INTRODUÇÃO
O nascimento prematuro decorre de fatores que podem estar associados a condições clínicas maternas e fetais, além de aspectos sociodemográficos, entre outros (World Health Organization [WHO], 2018; Vogel et al.,2018). De acordo com a idade gestacional, os recém-nascidos são classificados como prematuro extremo (<28 semanas), muito prematuro (28 a <32 semanas) e prematuro moderado a tardio (32 a <37 semanas) (WHO, 2018). Há uma correlação entre prematuridade extrema e menor peso ao nascer, sendo este o grupo com as maiores taxas de mortalidade e morbidades (Silva et al.,2021).
A redução da mortalidade e o aumento das chances de sobrevida do recém-nascido prematuro dependem de cuidados especializados (WHO, 2018), sendo frequente a internação em unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN). Essa situação pode desencadear, nas mães, sentimentos como ansiedade, preocupação e nervosismo, impactando negativamente sua saúde mental (Correia et al.,2019). Além disso, pode comprometer o exercício da função materna e o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, fundamentais para o desenvolvimento da criança e sua constituição enquanto sujeito (Mata et al., 2017).
As primeiras relações na vida de um bebê são fundamentais para seu desenvolvimento, tornando necessária a provisão de um ambiente favorável pelos pais, que ofereça condições físicas e psicológicas adequadas para suprir suas necessidades. Isso se deve à capacidade dos pais, especialmente da mãe, de desenvolver, durante a gravidez, um estado de identificação com o bebê em um momento em que ele se encontra em total dependência: a chamada “preocupação materna primária”. Esse estado de sensibilidade aumentada permite que a mãe se adapte e atenda às necessidades iniciais do bebê (Winnicott, 1956/2021).
Observa-se que a experiência de mães com bebês prematuros extremos internados em UTIN vem sendo amplamente discutida (Fernández Medina et al., 2018). Alguns estudos apontam que essas mães apresentam níveis mais elevados de estresse e sentimentos negativos quando comparadas às mães de bebês a termo, prematuros moderados ou tardios (Gonçalves et al., 2020; Viera et al.,2019). Fatores como a separação imediata do bebê, a gravidade do quadro clínico, as características da UTIN e a iminência de morte do bebê permeiam essa vivência, podendo impactar a saúde mental materna e dificultar as interações iniciais na díade mãe-bebê (Frantz & Donelli, 2022; Fróes et al., 2020).
Nesse contexto, a mãe encontra-se em um estado de dependência e vulnerabilidade, necessitando de um ambiente protetor e contínuo que a sustente. Esse suporte pode ser oferecido pela família, pela comunidade e pela equipe de saúde, que têm o papel de acolhê-la em seu desamparo e criar possibilidades para que ela invista em seu filho, apesar das dificuldades impostas pela hospitalização (Winnicott, 1988/2020).
Na instituição que serve de cenário para este estudo, a equipe multiprofissional realiza um conjunto de práticas que têm em comum o objetivo de oferecer suporte emocional e informacional à mãe e à família durante a internação do bebê na UTIN. Essas ações estão em conformidade com as recomendações do Ministério da Saúde (MS) quanto à assistência ao recém-nascido prematuro e de baixo peso - Método Canguru (Ministério da Saúde [MS], 2017). Considera-se que tais práticas podem proporcionar um ambiente facilitador e contribuir para a adaptação materna durante a internação do bebê, refletindo positivamente na autoconfiança da mãe no cuidado. Dessa forma, favorecem a vinculação entre mãe e bebê, além de promover a saúde mental materna e infantil.
O presente estudo tem como objetivo conhecer elementos que contribuem para um ambiente facilitador ou dificultador para a participação e autoconfiança materna no cuidado ao recém-nascido prematuro extremo.
MÉTODO
Trata-se de um estudo com métodos mistos combinando abordagem qualitativa e quantitativa em uma mesma investigação visando aumentar a abrangência e a compreensão aprofundada do tema, considerando o caráter de complementaridade entre as duas abordagens (Creswell & Clark, 2013).
O estudo foi fundamentado a partir do referencial Winnicottiano, o qual adota o entendimento de que a relação mãe-bebê é fundante para o desenvolvimento de um indivíduo e o ambiente é o veículo propiciador de condições físicas e psicológicas (Winnicott, 1988/2020).
