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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.13 no.3 São Paulo dez. 2011
ARTIGO ORIGINAL
Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate
Gender and health: men's care in debate
Género y salud: el cuidado del hombre en debate
Railda Fernandes Alves; Renata Pimentel Silva; Monalisa Vasconcelos Ernesto; Ana Gabriella Barros Lima; Fabiana Maria Souza
Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande - PB, Brasil
RESUMO
Este artigo, fruto de uma pesquisa de iniciação científica, apresenta a análise da percepção dos homens sobre os cuidados com a própria saúde. Baseia-se na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - PNAISH para discutir o acesso masculino à Atenção Primária à Saúde - APS. Os dados foram coletados através de um questionário e uma entrevista. A amostra foi composta por homens entre 25 e 59 anos, inscritos num Programa de Saúde da Família (N = 82). Os resultados mostram as diferenças entre os gêneros masculino e feminino quanto aos cuidados com a saúde. As mulheres são consideradas mais cuidadosas e os homens, mais vulneráveis aos aspectos psicossociais, como: o machismo, as dificuldades em assumir a doença no trabalho e a dificuldade à acessibilidade aos serviços de saúde. A prevenção ao câncer de próstata foi o aspecto mais apontado quando a preocupação é a saúde.
Palavras-chave: psicologia da saúde; política de saúde; saúde pública; gênero; masculino.
ABSTRACT
This article is the result of a scientific initiation survey; it presents an analysis of the perception of men towards their own health care. It is based in the National Program for Integral Attention to Men's Health (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - PNAISH) in order to discuss men's access to Primary Health Care - PHC (Atenção Primária à Saúde - APS). Data were collected through a questionnaire and a structured interview. The sample consisted of 25 to 59 year old men enrolled in the Family Health Program (N = 82). The results show the differences between the male and female genders regarding health care. Women are considered to be more careful and men more vulnerable to psychosocial aspects such as machismo, the difficulties in assuming the disease in their workplace and accessibility to health services. The prevention to prostate cancer was the most pointed out aspect when the concern is health.
Keywords: health care psychology; health care policy; public health; gender; male.
RESUMEN
Este artículo, resultado de una investigación de iniciación científica, presenta un análisis de la percepción de los hombres sobre los cuidados con su propia salud. Basándonos en la "Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - PNAISH" para discutir el acceso de los hombres a la Atención Primaria a la Salud - APS. Los datos fueron tomados a través de un cuestionario y una entrevista. Los participantes fueron hombres con edades de 25 a 59 años, inscritos en el "Programa de Saúde da Família" (N=82). Los resultados muestran las diferencias entre los géneros masculino y femenino en cuanto a los cuidados con la salud. Las mujeres son consideradas más cuidadosas y los hombres más vulnerables en los aspectos psicosociales, como: el machismo, las dificultades para asumir la dolencia en el trabajo y la dificultad al acceso a los servicios de salud. La prevención del cáncer de próstata fue el aspecto más apuntado cuando la preocupación es la salud.
Palabras clave: psicología de la salud; política de salud; salud pública; género; masculino.
Introdução
O presente artigo é uma adaptação de um relatório de pesquisa relativo à cota de PIBIC 2009-2010, da Universidade Estadual da Paraíba. O interesse em estudar o assunto surgiu da necessidade de compreender os fatores que influenciam os homens a procurarem menos que as mulheres os serviços de Atenção Primária à Saúde - APS.
A análise da literatura especializada indica uma diferença significativa na procura pela APS entre homens e mulheres (FIGUEIREDO, 2005; PINHEIRO et al., 2002). Autores como Laurenti, Mello-Jorge e Gotlieb (2005) apontam, por um lado, uma maior mortalidade e sobremortalidade masculina quando comparadas as causas de morte, e por outro lado, maior procura feminina pelos serviços de saúde. A constatação desses autores traz implícita a ideia de que as mulheres estão mais propensas a adoecer que os homens.
