INTRODUÇÃO
A gestação geralmente é um período cheios de expectativas. No corpo da mulher acontecem diversas mudanças durante o crescimento do bebê. Pode ocorrer também, as mudanças no psiquismo, com a formação da identidade de ser mãe e a construção de uma imagem idealizada do seu bebê (Ferrari et al., 2007; Melo et al., 2020).
Entre todas as expectativas para o nascimento de um filho, por vezes, o maior desejo de uma mãe é que seu bebê seja saudável (Oliveira et al., 2013). O parto chega a ser um momento único e é lembrado nos mínimos detalhes. Como desfecho, a alta é um momento de alegria e simboliza um evento de apresentação social do bebê ao círculo familiar (Pereira et al., 2018).
Na contramão dessas expectativas, quando uma gravidez, um parto ou uma alta é perpassada por intercorrências, seja por um parto prematuro, patologia grave no bebê ou outros fatores que demandem a sua hospitalização, os pais precisam voltar para casa sem o filho. Nesse momento difícil, a sensação de vazio é a maior companheira da mãe, sem seu “sonho” nos braços (Magalhães et al., 2024; Pereira et al., 2018). Isso pode causar sentimentos de vulnerabilidade, angústia, incerteza, vazio e ansiedade na mãe e demais familiares (Balbino et al., 2016; Magalhães & Feriot, 2015).
O nascimento de um bebê prematuro, apesar de distante dos planos pré-natais, é algo relativamente frequente no Brasil, ocorrendo em um a cada 117 partos. Nesses casos, mãe e bebê são mais vulneráveis durante e imediatamente após o parto, com risco de óbito. Isso porque cerca de 2,8 milhões de mulheres grávidas e recém-nascidos (RN) morrem a cada ano, representando uma morte a cada 11 segundos. Cerca de um terço delas ocorrem no primeiro dia e quase três quartos na primeira semana. Entre suas causas estão problemas evitáveis, como complicações no parto, defeitos congênitos e infecções adquiridas (Baseggio et al., 2017). Essa vulnerabilidade, a imagem de um bebê pequeno e comumente diferente do idealizado e a necessidade de internação tornam esse momento complexo para as mães (Fleck & Piccinini, 2013).
Além da prematuridade, outras adversidades podem ocorrer. A notícia de um diagnóstico de alguma patologia congênita ou de doenças ameaçadoras da vida torna a experiência de uma mãe repleta de incertezas, angústias e frustações. Isso porque o bebê pode estar em risco de óbito e necessitar ficar internado, tornando o hospital o local dos cuidados iniciais do bebê, em vez do ambiente domiciliar (Baseggio et al., 2017; Magalhães et al., 2024).
Os cuidados ao bebê com intercorrências são feitos em unidades especializadas - as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e as Unidades de Cuidado Intermediário (UCIN). A UTIN é ocupada por recém-nascidos (RN) de alta complexidade. As UCIN são destinadas aos RN de média complexidade (Bezerra Segundo et al., 2018).
A internação nessas unidades é geralmente impactante para a família. Primeiro porque o ambiente dessas unidades, por si só, já é estressor. São lugares repletos de intercorrências, de bebês em estado grave e/ou com risco de morte, ou daqueles que possuem doenças incompatíveis com a vida (como a Síndrome de Edwards, Síndrome de Patau, Síndrome de body-Stalk e a Síndrome de Potter), encaminhados à assistência de uma equipe de cuidados paliativos (Klock & Erdmann, 2012; Magalhães et al., 2024).
Diante da vulnerabilidade desses bebês, e em meio a tantas incertezas, instabilidade e variabilidade no quadro clínico, a equipe de profissionais de saúde precisa constantemente comunicar notícias sobre a evolução dos pacientes. Essa tarefa requer cuidado e torna-se fundamental para uma relação de qualidade entre os profissionais de saúde e família, pois podem influenciar a maneira como a mãe/pai/responsável vai passar por essa experiência (Cabeça, 2014; Koch et al., 2017; Melo et al., 2022).
Entre as comunicações, talvez aquela que exija mais cuidado e desafio nas UCIN e UTIN é a de más notícias. Esta refere-se a qualquer informação dada ao paciente e/ou seus familiares que afeta de forma negativa o presente e o futuro, alterando suas expectativas; cuja classificação como má é atribuída pelo paciente/família (receptor) e não pelo profissional (emissor) (Buckman, 1984).
