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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.12 no.3 São Paulo mar. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Alexitimia e inteligência emocional: estudo correlacional

 

Alexythimia and Emot ional Intelligence: Correlational Study

 

Alexitimia y Inteligencia Emocional: Estudio de Correlación

 

 

Fabiano Koich Miguel; José Maurício Haas Bueno; Ana Paula Porto Noronha; Gleiber Couto; Ricardo Primi; Monalisa Muniz

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Inteligência emocional refere-se à capacidade de utilizar informação emocional para guiar pensamento e ações de maneira adaptativa e construtiva. Uma das subáreas da inteligência emocional é a percepção, ou seja, a capacidade de identificar corretamente emoções em si e nos outros. O indivíduo alexitímico possui dificuldade em caracterizar o próprio estado emocional. O presente estudo teve como objetivo buscar evidências de validade para o Teste Informatizado de Percepção de Emoções em Fotos (TPE), relacionando-o com a Escala de Alexitimia de Toronto (TAS). Participaram da pesquisa 54 sujeitos que responderam aos instrumentos. O TPE foi pontuado por dois métodos: consenso da amostra e por meio da Teoria de Resposta ao Item com base em consenso de seis especialistas. Entre os resultados, constatou-se que menor capacidade de fantasiar (uma área da alexitimia) está associada à menor capacidade de perceber emoções em si mesmo. Os resultados referentes à validade do instrumento são discutidos no texto.

Palavras-chave: Inteligência emocional, Alexitimia, Percepção emocional, Teoria de resposta ao item, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

Emotional intelligence is the ability to use emotional information to guide thinking and actions in an adaptive and constructive way. One of the subareas of emotional intelligence is the perception, or the ability to correctly identify emotions in themselves and others. The alexithymic individuals have difficulty characterizing their own emotional state. This study aimed to find validity evidence for the computerized test of emotional perception in pictures (TPE) relating it with the Toronto Alexithymia Scale (TAS). Participated in the study 54 subjects who responded to the instruments. The TPE was punctuated by two methods: consensus of the sample and using the Item Response Theory, based on consensus of six experts. Among the results, it was found that lower ability to fantasize (an area of alexithymia) is associated with less ability to perceive emotions in oneself. The results concerning the validity of the instrument are discussed in the text.

Keywords: Emotional intelligence, Alexithymia, Emotional perception, Item response theory, Psychological assessment.


RESUMEM

La inteligencia emocional es la habilidad para utilizar la información emocional para orientar el pensamiento y las acciones de manera constructiva y adaptativa. Una de las sub-áreas de la inteligencia emocional es la percepción, o la capacidad de identificar correctamente las emociones en sí mismos y otros. El individuo alexitimico tiene dificultades de caracterizar su propio estado emocional. Este estudio tuvo como objetivo encontrar pruebas de validez relativos a lo Test de Percepción de Emociónes en Imágenes (TPE) con vinculación con la Escala de Alexitimia de Toronto (TAS). Participaron en el estudio 54 sujetos que respondieron a los instrumentos. El TPE fue señalado por dos métodos: el consenso de la muestra y através de la teoría de respuesta al ítem, sobre la base del consenso de seis Alexitimia e inteligência emocional: estudo correlacional expertos. Entre los resultados, se constató que la disminución de la capacidad para fantasear (una área de alexitimia) se asocia con menos capacidad de percibir las emociones en uno mismo. Los resultados de la validez del instrumento se examinan en el texto.

Palabras clave: Inteligencia emocional, Alexitimia, Percepción emocional, Teoría de respuesta al ítem, Evaluación psicológica.


 

 

Introdução

A expressão "inteligência emocional" foi utilizada inicialmente em um periódico científico, na década de 1990, compreendida como uma classe da inteligência social, como preconizou Thorndike (1920), setenta anos antes, quando definiu que a inteligência poderia ser organizada em três dimensões: mecânica, abstrata e social. De acordo com Salovey e Mayer (1990), a inteligência social deveria ser vinculada a um construto mais global, a inteligência emocional, que, por sua vez, relaciona-se à habilidade de monitorar sentimentos e emoções em si mesmo e nos outros, de tal modo que possa auxiliar na discriminação e utilização da informação emocional para guiar pensamento e ações.

