precocemente incide para o recém-nascido em dificuldades respiratórias, de acesso venoso, riscos cardiovasculares e neurológicos, alterações nutricionais e exposição a infecções.

A mãe, diante de um bebê instável organicamente, o qual encontra-se internado em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), terá que lidar com muitos conflitos, conforme assinala Marciano (2016). A autora ressalta que no primeiro momento, logo ao nascer, ocorre a separação física mãe-bebê; em seguida apresentam à mãe um bebê prematuro que em razão de suas condições não consegue responder aos apelos de contato. No espaço da UTIN não há lugar, tempo e oportunidades adequadas para a interação da mãe e seu bebê. Os cuidados com o bebê requerem urgência, impedindo que o saber materno possa ser escutado pela equipe médica (Tinoco, 2013).

Druon (1999) aponta que em certos casos o serviço de neonatologia é interpretado como se fosse uma mãe perfeita e poderosa em contraposição à mãe do bebê, a qual é vista como incapaz e indigna por não ter dado à luz um bebê saudável. Sendo assim, é comum identificar os profissionais da UTIN como alvo de projeções intensas dos pais, bem como sua agressividade pode se dirigir a eles.

As questões relativas à mãe diante de um bebê internado na UTIN serão retomadas no trabalho. Contudo, faz-se necessário abordar o processo de construção da maternidade, abarcando o período da gravidez, além do momento anterior à descoberta da gestação, o qual configura-se como de grande relevância para a mulher.

Acerca da gestação, pode-se dizer que é um momento repleto de expectativas, idealizações e fantasias sobre o bebê que irá nascer. A imagem de uma criança criada por uma mãe remonta ao próprio narcisismo materno, ao passo que se relaciona aos investimentos libidinais de sua mãe para com ela. Durante a gestação o bebê imaginário é constituído, o qual será confrontado com o bebê real.

Lebovici (1983/1987) traz os conceitos de bebê imaginário e bebê real. Vale ressaltar que no primeiro, o sentido da palavra imaginário não remete a imagem, mas sim à fantasia dos pais, fantasia essa que tem seu momento de maior evidência durante a gestação, em cada roupa comprada, brinquedo, cor do quarto, características e significantes que compõem todo arsenal imaginário dos pais. Assim, antes mesmo de nascer, o bebê já está inserido no plano simbólico que lhe é preexistente, constituído pela fantasia de seus pais. O bebê imaginário acaba sendo, portanto, o filho idealizado, dotado de toda onipotência e fundamentalmente capaz de realizar os desejos narcísicos de seus pais. É o bebê sem falhas, fruto da fantasia plena e absoluta dos pais. Ele é o filho perfeito do imaginário.

Sobre o bebê real, é preciso destacar que o termo "real" possui a sua definição relacionada à realidade, referente ao bebê que nasce, o sujeito encarnado, dessa vez não fruto das fantasias, mas composto por um corpo físico. Esse bebê é diferente do bebê imaginário e, justamente pelo fato de ser real, ele contém falhas, e não é perfeito. Os pais quando se deparam com o bebê real, percebem que suas fantasias eram frágeis e pequenas diante da realidade. Não existe bebê que comporte e realize completamente as fantasias dos pais. A partir desse ponto, os pais se deparam com a quebra da fantasia parental em relação ao filho, e com o luto do filho imaginário que não existe mais, por conta do nascimento do filho real.

Freud (1914/2010a), traz o conceito de narcisismo, no qual o autor refere a relação com os filhos como a revivescência e reprodução do próprio narcisismo. Assim, a criança é colocada em uma posição de satisfazer sonhos parentais e seu nascimento aponta para, de alguma maneira, "renarcisar" os pais. Freud expõe que "Sua Majestade, o bebê" - expressão utilizada para abordar a posição privilegiada do bebê em sua família ao nascer - não se refere de fato à criança, mas sim à reprodução do narcisismo infantil perdido dos pais.

O nascimento prematuro produz mães prematuras, uma vez que não é somente a gestação física que é interrompida, mas também a psíquica (Tinoco, 2013). Torna-se relevante pensar nas consequências de um parto prematuro para a mulher, tendo em vista que todo o período gestacional é interrompido, sendo que tal processo é de extrema relevância para a construção da maternidade.

Mathelin (1999) pontua que o nascimento precipitado ocasiona pânico e urgência, sendo um acontecimento com potencial traumático, no qual as mães buscam uma explicação, uma causalidade e significação ao ocorrido. O parto prematuro suspende o processo de construção do bebê imaginário e faz com que os pais se defrontem com o bebê real.

Marciano (2017) aponta que a distância entre o bebê imaginário e o real é vivenciada por todas as mulheres, mas os pais de prematuros vivenciam de forma mais acentuada. A autora diz que o nascimento de um bebê pré-termo desconstrói a imagem do bebê imaginário gestado durante o período da gravidez da mulher, ao passo que também se apresenta como um processo de desconstrução da maternidade idealizada.