O ato de comunicar más notícias é estressante para todos os envolvidos, haja vista ser uma tarefa considerada difícil e complexa para os profissionais, pois exige muita responsabilidade, para a qual muitas vezes eles não foram capacitados ou treinados (Magalhães et al., 2024). O contato intenso com dor e o sofrimento dos bebês e seus familiares e a ideia de falar que no começo da vida existe algo que ameace sua continuidade, fazem da comunicação na neonatologia potencialmente desafiadora (Balbino et al., 2016). Como consequência, os profissionais podem se sentir desconfortáveis, ou apresentar sentimentos de raiva, tristeza, desgaste físico e emocional, como também culpa ou impotência por não conseguir dar ao paciente/familiar um desfecho positivo (Dias et al., 2018; Zanon et al., 2020).
A comunicação de más notícias (CMN) na rotina hospitalar é desafiadora e se torna mais delicada quando o paciente está em UTIN, e quando são informações sobre prognóstico reservado (ausência de possibilidade de cura) ou de óbito (Andrade et al., 2014; Koch et al., 2017; Paiva et al., 2014).
Nesses contextos neonatais, a comunicação realizada pelos profissionais de saúde é focada na díade de interações entre adultos (profissionais de saúde - responsável), pois o RN ainda não possui a capacidade de exercer sua autonomia (Santos, 2016). A forma como essa comunicação é realizada pode ser crucial para o processo de enfrentamento de quem a recebe e o modo como eles atribuem significado à notícia recebida (Cavalcante et al., 2017; Koch et al., 2017).
Por outro lado, quando tal tarefa é mal executada, pode tornar a experiência da hospitalização do RN mais difícil para a família e repercutir sobre a qualidade da relação e vínculo entre profissional e responsável. Esse é um problema recorrente e uma das maiores queixas dos familiares (Cavalcante et al., 2017; Dias, 2015).
Para que essa comunicação aconteça da forma mais empática e clara são necessários cuidado e habilidade dos profissionais de saúde, em especial daqueles responsáveis por CMN às famílias - os médicos, embora outros profissionais tenham responsabilidades e podem contribuir nessa tarefa, dentro de suas expertises e atribuições. Com isso, evitarão a assistência tecnicista e poderão oferecer um cuidado humanizado, sem exploração, domínio ou desconfiança. Além disso, poderão diminuir o impacto emocional e psicológico de quem recebe a notícia, proporcionando-lhe uma melhor assimilação da realidade atual (Morais et al., 2009; Melo et al., 2022; Souto & Schulze, 2019).
No entanto, a literatura mostra que os médicos evitam a realização de tal tarefa, por diversos motivos, como: o medo da reação do paciente (Koch et al., 2017), o desejo da família de não oferecer informações aos pacientes, em conspiração do silêncio (Volles et al., 2012), a falta de instrução e habilidade de contato (Arantes, 2016), receio de queixas ou processos judiciais (Lopes et al., 2018), e/ou desconhecimento de diversas técnicas e protocolos que auxiliam a CMN (Freiberger et al., 2019), como os protocolos SPIKES, PACIENTE ou VALUE (Cabeça, 2014; Cruz & Riera, 2016; Ferreira & Mendonça, 2017).
Diante disso, a dificuldade dos profissionais ao comunicar às mães/pais/responsáveis as notícias das necessidades e/ou evolução do quadro dos RNs que necessitam de internação ou que não evoluem bem, consideradas em sua maioria más notícias, intensifica o sentimento de vulnerabilidade e angústia dos familiares (Balbino et al., 2016). A forma como a comunicação é executada pode desencadear a desesperança no seu prognóstico, dificuldade no enfrentamento e insegurança. Ou seja, pode facilitar ou dificultar o processo que as mães/pais/responsáveis irão enfrentar a partir da entrada do RN na UCIN e UTIN (Pinheiro et al., 2009).
