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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.11 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Transferência e desfecho terapêutico em psicoterapia psicodinâmica breve

 

Transfer and therapeutic endpoints psychodynamic in brief

 

La transferencia y finalización terapéutica en psicoterapia breve

 

 

Claudia Bonfily Pimentel; Izabella Paiva Monteiro de Barros

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo geral verificar a relação entre desfecho terapêutico e momentos transferenciais que tenham ocorrido ao longo dos processos de psicoterapia breve analisados. Para embasar teoricamente o conceito de transferência, foram utilizados textos de Sigmund Freud e Melanie Klein. Trata-se de uma pesquisa exploratória e documental de caráter qualitativo. Analisaram-se 17 prontuários de pacientes, entre 20 e 40 anos, que foram atendidos em um serviço-escola de 2002 até 2006. Foi realizado o processo de análise temática que precedeu a categorização. Com base na leitura de 262 sessões de psicoterapia, selecionaram-se momentos transferenciais relevantes de cada caso analisado e criaram-se categorias de transferências. O manejo da transferência realizado pelos estagiários parece ter tido relação direta com o desfecho terapêutico dos atendimentos. Em 13 dos 17 prontuários, mesmo tendo havido obtenção do foco proposto, os pacientes foram encaminhados para processos de psicoterapia longa.

Palavras-chave: Transferência, Psicoterapia breve, Desfecho terapêutico, Serviço-escola, Relação paciente-terapeuta.


ABSTRACT

This research aims to verify if there is relationship between the therapeutic outcome and the transference moments that have occurred over the processes of psychotherapy shortly analyzed. To a theoretically support of foundation of the concept of transfer, were used texts of Sigmund Freud and Melanie Klein. This is an exploratory research and a documentary qualitative in nature. Were analyzed records of 17 patients who were treated in a clinic-school in 2002 until 2006, individuals between 20 and 40 years. Was realized the review process thematic what preceding the classification. From the reading of 262 sessions of psychotherapy, were selected the most important moments of transference of each case analyzed and then, created categories of transfer. The handling of the transfer, done by trainees, seems to have had direct relationship with the therapeutic outcome of the cases examined. In 13 of 17 cases, patients were sent for the long psychotherapy process, even with successful treatment.

Keywords: Transference, Brief psychotherapy, Therapeutic outcome, School-service, Relationship therapist-patient.


RESUMEN

La investigación busca verificar la relación entre el resultado terapéutico y los momentos transferenciales que hayan sucedido a lo largo de los procesos de psicoterapia breve analizados. Para fundamentar teóricamente el concepto de transferencia, se utilizaron textos de Sigmund Freud y Melanie Klein. Se trata de una investigación exploratoria y documental de carácter cualitativo. Se analizaron 17 historias clínicas de pacientes entre 20 y 40 años, atendidos en una clínica-escuela desde el año 2002 al 2006. Fue realizado el proceso de análisis temático que precedió a la categorización. A partir de la lectura de 262 sesiones de psicoterapia, se seleccionaron momentos transferenciales relevantes de cada caso analizado y se crearon tipos de transferencia. El manejo de transferencias realizado por el personal en prácticas, parece haber tenido relación directa con el resultado terapéutico de los casos analizados y, en 13 de los 17 casos, incluso con la obtención del objetivo propuesto, los pacientes fueron encaminados hacia procesos de psicoterapia larga.

Palabras clave: Transferencia, Psicoterapia breve, Resultado terapêutico, Clínica escuela, Relación paciente-terapeuta.


 

 

Introdução

Ante a especificidade da modalidade de psicoterapia realizada no serviço-escola da instituição escolhida para a realização do estudo, ou seja, psicoterapia breve (PB) com enfoque psicodinâmico, realizada por psicólogos em formação, muitas vezes não cabem, como manejo técnico, a interpretação e a possibilidade de analisar mais profundamente a transferência. No entanto, ao menos a observância e compreensão do fenômeno transferencial por parte do profissional em formação podem ser de grande relevância clínica.