Para Mayer e Salovey (1993), embora o construto em questão envolva habilidades mentais independentes, ele foi considerado uma forma de inteligência. Nesse sentido, para os autores, a nomenclatura "inteligência" foi adotada por referir-se a uma aptidão mental. Em trabalho posterior, Mayer e Salovey (1999), buscando aprimorar o conceito, associaram-no à capacidade de perceber, avaliar e expressar emoções; à capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos de modo a facilitar o pensamento; à capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e à capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual. Pesquisas evidenciam que a inteligência emocional é um construto moderadamente relacionado com inteligência geral, fracamente associado a alguns traços de personalidade, e preditor de bem-estar e qualidade de vida, e sua medida tem se tornado possível (BRACKETT; MAYER, 2003; CIARROCHI et al., 2001; MAYER; CARUSO; SALOVEY, 1999; MAYER et al., 2003; MIGUEL; NORONHA, 2009; MUNIZ; PRIMI; MIGUEL, 2007).

O presente estudo se destina à investigação da percepção das emoções, que tem sido considerada uma habilidade importante, compreendida como a base para o desenvolvimento de outras capacidades relacionadas à inteligência emocional (MAYER; SALOVEY, 1999; LANE, 2000). Mais enfaticamente, Mayer, Salovey e Caruso (2002) afirmam que a inteligência emocional não pode se desenvolver se o indivíduo não aprender a respeito dos sentimentos e não tiver a capacidade de prestar atenção, registrar e decifrar mensagens emocionais por meio das expressões faciais.

Uma subárea específica da inteligência emocional, a percepção, avaliação e expressão da emoção, compreende a capacidade de identificar emoções em si e nos outros. Inclui, além disso, a capacidade de expressar essas emoções e a capacidade de avaliar a veracidade de uma expressão emocional. Em acréscimo, a percepção de emoções tem sido reconhecida como a habilidade de perceber e identificar emoções em estímulos, tais como músicas, objetos, quadros e histórias (SALOVEY et al., 2001).

Saarni (2002, p. 65) argumenta que a percepção é uma habilidade vinculada à competência emocional, que, por sua vez, é definida como a habilidade para se envolver em "transações emocionais que produzem emoções". Ainda nesse sentido, a percepção da emoção pode abranger a capacidade de identificar emoções em si mesmo, em outras pessoas e em objetos ou condições físicas. Em uma perspectiva evolutiva, essa autora considera níveis distintos da percepção, e o inicial consistiria na percepção do estado emocional e na experimentação de emoções múltiplas. Os bebês e as crianças primeiramente identificariam seus próprios estados emocionais e dos outros e, em consequência, conseguiriam estabelecer as diferenças entre eles. Em seguida, viria a capacidade de monitorar sentimentos interiores e reconhece-los quando expressos por outras pessoas, diversas situações ou em determinados objetos (obras de arte, por exemplo). Um nível mais sofisticado incluiria a percepção de que nem sempre é possível identificar os sentimentos em razão de outros processos psicológicos inconscientes ou até mesmo da atenção seletiva. Neste último caso, a "percepção da não percepção" indicaria níveis mais maduros de competência emocional.

Tal como defendido por Roberts, Zeidner e Matthews (2001), a percepção emocional não é uma entidade singular, uma vez que cada emoção possui forma e função distintas. Por exemplo, a raiva está associada à expansão (mover para frente), ao mesmo tempo em que tristeza se relaciona a um objeto perdido. A percepção da distinção entre tipos e funções de emoções é necessária quando se pensa no construto inteligência emocional.

Em oposição ao indivíduo considerado "competente" ou "inteligente" emocionalmente, encontra-se aquele que tem dificuldade para usar a informação emocional em suas ações e seus pensamentos, tais como os alexitímicos. Sifneos (1977) introduziu o termo alexitimia para referir-se às pessoas que parecem privadas de palavras (lexis) e para designar o humor (thymos). Posteriormente, Campbell (1996) descreveu a alexitimia como um traço de personalidade, conceituado como a dificuldade em caracterizar o próprio estado emocional e inabilidade para fantasiar produtivamente, fazendo com que o indivíduo focalize seus interesses em objetos externos, na experiência somática ou nas reações comportamentais, em vez de relaciona-las a pensamentos.