Os dados sobre a mortalidade e sobremortalidade dos homens com respeito à maioria das enfermidades em relação às mulheres desmistifica a ideia de que o homem adoece menos que as mulheres. Isso indica que a explicação desse fenômeno passa também por uma questão de gênero, em que homens e mulheres sob efeito de elementos culturais distintos, desenvolvem padrões de comportamentos diferentes com relação aos autocuidados com a saúde (AQUINO et al., 1991).
Vários autores, tais como Gomes, Nascimento e Araújo (2007), Villar (2007) e Korin (2001), revelaram estrita relação entre um modelo culturalmente construído de masculinidade e sua influência nos cuidados com a própria saúde. Korin (2001, p. 70), ainda acrescenta que "em vez de usar uma definição de gênero monolítica e estereotipada, é mais apropriado falar de masculinidades e feminilidades". Essas devem ser entendidas como significados culturais atribuídos às diferenças sexuais, e que, à medida que são construídas e perpassadas culturalmente, são também referências para o modo de ser e se relacionar. Modo que inclui, também, as preocupações com a saúde. Waldron (1976) aponta em seus estudos que três quartos da diferença da expectativa de vida entre homens e mulheres são atribuídos a aspectos ligados às questões de gênero.
Para além das questões de gênero, pesquisas apontam que podem coexistir outros fatores inerentes ao funcionamento dos serviços de saúde, capazes de obstaculizar o acesso dos homens a esses serviços. Gomes, Nascimento e Araujo (2007) apontam alguns aspectos relacionados ao trabalho, à acessibilidade, às especificidades das equipes profissionais e à estrutura de funcionamento desses serviços, como outros elementos influenciadores de uma menor procura dos homens pelas assistências em saúde.
Com base na identificação dessa problemática e na tentativa de corrigir um equívoco histórico, o Ministério da Saúde lançou, em agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - o PNAISH (BRASIL, 2008), para assistir os homens entre 25 e 59 anos. A faixa etária em foco que embora represente 41,3% da população masculina, e 20% do total da população brasileira, além de ser uma parcela preponderante da força produtiva com significativo papel sociocultural e político, não estava, até então, incluída em nenhuma política de saúde.
A política proposta pelo referido Ministério pretende identificar os elementos psicossociais que acarretam a vulnerabilidade da população masculina à maior exposição de riscos em saúde, assim como, influenciam em seu acesso à Atenção Primária à Saúde (APS) (BRASIL, 2008). Tal Programa quer mudar a cultura sobre a prevenção enfatizando, para isso, uma mudança paradigmática da percepção masculina em relação a seus cuidados com a saúde, a compreensão do universo masculino e suas motivações e empecilhos para fazer a prevenção de doenças.
Esta pesquisa foi realizada em diferentes Unidades Básicas de Saúde da Família - UBSF, no intuito de obter dados de distintos polos, da cidade de Campina Grande - PB. Teve como objetivos principais analisar os cuidados com a saúde autorrelatados pelos homens; e compreender as percepções deles sobre os modos como homens e mulheres cuidam da própria saúde.
Método
O estudo foi de caráter transversal, descritivo e analítico, com abordagem quantiqualitativa (MINAYO; SANCHES, 1993). Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: um questionário sociodemográfico (REA; PARKER, 2000), e uma entrevista por pautas (GIL, 1999).
Os aspectos qualitativos foram analisados através de análise temática de conteúdo, segundo os critérios estabelecidos por Bardin (1977). Para a demonstração dos dados foram utilizadas árvores de associação de sentidos (SPINK; LIMA, 1999).
O universo da pesquisa contou com duas amostras de homens entre 25 e 59 anos: a amostra número 1, constituída por homens que costumam buscar auxílio nas UBSF; e a amostra número 2, composta por homens que, ainda que cadastrados nos programas de Saúde da Família, não costumam procurar esses serviços. A amostra no 1 foi entrevistada nos serviços de atenção básica; enquanto a amostra no 2 demandou o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde - ACS para consultar o cadastro dos moradores e realizar a visita domiciliar. A delimitação das amostras seguiu uma estratégia acidental e os critérios de inclusão foram a acessibilidade aos sujeitos e a disponibilidade (SARRIÁ; GUARDIÃ; FREIXA, 1999).