O presente trabalho é relevante do ponto de vista metapsicológico e de potencial aplicabilidade clínica, pois teve como objetivo verificar como a transferência pode influenciar no desfecho de tratamentos psicoterápicos breves. Os resultados desta pesquisa podem vir justamente a cooperar com o planejamento de tipos de intervenção específicos para a PB.

Freud (1996c) diferenciou dois tipos de transferência, a positiva e a negativa. A positiva seria quando o paciente se expressa por sentimentos afetuosos, e a segunda por sentimentos hostis em relação à figura do analista. Segundo ele, tanto a transferência negativa quanto a positiva de impulsos eróticos reprimidos funcionariam como resistência ao tratamento, o que significa mais um motivo para que o psicólogo fique atento a ela.

Nos últimos dez anos, foram publicados poucos trabalhos relacionando o tema da psicoterapia psicodinâmica breve e a transferência com base em atendimentos realizados em serviços-escola. Não foram encontrados trabalhos que abordassem os três temas concomitantemente. Sendo assim, a presente pesquisa pretende contribuir tanto para o estabelecimento de propostas didático-pedagógicas que orientem melhor os psicólogos em formação, como para alertar os profissionais que trabalhem com essa modalidade de psicoterapia, com relação à importância da observação e do manejo da transferência em seus atendimentos. Com isso, há a possibilidade de aumentar as chances de sucesso terapêutico no tratamento de pacientes, principalmente dos que se utilizam do serviço-escola.

trabalho encontrado que mais se aproxima da presente pesquisa foi elaborado por Costardi e Souza (2006) e diz respeito à transferência nos atendimentos breves de orientação psicanalítica. A pesquisa teve como objetivo central discutir a especificidade da transferência em psicoterapia breve. As autoras partiram de uma concepção lacaniana e fizeram o estudo de um caso para verificar a transferência.

Utilizaram como método o estudo de um caso. Após execução da pesquisa, concluíram que “a proposta dos atendimentos breves de orientação psicanalítica opera a partir da sustentação do cliente enquanto sujeito do tratamento” (COSTARDI; SOUZA, 2006). Foi considerado ainda que a transferência permitiu o vínculo entre terapeuta e paciente, durante o processo de psicoterapia.

O presente trabalho se diferencia deste último supracitado em razão da especificidade da amostra e do embasamento teórico utilizado. Porém, as conclusões das referidas pesquisadoras vão ao encontro do pressuposto básico desta pesquisa: não há tratamento possível sem o vínculo paciente-terapeuta, sem que se instaure a transferência.

Trabalhou-se com o conceito de sucesso terapêutico utilizando-o como sinônimo de atingimento do objetivo ou foco do trabalho breve. Da mesma forma, o fracasso foi tido como o não atingimento do objetivo que havia sido proposto no início do trabalho. Questões como encaminhamento para outros processos psicoterápicos não foram entendidas como fracasso, apenas como continuidade de um trabalho que pode ter tido o objetivo inicial atingido. Foram objetivos específicos:

a. Identificar os momentos em que a transferência aparece nas sessões de forma mais evidente e criar categorias para eles.
b. Relacionar os momentos transferenciais com possíveis apropriações das queixas (sucesso terapêutico) durante o processo de psicoterapia breve.

Diante do exposto, pergunta-se: haverá relação entre o desfecho terapêutico (sucesso ou fracasso na obtenção do foco proposto) e os momentos transferenciais que tenham ocorrido ao longo do processo de psicoterapia breve?

O presente trabalho agrega valor à ciência psicológica à medida que verifica de maneira sistemática como a transferência pode influenciar no tratamento, estabelecendo categorias para suas mais diversas modalidades. Como aponta Safra (1993, p. 124), “no material clínico apresentado, temos um relato realizado a partir de uma maneira de conduzir um processo em psicanálise, que norteia o trabalho através da interpretação e elaboração das angústias que se manifestam na relação transferencial”.