Os cuidados em relação ao bebê, em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, são técnicos e científicos, de maneira que a expressão do saber materno é preterida. Neste contexto, a doença do filho fragiliza o saber dos pais, uma vez que são confrontados com a própria insuficiência para exercerem os cuidados com o neonato (Almeida & Melgaço, 2016). Iungano e Tosta (2009) apontam que a mãe perde o posto de autoridade principal sobre o bebê, podendo ser colocada como figura de cuidadora auxiliar.

Diante da vivência de um parto prematuro compreende-se que há um luto a ser elaborado, visto que a mulher constrói a fantasia de um bebê termo, saudável e sem complicações de saúde, e agora ela terá que lidar com a perda de uma maternidade idealizada e de um bebê idealizado (Tinoco, 2013).

O nascimento de um bebê prematuro requer que os pais lidem com um bebê muito diferente do esperado, além de compartilhar o filho com diversos profissionais, caso o recém-nascido fique internado em uma UTIN, que detêm o saber sobre ele. O risco iminente de morte também paira sobre a UTIN.

Gomes (2009) discorre acerca da dificuldade de interação mãe-bebê, uma vez que o bebê internado está submetido a uma série de restrições de contato em razão da imaturidade e instabilidade clínica, sendo que nem sempre ele consegue responder aos apelos dos pais. A figura de um bebê com menos de um quilo e frágil, ao mesmo tempo, configura-se como aspecto que dificulta o investimento dos pais em relação ao bebê.

Em grande parte dos casos, torna-se difícil para os pais visualizarem um futuro para as crianças com risco iminente de morte, tratando-as como impotentes, de modo que há a possibilidade de retirada de investimento de libido parental. Tal desinvestimento incide em prejuízos para a constituição subjetiva do bebê uma vez que a presença materna desejante, a qual aposta na vida do filho, é imprescindível para a sobrevivência dele (Marciano, 2017).

Mathelin (1999) indica que "Sua Majestade, o bebê" pode não incidir para a mãe de um filho prematuro, uma vez que ela não se reconhece neste bebê. A autora discorre que, mediante a ilusão e o sonho de uma criança perfeita, ao deparar-se com a violência do real, a mulher encontra dificuldade de simbolizar este bebê, correndo o risco de reduzi-lo ao puro real. Sendo assim, o encontro com o bebê real é marcado pela angústia dos pais. A autora ainda complementa dizendo que: "Se o olhar da mãe se desvia do filho, se o filho fraco demais e distante demais não dá à mãe o sentimento de que se interessa por ela, o investimento de amor entre eles torna-se problemático" (Mathelin, 1999, p. 25).

Na literatura, há trabalhos sobre as vivências das mães em relação aos bebês prematuros em geral, porém as pesquisas não abarcam as especificidades da prematuridade extrema, na qual a distância entre o bebê imaginário e o bebê real pode ser vivenciada de maneira acentuada para estas puérperas. A questão do medo da morte do filho também caracteriza-se como outro ponto proeminente em prematuros extremos.

Diante do exposto, o trabalho teve como objetivo analisar e discutir quais os impactos de um bebê com extremo baixo peso na vivência de maternidade da mulher e como esta experiência pode interferir no investimento da mãe em relação ao bebê, bem como na construção do vínculo entre eles em um ambiente de UTIN. O estudo também objetivou investigar quais as fantasias envolveram a gestação e como foi construído o bebê imaginado pela mulher, além de observar quais as reações emocionais diante do bebê real. Tais proposições caracterizam-se como relevantes uma vez que diante desta experiência podem advir dificuldades de investimento na relação com um bebê diferente do esperado e com probabilidade de vir a óbito.

 

Método

O presente trabalho configurou-se como uma pesquisa transversal descritiva, de natureza qualitativa, desenvolvida durante o período de julho a outubro de 2020. As participantes foram recrutadas por conveniência no Hospital Municipal e Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva (HMEC) localizado na Zona Norte da cidade de São Paulo, referência para atendimentos de alta complexidade em Neonatologia e Obstetrícia. A amostra abrangeu 8 participantes mulheres, cujos recém-nascidos com extremo baixo peso encontravam-se internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Foram excluídas da pesquisa mães com dificuldade de comunicação na língua portuguesa e em atendimento psicológico na rotina do setor pela pesquisadora.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HMEC sob o parecer nº 4.084.093 (CAAE: 31052620.0.0.0000.5454). As participantes foram convidadas para participar da pesquisa como voluntárias e manifestaram concordância mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após obterem informações detalhadas sobre os procedimentos da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, na qual o instrumento foi construído pela pesquisadora e orientadora mediante os objetivos do trabalho, bem como a obtenção de informações mediante prontuário da mãe e do recém-nascido, a exemplo do tipo de parto, peso de nascimento do bebê e histórico gestacional da mulher. O roteiro da entrevista dispôs de perguntas disparadoras, sendo que a pesquisadora pôde realizar outras questões no decorrer da mesma. As perguntas foram pensadas a partir dos objetivos do estudo, tais como: fantasias em relação ao bebê e à gestação; desejo pela gravidez; experiência do parto prematuro; encontro com o bebê real; vivência de internação do bebê em UTIN e recursos que auxiliam no momento de internação.