Krystal (1988) sugeriu que uma das possíveis causas da alexitimia possa ser um déficit no processamento cognitivo da emoção. Nesse caso, se o processamento cognitivo da emoção for o que Salovey e Mayer (1990) denominaram como inteligência emocional, seria legitimo supor a existência de correlação negativa entre os dois construtos. De fato, alguns estudos deram suporte a essa suposição e mostraram que a relação se da especificamente entre a alexitimia e a habilidade de perceber emoções.

Por exemplo, em um dos primeiros estudos relacionados a inteligência emocional, Mayer, DiPaolo e Salovey (1990) desenvolveram uma prova para avaliação da habilidade de perceber emoções em estímulos como expressões faciais, cores e desenhos abstratos. Os resultados levaram a conclusão de que a percepção de emoções: pode ser considerada como uma habilidade unifatorial e independente do tipo de estimulo apresentado (expressões faciais, cores e desenhos abstratos); e passível de mensuração valida e confiável; correlaciona-se positivamente com empatia e extroversão e negativamente com alexitimia e neuroticismo.

Em outro estudo, Davies, Stankov e Roberts (1998) confirmaram a unifatorialidade das medidas de percepção de emoções em diferentes tipos de estímulo e sua relação inversa com alexitimia. No entanto, questionaram a pertinência de considerar a percepção de emoções como um tipo de inteligência (a emocional), por não terem encontrado correlações significativas com outras medidas de habilidades cognitivas. Posteriormente, o aprimoramento dos instrumentos de medida da inteligência emocional mostrou que essas correlações ocorrem e são estáveis (MAYER; CARUSO; SALOVEY, 1999; ROBERTS; ZEIDNER; MATTHEWS, 2001).

O estudo de Moriarty et al. (2001) destinou.se a investigar em que medida uma bateria dos testes projetados para avaliar níveis distintos da inteligência emocional poderia diferenciar adolescentes infratores. Fizeram parte da pesquisa 15 adolescentes infratores do sexo masculino com idade variando de 14 a 17 anos e 49 adolescentes não infratores, também do sexo masculino e da mesma faixa etária. Foram aplicados os seguintes instrumentos: Trait Meta.Mood Scale (TMMS), Davis’ Interpersonal Reactivity Index (IRI), Inventory of Interpersonal Problems (IIP.32), Toronto Alexithymia Scale (TAS) e NEO.PI.R, com vistas a avaliar personalidade, inteligência emocional e alexitimia. Os adolescentes com histórico de infração apresentaram taxas mais elevadas de agressividade, menos atenção aos sentimentos e menor capacidade de reparar os modos desagradáveis. Os autores sugerem que estudos dessa natureza podem favorecer o tratamento de adolescentes infratores.

Nota-se que algumas pesquisas apóiam a existência de correlação negativa entre percepção de emoções (uma das habilidades relacionadas a inteligência emocional) e a alexitimia. Contudo, esses estudos foram realizados em contexto cultural americano e com testes que avaliam a capacidade de perceber emoções em estímulos externos, mas não em si mesmo. O Teste Informatizado de Percepção de Emoções em Fotos (TPE) (MIGUEL et al., 2006) e um instrumento em desenvolvimento destinado a avaliação da percepção de emoções em si mesmo e em outras pessoas, cujas propriedades psicrométricas ainda estão em estudo. A ocorrência de correlações negativas e estatisticamente significativas entre as pontuações no TPE e uma medida tradicional de alexitimia podem se constituir como uma importante evidencia de validade para o instrumento em desenvolvimento. Por isso, este estudo pretende investigar a relação entre as pontuações dos sujeitos no TPE e na Escala de Alexitimia de Toronto (Toronto Alexithymia Scale, TAS) (TAYLOR; RYAN; BAGBY, 1985), adaptada para a língua portuguesa por Yoshida (2000).

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 54 sujeitos que responderam aos instrumentos, sendo 47,3% do sexo masculino e 52,7% do sexo feminino, com media de idade de 29,3 anos (DP = 14,2). O nível de escolaridade dos sujeitos foi predominantemente superior (72,7%), embora também tenham sido observados níveis de escolaridades fundamental (3,6%), médio (18,2%) e de pós-graduação (5,5%). Ao lado disso, seis participantes compuseram o grupo de especialistas, que analisou as respostas e estabeleceu o gabarito do teste para a pontuação por concordância com especialistas. Esse grupo era composto por dois professores doutores e quatro estudantes de doutorado de um programa de pós-graduação stricto sensu em Psicologia. Entre os componentes, dois eram do sexo feminino, uma professora e uma estudante, e quatro do sexo masculino, um professor e três estudantes.