Foi realizado em uma instituição filantrópica especializada na assistência materno-infantil que atende, exclusivamente, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), em Belo Horizonte, Minas Gerais. Além dos leitos obstétricos, a instituição conta com 51 leitos de UTIN e equipe multiprofissional para o cuidado ao recém-nascido e família durante a internação. Os pais possuem livre acesso às UTINs e é disponibilizado para as mães o Espaço de Sofias, local que oferece condições de permanência em período integral, incluindo acompanhamento pela equipe multiprofissional (Hospital Sofia Feldman [HSF], 2021).
Participaram deste estudo 11 mães de bebês internados na UTIN. Foram considerados critérios de inclusão ser mãe de bebê prematuro extremo, internados na UTIN por pelo menos 7 dias, com idade igual ou superior a 18 anos e alfabetizada. Os critérios de exclusão foram mães com diagnósticos de distúrbios psiquiátricos e/ou comprometimento cognitivo, constatados por meio de verificação de registros no prontuário do recém-nascido.
Para a coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada (Minayo, 2014), a Escala de crenças dos pais de recém-nascidos prematuros (ECP-UTIN) (Piva et al.,2018) e a consulta aos prontuários do recém-nascido, para levantamento de informações sociodemográficas maternas e das condições clínicas do bebê.
A entrevista semiestruturada buscou identificar aspectos da vivência das mães no ambiente da UTIN no que se refere à relação com o bebê e com a equipe de profissionais que podem se configurar como fatores facilitadores e dificultadores para a autoconfiança materna no cuidado. Foram formuladas as seguintes questões: Como você participa do cuidado ao seu bebê internado na UTIN?; Qual sua percepção sobre o cuidado realizado pela equipe durante a internação do seu bebê na UTIN?; Durante o cuidado com o bebê, o que a equipe faz que pode facilitar ou dificultar a aproximação entre você e seu bebê?.
A ECP-UTIN trata-se da versão brasileira do instrumento Neonatal Intensive Care Unit: Parental Belief Scale (NICU-PBS), originária dos Estados Unidos, utilizada para identificar as crenças, a capacidade de cuidado dos pais e o conhecimento sobre a UTIN. É composta por 18 itens, com respostas do tipo Likert de cinco pontos, que variam de um (discordo totalmente) a cinco (concordo totalmente), disposta na forma autoaplicável, cuja soma total dos itens leva a um valor entre 18 e 90 pontos (Piva et al., 2018).
Os dados foram coletados entre fevereiro a julho de 2022. Inicialmente, realizou-se identificação das mães a partir do censo diário relativo às admissões em UTIN, disponibilizado diariamente na secretaria da neonatologia. Para confirmação dos critérios de inclusão realizou-se consulta ao prontuário do recém-nascido. Dessa forma, as mães eram convidadas a participar da pesquisa e orientadas quanto aos objetivos e procedimentos. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A entrevista e a escala ECP-UTIN foram aplicadas pela pesquisadora em uma única etapa, em uma sala reservada e horário definido pela participante do estudo. A entrevista foi gravada e transcrita na íntegra pelas pesquisadoras, constituindo um texto único referente a cada uma das participantes. Para preservar o sigilo, as participantes foram identificadas com a letra “M”, seguida de um número correspondente à ordem de realização das entrevistas. Os nomes dos filhos (as), quando citados nos relatos das mães, foram substituídos pela letra X.
Tendo em vista as particularidades do contexto vivenciado pelas mães durante a internação do bebê na UTIN, como a instabilidade do quadro clínico do bebê e seus riscos, a coleta de dados precisou ser adiada em determinados momentos até que as participantes estivessem estáveis emocionalmente e disponíveis para participar. Para identificar o momento adequado para a coleta de dados, foi necessária uma articulação das pesquisadoras com a equipe que assistia ao recém-nascido e a mãe durante a internação. A interrupção da coleta seguiu o critério de saturação dos dados (Minayo, 2014), ou seja, quando os dados coletados possibilitavam responder às questões de pesquisa.