Destaca-se ainda que a pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, Processo no 0563.0.133.000-09, tendo atendido às orientações contidas nas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos, através da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Utilizou-se do Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE, na ocasião da coleta de dados.
Os resultados apresentados a seguir referem-se a um total de 82 sujeitos, componentes das duas amostras: a dos homens que buscavam os serviços de saúde (amostra 1) e a dos que não os buscavam (amostra 2). Os resultados aqui demonstrados foram extraídos da análise qualitativa de duas categorias, sendo a primeira categoria O que você faz para cuidar da sua saúde, demonstrada nas árvores 1 e 2; e a segunda, Você acha que homens e mulheres cuidam da saúde da mesma forma? Demonstrada nas árvores 3 e 4. Assim, cada categoria é demonstrada por duas árvores em virtude de fazerem referência aos dados das amostras 1 e 2, respectivamente.
Resultados e discussões
A Tabela 1 resume os principais dados sobre o perfil das amostras estudadas. De um modo geral, as duas amostras são bastante parecidas, ainda que numa comparação entre os percentuais seja possível constatar que a amostra 2 é um pouco mais jovem, estudou mais e possui uma carga de trabalho maior que a da amostra 1.
A renda mensal predominante nas duas amostras esteve entre 1 e 2 salários mínimos1. Correspondendo a 63,63% para a amostra 1, e a 38,63% para a amostra 2.
Com relação ao estado civil, na amostra 1 houve um predomínio de homens casados (52,63%) e convivendo com outras pessoas (23,68%). Na amostra 2, os resultados são similares, uma vez que a maioria dos homens são casados (40,90%) ou estão convivendo com outra pessoa (31,81%).
Para verificar a existência de relação do estado civil com a procura ou não procura pelos serviços de saúde, optou-se por realizar o teste Qui-quadrado, tendo sido considerado como nível de significância de p ≤ 0,05%. O teste apresentou um grau de significância de p ≤ 0,710. Logo, esses dados indicam que, na população pesquisada, o estado civil não possui correlação com a procura/não procura pelos serviços de saúde. Dessa forma, não confirmam os resultados de outras pesquisas, realizadas em outros contextos culturais (SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005) que afirmam que os homens casados ou com convivência com uma parceira procuram mais o médico do que os homens solteiros.
Os resultados demonstrados na Tabela 2, referentes às doenças relatadas pelos homens e diagnosticadas pelo médico, expressam em relação à amostra 1 que a hipertensão (7,89%), o diabetes (5,36%) e a associação de ambas (diabetes e hipertensão: 5,36%) são as enfermidades que mais acometem os homens.
Em relação a outras doenças, 10,52% dos homens afirmaram ser acometidos por outras doenças, tais como gastrite, hérnia de disco, problemas respiratórios e úlcera. Dessa forma, somando-se as frequências relativas ao aparecimento de enfermidades entre os homens da amostra 1 chegar-se-á a um total de 42,28%. Já 57,89% afirmaram não possuir doença alguma. Nesse caso, a procura pelo serviço de saúde pode ser entendida como preocupação e cuidado com a própria saúde. Essa atitude pode, portanto, ser entendida como uma ação voltada à prevenção de doenças e é o traço de qualidade que diferencia uma amostra da outra.
Os homens componentes da amostra 2 afirmaram terem sido diagnosticados como portadores de hipertensão (6,81%) e diabetes (2,27%), além de outras doenças não especificadas nos questionários (13,63%), tais como problemas respiratórios e cálculo renal. Esse resultado permite concluir acerca do descuido com a própria saúde, uma vez que, mesmo com diagnóstico de uma doença crônica, os homens não buscavam os serviços para tratá-la ou para fazer um acompanhamento. Dentre os que não relataram diagnósticos de doenças, encontram-se 77,27% dos homens. Esse dado nos permite questionar a real ausência de doenças na medida em que não ir ao médico impossibilita a constatação de alguma doença, considerando que existem enfermidades que são assintomáticas.