Instrumentos

A fim de atender aos objetivos deste estudo, foram utilizados dois instrumentos de avaliação: o Teste Informatizado de Percepção de Emoções em Fotos (TPE) e a Escala de Alexitimia de Toronto (TAS). As descrições de ambos são apresentadas a seguir.

Teste Informatizado de Percepção de Emocões em Fotos (TPE)

Miguel et al. (2006)

Trata-se de um instrumento psicrométrico informatizado, constituído por 36 fotografias, nas quais os sujeitos devem avaliar as emoções presentes nos personagens da foto, e por 57 fotografias, nas quais os sujeitos devem avaliar as emoções que as imagens causam neles. Vale destacar que alguns estímulos que aparecem no primeiro conjunto se repetem no segundo. As imagens são apresentadas sucessivamente, e, a cada imagem, o sujeito deve assinalar um dos estados emocionais que se apresentam como alternativas: neutro, alegria, aceitação, surpresa, medo, tristeza, aversão, expectativa e raiva.

Para a presente pesquisa, duas formas de pontuação foram estudadas: concordância com o consenso e concordância com especialistas. No caso da pontuação por consenso, utilizou-se a freqüência de resposta dos próprios sujeitos como critério de atribuição de pontos para o item. Por exemplo, se, em um dado item, 75% das pessoas assinalaram a alternativa "alegria", então, o participante que assinalar "alegria" recebera nota 75. As pontuações totais dos sujeitos resultam da media das pontuações atribuídas aos itens de cada fator.

Em relação à pontuação por concordância com especialistas, a equipe de pesquisadores examinou todos os itens e estabeleceu alternativas consideradas mais adequadas para cada foto. Para isso, utilizaram-se a teoria e os dados empíricos obtidos com auxilio da Teoria de Resposta ao Item (TRI) já empregados em outro estudo (BUENO et al., 2009). Em alguns casos, mais de uma emoção foi considerada adequada. Nesse caso, os sujeitos receberam um ponto sempre que sua resposta concordava com uma das alternativas consideradas corretas pelos especialistas ou zero quando não concordava.

Escala de Alexitimia de Toronto (TAS)

Taylor; Ryan; Bagby (1985)

Essa escala foi traduzida e estudada psicometricamente por Yoshida (2000), que obteve uma escala composta por 26 itens, com adequados indicadores de precisão e validade fatorial. A análise fatorial indicou quatro fatores. O primeiro fator da escala esta ligado a dificuldade de descrever sentimentos; o segundo, relacionado à incapacidade de fantasiar; o terceiro esta ligado a focalização em eventos externos; e o quarto fator esta relacionado à habilidade de expressar e de compreender os sentimentos e as emoções.

Os sujeitos devem responder aos itens por meio de uma escala do tipo Likert de cinco pontos, na qual 1 = "discordo inteiramente", 2 = "discordo", 3 = "não sei", 4 = "concordo" e 5 = "concordo plenamente".

Procedimentos

Os sujeitos convidados eram esclarecidos quanto aos objetivos e aos procedimentos da pesquisa e, caso concordassem em participar, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, consentindo a utilização de seus dados para fins de pesquisa. A amostra foi de conveniência dos pesquisadores, sendo apenas controlada quanto ao gênero.

Ambos os instrumentos foram aplicados individualmente por aplicadores treinados. Aplicou-se o TPE em sua versão informatizada, e a TAS foi aplicada na versão "lápis-e-papel". Os dados foram tabulados em planilha eletrônica, e, para atingir os objetivos propostos, realizaram-se analises de estatística descritiva e inferencial, cujos resultados são apresentados a seguir.

 

Discussão dos resultados

O objetivo principal da pesquisa foi verificar a relação entre a TAS e o TPE. No entanto, para melhor compreensão dos dados, inicialmente serão apresentadas as estatísticas descritivas de cada um dos testes. Os dados da Tabela 1 apresentam as estatísticas descritivas da escala de alexitimia.