Visando ao embasamento teórico do presente trabalho, apresentar-se-á um pequeno recorte da obra freudiana e kleiniana em relação aos momentos em que os referidos autores trabalharam com o conceito de transferência. Partindo da definição de transferência elaborada por Freud, construída a partir da observação clínica direta, far-se-á um paralelo às proposições kleinianas e serão apresentadas algumas contribuições mais atuais de autores/pesquisadores contemporâneos.

Segundo Laplanche e Pontalis (1992, p. 668), a transferência “designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles, e eminentemente, no quadro da relação analítica”.

O termo “transferência” (Ubertragung) surgiu pela primeira vez no artigo “Estudos sobre a histeria” (FREUD, 1996a), mas o texto do caso Dora é o primeiro no qual Freud indica a importância do fenômeno como um fator do processo terapêutico da psicanálise.

Freud (1999b, p. 111) define o conceito como “reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico”.

Em 1905, Freud (1999b, p. 112) aponta, no entanto, que a transferência constitui o maior obstáculo para a análise, porém “converte-se em sua mais poderosa aliada quando se consegue detectá-la a cada surgimento e traduzi-la para o paciente”.

No primeiro artigo dedicado inteiramente ao fenômeno transferencial, Freud (1996c) leva em conta os “afetos transferenciais de amor e de ódio evidenciados por Ferenczi em 1909, depois de observar que os pacientes tendiam a colocar o médico no papel das figuras parentais ao mesmo tempo amadas e temidas” (QUINODOZ, 2007, p. 85).

Segundo Lagache (1990, p. 18),

as particularidades da transferência psicanalítica têm relações com a resistência, relações estas que só podem ser compreendidas pela distinção entre a transferência positiva e a negativa. A positiva é a transferência de sentimentos afetuosos e amigáveis; sua atualização consciente e seus prolongamentos inconscientes repousam sempre numa base erótica. A negativa é a transferência de sentimentos hostis.

Fica muito claro que os sentimentos positivos não só são importantes como são imprescindíveis ao processo terapêutico, e, quando eles estão presentes, é possível que haja análise.

Em 1914, no artigo “Recordar, repetir e elaborar”, Freud (1996d) dá extrema importância ao que chama de “manejo da transferência”. Diz que, se o analista conseguir conduzir positivamente a transferência, conseguirá conter o automatismo de repetição e transformá-lo em uma razão dessa lembrança, o que significa sucesso terapêutico.

Quanto ao conceito de neurose de transferência, Freud (1996d) o descreve como uma doença criada artificialmente pelo processo de análise. Segundo ele, “o setting psicanalítico oferece as condições de segurança que permitem ao paciente dar livre curso às suas fantasias transferenciais, das quais poderá ser curado pelo trabalho terapêutico” (FREUD, 1996d, p. 169).

O paciente repete, ali com o analista, exatamente aquilo que ele não recorda; o que ele atualiza é algo que não é novo. Freud (1996f, p. 57), em “Um estudo autobiográfico”, diz:

A transferência é tornada consciente para o paciente pelo analista, e é resolvida convencendo-o de que em sua atitude de transferência ele está reexperimentando relações emocionais que tiveram sua origem em suas primeiras ligações de objeto, durante o período reprimido de sua infância. Dessa forma, a transferência é transformada de arma mais forte da resistência, em melhor instrumento do trabalho analítico. Não obstante, seu manuseio continua sendo o mais difícil, bem como a parte mais importante da técnica de análise.

Partindo desse breve histórico do trabalho de Freud sobre a transferência, de suas idas e vindas, comentários e correções, construído com base na observação clínica direta, faz-se um paralelo às definições kleinianas do referido conceito.

Melanie Klein começou a desenvolver suas ideias partindo da teoria freudiana clássica. A situação transferencial, como é referida por Klein, é de suma importância para o processo analítico, porque é com base nela que se pode ver no presente, na relação, o funcionamento psíquico do paciente.