Após a coleta de dados, as informações foram tabuladas em planilhas no programa Microsoft Excel. Foi realizada a análise quantitativa dos dados sociodemográficos e daqueles obtidos por meio da escala ECP-UTIN por meio de estatística descritiva simples, tendo como referência, a partir dos valores obtidos para o escore final da escala: suficiência da capacidade de cuidado (90 e 72 pontos); suficiência moderada da capacidade de cuidado (71 a 54 pontos); insuficiência moderada da capacidade de cuidado (53 a 36 pontos); insuficiência da capacidade de cuidado (35 a 18 pontos) (Piva et al., 2018).
Os dados obtidos a partir da entrevista semiestruturada foram analisados por meio da análise de conteúdo, na modalidade temática, seguindo as seguintes etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (Minayo, 2014). Os dados foram agrupados por temas que compuseram duas categorias empíricas: Como e quando as mães participam do cuidado do recém-nascido na UTIN e A relação entre mãe, profissional e recém-nascido: o que dizem as mães.
Os dados qualitativos e quantitativos foram trabalhados de forma integrada e discutidos à luz do referencial Winnicottiano e da literatura disponível.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feldman (CEP/HSF) sob o parecer nº 5.150.748, sendo assegurados os aspectos éticos da resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2012).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do estudo 11 mães com idade entre 22 e 39 anos, sendo três mães de gêmeos. Apenas uma mãe pertencia ao município de Belo Horizonte e entre as procedentes de outros municípios, sete permaneceram no Espaço de Sofias durante a internação do (os) bebê (s) na UTIN. Entre os recém-nascidos, a média de idade gestacional ao nascimento foi de 25,2 semanas, com média de peso de 695,7 gramas. A identificação dos participantes é apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 Identificação dos participantes
Mães | Idade (anos) | Localidade | Permanência no Espaço de Sofias | Idade gestacional (semanas) | Peso ao nascer (gramas) |
---|---|---|---|---|---|
M1 | 25 | Ribeirão das Neves | Sim | 25s | 485g |
M2 | 25 | Caeté | Não | 23s + 6 dias | 635g |
M3 | 26 | Matozinhos | Sim | 24s | 740g |
M4 | 37 | Curvelo | Sim | 24s | 550g |
M5 | 28 | João Monlevade | Sim | 27s + 5 dias | 1,10g |
M6 | 24 | Barbacena | Sim | 26s | 700g |
M7 | 26 | Nova Serrana | Sim | 24s + 5 dias | 1ºG: 640g e 2º G: 590g |
M8 | 22 | Ribeirão das Neves | Não | 27s | 1º G: 790g e 2º G: 795g |
M9 | 39 | Dores do Indaiá | Sim | 27s + 4 dias | 560g |
M10 | 24 | Belo Horizonte | Não | 24s + 4 dias | 1º G: 570g e 2º G: 610g |
M11 | 37 | Caeté | Não | 27s + 6 dias | 975g |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).
Nota: G= gemelar; s= semanas.
A análise de conteúdo dos dados permitiu agrupá-los em duas categorias que serão apresentadas a seguir, juntamente com o resultado obtido a partir da escala ECP-UTIN:(i) como e quando as mães participam do cuidado do recém-nascido na UTIN; e (ii) a relação entre mãe, profissional e recém-nascido: o que dizem as mães.
COMO E QUANDO AS MãES PARTICIPAM DO CUIDADO DO RECéM-NASCIDO NA UTIN
Os resultados da escala classificaram as participantes quanto à capacidade de cuidado: 8 (72,7%) - suficiência moderada da capacidade de cuidado; 2 (18,2%) - suficiência da capacidade de cuidado; e 1 (9,1%) - insuficiência moderada da capacidade de cuidado. Nessa classificação final, escores mais altos indicam crenças maternas mais positivas em relação à criança e maior confiança no seu papel parental (Piva et al., 2018).
Verifica-se que a presença materna junto ao bebê está diretamente ligada à capacidade de cuidado, sendo apontada como um dos modos de cuidado por todas as mães entre os grupos suficiência, suficiência moderada e insuficiência moderada da capacidade de cuidado, o que pode ser resultante do direito assegurado pela instituição de oferecer condições para a presença materna na UTIN, possibilitando uma aproximação gradual com o bebê e o fortalecimento do papel materno.