Os dados foram avaliados através da análise de conteúdo, cuja técnica, segundo Bardin (2011), consiste em três fases: 1) pré-análise, na qual ocorre a sistematização dos dados; 2) exploração do material, ou seja, a definição de categorias e a identificação das unidades de registro; 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação, em que se realiza a articulação entre os dados e os referenciais teóricos utilizados no estudo.

 

Resultados

A amostra foi composta por 8 mulheres elegíveis de acordo com os critérios de inclusão de estudo. As participantes tinham idade entre 19 e 42 anos. A gestação atual foi a primeira para cinco mulheres, para as outras foi a terceira, quarta e décima primeira gestação. Uma das mães havia tido um aborto anterior e a gestação atual foi de gemelares, sofrendo um óbito fetal de um dos bebês. Outra mãe teve seis perdas gestacionais anteriores.

Cinco mulheres tiveram parto cesárea e três parto normal. A causa da prematuridade foi relacionada à pré-eclâmpsia, descolamento de placenta, bolsa rota, gemelaridade, colo curto do útero e motivos desconhecidos por elas até o momento da entrevista. A idade gestacional dos bebês variou entre 24 e 31 semanas, caracterizando prematuridade, e o peso de nascimento foi entre 565g e 995g, o que configura extremo baixo peso. As entrevistas foram realizadas entre o 2º e o 15º dia após o parto.

A maioria das gestações não foi planejada apesar de todas manifestarem o desejo pela gestação, mesmo que para um outro momento da vida. Neste último caso, as mulheres relataram que não usavam métodos contraceptivos e sabiam da possibilidade de engravidarem, evidenciando um possível desejo inconsciente pela gestação.

As reações diante da notícia da gestação foram diversas e mostraram a ambivalência representativa deste momento. Os relatos expuseram sentimentos de alegria e felicidade, mas, ao mesmo tempo, medo e preocupação. Uma adolescente de 19 anos referiu o medo da reação dos pais.

As mulheres com diagnóstico de gestação de alto risco, a exemplo da pré-eclâmpsia, descolamento de placenta e colo do útero curto, descreveram o decorrer da gestação como difícil e permeado de angústia, além do medo da perda tornar-se mais evidente: "Saber que o colo do meu útero era curto foi meio difícil de entender. O médico dizia que tentaríamos segurar ela até uns 7 meses ou mais, porque se ela nascesse antes, já nasceria morta. Foi assustador. Entrei em desespero" (M6, Rn 965g).

A sensação de que algo daria errado foi uma fala recorrente, mesmo que até então não tivesse acontecido nenhuma intercorrência durante a gravidez. Elas disseram não conseguir relacionar de modo direto ao que se referia esta sensação. Algumas associaram, embora de modo indireto, a perdas gestacionais ou de familiares anteriormente: "Parece que a gente sente, pressente, não sei. Sentia que tinha algo errado, mas "Não, não é possível." Ficava com aquela sensação de algo errado" (M5, Rn 825g).

Quando questionadas sobre como imaginavam o bebê, as mulheres descreveram fantasias relacionadas à gestação levada a termo e saudável. Algumas expressaram que imaginavam ter um bebê gordo e grande. Também referiram fantasias de levar o bebê para casa, de ficar no quarto junto com elas e de amamentá-lo.

O parto prematuro foi descrito como uma experiência de urgência e traumática, sendo marcado pela preocupação com o bebê para boa parte das mulheres. O nascimento antecipado trouxe à tona questões de vida e de morte, no qual a mãe e o bebê corriam riscos. Houve relatos de choro e angústia: "Foi traumatizante! Na hora foi um turbilhão de emoções porque primeiro que eu não queria cesárea, também não queria muito menos que ela nascesse com 26 semanas. Já preocupada como seria a recuperação para ela" (M5, Rn 825g);

"(...) Daqui a pouco a médica vem falando que eu teria que subir urgente para fazer o parto. Eu falei que iria ligar para o meu marido, ela falou que não daria tempo que tinha que ser agora. Aí já subi chorando. Meu parto do começo ao fim foram lágrimas e a pressão lá em cima" (M7, Rn 670g).