Klein (1991b) faz uma retrospectiva das definições freudianas de pulsão de vida e de morte, as quais contribuem fundamentalmente para a compreensão da origem da ambivalência, tema amplamente estudado por Klein. Segundo ela, as pulsões de vida e de morte – e, portanto, o amor e o ódio – estão, no fundo, na mais estreita interação. Sendo assim, analogamente, transferências positivas e negativas encontram-se interligadas.

Só podemos apreciar plenamente a interconexão entre as transferências positivas e negativas se explorarmos o interjogo inicial entre o par amor e ódio, e o círculo vicioso entre agressão, ansiedades, sentimentos de culpa e uma maior agressão, bem como os vários aspectos dos objetos para os quais são dirigidas essas emoções e ansiedades conflitantes (KLEIN, 1991b, p. 76).

Além disso, a autora deixa muito clara a importância da análise da transferência negativa, que para ela é uma precondição para analisar as camadas mais profundas da mente: “Trata-se de uma externalização de relações objetais internalizadas” (BARROS et al., 1991, p. 135).

Klein entendia e trabalhava com o fenômeno da transferência a partir de um referencial interno, ou seja, os objetos que vão sendo internalizados pelo indivíduo, desde o nascimento, por meio dos processos de projeção e introjeção. Assim, o mundo interno seria o resultado da ação da fantasia inconsciente, a partir da qual se introjetam objetos, tanto bons quanto maus.

Em seu artigo “As origens da transferência”, Melanie Klein (1991b) dedica-se integralmente ao tema e faz um retrospecto de muitos conceitos, principalmente os referentes à teoria das posições esquizoparanoide e depressiva.

Nota-se que a obra kleiniana muda um pouco o foco em relação à transferência, à medida que não se refere apenas às relações passadas e presentes, mas sim à relação que existe entre o mundo interno e o externo.

Em 1946, Melanie Klein introduz a expressão “identificação projetiva” e com isso modifica e amplia a concepção da transferência vigente até então. A identificação projetiva refere-se, antes de tudo, a “um processo de cisão do ego arcaico, no qual ou as partes boas ou as partes más do self são excindidas do ego e, a seguir, projetadas com amor ou ódio para dentro de objetos externos, o que leva à fusão e identificação das partes projetadas do self com os objetos externos” (ROSENFELD, 1991, p. 125).

Em psicoterapia breve, o paciente não escapa à transferência e assim, provavelmente, em razão do princípio que rege o fenômeno transferencial, irá reproduzir o padrão de relacionamento que teve em sua vida com o terapeuta, o qual poderá ou não recorrer a uma interpretação transferencial: “É desejável que este seja capaz de compreender a vertente transferencial da comunicação do paciente, mesmo que opte por não lidar com ela explicitamente” (YOSHIDA; ENÉAS, 2007, p. 225).

Dessa forma, vale a pena ressaltar que, em um processo de psicoterapia breve, a transferência deve ser manejada de uma forma um pouco diferente de como ocorre em uma terapia de longa duração, tentando evitar assim que se estabeleça a neurose de transferência, a qual só dissolveria em um trabalho terapêutico de longo prazo.

A transferência em um processo de psicoterapia breve deve ser observada no “lá e agora”, e não no “aqui e agora”, como em um processo psicanalítico, por exemplo. O “lá e agora” nas relações do paciente com as figuras importantes da sua vida no presente, mas fora do setting terapêutico. Já o “aqui e agora” diz respeito à relação do paciente diretamente com o terapeuta.

O que deve ser fato ressaltado e observado é a transferência negativa, porque ela pode inviabilizar o processo terapêutico, na medida em que pode tornar-se uma reação terapêutica negativa, que resumidamente pode-se dizer que ocorre quando o analista demonstra esperança ou expressa satisfação quanto ao progresso do paciente, e este, por sua vez, reage com insatisfação que pode ser iatrogênica.

