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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.20 no.1 São Paulo jan./abr. 2018
https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n1p20-32
ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA
Sintomas psicopatológicos e vulnerabilidade ao estresse em uma amostra portuguesa de indivíduos com diabetes
Psychopathological symptoms and stress vulnerability in a portuguese diabetic sample
Sintomatología psicopatológica y vulnerabilidad al estrés en una muestra portuguesa de individuos diabéticos
Paula Saraiva CarvalhoI; Cláudia Isabel AntónioII
IUniversidade da Beira Interior, Portugal
IIUniversidade da Beira Interior, Portugal
RESUMO
A diabetes mellitus (DM) exige mudanças significativas no comportamento dos doentes, o que contribui para aumentar o risco de complicações ao nível do funcionamento psicopatológico. O principal objetivo deste estudo consistiu em caracterizar uma amostra de indivíduos com diagnóstico de DM e identificar as variáveis preditoras de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse. A amostra foi composta por 63 indivíduos adultos com diagnóstico de DM. O protocolo de investigação foi um questionário sociodemográfico, o Brief Symptom Inventory (BSI) e o Questionário de Vulnerabilidade ao Stress- 23 QVS. Pertencer ao gênero feminino, não ter atividade laboral e ser mais velho revelaram-se preditores de sintomatologia psicopatológica. Não ter uma atividade laboral, não ser casado e ter menor escolaridade mostraram-se preditores de vulnerabilidade ao estresse. A identificação de fatores preditores é útil no desenvolvimento de programas que promovam a resistência individual ao estresse e à psicopatologia.
Palavras-chave: doença crônica; diabetes mellitus; sintomatologia psicopatológica; vulnerabilidade ao estresse; prevenção.
ABSTRACT
Diabetes mellitus (DM) requires changes in behavior, which contribute to increase the risk complications in individual's psychopathological functioning. This study aims at characterizing a sample of adults diagnosed with diabetes mellitus and identifying the predictor variables of psychopathological symptoms and levels of vulnerability to stress. The sample population was 63 adults diagnosed with diabetes mellitus. The research protocol consisted of a sociodemographic questionnaire, the Brief Symptom Inventory (BSI), and the Vulnerability to Stress Scale- 23 QVS. Belonging to the female gender, not having work activity, and being older were psychopathological symptoms predictors. Having lower educational level, not being married, and having no work activity were predictors of greater vulnerability to stress. The identification of predictive factors is helpful to develop programs that help increase individual resistance to stress and psychopathology.
Keywords: chronic disease; diabetes mellitus; psychopathological symptomatology; vulnerability to stress; prevention.
RESUMEN
La diabetes mellitus (DM) requiere readaptaciones en el comportamiento de los enfermos, que contribuyen para el aumento del riesgo de las complicaciones del funcionamiento psicopatológico. El principal objetivo del presente estudio consistió en caracterizar una muestra de individuos diabéticos e identificar los predictores de las variables sintomatología psicopatológica y de la vulnerabilidad al estrés. La muestra estaba constituida por 63 individuos adulos con diagnóstico de DM. El protocolo de investigación estaba constituido por una encuesta sociodemográfica, por Brief Symptom Inventory (BSI) y Questionário de Vulnerabilidade ao Stress- 23 QVS. Pertenecer al género femenino, no trabajar y ser más viejo se revelaron predictores de sintomatología psicopatológica. No tener una actividad laboral, tener una escolaridad inferior y no estar casado se revelaron predictores de la vulnerabilidad al estrés. La identificación de factores predictores es útil en el desarrollo de programas que contribuyen para el aumento de la resistencia al estrés y psicopatología.
Palabras clave: enfermedad crónica; diabetes mellitus; sintomatología psicopatológica; vulnerabilidad al estrés; prevención.
Introdução
A diabetes mellitus, encarada como uma doença crônica, representa um grave e crescente problema de saúde pública, com inúmeras complicações, quer individuais, quer comunitárias. A sua incidência e prevalência estão aumentando consideravelmente e tem alcançado proporções epidêmicas (International Diabetes Federation, 2015). Segundo os dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde, em 2014, cerca de 422 milhões de adultos com idade superior a 18 anos tiveram diabetes mellitus, e a doença, atualmente, atinge mais de 8,5% da população mundial (World Health Organization, 2016). A prevalência estimada da diabetes na população portuguesa com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos foi, em 2013, de 13%, ou seja, mais de 1 milhão de portugueses nesse grupo etário têm diagnóstico de diabetes (Observatório Nacional da Diabetes, 2014).