“Bom, eu venho aqui né?!, diariamente, porque eu sei o papel importante que a mãe tem na vida de um filho.” (M2)
A presença materna na unidade neonatal foi apontada por todas as participantes como uma forma de participar do cuidado ao filho durante o processo de hospitalização, seja por meio de visitas diárias ou pela permanência em período integral, com o apoio do “Espaço de Sofias”. Esse suporte mostrou-se especialmente relevante para mães provenientes de outras cidades do estado, ressaltando a importância de as instituições de saúde oferecerem condições adequadas para a permanência materna. Essa possibilidade pode configurar um ambiente facilitador para a participação da mãe no cuidado durante a internação do bebê na UTIN.
Esse achado vem ao encontro do que é estabelecido pela legislação como a Lei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que assegura o direito à presença de um acompanhante durante hospitalização da criança, sendo necessário que a instituição hospitalar ofereça condições para permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável na unidade durante internação do filho (Presidência da República [PR], 1990).
Políticas e programas de saúde como a norma de atenção humanizada ao recém-nascido - Método Canguru, defende o livre e precoce acesso dos pais na unidade neonatal, sem restrições de horário, estimulando a familiarização com o ambiente, a busca por informação, a interação entre equipe, família e bebê, o que contribui para o desenvolvimento da competência e autoconfiança parental (MS, 2017). Ainda sobre o livre acesso à UTIN e suas possíveis repercussões, M11 afirma:
“[...] eu tinha muito medo, na verdade eu nem sabia o que era (UTIN), mas depois que eu passei a ir, a visitar X, aí eu fiquei bastante segura com o atendimento, com os cuidados, com o carinho e eu gostei muito.” (M11)
Estudos indicam que, apesar das dificuldades relacionadas à permanência hospitalar como o cansaço, a ansiedade, a saudade de familiares e de outros filhos, as mães acompanhantes reconhecem a importância e necessidade de permanecerem junto ao bebê (Marciano et al.,2019; Almeida et al.,2018).
O acompanhamento de práticas de cuidado realizadas pela equipe assistencial também foi citado como possibilidade de participar do cuidado ao bebê na UTIN, por exemplo, a passagem da dieta, e os cuidados de higiene demandados pelo bebê:
“Eu gosto de ver trocando a fraldinha, eu gosto de ver quando está dando a dieta dele, [...] eu gosto muito de acompanhar, de ver isso.” (M4)
Durante os procedimentos realizados pela equipe assistencial, especialmente os que podem ser causadores de dor, uma das mães considera que a presença materna possibilita a proteção do bebê a partir da oferta de consolo por meio do toque ou da fala, por exemplo.
“[...] quando tem que passar a sonda neles (os bebês), eu fico lá vendo, eu seguro. X é muito nervosa, ontem mesmo, a gente foi trocar a sonda dela, nossa, mas ela arrumou um chororô, aí eu fui e fiquei lá, com ela. Ela ficou um pouquinho mais calma [...].” (M8)
Mesmo diante das limitações de contato com os bebês, observou-se que existem diferentes maneiras para o desenvolvimento da maternidade no ambiente da UTIN, favorecendo a participação ativa dessas mães no processo de saúde-doença de seus filhos (Sciotti & Carias, 2024). A possibilidade de realizar o toque contigente (Winnicott, 1988/2020), por exemplo, durante um procedimento percebido como doloroso, é uma estratégia não farmacológica recomendada para o manejo e controle da dor e do estresse no recém-nascido (MS, 2017).
Esse dado vai ao encontro do conceito de dimensão cuidadora, que pressupõe a singularização do cuidado e a construção terapêutica entre trabalhador e usuário (Merhy, 1997). Embora o cuidado ao recém-nascido internado na UTIN esteja fundamentado em protocolos assistenciais voltados para a obtenção dos melhores resultados no suporte à vida, observa-se a disposição dos profissionais em ampliar a perspectiva da produção do cuidado, criando possibilidades para a participação materna nesse processo (Dittz et al., 2011).