Na análise discursiva quanto à categoria O que você faz para cuidar da sua saúde, constatou-se que os resultados foram semelhantes para as duas amostras. Na Árvore no 1, relativa à amostra 1, as atitudes consideradas positivas ante os cuidados com a saúde sobressaíram-se perante as atitudes negativas, merecendo destaque as seguintes posturas: a procura pelo médico por prevenção; a alimentação balanceada; a realização de atividades físicas; a mudança de hábitos de fumar e beber, praticados durante décadas.
Quanto às atitudes negativas, pôde-se ressaltar a procura pelo médico apenas em caso de doença, ao sinal de algum problema; a falta de atividade física em virtude de o próprio trabalho ser apontado como um exaustivo exercício físico diário ou em virtude da falta de condições físicas para tal; os hábitos de beber e fumar praticados durante uma vida inteira, muitas vezes iniciados na infância ou na adolescência.
Essas atitudes podem ser refletidas nos dados apresentados por Laurenti, Mello-Jorge e Gotlieb (2005), e Brasil (2007, 2008), cujas estatísticas revelam que a maioria das causas de mortes são lideradas pelos homens. Tais dados confirmam a menor expectativa de vida desses em relação às mulheres.
Em relação à busca por auxílio médico ocasionada apenas no surgimento de uma doença, inviabilizam as ações de saúde voltadas à promoção de saúde e à prevenção de doenças, propostas pelos serviços da APS (FIGUEIREDO, 2005; PINHEIRO et al, 2002). Tal atitude representa um privilégio dado à atenção secundária e à terciária, fato que contribui para uma demora na intervenção preventiva e diagnóstica, e que provoca o agravamento da morbidade e um aumento dos gastos com os tratamentos, pelo sistema de saúde (BRASIL, 2008).
As jornadas de trabalho, a falta de tempo, a impossibilidade de deixar as atividades, funcionam não só como empecilhos na busca pelos serviços de APS (SCHRAIBER; NEMES; MENDES-GONÇALVES, 2000; KORIN, 2001; SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005; GOMES; NASCIMENTO; ARAUJO, 2007; BRASIL, 2008), como também contribuem para a perspectiva de ser o trabalho em si a única atividade a ser realizada no cotidiano dos homens.
No tocante à amostra 2, conforme se apresenta na Árvore 2, constataram-se semelhanças nos resultados. Mais uma vez as atitudes positivas se sobrepõem às negativas, conclusões que aproximam as duas amostras.
De específico, destaca-se a ida ao médico pelo medo de adoecer, o que em geral esteve associado à realização do exame do toque retal para o diagnóstico do câncer de próstata. Fato interpretado como sendo a saúde do homem associada restritivamente à saúde reprodutiva/sexual, ideia concebida e percebida como tradicional (GOMES; NASCIMENTO, 2006; SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005).
Dentre as atitudes que se distanciam das observadas na Árvore 1, constatou-se que os hábitos de fumar e beber e os maus hábitos alimentares acabaram por compor, junto com a ausência de atividades físicas e a falta da procura pelo médico, um quadro de negligência com a própria saúde. Essa situação foi justificada pela dedicação excessiva ao trabalho, restando pouco tempo para a prática de outras atividades.
Uma explicação dos entrevistados da amostra 1, relativa aos empecilhos de uma procura médica satisfatória, se articula às questões relacionadas ao trabalho. A análise dos discursos demonstra que o horário de funcionamento dos serviços de saúde não atende às demandas dos homens, por coincidir com as suas jornadas de trabalho.