Fala-se em não interpretar a transferência, mas perceber e eventualmente apontar de outra forma o lugar que o paciente coloca o estagiário durante a sessão pode ter efeitos produtivos no tratamento rumo ao foco. Deve-se ter muito claro o que Knobel (1986, p. 55) ressalta: “não se pretende na psicoterapia breve, que o terapeuta ignore a transferência, o psicoterapeuta deve conhecê-la e aprender a captar as suas diversas manifestações, tanto em seus aspectos positivos como nos negativos”.

A psicoterapia breve (PB) trabalha com a atenção seletiva e não com a atenção flutuante, como na psicanálise. Isso ocorre para que o terapeuta mantenha-se atento ao foco que se quer alcançar, por conta da objetividade de um processo de PB. Não dá para se pensar, tampouco, em um processo de associação livre, porque deve-se estar sempre atento ao foco e aos objetivos a serem atingidos. Contudo, em um processo breve, não se negam a existência do determinismo psíquico ou do inconsciente e a sua importância para o trabalho clínico.

É de extrema relevância para este trabalho lembrar que os mais famosos casos clínicos freudianos foram experiências de psicoterapia breve. Por terem sido estudados com tanta profundidade, puderam formar a base sólida da psicanálise atual. Isso mostra a importância de um trabalho de psicoterapia breve e o quanto ele pode contribuir para o estudo da psicanálise em geral.

O tempo que era “necessário” em uma análise começou a ser repensado por Freud (1996e) em seu texto “Linhas de progresso na terapia psicanalítica”, publicado em 1919. Nesse trabalho, começa a questionar que camada da população poderia ser atingida com o método psicanalítico e verificou que a psicanálise clássica não atingiria um número considerável de pessoas. Com isso previu a possibilidade de uma adaptação da técnica psicanalítica à realidade socioeconômica e cultural da população.

Freud, quase no final do texto, afirma que, no futuro, as pessoas poderiam perceber a necessidade desse tipo de tratamento, que abrangesse uma grande gama da população e que, a partir disso, fossem criadas, graças às instituições privadas, tratamentos gratuitos às camadas da população mais desfavorecidas.

A maioria dos autores atuais, como o psicanalista Cecil José Rezze (1997), retoma a definição do termo transferência dos autores clássicos da psicanálise e faz comparações entre os conceitos. Alguns autores comparam o conceito da transferência ao conceito de identificação projetiva e discutem essa relação. Rezze (1997), em seu artigo “Transferência: rastreamento do conceito e relação com transformação em alucinose”, descreve o caminho percorrido desde Freud até autores contemporâneos como Bion.

No âmbito do trabalho breve, o conceito não é discutido longamente, mas utilizado de forma mais corriqueira do que quando se trata das psicoterapias em longo prazo. Daí decorre a escassez de trabalhos acerca do tema relacionado ao trabalho breve.

No que diz respeito à psicoterapia breve, há um artigo intitulado “Psicoterapia para o povo: avaliação dos resultados” (Azevedo, 2006), no qual a autora, que apresenta um trabalho visando oferecer psicoterapia gratuita à população menos favorecida economicamente, discute a importância do trabalho psicoterápico breve no atendimento à população menos favorecida.

Segundo Azevedo (2006), os resultados permitiram que uma série de benefícios fosse agregada ao programa planejado de intervenções breves para a comunidade. Tal fato corrobora os resultados da presente pesquisa, no que diz respeito à importância do cuidado com o trabalho de psicoterapia breve em um sistema de atendimento à comunidade.

Em outro artigo encontrado, “Eficácia terapêutica da interpretação teorizada na psicoterapia breve” (GEBARA et al., 2004), foram estudados dez pacientes, de ambos os sexos, na faixa etária entre 18 e 40 anos. Foi possível verificar que a interpretação teorizada mostrou-se eficaz, pois, no final do processo terapêutico, houve uma evolução adaptativa dos pacientes.

Esse artigo tem uma aproximação por analogia com o tema do presente trabalho, já que fala da importância do manejo da transferência para o sucesso terapêutico, enquanto o artigo de Azevedo (2006) diz respeito à importância da interpretação nos desfechos dos casos de psicoterapia breve, e uma interpretação possível é justamente aquela que se refere ao padrão transferencial do paciente.