As participantes também indicam fazer uso da fala para estabelecer a interação com o filho, evidenciando a implicação delas na construção própria do papel materno e no favorecimento da integração da criança na família, construindo um lugar para além da UTIN (Cardoso & Toni, 2023).
“[...] vou conversando com ele, desenvolvendo a minha fala também, para ele ir acostumando e se sentir seguro, demonstro força para ele, para ele sentir que está sendo cuidado e acompanhado pela mãe dele.” (M2)
[...] eu vou lá, pego na mãozinha dela, converso com ela, canto para ela também, falo com ela sobre o pai dela todos os dias, dou a benção nela, pois minha mãe pede [...].” (M3)
Outro cuidado apontado pelas mães refere-se à realização do contato pele a pele, que se inicia de forma precoce e progressiva, desde o primeiro toque até a posição canguru (MS, 2017). Essa prática proporciona vivências gratificantes, como a aproximação e a vinculação, além de benefícios clínicos, como o ganho de peso. Esse achado é corroborado por uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos do Método Canguru, que destaca a formação e o fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê, independentemente do peso, da idade gestacional dos recém-nascidos e do ambiente de mediação (Caetano et al., 2022). Podemos observar tais aspectos a partir da fala de M6:
“[...] na hora de colocar o canguru (posição canguru), eles (equipe assistencial) ficam perguntando se eu estou confortável, se o neném está confortável e isso me deixa mais segura para ir criando o vínculo com ela.” (M6)
“[...] a melhor coisa que eu acho que eles (equipe assistencial) fazem é o canguru, quando o bebê está nos meus braços, eu sinto ele muito calmo sabe?! E eu percebi que ele ganhou peso mais rápido. Só que quando ele está oscilando, é o que eu falo, a equipe é distraída e eu não posso fazer o canguru. [...] eu saio de lá mais triste do que tudo.” (M9)
Embora as mães reconheçam a necessidade da internação do filho, relatam que a experiência de hospitalização gera estresse, medo e insegurança diante da instabilidade do bebê, dos procedimentos realizados e de eventuais tensões com a equipe no processo de cuidado. Assim, compreende-se que a vivência de sentimentos negativos na UTIN pode limitar a interação e/ou o contato físico entre a díade, especialmente quando não há o apoio da equipe.
“Olha, eu não consigo estar acompanhando quando vai dar medicamento para X, ligado nos aparelhos, porque eu imagino que ele deve estar sentindo muita dor por causa das agulhas, por causa dos acessos, se perder uma veiinha...” (M4)
Das 11 participantes, apenas M9 apresentou insuficiência moderada na capacidade de cuidado, indicando um menor escore e, consequentemente, menor confiança no papel parental. Esse resultado pode estar relacionado à vivência de sentimentos e emoções negativas diante do estado de saúde do bebê, associada à identificação materna com a condição de fragilidade e desamparo do prematuro (Almeida & Goldstein, 2022):
“A gente que é mãe, a gente preocupa muito [...], segundos que o coraçãozinho dele parar de bater, é minha vida, tipo assim, é como se fosse minha vida em jogo e não só a dele, sabe?! Por ser o primeiro e o por ser o meu bem mais precioso que Deus me deu, ainda mais tão frágil [...].” (M9)
Algumas mães mencionaram sua participação, com o apoio da equipe assistencial, nos cuidados relacionados à higiene e alimentação do bebê ainda no contexto da UTIN, considerando as condições clínicas da criança. É importante destacar o papel da equipe no incentivo à participação materna no cuidado, mesmo quando a mãe apresenta uma suficiência moderada na capacidade de cuidar, como no caso de M6:
“[...] consigo participar dos cuidados de X lá na UTI, na troca de fralda, as enfermeiras costumam deixar a gente trocar a fralda, a dietinha também a gente consegue passar. [...] o que a gente pode fazer e que não vai interferir muito no neném, não vai prejudicar ele, eles (equipe assistencial) vão ensinando e a gente vai fazendo.” (M6).