Cinco mulheres disseram que os bebês não nasceram diferentes do que elas imaginaram. Muitas utilizaram a palavra "perfeito" para descreverem o bebê. Elas relataram que as diferenças sentidas relacionaram-se ao parto prematuro, não levar a gestação a termo, não conseguir segurar a gestação, de modo que as falas estavam mais voltadas para algo da ordem da responsabilidade delas enquanto mães. "Ela é perfeita. Um milagre." (M1, Rn 670g); "Ela é exatamente do jeito que eu imaginava. Ela é incrível." (M5, Rn 825g)

Contudo, três puérperas falaram da diferença do bebê que imaginaram para o bebê real: "Foi diferente. O tamanho e ela era muito magrinha. Eu nunca tinha visto um bebê desse tamanhinho. Quando eu vi eu me desmanchei em lágrimas. Até meu marido achava que ela não iria vingar. Os médicos falavam também." (M7, Rn 670g)

As entrevistadas explicitaram que uma das maiores diferenças, tendo em vista o que foi imaginado durante a gestação, relaciona-se à restrição de contato com o bebê. Elas relataram a dificuldade em não poder segurar o bebê no colo, não poder amamentar e não poder tocar. Tal limitação imposta pela incubadora e pelos cuidados especiais que o prematuro exige representou fonte de grande sofrimento para as mulheres. Ao mesmo tempo, referiram o medo do toque delas fazer mal para o bebê, como pegarem alguma infecção ou assustá-lo: "Vontade de pegar. Ela disse que eu posso pegar assim na mãozinha, mas eu tenho medo de pegar. Não tenho coragem. Medo de pegar e ela se assustar." (M2, RN 565g); "Eu fico bem preocupada porque todo mundo pode segurar o filho no colo. Tem isso de eu não poder segurar, de não poder levar para casa." (M6, RN 965g)

Apesar de exporem que os bebês não foram diferentes do que imaginaram, as mães descreveram o momento no qual viram o bebê pela primeira vez marcado por reações corporais, como tonturas, ânsia de vômito e choro. A dificuldade de permanecer ao lado da incubadora também foi uma questão abordada pelas mulheres. Uma mãe disse ter sido um alívio ir à UTIN e ver a filha, uma vez que imaginava que ela nasceria morta.

Os movimentos do bebê foram interpretados de modo particular para cada mulher, mas foi mencionado o conforto ao ver qualquer reflexo motor corporal do bebê na incubadora, interpretando-os como sinais de vida do filho: "É uma sensação de Quando eu vi ontem... não é fácil ver, dá nervoso mesmo. Ela paradinha ali, comecei a passar mal, tive que dar uma voltinha. Aí quando eu voltei e vi ela mexendo já deu aquela esperança" (M2, Rn 565g). Outras acharam que o bebê estava agoniado quando se movimentava, acreditando que os fios e aparelhos incomodavam-os.

A expressão "horrível" e "difícil" caracterizaram o momento da internação do bebê para a maioria das mulheres. Elas representaram este período como angustiante e de muito sofrimento, além de falarem sobre sentimentos de ansiedade e impotência diante do filho. Ao mesmo tempo, a esperança e confiança de que tudo ocorreria bem foram amplamente apontadas, o que indica a ambivalência marcante neste momento.

Outro ponto relatado pelas puérperas refere-se à instabilidade dos bebês. Uma mãe utilizou uma analogia do período de internação a um balanço, sendo que quando o quadro do bebê estava bom ela também estava bem, e quando havia alguma piora ou intercorrência ela ficava angustiada. As mulheres demonstraram relacionar o próprio estado emocional ao estado clínico do bebê.

Neste sentido, a identificação das mães com o respectivo bebê consistiu em um aspecto evidente nas entrevistas. A pesquisa também mostrou no quanto, neste momento de puerpério, a mulher está muito voltada para o bebê, tem seu pensamento direcionado ao bebê em todos os momentos, mesmo quando está em casa

A falta do contato físico com o recém-nascido, como exposto anteriormente, configurou-se como outro fator característico da internação na UTIN. Além disso, algumas mulheres apontaram conhecimentos acerca da linguagem técnica característica de uma UTIN. Elas mostraram um saber acerca dos aparelhos e o quanto ficam vigilantes aos parâmetros do bebê, bem como qualquer alteração dos mesmos.

O medo da perda do bebê, do mesmo modo, representou um fator importante na pesquisa. Algumas mães não conseguiram dizer diretamente acerca deste medo, passando rapidamente por esta questão ou utilizando outras histórias de perdas para de algum modo expressar este temor. Verificou-se que as palavras ficaram entrecortadas e as frases inacabadas quando este assunto aparecia no discurso delas, apontando a dificuldade em falar do tema: "Eu não consigo, quando Não consigo nem pensar assim no que pode Eu tenho tanta esperança de que eu já estou ansiosa pra chegar logo a dia dela sair. Eu prefiro ser assim" (M2, Rn 565g). Em contraponto, outras mulheres falaram diretamente do medo de perder o filho.

Outro aspecto citado pelas mulheres compreende o instante de falar com a equipe médica, o qual pode ser um momento de alívio ou de grande medo pelas notícias que serão recebidas.