 

 

As pontuações na TAS foram calculadas somando os pontos dos itens pertinentes a cada fator e dividindo o total pelo numero de itens, de modo a obter um valor sempre entre 1 e 5. Observa-se que as escalas apresentaram boa amplitude, com boa variabilidade, excetuando- se da focalização em eventos externos, cuja variabilidade foi relativamente baixa.

No caso do TPE, foram computadas duas formas de pontuação: por concordância com o consenso e com especialistas. As estatísticas descritivas foram apresentadas separadamente para cada forma de pontuação. A Tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas pela concordância com o consenso. Foram pontuadas em separado as duas partes do teste, quais sejam, a percepção das emoções nos outros (CONS_outros) e a percepção das emoções em si mesmo (CONS_si).

 

Observa-se que houve boa variabilidade nas duas escalas. A média dos sujeitos foi mais elevada na percepção de emoções nos outros (CONS_outros) do que em si mesmo (CONS_si), mas isso era esperado, uma vez que são 57 itens que compõem a primeira e 36 que compõem a segunda.

A seguir, foi realizada estatística descritiva para o TPE segundo a pontuação por especialistas (ver Tabela 3). Os índices descritos foram obtidos com o emprego do modelo de Rasch da Teoria de Resposta ao Item. Assim, foram calculados o theta, o infit e o outfit das variáveis analisadas, que foram à percepção de emoções nos outros, percepção de emoção em si, escore neutro tanto nos outros quanto em si e escore dinaceptivo, cujas descrições são apresentadas a seguir.

O índice theta e um indicador do nível de habilidade do sujeito e pode ser interpretado de maneiras diferentes, de acordo com a variável em analise. No que diz respeito a percepção de emoções nos outros (PE_outros), o coeficiente theta representa a habilidade do sujeito em concordar com os especialistas quanto a emoção presente nos figurantes das fotos. De forma similar, o theta da percepção de emoções em si (PE_si) indica a habilidade do individuo em relatar emoções congruentes com o que o estimulo pretende desencadear, também definidas pelos especialistas.

No escore neutro, os valores de theta representam a dificuldade de perceber emoções, ou seja, assinalar a alternativa indicando emoção neutra, quando, segundo os especialistas, alguma emoção deveria ter sido assinalada naquela figura. Essa pontuação foi computada tanto para a tarefa de perceber emoções em si (EN_si) quanto nos outros (EN_outros).

Já o escore dinaceptivo (EDin) e derivado do conceito de dinacepção, definido como a distorção perceptiva causada pelo dinamismo emocional do sujeito que percebe (CATTELL, 1967). Nesses casos, estima-se que o participante imponha ao personagem da imagem apresentada uma emoção que a situação descrita pela imagem provavelmente despertava nele mesmo. Diz respeito a uma situação na qual o sujeito descreve uma emoção divergente daquela proposta pelo estimulo. Ressalta-se que, em relação a esse escore, o índice representa a fusão das duas partes do TPE, ou seja, percepção de emoções nos outros e em si. Esse procedimento foi adotado porque o numero de itens separando as duas escalas, nesse caso, ficaria muito reduzido.

Os índices infit e outfit descrevem o ajuste da estimação dos thetas de todas as variáveis. Enquanto o primeiro descreve o ajuste a região de maior discriminação do item, o segundo descreve o ajuste as regiões extremas. Em ambos os casos, ha uma expectativa de valores menores que 1,5 (LINACRE, 2006).

 

Os valores de theta indicaram que os sujeitos apresentaram maior capacidade na percepção de emoções nos outros (PE_outro) do que de emoções em si mesmos (PE_si). No caso dos escores neutros, os sujeitos em geral apresentaram uma boa capacidade de perceber e relatar uma emoção para as fotos que apresentam emoções claras, em vez de permanecerem indiferentes (EN_outro e EN_si). Essa interpretação e derivada do fato de a média dos thetas ter sido muito baixa, ou seja, houve pouca adesão ao escore neutro. Também o escore dinaceptivo (EDin) indicou que as pessoas apresentam boa capacidade de perceber e relatar emoções congruentes com os estímulos. Em todos os casos, os valores médios dos infits e outfits indicaram um bom ajuste para a estimação.