Registrou-se a presença de receio/medo sentido pelos homens em comunicar no trabalho quando estão doentes, principalmente quando se trata de uma enfermidade crônica. Isso ocorre em decorrência de relatos de demissão após a informação de que um funcionário está enfermo. Tal fenômeno atua negativamente sob a conduta masculina quanto à procura pelos serviços de saúde e o encobrimento dos casos de dor. Comparando-se às atitudes das mulheres quanto aos cuidados com a própria saúde, é possível afirmar que as atitudes dos homens se justificam mais pelo caráter cultural do que mesmo pelas questões de falta de tempo de ir ao médico.
Ainda na análise da categoria O que você faz para cuidar da sua saúde?, dessa vez focando os resultados quantitativos, foi possível detectar uma significativa redução no consumo de bebidas e cigarros por parte da amostra 1. Isso, em parte, se deve à ocorrência de problemas de saúde já instalados (diabetes, hipertensão, entre outros), e de outra parte pelas mudanças de atitudes em relação aos cuidados com a saúde de forma geral, já que se trata da amostra de homens que procuram o serviço de APS.
No que se refere à amostra 2, 7,5% dos entrevistados relataram beber muito frequentemente, o que se aproxima dos resultados encontrados pelo I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira (BRASIL, 2007) para quem 11% dos homens adultos brasileiros bebem com a frequência citada. Por outro lado, 27,5% da amostra referida bebem nos fins de semana e confirmam os dados de Brasil (2007) para quem 28% dos homens nessa faixa etária bebem de uma a quatro vezes por semana. É mister apontar que o consumo de bebidas alcoólicas semanalmente (nos fins de semana) é encarado de forma natural. Os entrevistados não demonstraram preocupação quanto ao uso frequente de bebidas.
Numa comparação entre os dados das amostras 1 e 2 é possível observar semelhanças e pequenas diferenças entre as amostras. Destacam-se: a procura pelo médico quase idêntica; o uso de medicamento restrito a um pequeno grupo, pois mesmo trabalhando com diferentes doenças crônicas apenas houve referência a tratamento medicamentoso nos casos de transtornos mentais, hipertensão e problemas cardíacos; alimentação desregrada, sem restrições com maior relevância entre aqueles homens que não procuram pelos serviços de saúde; e, os hábitos, onde a bebida e o fumo são recorrentes entre aqueles que não procuram pelos serviços de APS.
Na análise discursiva da categoria Você acha que homens e mulheres cuidam da saúde da mesma forma? também se constatou uma similaridade nos resultados entre as duas amostras.
A Árvore 3, relativa à amostra 1, revela certa equivalência quanto às justificativas em relação ao cuidado com a saúde. Os homens apontaram como razões para as mulheres procurarem os serviços o fato de essas serem mais cuidadosas, terem mais paciência, obterem atendimento mais rápido e desfrutarem de maior disponibilidade. Tais justificativas foram relacionadas a uma suposta fragilidade feminina, também a elementos culturais, já que as mulheres são estimuladas desde tenra idade a buscar o médico.
Os homens creditam as causas da pequena procura ao fato de: serem mais acomodados/ desleixados; serem o provedor da casa, cultivarem uma conduta machista de apenas cuidar da saúde em situações extremas; serem irresponsáveis; encontrarem mais dificuldades nos atendimentos; necessitar agir como um animal, acordar cedo, viver só para trabalhar; além de aspectos pessoais ligados a grosseria e ignorância.
Dados do IBGE, referentes à força de trabalho, acabam por não sustentar a argumentação masculina da não busca dos homens ao médico por serem provedores do lar. Os dados revelam um aumento no número de mulheres em atividade profissional que passou de 47,2% em 1992 para 52,4% no ano de 2007, e um decréscimo no número de homens em atividade que em 1992 era de 76,6% passando em 2007 a ser de 72,2%.
Ainda segundo o IBGE (2010), o nível de ocupação também cresceu no universo feminino com 10 anos ou mais de idade, passando de 43,4% em 1992 para 46,7% em 2007. Em relação aos homens, os dados revelam uma queda no nível de ocupação de 72,4% em 1992, para 67,8% em 2007.