Essas dificuldades se agravam com a centralidade do cuidado sobre os pacientes e secundarizarão da atenção aos pais (Balbino et al., 2016). Por isso, há necessidade de maiores cuidados com a família dos RNs, assim os profissionais devem conhecer e cuidar dos sentimentos que perpassam o universo materno após o nascimento de um RN que necessite dos seus cuidados em UCINs e/ou UTIN (Anjos et al., 2012). Para tal, torna-se essencial a preparação dos profissionais de saúde para a realização da comunicação e apoio de forma satisfatória e humanizada (Melo et al., 2022; Pereira et al., 2018; Souto & Schulze, 2019).
Considerando a importância de discursões nesta temática, abre-se espaço para a contribuição de outros saberes. A Psicologia Médica agrega valor com seu interesse nas relações humanas na área da medicina e a compreensão do homem em sua totalidade, como um sujeito biopsicossocial. A Psicologia da Saúde acrescenta ao debate com o olhar voltado para origem, manutenção e forma como o sujeito vivencia e experiencia os seus processos de saúde-doença. A partir dessas perspectivas a Psicologia estuda e intervém sobre as possíveis limitações no tratamento, relação e comunicação entre profissionais e pacientes, dentro de uma visão que englobe as esferas biológica, social e psicológica do sujeito adoecido (Almeida & Malagris, 2011).
Nessa nova perspectiva, a Psicologia, que antes se ausentava das questões relacionais no contexto de saúde, é convocada para estudos sobre a comunicação entre os profissionais de saúde, especialmente aquele que é responsável por dar a má notícia, e a mãe/pai/responsável que a recebe. Estudos mais aprofundados, a fim de detectar seus entraves, desafios e possibilidades, podem subsidiar a tomada de decisão sobre cursos de formação para profissionais de saúde. Em resposta a essa demanda, o presente artigo tem como objetivo de investigar a produção científica nacional e internacional sobre os principais fatores que atravessam a comunicação de más notícias em contexto neonatal.
MÉTODO
TIPO DE ESTUDO
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura. Esse tipo de metodologia constitui-se de um trabalho crítico, reflexivo e compreensivo acerca do material encontrado para análise. Após o processo de busca, e definição da questão, buscou-se identificar, selecionar, avaliar e por fim, sintetizar os achados significativos disponíveis (Costa, Zoltowski & Teixeira, 2014). Assim, foram adotados os procedimentos propostos por Mendes, Silveira e Galvão (2008): (1) identificação do tema e da questão norteadora; (2) estabelecimento de critérios de inclusão/exclusão; (3) categorização dos estudos; (4) avaliação dos estudos; (5) interpretação dos resultados; e (6) síntese do conhecimento.
AS ESTRATÉGIAS DE BUSCA: BANCO DE DADOS E CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Foi definida uma questão norteadora partir do método PICO (P = participantes; I = intervenção; C = comparação; O = resultado/desfecho), de adaptações pertinentes à área na qual se situa esta pesquisa: Quais os fatores que atravessam (O) a comunicação de más notícias (I) em contexto neonatal (P)? Contou-se com a orientação dos protocolos internacionais para os estudos de revisão sistemática e integrativa: o “Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions” e o “Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)”. Para tal, o processo de seleção e a categorização dos artigos foram realizados por dois juízes independentes, orientados pelas diretrizes do protocolo PRISMA (Galvão et al., 2015).
O levantamento realizou-se nos meses de fevereiro e março de 2021, por meio de seleção de artigos publicados em português, inglês e espanhol no conjunto das oito principais bases de dados que tratam sobre pesquisas em saúde: PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePsic), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Índice Bibliográfico Espanhol em Ciências da Saúde (IBECS), Base de dados em Enfermagem (BDENF ENFERMAGEM), na INDEX PSI Periódicos Técnico-Científicos e no Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Os unitermos de busca utilizados foram consultados previamente nas Terminologias dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Para aprimorar a pesquisa, foram feitas combinações com os descritores e marcadores booleanos: (1) “Comunicação de más notícias” AND “neonatal”; (2) “Communication bad News” AND “neonatal”; e (3) “comunicación de malas notícias” AND “neonatal”.
Inicialmente, foi realizado uma busca livre de filtros nas bases selecionadas, por meio dos descritores escolhidos, para sondagem inicial da produção existente. Foram encontrados inicialmente 72 registros: BVS-Saúde (f=30), SciELO (f=3), PubMed (f=34), PePsic (f=5), INDEX-PSI (f=00), IBCS (f=00), LILACS (f=00) e BDENT (f=00).