Abreu et al., (2020) identificaram que a vivência de sentimentos negativos diante da internação do bebê prematuro extremo na UTIN é inevitável, ressaltando o papel da equipe no desenvolvimento de ações que minimizem o impacto negativo dessa situação. Nesse contexto, compreende-se que a comunicação pode desempenhar um papel positivo, contribuindo para a redução desses sentimentos e para uma melhor compreensão do quadro clínico dos bebês, como evidenciado no relato a seguir:
“[...] o que eu posso fazer eu faço, que é ficar lá, olhar eles, perguntar as coisas, às vezes quando eu sinto alguma coisa, eu converso com as meninas (equipe assistencial), eu pergunto.” (M8)
Um estudo realizado em uma UTIN de um Hospital Universitário destaca a diferença entre simplesmente transmitir informações e, de fato, comunicar notícias. Ressalta-se que a comunicação envolve uma relação orientadora, contribuindo para a qualificação do trabalho, para o fortalecimento das relações entre a equipe e a família e para um impacto positivo no cuidado parental ao recém-nascido internado na UTIN (Campos et al., 2017). À medida que a equipe consegue adaptar-se às necessidades maternas, o hospital pode se tornar um ambiente suficientemente bom (Winnicott, 1956/2021).
A RELAÇÃO ENTRE MÃE, PROFISSIONAL E RECÉM-NASCIDO: O QUE DIZEM AS MÃES
O cuidado da equipe com o bebê, demonstrado por meio do carinho, emergiu como um fator essencial na experiência materna, favorecendo a construção de uma relação de confiança com os profissionais.
“O cuidado da equipe com minha neném, até hoje só vejo carinho, porque elas se preocupam em enfeitar ela, sempre conversa né?! Até com os outros bebês que as mães não estão presentes, eu consigo ver que elas tentam conversar o máximo, estimular. Quando eles abrem os olhinhos, elas já brincam, tem todo um carinho ali de tia mesmo.” (M6)
Neste estudo, as participantes avaliaram positivamente o trabalho da equipe, destacando vivências significativas e afetivas com os profissionais de saúde. Essa relação foi pautada no acolhimento, na comunicação efetiva e na empatia, à medida que os profissionais se esforçavam para compreender a experiência vivenciada por elas. Nesse contexto, as mães relataram sentimentos de tranquilidade e segurança, apesar das dificuldades decorrentes da internação do filho na UTIN:
“[...] elas conversam bastante assim, perguntam como eu estou, sabe?! Eu acho isso muito importante porque dá a entender que elas sabem da dor que a gente passa e tentam deixar mais leve.” (M8)
As mães demonstram haver preferência em relação às equipes que atendem o bebê chegando a criar um vínculo entre elas decorrente da convivência constante:
“[...] então, tem uma equipe lá que pra mim é... eu queria que ficasse todos os horários, todos os dias.” (M4)
Ao acompanhar a internação dos bebês, as mães têm a oportunidade de conhecer a forma como o cuidado é realizado pela equipe de saúde, o que contribui para a percepção de um atendimento seguro e adequado. Esse fator parece atenuar o sofrimento associado à hospitalização:
“[...] eu posso ver que nós estamos passando por um momento difícil, mas eu não preciso ficar desesperada porque eu sei que ele (o bebê) está sendo bem cuidado.” (M2)
O sentimento de segurança, aliado a um acolhimento adequado, fortalece a formação do vínculo entre a criança, a equipe e a família, permitindo que as mães desenvolvam autoconfiança em relação aos cuidados com o bebê (Veronez et al.,2017). Um estudo realizado em uma unidade neonatal pública constatou que as mães avaliaram positivamente a assistência prestada pela equipe multiprofissional, destacando sua satisfação com a educação, o interesse e a forma como a equipe de enfermagem se comunicavam com elas. Além disso, relataram estar satisfeitas com o cuidado oferecido ao recém-nascido pelos médicos da unidade (Ferraresi & Arrais, 2018).