Foram feitas correlações com dois escores semelhantes entre sistemas diferentes, quais sejam a percepção de emoções em si, segundo consenso (CONS_si), correlacionada com o modelo de Rasch (PE_si), encontrando.se r = 0,86 (p < 0,01), e percepção de emoções nos outros, segundo consenso (CONS_outros), correlacionada com o modelo de Rasch (PE_outros), encontrando.se r = 0,82 (p < 0,01). Esses resultados sugerem uma elevada correlação entre as duas formas de pontuação, indicando convergencia, o que era esperado. As duas formas foram estudadas a seguir.

Correlações de Pearson entre as pontuações por consenso do TPE e os escores da TAS foram realizadas em seguida. Os resultados estão apresentados na Tabela 4.

 

Houve correlação estatisticamente significativa e negativa entre a incapacidade de fantasiar, medida pela TAS, e a habilidade de perceber emoções em si mesmo, medida pelo TPE (CONS_si). Isso sugere que a capacidade de fantasiar está associada a uma melhor percepção de emoções em si mesmo. A Tabela 5 apresenta as correlações de Pearson entre os thetas das escalas de percepção de emoções corrigidos pelos especialistas e as variáveis do teste de alexitimia.

 

 

Tanto a percepção de emoções em si mesmo (PE_si) quanto a percepção de emoções neutras em si mesmo (EN_si), medidas pelo TPE, apresentaram correlações significativas com a incapacidade de fantasiar, medida pela TAS. A primeira foi negativa, indicando que a baixa habilidade em perceber emoções em si mesmo esta associada a incapacidade para fantasiar e vice.versa. A segunda foi positiva, indicando que a ocorrência de escores neutros também esta associada a incapacidade para fantasiar. Portanto, pode-se inferir desses resultados que a incapacidade de fantasiar, um dos aspectos da alexitimia, está relacionada a uma reduzida capacidade de perceber emoções em si mesmo.

Não foram encontradas correlações significativas entre o escore dinaceptivo (EDin) e as áreas de alexitimia. Portanto, pessoas que apresentam respostas muito distorcidas (por exemplo, enxerga tristeza ou raiva em uma foto em que o esperado era alegria) aparentemente não podem ser caracterizadas como portadoras de alexitimia ou não.

Constatou-se também uma correlação negativa entre a percepção de emoções neutras em si mesmo (EN_si) e a dificuldade de descrever sentimentos. Trata-se de um resultado inesperado, pois sugere que, quanto mais os sujeitos percebem uma emoção neutra numa foto que deveria gerar algo, mais apresentam facilidade para descrever sentimentos.

Deve-se notar que não foram encontradas correlações significativas com duas áreas da alexitimia. No caso de focalização em eventos externos, a análise descritiva desse fator revelou que não houve muita variabilidade nas pontuações dos participantes desta pesquisa. Esse fato pode ter contribuído para a ausência de um resultado significativo. Já no caso do fator expressão e compreensão dos sentimentos, entende-se que a pontuação nesse fator pode sofrer algum tipo de viés pelo fato de a TAS ser um instrumento de autorrelato, enquanto o TPE se configura como um teste de desempenho. Enquanto os primeiros fatores talvez estejam menos sujeitos ao viés do autorrelato, por investigarem se a pessoa tem facilidade ou dificuldade de descrever sentimentos e se tem capacidade para fantasiar, um fator que trata sobre o reconhecimento adequado da expressão e significado dos sentimentos pode ser mais influenciado pela idéia que o sujeito tem a respeito dessa capacidade nele mesmo. Ou seja, isso não significa necessariamente que um indivíduo que relata possuir uma boa capacidade de expressão e compreensão das emoções tenha mesmo essa capacidade.

Essas são possibilidades de explicação para os resultados inesperados. Contudo, e necessário que sejam feitos mais estudos com amostras diferentes, a fim de verificar se as relações entre os construtos se mantém.

 

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo realizar a comparação de escores de dois instrumentos de avaliação psicológica, um destinado a avaliação da percepção emocional e o outro, a avaliação da alexitimia. Os resultados deste estudo, embora obtidos a partir de uma amostra pequena e, portanto, não amplamente generalizáveis, permitiram reflexões interessantes.

Das correlações obtidas entre as escalas dos dois instrumentos utilizados neste estudo, constatou-se que a incapacidade de fantasiar esta relacionada a um déficit na capacidade de perceber emoções em si mesmo. Em alguma medida, os achados corroboram outros já encontrados em estudos anteriores, mas realizados em países estrangeiros, que também encontraram correlações negativas entre percepção de emoções e alexitimia (DAVIES; STANKOV; ROBERTS, 1998; MAYER; DIPAOLO; SALOVEY, 1990). Contudo, o presente estudo esclarece que a relação com alexitimia se da pelo componente da incapacidade para fantasiar, uma das características desse transtorno.