A partir deste levantamento, e leitura dos títulos e resumos, foram definidos os critérios de inclusão: artigos disponíveis na íntegra, indexados, de acesso livre, empíricos, teoricos e publicados entre 2011e 2020. Reforça-se que não foi realizada avaliação do rigor metodológico ou qualidade do artigo, detendo-se o cuidado em analisar o conteúdo da produção científica sobre o tema. A escolha do período de mapeamento dos últimos 10 anos se deu pela necessidade de investigar a produção científica empírica sobre a temática, já que existe uma alta taxa de partos prematuros e consequente necessidade dos RNs serem encaminhados para UTIN ou UCIN, ou até mesmo ir a óbito, e por haver uma redução de publicações sobre o tema nos últimos anos, constatados a partir de uma busca preliminar nas bases de dados.
Em seguida, os resumos dos artigos selecionados foram analisados por dois juízes independentes, considerando os seguintes critérios de exclusão: documentos duplicados; trabalhos que tenham sidos publicados fora do período estabelecido; que não estejam diretamente relacionados à temática da comunicação de más notícias em neonatal; que não possibilitaram responder à questão norteadora pré-definida; “literatura cinza” - capítulos de livro, notícias, documentos técnicos, comentários, editoriais, dissertações e tese; e de acesso restrito (não gratuito).
2.3 EXTRAçãO DOS DADOS
Foi elaborada uma tabela para caracterizar os artigos inclusos na revisão, após levantamento e processo de exclusão. Os dados foram organizados em dois grupos de informações: identificação do artigo (título, ano, fonte, revista, idioma, local de realização do estudo e autores) e características do artigo (objetivos, abordagem metodológica, título acadêmico e área de pesquisa do autor principal, área de publicação do periódico e síntese dos principais resultados).
2.4 ANÁLISE DOS DADOS
A fim de obter a interpretação e síntese dos resultados, foram realizados dois tipos de análises. Na primeira, por meio de análises de estatística descritiva simples (cálculo de frequências) sobre os dados de identificação do artigo, buscou-se traçar o perfil quantitativo da produção científica, sobretudo no que se refere aos seguintes indicadores: ano de publicação e abordagem metodológica da pesquisa (quantitativa, qualitativa ou multimétodos), local de realização do estudo, idioma, título acadêmico e área de publicação do periódico. Na segunda análise, para uma melhor visualização sobre a forma como a temática vem sendo abordada, os conteúdos foram organizados e sintetizados, por meio da Análise de Conteúdo de Bardin (1977), para caracterização qualitativa das produções científicas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
PROCESSO DE SELEçãO DOS ARTIGOS
Respaldados nos critérios de seleção previamente estabelecidos, foram localizados, a partir dos critérios de inclusão, 49 registros: 26 na BVS-Saúde, três no SciELO, 19 PubMed, um no PePsic, 0 INDEX-PSI, 0 IBCS, 0 LILACS e 0 no BDENT. Em seguida, foram aplicados os critérios de exclusão nos registros previamente selecionados, sendo eliminados 39 registros: textos listados repetidamente (f=17) e textos não diretamente relacionados à temática abordada (f=24). Ao final do processo de seleção e exclusão, permaneceram em análise 10 artigos: dois na BVS-Saúde, três no SciELO, quatro no PubMed e um no PePsic (Figura 1).
PERFIL QUANTITATIVO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Os 10 artigos analisados foram publicados entre os anos de 2011 e 2020: um artigo (10%) em 2011, um artigo (10%) em 2014, dois artigos (20%) em 2015, dois artigos (20%) em 2017, dois artigos (20%) em 2018, um artigo (10%) em 2019 e um artigo (10%) em 2020. Evidencia-se que há uma literatura tímida e relativamente bem distribuída ao longo dos anos, apesar de ausência de representação em 2019 e 2020 (Tabela 1).