Outro aspecto que reforçou os sentimentos positivos vivenciados pelas mães foi seu envolvimento no processo de ensino-aprendizagem, não apenas de forma passiva, mas como sujeito ativo desse processo, o que contribuiu para o desempenho do papel materno na UTIN. Além disso, destaca-se a sugestão de uma das mães para a criação de material educativo que pudesse auxiliá-las no enfrentamento dos desafios relacionados ao ambiente da unidade, evidenciando a demanda por aprendizado e a receptividade à atuação da equipe:
“[...] eu queria que tivesse tipo um tutorial como funciona tudo lá, para a gente chegar e ficar mais tranquila, porque a gente fica meio desesperada quando houve um barulho e não sabe o que que é.” (M9)
“Quando a gente ganha o bebê e eles vão para UTI, a gente fica meio com medo, aí elas (equipe assistencial) ensinam a gente. A gente pode pegar (os bebês), colocar a mãozinha neles, conversar com eles, aí eu acho que isso ajuda a gente a se aproximar mais dos bebês.” (M7)
Para Veronezet al. (2017) a assistência centrada no ensino-aprendizagem da família desempenha um papel essencial no resgate da autoestima materna. Para que o cuidado com o bebê seja efetivamente realizado no domicílio após a alta hospitalar, é fundamental que as orientações sejam compreendidas e incorporadas pelas mães.
A comunicação entre a equipe de saúde e as mães foi identificada como um fator essencial para a construção do sentimento de segurança. Além de proporcionar o acolhimento necessário, essa interação também abre espaço para o surgimento de novas questões:
“[...] todas as vezes que eu chegava lá, elas me explicavam, tiravam minhas dúvidas, falavam o que estava acontecendo e aí eu me sentia segura com as explicações, com o que elas passavam para mim, com a educação, com carinho [...].” (M11)
A presença materna foi percebida como um fator que possibilita diferentes formas de envolvimento no cuidado do bebê, ocorrendo de maneira gradativa e considerando as singularidades da maternidade, as condições clínicas do bebê e o apoio da equipe. A presença física, o acompanhamento das práticas de cuidado realizadas pela equipe, a busca por informações sobre o bebê, os cuidados com higiene e alimentação, o toque, o ato de segurar o filho no colo e o posicionamento canguru foram algumas das atividades desempenhadas pelas mães durante a internação na UTIN, corroborando os achados de outros estudos (Nascimento et al.,2020; Fraga et al., 2019).
Tais cuidados podem ser relacionados ao que Winnicott (1988/2020) denominou holding, que abrange tudo o que a mãe é e faz em relação ao cuidado com o bebê. Embora a equipe também possa desempenhar esse papel, é fundamental que ela renuncie à posição de ‘boa mãe’, permitindo que a mulher se aproprie da função materna ainda no ambiente da UTIN. Caso contrário, ao deixar a unidade, a mãe poderá sentir-se incapaz de cuidar do bebê. Autorizar a mulher a tornar-se mãe para seu filho é uma das funções da equipe, como expresso na ideia de que “temos que levar as mães a pensarem que, se o filho está vivo, elas têm algo a ver com isso”. (Mathelin, 1999, p.26).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período de internação do bebê na UTIN é marcado por desafios e uma variedade de sentimentos que podem tanto facilitar quanto dificultar a participação e a autoconfiança materna no cuidado ao neonato, com repercussões diretas na saúde mental da mãe e no desenvolvimento infantil. Nessa perspectiva, o estudo possibilitou a identificação de ações multiprofissionais que contribuem para a criação de um ambiente facilitador na construção da autonomia materna nos cuidados com o bebê prematuro extremo, evidenciando a inter-relação entre mães, ambiente e profissionais de saúde nesse processo.
O estudo não revelou diferenças entre a experiência de mães que acompanharam um único filho na UTIN e aquelas que acompanharam gemelares, porém essa temática se apresenta como uma proposta para futuras pesquisas.
Assim, recomenda-se a implementação de práticas de educação permanente voltadas aos profissionais de saúde, como um recurso essencial para a incorporação e o fortalecimento de práticas de cuidado adequadas às necessidades dos recém-nascidos e de suas mães, contribuindo efetivamente para a promoção e proteção da saúde de ambos.
No que tange aos desafios para a realização de novas pesquisas, há que se ponderar aspectos relacionados à saúde mental materna, inerentes à condição de ter um bebê internado na UTIN, os quais podem ter repercussões diretas nas intervenções e na percepção da mãe sobre o bebê e a relação estabelecida com ele. A utilização de ferramentas que permitam múltiplos olhares sobre o fenômeno faz-se necessária.