Notou-se também que somente o componente relacionado a percepção de emoções em si (e não nos outros) esta relacionado ao componente incapacidade para fantasiar da alexitimia. Por isso, o TPE pode ser considerado um avanço, uma vez que apresenta a possibilidade de medir a percepção de emoções em si e nos outros de forma independente. Ao lado disso, por ser uma medida de desempenho, apresenta vantagem em relação a uma medida por autorrelato, quanto as distorções causadas pelo sujeito tanto intencionalmente quanto pela opinião distorcida que pode ter sobre si mesmo, quando atribui as respostas.

O TPE apresentou ainda alguns resultados fora do esperado, como a correlação positiva entre escores neutros e a facilidade em descrever sentimentos. Esperava-se que pessoas com maiores níveis de alexitimia apresentassem mais respostas neutras para estímulos que deveriam despertar alguma emoção. Assim, outras pesquisas precisam ser feitas com o instrumento, a fim de verificar a validade da utilização desse critério de pontuação (escore neutro) ou, então, sua remoção.

A distinção entre a habilidade de perceber emoções em si mesmo e nos outros também pode ser notada nas medias dos sujeitos nessas habilidades. Notou-se que os sujeitos tiveram maior facilidade na tarefa de perceber emoções nos outros do que em si mesmos. Esses resultados sugerem comportamentos distintos entre essas duas habilidades. Diante disso, pergunta-se: seria essa distinção o reflexo do envolvimento de diferentes áreas cerebrais nesses processos?

De acordo com Lane e Schwartz (1987), as diferenças individuais na habilidade de reconhecer e descrever emoções em si e nos outros (consciência emocional) seriam reflexo das variações no grau de diferenciação e integração dos esquemas utilizados para processar informações emocionais, não importando se essas informações vêm do mundo externo (nos outros) ou interno (em si). Lane et al. (1998) mostraram que a área de ativação neural mais provavelmente associada a esse tipo de processamento de informações emocionais e a do córtex cingulado anterior.

Contudo, em ambas as pesquisas, a tarefa apresentada aos participantes envolvia apenas a percepção de emoções em si. Em outro trabalho, Lane et al. (1997) mostraram que a atenção ao próprio estado emocional esta associada a ativação do córtex cingulado anterior cefálico e do córtex pré-frontal mediano, enquanto a atenção a características espaciais do ambiente esta associada a ativação bilateral do córtex parietoccipital, região associada as avaliações espaciais. Como nessa pesquisa não houve controle do direcionamento da atenção a aspectos externos emocionais e espaciais, pode-se questionar se as diferenças encontradas se devem ao tipo de estimulo (emocional ou espacial), a direção do estimulo (interna ou externa) ou a alguma combinação entre essas variáveis. Como este trabalho sugere que ha diferenças entre a percepção de emoções em si e nos outros, a realização de outras pesquisas para investigação da associação dessas habilidades com áreas cerebrais diferentes seria muito interessante.

Outro aspecto investigado neste trabalho foi a diferença entre as formas de atribuição de pontos: por concordância com o consenso e por concordância com especialistas. Os dados mostraram que os dois sistemas de pontuação levam as mesmas conclusões.

A análise pelo modelo de Rasch, no entanto, possibilita uma melhor integração entre teoria e medida, o que também poderia ser objetivo de investigações futuras. Assim, as relações entre características da percepção de emoções e da alexitimia encontradas neste trabalho, compatíveis com dados disponíveis na literatura científica, sugerem que o TPE é válido para a avaliação da capacidade de perceber emoções. Sob essa perspectiva, este trabalho contribui no sentido de apontar possíveis vicissitudes dessa habilidade que carecem de investigação.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Fabiano Koich Miguel
Depto. de Psicologia e Psicanálise Centro de Ciências Biológicas
Universidade Estadual de Londrina
Campus Universitário - Caixa Postal 6001
Londrina - PR
CEP 86051-990
e-mail: fabiano@labape.com.br

Tramitação
Recebido em março de 2009
Aceito em setembro de 2010

 

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