Tabela 1 Artigos analisados sobre a comunicação de más notícias em neonatal
| Art. | Título (Fonte) | Autor (es) | Ano |
|---|---|---|---|
| 1 | Informing parents about the actual or impending death of their infant in a newborn intensive care unit | Armentrout & Cates | 2011 |
| 2 | Comparison of the educational needs of neonatologists and neonatal nurses regarding palliative care in Taiwan | Lee et al. | 2016 |
| 3 | Primary care providers’ experiences notifying parents of cystic fibrosis newborn screening results |
Finan et al. | 2015 |
| 4 | Atenção ao vínculo em neonatologia: grupos Balint-Paideia - uma estratégia para lidar com a dor e a incerteza em situações-limite | Magalhães & Feriotti | 2015 |
| 5 | Fifteen-minute consultation: therapeutic hypothermia for infants with hypoxic ischaemic encephalopathy-translating jargon, prognosis and uncertainty for parentes | Cawley & Chakkarapani | 2020 |
| 6 | Más notícias: significados atribuídos na prática assistencial neonatal/pediátrica | Koch et al. | 2017 |
| 7 | Conocimientos, actitudes y prácticas sobre la comunicación de malas noticias de los médicos en un hospital maternoneonatal de quito en 2018 | Oliva & Arturo | 2018 |
| 8 | Comunicação da notícia de morte e suporte ao luto de mulheres que perderam filhos recém‑nascidos | Pereira et al. | 2018 |
| 9 | Profissionais de saúde e comunicação de más notícias: experiências de uma unidade neonatal |
Souto & Schulze | 2019 |
| 10 | Comunicação de más notícias em uma unidade de terapia intensiva neonatal: a avaliação feita pelos pais | Marçola et al. | 2020 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Em relação ao idioma de publicação, constatou-se que a maioria dos artigos foi publicada em português (f=5), sinalizando uma sobreposição de estudos no país em relação aos outros idiomas. Quanto ao desenho do método, os artigos analisados tiveram diferentes tipos de abordagem metodológica: seis artigos qualitativos, três artigos quantitativos e um teórico, evidenciando que os estudos sobre essa temática ainda são exploratórios e de aprofundamento e que poucos utilizam uma abordagem quantitativa ou multimétodos. Estes tiveram como foco prioritário os profissionais de saúde (f=8), evidenciando uma tímida produção de estudos com os pais (f=3).
Em relação à formação dos autores principais, aponta-se seis graduados em medicina, três em psicologia e um em enfermagem. A respeito da área de publicação dos artigos, constatou-se que os autores publicaram seus textos em periódicos na área da medicina (5), psicologia (2), enfermagem (1), bioética (1) e educação (1). Os dados mostram que essa temática ainda é predominantemente realizada por médicos e publicados em periódicos nessa área. Os locais que foram realizadas as pesquisas foram Equador (1), Inglaterra (1), EUA (3) e Brasil (5), mostrando um número considerável de pesquisadores interessado na temática em território brasileiro (Tabela 2).
Tabela 2 Aspectos dos artigos analisados sobre a comunicação de más notícias em neonatal
| Categorias | Amostra |
|---|---|
| Ano de publicação | 2011 (f=1) |
| 2014 (f=1) | |
| 2015 (f=2) | |
| 2017 (f=2) | |
| 2018 (f=2) | |
| 2019 (f=1) | |
| 2020 (f=1) | |
| Idioma | Português (f=5) |
| Inglês (f=4) | |
| Espanhol (f=1) | |
| Método | Qualitativo (f=6) |
| Quantitativo (f=3) | |
| Teórico (f=1) | |
| Participantes da pesquisa | Pais (f=2) |
| Profissionais (f=7) | |
| Pais e profissionais (f=1) | |
| Enfermagem (f=1) | |
| Formação dos primeiros autores | Enfermagem (f=1) |
| Medicina (f=6) | |
| Psicologia vb (f=3) | |
| Área de publicação do periódico | Medicina paliativa (f=1) |
| Enfermagem (f=1) | |
| Pediatria (f=5) | |
| Bioética (f=1) | |
| Psicologia e saúde (f=1) | |
| Educação (f=1) | |
| Países de realização da pesquisa | Equador (f=1) |
| Inglaterra (f = 1) | |
| Estados Unidos (f=3) | |
| Brasil (f=5) |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
CARACTERIZAÇÃO QUALITATIVA DAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS
Os 10 artigos analisados foram organizados em categorias temáticas, para uma melhor visualização. No final dessa divisão, foram encontradas as seguintes categorias: (1) “A experiência dos pais na comunicação de más notícias” (f=3) e (2) “A experiência e formação dos profissionais de saúde na comunicação de más notícias” (f=8). Contempla-se que um artigo abordou conteúdo das duas categorias.