Em sua maioria os entrevistados afirmaram que os homens cuidam menos da saúde do que as mulheres, embora alguns deles tenham apontado para uma necessidade de procura independentemente do gênero.
As explicações elaboradas pelos entrevistados nas duas amostras giram em torno de um único eixo estruturante: os papéis a serem desempenhados para que se ateste a identidade de ser masculino. Nesse sentido, a procura por serviços de saúde se encontra intimamente relacionada ao que se entende por ser homem.
Segundo Korin (2001), em sociedades que equiparam poder, sucesso e força como características masculinas, os homens buscam, no processo de socialização (pela mídia, entre pares, na família), o distanciamento de características relacionadas ao feminino: sensibilidade, cuidado, dependência, fragilidade. Essas atribuições simbólicas diferenciadas entre homens e mulheres resultam, muitas vezes, para os homens, em comportamentos que os predispõem a doenças, lesões e mortes.
Além desses aspectos no campo do imaginário social, a segunda categoria também foi investigada especialmente focando-se as jornadas de trabalho que não se encaixam com as jornadas dos serviços de saúde; a indisponibilidade de tempo; a impossibilidade de realizar outras atividades; o medo de que a revelação de um problema de saúde e a necessidade de ausentar-se para tratamento médico possa prejudicá-los, resultando em perda do posto de trabalho; a falta de recursos financeiros; a precarização dos serviços de saúde pública; a falta de escolarização e informação dos usuários; a composição das equipes de saúde, majoritariamente formada por mulheres; entre outros aspectos que também poderiam funcionar como empecilhos a um maior acesso masculino aos serviços de APS (SCHRAIBER; NEMES; MENDES-GONÇALVES, 2000; KORIN, 2001; SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005; GOMES; NASCIMENTO; ARAUJO, 2007; BRASIL, 2008).
Diferente da amostra 1, que concentrou suas respostas em afirmativas ou negativas, a amostra 2, Árvore 4, relativizou suas opiniões apontando algumas variáveis importantes que influenciam nos cuidados com a saúde masculina.
O medo do câncer de próstata foi apontado pela amostra 2, Árvore 4, como motivo desencadeante da procura pelos serviços, o que se caracteriza como mais uma semelhança nas assertivas das distintas amostras, tendo em vista que em ambas houve referência aos problemas de próstata como razão para a procura do médico.
No que tange às opiniões divergentes entre as diferentes amostras, destaca-se na amostra 2, Árvore 4, a referência significativa do tripé medo/timidez/vergonha - juntos ou separadamente - como causa da menor procura masculina pelos serviços de saúde.
Os homens também relataram que encontram mais dificuldades para ser atendidos. Para tanto, contribuem as falhas na assistência percebidas pelos homens como regalias do público feminino nos atendimentos. Oliveira et al. (2007), em um estudo com profissionais do SUS, confirmaram essas falhas ao verificarem as dificuldades desse sistema na efetiva ampliação do acesso à assistência de saúde. Lembrando que uma das prerrogativas da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - PNAISH é adequar os serviços de forma que possam atrair um público diferenciado, incluindo homens em idade ativa (BRASIL, 2008).
Para fazer justiça a todas as respostas é importante registrar que dois homens relataram a importância da influência exercida pelo cônjuge à hora de procurar o serviço médico. A influência do cônjuge no comportamento masculino já foi apontada por Schraiber, Gomes e Couto (2005) ao afirmarem ser comum que homens casados dependam de suas mulheres nos cuidados com a saúde, o que caracterizou, no estudo desenvolvido pelos citados autores, o casamento como um fator de proteção a riscos e agravos da saúde para eles. Embora, no âmbito desta pesquisa, as diferenças tenham sido insignificantes quanto às variáveis estar casado e ir mais ao médico, em relação aos que estão solteiros.