Diante do exposto, destaca-se que o objetivo geral da pesquisa aqui apresentada foi o de identificar e analisar os momentos nos quais a transferência aparece de forma mais evidente ao longo do processo de psicoterapia breve e relacioná-los com o sucesso ou fracasso terapêutico.

 

Método

Tipo de pesquisa

Tratou-se de pesquisa exploratória e documental de caráter qualitativo.

Caracterização da instituição na qual foi realizada a pesquisa

A pesquisa foi realizada em um serviço-escola de uma universidade particular de São Paulo.

Logo no início do trabalho, solicitou-se ao paciente a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após explicações acerca dos objetivos da pesquisa, como a consulta de seu prontuário para fins de pesquisa e eventual publicação dos resultados em eventos científicos, com a garantia de sigilo absoluto acerca dos dados que poderão identificá-lo.

Amostra

Foram consultados 17 prontuários de pacientes que se submeteram ao processo de psicoterapia breve de adulto (PBA). Ao total, sumarizaram 262 sessões terapêuticas.

  • Critérios de inclusão: ter sido atendido na clínica psicológica entre 2002 e 2006; ter entre 20 e 40 anos; ambos os sexos; ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na ocasião do atendimento.

Não houve controle com relação ao tipo de queixa inicialmente apresentada, foram coletados prontuários com as mais diversas queixas no início do tratamento.

É importante destacar que a Carta de Informação de Pesquisa ao sujeito e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram dispensados após análise do Comitê de Ética da universidade à qual estão afiliadas as pesquisadoras, uma vez que só foram analisados os prontuários de pacientes que já os tinham assinados. Sendo assim, não foi necessário reconvocar os pacientes que tiveram seus prontuários selecionados para nova assinatura de Termo de Consentimento.

Procedimento de análise de dados

Após revisão bibliográfica, tendo bem claros os diversos conceitos, realizou-se a análise dos 17 prontuários, a qual se iniciou com um processo de leitura flutuante (MINAYO, 2007) cuidadosa e repetida de todas as sessões contidas nos prontuários.

Foi realizado o processo de análise de conteúdo, mais precisamente análise temática (MINAYO, 2007) que precedeu a categorização. Trata-se de um procedimento sistemático que resulta em inferências acerca do conteúdo das mensagens implícitas em determinado material, no caso do presente trabalho, os relatos das sessões que traziam os diálogos entre estagiário e terapeuta. Esse processo nada mais é do que a interpretação do material qualitativo. É uma maneira de descrever e organizar objetivamente o material qualitativo.

Destacaram-se palavras representativas e/ou que mais se repetiam nos relatos dos estagiários quando se descreveram os momentos terapêuticos. Tal seleção resultou na elaboração das categorias. Com isso, visou-se descobrir no material lido núcleos de sentido subjacentes ao discurso. A partir daí, propuseram-se inferências e interpretações foram feitas inter-relacionando o material com a teoria apresentada anteriormente. O processo completo de análise resulta, dessa forma, em novos significados para os significantes encontrados e destacados do texto (MINAYO, 2007).

Após esse procedimento, foi executado o processo de categorização dos resultados, que, de acordo com Bardin (1988), é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia).

Vale a pena ressaltar que ambas as pesquisadoras emitiram seus pareceres acerca das categorias, visando assegurar maior objetividade na análise, o que gerou mais segurança para a discussão dos resultados.

O processo foi apresentado em tabelas que facilitaram a visualização do material obtido. Ao final, uma interpretação psicodinâmica dos dados destacados foi realizada a fim de melhor integrar teoria e prática. Recortes dos casos clínicos consultados foram feitos para exemplificar os principais resultados.

Resultados e discussão

A partir do cuidadoso estudo de cada prontuário, foram selecionados os momentos mais relevantes nos quais aparecia algum tipo de transferência. Em um caso, do qual tenha sido selecionado um momento transferencial amoroso, não quer dizer que não tenha havido outros momentos, como a presença da transferência materna, por exemplo. A categoria eleita como mais representativa se deu, inclusive, pela quantidade de vezes que surgiram momentos transferenciais daquele tipo.