CATEGORIA 1. A EXPERIÊNCIA DOS PAIS NA COMUNICAÇÃO DE MáS NOTÍCIAS
Esta categoria inclui três artigos que abordam elementos associados à experiência dos pais ao receber a comunicação de má notícia nas UTIN.
A realização de uma CMN de forma cuidadosa e eficaz é um dos grandes desafios no setor saúde e, quando realizada de forma inadequada, pode prejudicar a relação entre profissionais e pacientes e gerar impactos significativo sobre os receptores (Cabeça, 2014). Para abordar essa questão, Marçola et al. (2020) realizaram uma pesquisa em São Paulo com 28 mães de RN com má formação congênita internados em UTIN. O objetivo foi descrever os relatos dos pais sobre como receberam a CMN durante o internamento de seus bebês. Os resultados mostraram que a maioria dos pais julgou a comunicação como adequada, destacando honestidade, delicadeza, clareza nas palavras e respeito a esperança dos familiares. Em contrapartida, alguns familiares avaliaram a comunicação de forma inadequada por motivos de despreparo dos profissionais, falta de conhecimento sobre os casos, pressa ou ansiedade e uso de linguagem de difícil compreensão. Os autores concluíram que é necessário um maior preparo nas CMN.
No contexto específico sobre a comunicação de óbito, Pereira et al. (2018) conduziram uma pesquisa no Maranhão com o objetivo de analisar a comunicação da morte do filho e o apoio ao luto de 15 mulheres no período puerperal. O estudo revelou dificuldades dos profissionais em informar tanto a morte quanto evoluções clínicas negativas, resultando em falhas na comunicação e, por vezes, omissão de informações. Além disso, a falta de sensibilidade da equipe de saúde foi identificada durante a admissão, na atenção ao parto e ao nascimento, bem como na comunicação da notícia do óbito. Os autores destacaram a necessidade de maior capacitação das equipes de saúde para a realização do processo de comunicação e apoio aos familiares, enfatizando que o cuidado deve se estender antes, durante e após a estadia da família na UTIN. A responsabilidade da equipe não se encerra com a notícia de morte, mas deve continuar no suporte ao processo de luto.
Armentrout e Cates (2011), em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, descreveram os fatores que ajudaram ou dificultaram 13 pais ao serem informados sobre a morte de seus bebês. Os relatos indicaram que os pais desejavam participar do processo de tomada de decisão e dos cuidados no fim de vida de seus bebês. Além da experiência dos profissionais, os pais valorizaram a empatia e a gentileza da equipe de saúde durante o processo de cuidado. Nesse contexto, algumas são as questões bioéticas envolvidas para assegurar um cuidado ético e humano para pais e profissionais. Por exemplo, é preciso que haja autonomia e o consentimento informado, garantindo que os pais recebam informações claras, de forma transparente e sensível, e possam tomar decisões informadas. É importante que todos os pais tenham igual acesso a informações e apoio, independentemente de suas condições socioeconômicas ou culturais, com direito a terem respeitados a privacidade e a confidencialidade (Paiva et al., 2014).
Os estudos abordados ressaltam, a partir da visão dos pais, a necessidade de um maior preparo dos profissionais no processo de comunicação de más notícias. Evidenciam falhar na comunicação, como o uso de linguagem técnica, pouco conhecimento do caso e falta de sensibilidade, bem como a carência de capacitação dos profissionais para a realização da CMN e omissões do cuidado e comunicação no pós-morte da criança.
CATEGORIA 2. A EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NA COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS
Esta categoria reúne os oito artigos sobre as experiências dos profissionais relacionados à CMN e capacitação dos profissionais para CMN em UTIN.
A CMN, especialmente no contexto de óbitos, é um desafio significativo para os profissionais de saúde, particularmente em UTIN. A complexidade dessa tarefa reside não apenas na transmissão da informação, mas também na gestão das reações emocionais dos profissionais e dos familiares envolvidos.