Para fins de justificar a maior procura feminina pelos serviços de saúde, na amostra 2, Árvore 4, os homens, de modo recorrente, atribuíram às mulheres maior tempo livre, motivo pelo qual essas poderiam dedicar-se aos cuidados profiláticos. Entretanto, as pesquisas apontam que, contrariamente ao que se pensa, as mulheres modernas convivem com uma jornada dupla de trabalho, dividindo-se entre as atribuições profissionais e as atividades domésticas e, portanto, dispondo de menos tempo livre.
Considerações finais
Diversos aspectos relacionados ao universo masculino e seus cuidados com a saúde foram analisados para fins de explicar a pouca procura dos homens pelos serviços de saúde. Constatou-se que as práticas preventivas, por variados motivos, sejam elas de ordem estrutural e/ou cultural, não fazem parte do cotidiano dessa população. Também, antes não sendo o público masculino o foco de atuação das equipes de saúde, a menor procura pode ter sido ocasionada por serem os homens "invisíveis", no que se refere à assistência nos serviços de APS.
Nesse sentido, a identificação de tais elementos psicossociais que contribuem para a maior vulnerabilidade dessa população pode ser relevante para a construção de uma cultura de prevenção. Uma mudança paradigmática da percepção masculina em relação a seus cuidados com a saúde passa pelo conhecimento dessa percepção e, nesse sentido, pesquisas que investiguem os homens, enquanto sujeitos de sua saúde, parecem contribuir significativamente para a aproximação das idiossincrasias desse universo.
As amostras revelaram semelhanças nos relatos de autocuidados e nas atribuições simbólicas de cuidados de saúde aos universos, feminino e masculino. De maneira geral, percebem-se os homens presos a concepções machistas e hegemônicas de que compõem um grupo invulnerável e forte, e que os cuidados preventivos são preciosismos tipicamente femininos. Assim, mesmo os homens que procuram as unidades de saúde, e o fazem por algum problema já instalado, revelam manter o hábito de fumar e beber, os maus hábitos alimentares, a ausência ou insuficiência de atividades físicas e a pequena procura aos serviços de saúde. As justificativas revelam dificuldades em seu próprio trabalho ou na realização dos serviços em saúde, tradicionalmente composto e procurado por mulheres.
As diferenças mais significativas revelam as dificuldades da amostra 2 em transpor medo/timidez/vergonha para procurarem os serviços de saúde. Esse grupo parece estar ainda mais ligado às concepções dominantes que o fazem acreditar que tais serviços de saúde não devem acolher os homens. É esse grupo também que mais nitidamente aponta as supostas falhas na assistência aos homens, e indicam também que tais assistências são regalias dedicadas ao público feminino. Nesse sentido, é fundamental reavaliar os serviços de APS de forma a atrair um público diferenciado, incluindo homens em idade ativa. A capacitação dos profissionais envolvidos na efetivação dessa política é condição básica para avançar no processo de melhoria da saúde do homem.
A partir dessas constatações, pensa-se existir um longo caminho a ser percorrido na busca de ultrapassar as barreiras estruturais e culturais responsáveis pelos comportamentos e atitudes negligentes na saúde por parte de uma parcela significativa da população masculina. Constata-se a importância do PNAISH, assim como também o papel desempenhado por diversos profissionais da saúde, em especial o psicólogo da saúde, que por meio do conhecimento inter e multidisciplinar busca compreender e intervir no processo saúde-doença de modo geral.
Acredita-se, portanto, que conhecendo os aspectos psicossociais que influenciam os homens na hora de decidir pela procura aos serviços de APS, pode-se contribuir com a proposição de mudanças institucionais capazes de atrair esse público e interferir nas construções culturais ligadas aos cuidados com a saúde e as percepções dos homens em relação a esses cuidados. O que se quer alcançar é estimular nos homens a incorporação de novas práticas mais salutares ao seu modo de vida.
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Endereço para correspondência
Contato
Railda Fernandes Alves
e-mail: fernandes_railda@hotmail.com
Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em maio de 2011