"Mais medo é quando eu venho pra falar com o médico. É como se eu estivesse entrando no caminho da própria morte. (...) Eu venho, as pernas começam a travar, eu começo a suar, começo a chorar, o coração acelera. Eu venho encarando o corredor da morte." (M3, Rn 995g)

O sentimento de impotência diante da internação do filho presentificou-se no relato das mães. O saber médico é posto como o que salvará a vida do bebê, de modo que elas sentem-se destituídas de seu saber materno e colocam-se em posição secundária nos cuidados com os filhos. Há a ambivalência perante o hospital, o qual representa o salvador e ao mesmo tempo o que tira delas este lugar de mãe. Assim, ocorre a supervalorização da equipe que realiza os cuidados com o bebê:

"Eu odeio aqueles aparelhinhos que estão nela mas ao mesmo tempo eu amo, porque eles que estão mantendo nossa filha viva. (...) Acho que o que mais dói é essa sensação de impotência. Não tem o que eu possa fazer. Não tem como eu fazer o meu papel de mãe." (M5, Rn 825g)

O olhar para o bebê ressaltando seus aspectos positivos atravessou o discurso de todas as mulheres. Muitas descreveram os bebês com as seguintes expressões: "Perfeitos", "Ela é tudo pra mim", "Preciosa", dentre outras. A palavra "amor" também foi representativa quando elas falaram dos sentimentos em relação ao bebê: "Só amor. É surreal como você pode gerar uma criança dentro de você. Uma criança perfeita. Não tem explicação. Não sei. No primeiro dia eu fiquei pensando como que uma pessoa pode gerar outra pessoa" (M4, Rn 995g). Apesar de referirem uma aparência frágil, as mães expressaram o quanto enxergavam a força em seus filhos: "Estou com muita esperança. Muita mesmo. Minha filha é muito forte. Eu também tenho que ser forte numa hora dessas. Tem que ser Eu creio muito em Deus" (M8, Rn 900g).

Além disso, muitas demonstraram esperança acerca da recuperação do bebê e a aposta de que ele se sairia bem. Imaginavam como seria o momento da alta, como seria a personalidade de cada um, o jeito do filho em casa, ou com os irmãos.

A família foi apontada como principal respaldo neste momento para as mulheres. A religiosidade e a fé também apareceram como forma de auxílio pela qual elas enfrentam o momento de internação. Além disso, foi citado pelas mulheres a importância do pensamento e energia positiva. Outro ponto que as ajuda refere-se à melhora do bebê e vê-lo todos os dias.

 

Discussão

Antes mesmo de seu nascimento, a criança depara-se com um lugar simbólico que lhe é preexistente e construído por seus pais (Wanderley, 1999). A gestação constitui um momento de fantasias e expectativas em relação ao bebê. Maldonado (1976/1990) refere a gravidez como um período essencialmente regressivo, no qual há maior facilidade de reviver conflitos infantis, os quais estavam reprimidos. Sentimentos de ambivalência em relação ao bebê também caracterizam este momento.

Segundo Freud (1914/2010a), é a partir do próprio narcisismo que a mulher tem a possibilidade de tornar-se mãe. O investimento libidinal direcionado ao filho diz respeito ao movimento da mãe de investir narcisicamente nele. Os pais buscam na criança a concretização dos sonhos não realizados por eles, de maneira que atribuem a ela todas as perfeições e ocultam os seus defeitos. Colocam o filho no lugar de "Sua Majestade, o Bebê", sendo este idealizado a partir do qual os pais um dia imaginaram ocupar.

Neste sentido, pode-se considerar que falar sobre a fragilidade, o sofrimento e o tamanho pequeno do bebê remetem a uma ferida narcísica. A vulnerabilidade do bebê pode significar a própria impotência da mãe. Diante desta conjuntura torna-se inteligível a escassez na pesquisa de relatos acerca do tamanho pequeno do bebê, da diferença em relação ao que foi imaginado e a utilização da palavra "perfeito" para caracterizarem o neonato.

Winnicott (1956/2000) desenvolve o conceito de "preocupação materna primária" relacionado a uma predisposição da mulher a atender e entender as demandas do bebê recém-nascido. A mãe vivencia uma espécie de regressão emocional à época de sua própria experiência como filha, quando era ela quem estava em posição de ser cuidada. O autor complementa que esta fase é comumente experienciada pelas mães, e na qual, em grande parte, ela é o bebê, e o bebê é ela. Através da entrevista, pode-se perceber esse período regressivo da mulher e a forte identificação das puérperas em relação ao bebê recém-nascido.

Mathelin (1999) assinala a gestação como um momento de elaboração para a criança "tomar corpo" não somente no ventre da mãe, mas também em seu fantasma. A preparação do enxoval, do mesmo modo, para além das roupinhas, constrói os braços, pernas e a imagem do corpo do bebê na mente da mãe. O parto prematuro interrompe este processo, o que pode incidir na falta desta imagem corporal do bebê. Diante disto pode-se pensar nas falas das mulheres quando foram questionadas sobre como imaginavam o bebê e, suas respostas não abarcarem a imagem do bebê, mas sim sobre os processos que envolviam a gestação termo e saudável.