Koch et al. (2017) realizaram uma pesquisa qualitativa com nove profissionais de saúde da UTIN no Rio Grande do Sul, incluindo enfermeiros, médicos e residentes para explorar os significados atribuídos à CMN, evidenciando os sentimentos e emoções que essa tarefa desperta nos profissionais. O estudo constatou que a morte é o principal significado associado ao conceito de más notícias e é a informação mais difícil em ser comunicada. Além disso, foi identificado que as experiências pessoais e a subjetividade dos profissionais, são aspectos cruciais frequentemente negligenciados em prol de uma abordagem técnica. O estudo revelou que a CMN provoca desconforto emocional acentuado nos profissionais, indicando necessidade de considerar o bem-estar emocional dos mesmos (Koch et al., 2017).
A capacitação profissional é outro ponto crítico. Souto e Schulze (2019) investigaram as experiências de 9 profissionais de saúde diante da CMN em uma unidade neonatal em Santa Catarina. A maioria dos profissionais relatou não se sentir preparado para a CMN, e realizam essa tarefa baseando-se em suas experiências pessoais e profissionais, sem embasamento teórico ou protocolos específicos. O estudo conclui que a falta de capacitação é um problema significativo e destacou a importância da capacitação e treinamento formal para melhorar a prática profissional.
Lee et al. (2016) realizaram uma pesquisa com o objetivo de caracterizar e identificar as necessidades educacionais de 113 profissionais (30 médicos neonatologista e 83 enfermeiras) de quatro hospitais no centro e norte de Taiwan em relação ao cuidado paliativo no setor. Os resultados mostraram que a maioria dos profissionais não haviam recebido educação formal em cuidado paliativo, revelando lacunas significativas em treinamento, experiência e conhecimento, especialmente em habilidades de CMN.
Oliva e Arturo (2018) realizaram uma pesquisa em um hospital gineco-obstétrico no equador com o objetivo de avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas para CMN de 106 médicos, entre estes, médicos, assistentes, residentes e em treinamentos em área neonatal, pediatria e ginecologia. Os profissionais eram convocados para dar informações a gestantes, mães, pais ou tutores legais do RN. O estudo foi realizado através de uma pesquisa quantitativa para avaliar o médico em sua realização da comunicação de más notícias. Após a primeira pesquisa foi realizado um treinamento para melhorar o processo da comunicação e em seguida (após um mês) foi realizada novamente a pesquisa para avaliar as melhorias. O estudo mostrou na primeira avaliação dos conhecimentos atitudes e prática dos médicos, os quais têm o conhecimento, atitude e prática razoavelmente aceitável. Após o treinamento, esses aspectos tiveram uma melhora. Ao analisar os aspectos a partir de cada especialidade, não houve diferença significativa em termo de conhecimento, atitude e prática para CMN.No entanto os médicos residentes foram os que mais obtiveram pontuação na pesquisa seguido dos especialistas. Porém, após o treinamento todos apresentaram melhoria nos aspectos. Ao final, após avaliarem a pontuação final, o estudo mostrou que os profissionais que atuam na área de pediatria/neonatologia obtiveram a melhor pontuação de conhecimento. Verificou-se também a carência de empatia dos médicos no processo de CMN.
De modo complementar, Finan et al. (2015) examinam as experiências de 14 provedores de cuidados primários a RN diagnosticados com fibrose cística, responsáveis por notificar os pais acerca do resultado da triagem realizada, em Michigan no centro-oeste dos EUA. Os resultados destacaram a necessidade de maior confiança e habilidade na comunicação com os pais, sugerindo que os provedores necessitam de suporte contínuo para aprimorar suas habilidades de comunicação.
Com foco sobre as possibilidades de aperfeiçoamento da comunicação de profissionais, o estudo de Armentrout e Cates (2011) realizado nos EUA, que também avaliou a experiência e eficácia de um exercício de simulação da CMN. O relato de 14 alunos de medicina evidenciou o sentimento de forte ansiedade ou pavor quando eles se deparam com más notícias. Eles julgaram que a simulação ajuda a deixar a conversa mais confortável para o profissional de saúde e melhora suas habilidades de comunicar notícias difíceis à família.