Os momentos foram organizados em cinco categorias de transferência – amorosa, fraterna, autoritária, materna e objetal – que mostravam a variação das modalidades de transferência.

O manejo da transferência é uma variável muito importante a ser observada, pois trata-se de uma ferramenta importante para o processo. No caso 7, houve encaminhamento para um processo de psicoterapia longa, pois a rivalidade fraterna pareceu não ter sido bem manejada transferencialmente, o paciente controlou o processo e fez a terapia que quis.

Para ilustrar a importância do manejo do fenômeno transferencial em relação ao tipo de desfecho terapêutico, será utilizado um recorte do material da paciente do caso 9 que, na vigésima segunda sessão, ou seja, quase no final do processo, foi avisada pela estagiária que faltavam cinco sessões para o término da terapia. A paciente disse: “E você fica me apavorando, né? Você fica me avisando toda hora que vai acabar. Eu não quero que acabe” (Paciente do caso 9).

Haja vista que a transferência diz respeito às relações mais arcaicas do paciente, vale dar atenção especial à presença “infantil” em um processo terapêutico. Pensando na objetividade da psicoterapia breve, a estagiária solicita à paciente do caso 4 que fale respeito da sua infância. A paciente concorda e diz: “Então tá! Eu vou voltar lá pra trás” (Paciente do caso 4).

Pode-se pensar com base nessa fala que a infância está ali presente no processo terapêutico. Para a psicanálise, o passado não é aquilo que passou, mas atualiza-se hoje, no presente. É isso o que deve aparecer e é com isso que se trabalha. O passado não coincide com aquilo que já passou, o que o passado promove é uma atualização do sujeito hoje.

Tendo em vista a extensão do trabalho completo resultante da execução desta pesquisa, optou-se por ilustrar e embasar a discussão dos resultados encontrados no Quadro 1, o qual traz um pequeno recorte do material encontrado e posteriormente analisado.

 

Quadro 1. Categoria de transferência, focos e desfechos terapêuticos de cada caso analisado

 

Quadro 1. Categoria de transferência, focos e desfechos terapêuticos de cada caso analisado(continuação)

 

Quadro 1. Categoria de transferência, focos e desfechos terapêuticos de cada caso analisado(continuação)

 

No caso 10, por exemplo, verificou-se que a transferência materna permeou quase todo o processo de psicoterapia. O foco do trabalho era compreender o comportamento regredido da paciente. Em dado momento do processo, a paciente conta que é muito difícil conversar com sua mãe porque ela não a entende, “tem coisas que eu só quero que ela escute, ela fica falando, fazendo comentários que me irritam”. A estagiária vinha fazendo mais intervenções durante as sessões, e a paciente podia estar, por meio dessa fala, comunicando algo, falando o quanto ela só quer falar e não quer ouvir nada.

Outro dado relevante encontrado, para além da discussão acerca do manejo da transferência e sua relação com o desfecho terapêutico, diz respeito à questão do encaminhamento. Em 13 dos 17 prontuários lidos, constatou-se que houve encaminhamento para atendimento externo, após o final do processo de psicoterapia breve (PB). Muitas vezes, o próprio terapeuta não se sentiu satisfeito com os resultados obtidos.

Em três casos, quando houve o encaminhamento, os pacientes disseram que não gostariam de continuar o processo naquele momento, falaram que dariam um tempo para reiniciarem outro processo: “Ah, eu estava pensando em ficar um tempo sem fazer terapia. Não sei, quem sabe mais para frente voltar” (Paciente do caso 13). Uma preocupação nítida desse paciente era o medo de ficar dependente do processo de psicoterapia. A estagiária ainda continua:

Não deixe de continuar a terapia. Como a gente conversou na semana passada, pudemos começar um trabalho juntos. Várias questões pudemos pensar, acho que você está hoje muito mais maduro em alguns aspectos. Você é uma pessoa com uma sensibilidade muito grande, qualidades muito boas, acho que este processo terapêutico pode te ajudar bastante (Estagiária do caso 13).