Maldonado (1976/1990) fala acerca de um aspecto mencionado reiteradamente nas entrevistas: a sensação de que algo ruim iria acontecer. A referida autora discorre que ao longo de nossa infância formamos, paulatinamente, uma imagem básica de nós mesmos, de forma que ora nos vemos como pessoas boas, ora predominantemente más. Às vezes sentimos que merecemos coisas boas, ser amados e valorizados; às vezes nos depreciamos, e carregamos conosco a sensação de que merecemos ser castigados pelo que fizemos de ruim.

Estas sensações referentes à crença na nossa capacidade de fazer coisas boas ou, em contraposição, à crença em nossa própria maldade e possibilidade de nos prejudicarmos ou a outras pessoas tomam maiores contornos para a situação de ter um filho. Subjacente a tudo isso, advém a sensação de que algo ruim vai acontecer, de não merecer ter um filho saudável ou de não ser capaz de produzir coisas boas. Assim, possibilita-se o entendimento destas sensações ditas repetidamente pelas mulheres, nas quais elas não conseguiram relacionar estes sentimentos de que algo ruim iria acontecer a qualquer questão de forma direta. A citação de Maldonado diz respeito a processos inconscientes do psiquismo.

Acerca do parto prematuro, Mathelin (1999) pontua como sendo quase sempre uma violência, no qual uma decisão médica é tomada na urgência para salvar a vida da mãe e do bebê. Este cenário ocorrido na urgência é descrito pelas mulheres da pesquisa como traumatizante e angustiante. Além disso, as palavras ditas anteriormente pela equipe de saúde que o bebê provavelmente não sobreviveria contribui para o potencial fator traumático deste momento. O nascimento do bebê torna-se um evento no qual vida e morte se interpelam.

Apresentar, sumariamente, o conceito de trauma pelo viés psicanalítico torna-se relevante a fim de auxiliar a compreensão das articulações demandadas pela temática da pesquisa. Laplanche e Pontalis (1967/2016) expressam a noção de trauma como sendo um acontecimento da vida do sujeito definido pela sua intensidade, pela incapacidade na qual o sujeito se encontra de reagir de forma adequada e pelos efeitos patogênicos ocasionadas na organização psíquica. Assim, o traumatismo se dá quando uma vivência, no espaço de pouco tempo, traz um aumento de excitação à vida psíquica do sujeito, sendo excessiva à capacidade de elaboração psíquica deste acontecimento. Ao mesmo tempo, é importante pontuar que as condições psicológicas em que se encontra o sujeito potencializam ou amenizam o valor traumático, além de ser possível ter ciência do seu efeito traumático somente a posteriori.

As falas entrecortadas, inacabadas, a dificuldade em falar sobre assuntos difíceis e do risco de morte dos bebês podem ser indicativos de um possível trauma vivido por estas mulheres. Neste sentido, Mathelin (1999) diz algo importante: "O trauma é sem fala; ele permanece sem palavra porque é impensável" (p.29). Assim, corrobora-se o fato das mães não conseguirem falar ou pensar sobre estes temas por serem traumáticos, dolorosos demais e desorganizadores ao psiquismo.

Segundo Jerusalinsky (2000), em situações de sofrimento psíquico os pais produzem atuações como desmaios, ausências prolongadas da UTIN e permanência constante ao lado incubadora. Assim, pode-se relacionar as reações corporais quando veem o bebê pela primeira vez, descritas pelas entrevistadas, como indicativo do fator traumático. Outro aspecto nesta perspectiva refere-se à dificuldade em encontrar duas mães para realizar a entrevista, uma vez que ficaram ausentes das visitas à UTIN por um período significativo. Na entrevista ficou evidente a dificuldade dessas mulheres virem e permanecerem no hospital ao lado do bebê em decorrência do grande sofrimento psíquico diante da internação e pelo medo da morte do filho.

Mathelin (1999) diz que mães que dão à luz um filho doente ou prematuro estão confrontadas com a imagem de uma mãe má, uma mãe que não pôde carregar o filho, e que gerou uma vida frágil demais. Deste modo, sentem-se culpadas por terem que conviver com um filho que está vivo em razão de outros, um filho que as feriu narcisicamente, que lhes deu o gosto do fracasso. Diante desta lógica, é possível supor que o receio das puérperas de tocarem no bebê e fazer algum mal a ele, mesmo que o toque seja autorizado pela equipe médica e não tenha interferências clínicas para o recém-nascido, pode estar correlacionado a este aspecto mencionado acima.

A outra questão apontada pela autora, em que advém o sentimento do neonato estar vivo em razão dos outros, consiste como fator de ambivalência em relação à equipe. Iungano e Tosta (2009) referem que a instituição hospitalar opera como elemento ambíguo, uma vez que salva a vida da criança, devolvendo-lhe a esperança de vida, como também lembra a mãe de seu fracasso por não levar a gestação a termo. As mulheres evidenciaram sentimentos de ambivalência em relação à equipe. Uma das falas mais características desta situação concerne ao momento no qual uma mãe diz que odeia os aparelhos ligados à filha, mas ao mesmo tempo ama pois a mantém viva.