Igualmente, Magalhães e Feriot (2015) trazem reflexões sobre a experiência de um projeto de capacitação e apoio a equipes que atuam em UTIs Neonatais que ficam em maternidades de diferentes cidades do território nacional. O foco foi na comunicação de notícias difíceis. A pesquisa foi desenvolvida em 2013 e 2014 com grupos, os quais tinham em média 25 profissionais de saúde. Utilizaram dois métodos: um com objetivo de analisar a relação médico-paciente; e o outro com objetivo de aumentar a capacidade de identificação, análise e enfrentamento de problemas cotidianos, promovendo práticas cooperativas e incentivando a democracia institucional. Os resultados possibilitaram a identificação, compreensão e enfrentamento das principais dificuldades dos profissionais no cotidiano do trabalho, inclusive na produção de notícias difíceis, como o envolvimento da família no processo de cuidado; a tomada de decisão; o lidar com as emoções dos pacientes e familiares e também com as próprias emoções; a convivência com as diversidades culturais; a comunicação de notícias relacionadas à ineficácia ou danos colaterais dos tratamentos, síndromes e/ou agravos ao desenvolvimento ou sobrevida do bebê, morte do RN ou da mãe; a superação da fragmentação do trabalho e desenvolvimento de práticas interdisciplinares; e a integração entre clínica e gestão. Concluíram que a capacitação facilitou o diálogo interdisciplinar e promoveu apoio entre os profissionais, melhorando a comunicação de notícias assim aperfeiçoando a formação deles.
Por fim, Cawley e Chakkarapani (2020) buscaram, entre outros objetivos, gerar informações básicas que auxiliassem profissionais de saúde a iniciar uma conversa com os pais sobre o resultado de uma intervenção e otimizar a comunicação, com a maior clareza de jargões, prognósticos e incertezas. Os autores afirmam que uma comunicação clara e precisa é importante para que a angústia dos pais seja minimizada. Para isso são colocados alguns pontos importantes para o alcance de uma comunicação eficaz: os profissionais devem estar cientes da precisão do prognóstico realizado; devem usar linguagem simples e adequada, ser honesto às incertezas; compartilhar as informações adequadas; permitir o contato dos pais com o filho; e dar apoio pós alta.
Os artigos nesta categoria discutem sobre a falta de embasamento teórico e capacitação dos profissionais para a realização de CMN, resultando em desconforto emocional significativo. Os resultados ratificam a necessidade de uma formação voltada para a qualidade da comunicação entre médicos, pacientes e família, abordando aspectos verbais, não verbais, emocionais, físicos e ambientais. Além disso, ressaltam a importância de oferecer suporte às experiências pessoais e subjetividades dos profissionais, promovendo uma prática mais empática e eficaz na CMN.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do presente estudo, foi possível constatar que existe uma lacuna na formação dos profissionais no que se refere o processo de CMN. Os profissionais não são capacitados e se sentem despreparados para realizar tal tarefa, especialmente no contexto neonatal. Como consequência, eles são tomados por diversas reações diante do processo CMN, principalmente quando a notícia é carregada da presença inexorável da morte do RN.
Os dados também apresentam a visão dos pais sobre a experiência de CMN, ratificando o despreparo dos profissionais para lidarem com esse momento e reforçando a necessidade de uma comunicação mais efetiva e afetiva, antes, durante e após o desfecho, ou seja, do momento da alta hospitalar ao óbito do RN.
Cumpre destacar que, embora seja vasta a literatura sobre CMN, pode-se evidenciar que existe um número reduzido de pesquisas no campo de atuação do contexto neonatal, suscitando a realização de novos estudos que abordem tal contexto. Na tentativa de reduzir esse problema e ampliar a possibilidade de seleção de documentos, foi necessário para a concretização deste estudo, contar com uma maior quantidade de bases de dados para serem pesquisadas, assim como pesquisas em outras línguas. Totalizando oito bases de dados e três línguas: português, inglês e espanhol a fim de tornar essa mais rica na qualidade do conteúdo pesquisado. No entanto, o número de artigos utilizados permaneceu pequeno, sendo esta considerada a sua principal limitação.
Para mitigar esse problema, reforça-se a importância da ampliação de pesquisas sobre o tema, de modo a compreender a realidade dos profissionais, mães/pais/responsáveis que vivenciam as UCINs e UTINs. Tais pesquisas podem oferecer subsídios para a criação de propostas para capacitação de profissionais e reestruturação dessa atividade, integrando o binômio vida e morte, e preparando os profissionais para além do diagnosticar e tratar, mas com um olhar biopsicossocial e espiritual, e melhorando a experiências dos acompanhantes dos pequenos pacientes.