Permanece uma questão sobre o significado que tem para o paciente o encaminhamento para um novo processo terapêutico. Pode, por exemplo, sentir-se “incompetente”, achar que não deu conta do que foi proposto para ele, e muitas vezes a realidade não é essa, os objetivos foram atingidos, mas, mesmo assim, há o encaminhamento. Uma frase do paciente do caso 7 ilustra essa discussão acerca do excesso de encaminhamentos: “Ah! Queria lhe perguntar algo. Você percebeu alguma coisa em mim, pode falar, se for coisa ruim eu estou preparado, não precisa ficar sem jeito; é por isso que você acha que eu devo tanto ir? [para outro processo de psicoterapia a longo prazo]”. A estagiária diz que está sugerindo que ele continue a terapia porque é algo muito bom que ainda vai ajudá-lo muito, e não porque ele tenha algo de “errado”.

Apenas 2 dos 20 prontuários tiveram seus objetivos parcialmente atingidos, o que justificaria, de fato, a necessidade de um encaminhamento para outro local, para dar prosseguimento ao processo de psicoterapia e poder atingi-los totalmente. Num dos casos não encaminhados para atendimento longo, por teoricamente ter atingido os objetivos propostos, não pareceu ter havido a apropriação da queixa por parte da paciente. Ela continuou atribuindo sua ansiedade estritamente a fatores externos, não conseguiu perceber a responsabilidade dela em relação ao seu sofrimento.

 

Considerações finais

Em um processo de PB, é muito importante que se esteja atento à transferência, principalmente quando se tratar de uma transferência negativa, que pode fazer que o processo estagne ou até regrida.

O objetivo da presente pesquisa foi identificar e analisar os momentos nos quais a transferência aparecia de forma mais evidente ao longo do processo de psicoterapia breve e relacioná-los com o sucesso ou fracasso terapêutico. Considera-se que tenha havido consecução dos objetivos, uma vez que se pode perceber a relação transferencial, mais especificamente o tipo de manejo – ou não – desta, influenciando no desfecho dos atendimentos.

Dessa forma, acredita-se que o manejo da transferência seja muito importante para o sucesso terapêutico em psicoterapia breve. Em alguns casos, foi possível observar maior apropriação da queixa por parte do paciente, já em outros, possivelmente por conta de um manejo pouco satisfatório da transferência, os pacientes pareceram não ter conseguido mudanças psíquicas relevantes, tomando-se como base o atingimento do foco.

Foi possível constatar que existe um rico material nos prontuários consultados e, posteriormente, outras pesquisas podem ser realizadas com base no citado material e com isso contribuir para pensar as questões relativas ao trabalho clínico do psicólogo, principalmente nos casos de psicoterapia breve. Pode-se pensar também na possibilidade de uma continuidade ao presente trabalho, desta vez com o objetivo de verificar possíveis relações entre transferência e a queixa inicialmente apresentada.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Izabella Paiva Monteiro de Barros
R. Dna Antônia de Queiróz, 549, conj. 403
PConsolação – São Paulo – SP
CEP 01307-010
e-mail: izabella@mackenzie.br

Tramitação
Recebido em novembro de 2008
Aceito em fevereiro de 2009

 

 

1 No período de julho de 2004 a julho de 2005, realizou-se o projeto de pesquisa intitulado “Sofrimento psíquico de trabalhadores da saúde”, composto por dois subprojetos diferentes: 1. “A influência do cotidiano hospitalar como produtor de sofrimento psíquico em trabalhadores de enfermagem” e 2. “Representação de morte para profissionais da área de enfermagem”. Nos dois subprojetos, utilizou-se a mesma metodologia de pesquisa. O presente artigo é fruto dos dados obtidos no segundo subprojeto de pesquisa, o qual teve o apoio do Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia (Facitec) do Espírito Santo.

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