Foi mencionado o lugar secundário no qual elas estavam postas referente aos cuidados do bebê. O compartilhamento de seu bebê com diversos profissionais que detêm o saber sobre sobre seu filho representa um fator de conflito para a mãe. Desse modo, foi observado ser comum as mães procurarem dominar as informações e linguagens técnicas que circulam pela UTIN, o que pode ser interpretado como a recuperação de seu lugar de saber, bem como a responsabilidade pelo cuidado com o bebê.

A instabilidade do bebê internado constitui outro ponto abordado na pesquisa. Jerusalinsky (2000) aponta que na UTIN os neonatos apresentam permanentes oscilações em seu estado clínico, de modo que em questão de poucas horas os prognósticos e consequentes reações parentais podem ser diferentes dos encontrados no último encontro. Uma das mães descreveu estas alternâncias como uma montanha russa, o que pode inferir a instabilidade emocional pela qual as mães estão sujeitas diante da internação do filho prematuro, cujo risco de intercorrências graves ou de morte são iminentes.

A mãe está atenta às funções vitais do bebê e vai tecendo articulações acerca das manifestações espontâneas do filho, e atribui significações simbólicas a elas (Jerusalinsky, 2000). A interpretação das mães entrevistadas neste estudo apontou os movimentos dos bebês como agonia, desconforto, mas principalmente como demonstração de vida. A autora também aponta que o domínio da linguagem da UTIN permite-lhe reencontrar com seu bebê e recuperar seu lugar de saber, o qual muitas vezes lhe foi destituído e pertence ao médico.

O luto constitui outro aspecto importante do estudo. Diante da vivência de um parto prematuro compreende-se que há um luto a ser elaborado, visto que a mulher constrói a fantasia de um bebê termo, saudável e sem complicações de saúde, e agora ela terá que lidar com a perda de uma maternidade idealizada e de um bebê idealizado (Tinoco, 2013). A literatura aponta que o luto entre o bebê real e o bebê imaginário ocorre com todas as mães, porém de forma acentuada em mulheres com bebês prematuros. Entretanto, o estudo mostrou outros aspectos a serem considerados, os quais serão expostos a seguir.

Freud (1917[1915]/2010b) define luto como reação à perda de uma pessoa amada, mas não se restringe a este tipo de perda ou a mortes concretas, podendo referir-se a um ideal. Nesta situação ocorre inibição e restrição do Eu, o qual exprime uma exclusiva dedicação ao luto, em que nada mais resta para outros intuitos ou interesses. Há o afastamento de toda atividade que não lembre a perda e há dificuldade em eleger um novo objeto de amor e investir nestes outros objetos. O autor continua dizendo que o ser humano possui dificuldade em abandonar uma posição libidinal que até então estava sendo investida. Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida. Pode, também, haver no luto um afastamento temporário da realidade e é necessário tempo para que o sujeito consiga elaborar o que foi perdido.

Relacionando com o que foi dito por Freud acerca do superinvestimento no objeto no processo de luto, pode-se pensar na dificuldade para a mulher em mudar da posição de investimento para desinvestimento libidinal em relação ao bebê. Quando confrontada com o bebê real, seu movimento estava até então marcado por idealizações e fantasias desenvolvidas ao longo da gestação. Ao investir em determinados objetos, o sujeito coloca considerável carga de energia libidinal, o que gera uma entrega por parte psíquica deste sujeito. A mudança de posição exigirá novo movimento, cujo processo, do mesmo modo, terá custo de energia libidinal no psiquismo. Conforme foi apresentado durante as entrevistas, ocorreu um superinvestimento na maioria das mulheres no primeiro momento, mesmo diante da gravidade orgânica do bebê. Conforme os relatos, estes investimentos eram realizados, tendo em sua base, sentimentos como esperança e aposta no filho.

O nascimento de um bebê concentra perdas a serem elaboradas, como a onipotência na gestação, na qual o bebê era completamente dependente da mulher, bem como a perda do bebê fantasiado diante do bebê real. Tais lutos sucedem o puerpério de todas as mulheres, mas de forma mais intensa naquelas com bebê prematuro e, principalmente em prematuros extremos.

Outro aspecto nesta lógica constituiu a negação da realidade clínica do neonato pela maioria das mães, as quais, a priori, não conseguiam enxergar ou mesmo expressar o risco pelo qual o bebê estava vivenciando. Algumas mães descreveram o bebê gordinho mesmo com a aparência magra e com os ossinhos aparecendo. Mais de quatro mães disseram que o prognóstico do bebê era bom e uma delas disse que não conseguia ver a gravidade no quadro do filho apesar dos médicos dizerem o contrário.

Tinoco (2013) refere que a prematuridade do filho acarreta situações difíceis para a mãe, ao passo que há chances de concretizar-se o maior medo das mães: a perda do filho. Diante deste medo e de questões difíceis, a operação de mecanismos defensivos, a exemplo da negação, consiste em uma forma de amparo contra a angústia. A defesa opera a fim de reduzir ou suprimir qualquer modificação que possa colocar em perigo a integridade do ego, ou seja, as operações defensivas incidem sobre afetos desagradáveis cuja finalidade está atrelada à proteção do ego (Laplanche & Pontalis, 1967/2016).

Uma destas mães que tiveram o discurso da diferença do bebê real em relação ao imaginário, e falou sobre o medo da perda de forma muito expressiva, teve a gestação atual de gemelares na qual um dos bebês foi a óbito intraútero, além de ter sofrido um aborto recentemente. Esta mulher estava passando por um momento de luto pela perda gestacional anterior e por um bebê que havia acabado de ir a óbito e, ao mesmo tempo, o outro bebê vivo encontrava-se em estado grave na UTIN. Tal contexto subsidia o entendimento do modo mais explícito pelo qual esta mãe trouxe suas questões durante a entrevista.

Assim, fica evidente a importância do tempo na elaboração da perda do bebê fantasiado. Mulheres cujas entrevistas foram realizadas com maior intervalo de tempo após o nascimento, puderam falar sobre o estado do bebê mais condizente com a realidade, sobre a aparência frágil e diferente do que foi imaginado e sobre o medo da perda do bebê de modo mais perceptível. Para além disso, apostar que o filho ficará bem constitui um aspecto importante para as mães conseguirem enfrentar a situação da internação de um bebê prematuro com extremo baixo peso.

 

Considerações Finais

O estudo apontou que o nascimento de um bebê prematuro com extremo baixo peso constitui um potencial fator traumático para as mulheres, principalmente diante da urgência e dos riscos iminentes tanto para a mãe quanto ao bebê. Apesar das ambivalências características deste momento do puerpério, as mães demonstraram investimento e aposta no filho. A aparência frágil dos bebês e a gravidade clínica, a priori, não trouxeram grandes dificuldades no investimento na relação mãe-bebê. Os momentos que sucederam o pós-parto foram marcados pela idealização dos bebês e identificação com os mesmos.

Torna-se importante destacar que a pesquisa foi realizada entre o 1º e o 15º após o parto, cujo momento consiste nos primeiros dias do puerpério, no qual as mulheres estão tomadas pela experiência do parto e do nascimento prematuro. Tal contexto condizente ao momento da realização da pesquisa corresponde a um elemento que pode ter influenciado os resultados do estudo. Diante disto, as noções de trauma, de luto e tempo de elaboração apresentadas no texto foram elementos fundamentais para pensar as questões de uma mãe de bebê internado em UTIN.

Além do exposto anteriormente, os resultados demonstraram que a falta de contato físico com o bebê, a destituição do lugar de cuidado na qual as mulheres sentiam-se e a impotência diante do saber médico foram fatores contribuintes de sofrimento psíquico das mães diante da internação de seus filhos. Pode-se pensar que estes foram, principalmente, fatores que dificultaram a relação mãe-bebê em um ambiente de UTIN.

Assim, evidencia-se a importância do trabalho do psicólogo no ambiente da UTIN, uma vez que fica em suspenso as questões subjetivas da mãe, as quais são de grande relevância para o desenvolvimento do bebê. Druon (1999) postula a hipótese de que fazer com que os pais evoquem os elementos traumáticos na sua emergência diminui os impactos que poderiam ocorrer a posteriori. Ajudar os pais a falarem acerca deste momento do parto prematuro exerce um trabalho preventivo, o qual auxilia os pais a terem o mínimo de elementos de sustentação para enfrentarem a situação adversa.

O conhecimento da equipe médica das questões psíquicas, pelas quais as mães de prematuro com extremo baixo peso atravessam em uma situação de internação em UTIN, constitui como um fator importante ao pensar no atendimento mais humanizado e integral do paciente. Muitos pedidos de atendimento para equipe de Psicologia ocorrem no sentido da mãe não entender o que se passa com o quadro clínico do filho, o que muitas vezes é interpretado como dificuldade cognitiva. Porém, torna-se importante considerar as diversas questões que perpassam a ordem do psíquico e ultrapassam a ordem da cognição.

O estudo não pretende esgotar a discussão do tema proposto. Pesquisas comparativas em relação às significações das vivências das mães no momento logo após o parto e, uma nova abordagem após decorrido um tempo do nascimento do bebê, ainda durante a internação, poderiam configurar-se como linhas a serem desenvolvidas. Estudos longitudinais após a alta do bebê com o intuito de investigar os impactos a longo prazo da internação na UTIN em relação ao vínculo mãe-bebê, do mesmo modo, constituem caminhos a serem explorados.

 

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Natalia de Sousa Almeida - Psicóloga na Prefeitura do Município de Osasco. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Especialista em Neonatologia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Neonatologia da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP).
Rosely Abramowicz Goldstein - Psicóloga formada pela USP/SP em 1986, com Pós-Graduação em Psicologia Clínica pela PUC-SP em 1996, atua desde 1991 como Psicóloga Hospitalar no HMEC e como preceptora da Residência Multiprofissional em Neonatologia.
* Agência de Fomento: Hospital Municipal e Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva (HMEC).

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