O diagnóstico de uma doença crônica exige mudanças no estilo de vida (por exemplo, sedentarismo, alimentação desequilibrada, obesidade), nos comportamentos de autocuidado (como a automonitorização da glicemia e o uso de medicação) e na maneira de o paciente lidar consigo próprio e com outros (Ferreira, Daher, Teixeira, & Rocha, 2013). A regulação da afetividade negativa e positiva, as exigências colocadas pelo tratamento e a manutenção da funcionalidade diária são algumas das questões que se colocam frequentemente aos indivíduos com doença crônica (Stanton, Revenson, & Tennen, 2007). A necessidade de adaptação ao tratamento e a um novo estilo de vida contribui para que os indivíduos com diabetes apresentem sintomas de depressão, ansiedade, níveis elevados de estresse e isolamento social (António, 2010).
A presença de comorbidades nesse quadro clínico atinge cerca de dois terços das pessoas com mais de 55 anos, sendo a comorbidade diabetes e depressão um exemplo preocupante (Holt & Katon, 2012). Os níveis elevados de depressão estão associados a menor adesão à dieta, ao desenvolvimento de obesidade e à inatividade física, fatores que contribuem indiretamente para o mau controle glicêmico (Oliveira, Mello e Souza, Zanetti, & Santos, 2011). No mesmo sentido, verifica-se que as perturbações de ansiedade estão associadas à hiperglicemia em doentes com diabetes tipo 1 ou 2. A relação da ansiedade com o agravamento do controlo glicêmico é detetada sobretudo quando a ansiedade se torna clínica (Anderson, Freedland, Clouse, & Lustman, 2001).
A detecção precoce de sintomas depressivos e ansiógenos revela-se fulcral, seja para sinalizar o planejamento de intervenções mais sustentadas, seja para aplicar medidas terapêuticas adequadas a cada paciente (Riveros, Cortazar-Palapa, Alcazar, & Sánchez-Sousa, 2005).
Também a relação entre estresse psicológico e diabetes demonstra ser mais complexa do que se pensava inicialmente. Atualmente, é amplamente reconhecido que o estresse pode precipitar o início da diabetes e desempenhar um papel importante ao longo do curso dessa doença, isto é, a diabetes e o estresse podem influenciar-se de forma mútua, direta e indiretamente, criando uma relação bidirecional (Silva, Pais-Ribeiro, & Cardoso, 2004). O estudo da vulnerabilidade ao estresse em indivíduos diabéticos é de grande utilidade no desenvolvimento de medidas que incluam o controle e a gestão do estresse nos planos de tratamento.
Nesse âmbito conceptual e empírico, o objetivo desta investigação consistiu em analisar os níveis de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse em indivíduos diabéticos. Assim, pretendeu-se contribuir para colmatar algumas das lacunas existentes no estudo e a caracterização dessa patologia e das comorbidades psicológicas a ela associadas.
Constituíram objetivos deste estudo a avaliação dos níveis de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse em uma amostra de indivíduos com diabetes mellitus; a comparação dos dados sociodemográficos e clínicos recolhidos com o nível de sintomas psicopatológicos e de vulnerabilidade ao estresse; e a exploração da existência de variáveis preditoras que expliquem a presença de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse.
Método
Participantes
Os participantes foram selecionados com base no diagnóstico de diabetes, tratando-se de uma amostra não probabilística por conveniência. Os critérios de inclusão no estudo incluíram, ainda, ter acompanhamento na consulta de Diabetologia, ter idade mínima de 20 anos e máxima de 80 anos e não possuir nenhuma perturbação do estado de consciência ou outras patologias significativas associadas. A amostra foi recolhida, no período entre março e agosto de 2015, em três postos de saúde do distrito de Castelo Branco, zona Interior Centro de Portugal, onde os pacientes recebem cuidados de saúde de rotina para a diabetes.
A amostra do estudo é constituída por 63 adultos com diabetes, insulinodependentes ou não, com idades compreendidas entre 20 e 80 anos (X = 56,75; DP = 17.46), dos quais 28, que aceitaram responder ao protocolo de investigação, são do sexo masculino (44%) e 35 são do sexo feminino (56%).
Procedimentos
Houve o preenchimento de consentimento informado de modo a garantir a confidencialidade e o anonimato dos dados obtidos, e a avaliação foi feita individualmente, sempre na presença da investigadora. O estudo decorreu depois de ter sido aprovado pela comissão de ética das respetivas instituições de saúde (Centro Hospitalar Cova da Beira; Centro de Saúde da Sertã e Centro de Saúde da Covilhã).
Instrumentos
O protocolo de investigação é constituído por um questionário sociodemográfico, o Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI) e o Questionário de Vulnerabilidade ao Stress (23-QVS). Assim, para avaliar sintomas psicopatológicos, utilizou-se o Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI- Derogatis, 1977), adaptado e validado para a população portuguesa por Canavarro (1999). É um inventário de autorresposta com 53 itens, no qual o indivíduo deverá classificar o grau em que cada problema o afetou durante a última semana, em uma escala tipo Likert que varia entre "Nunca" (0) a "Muitíssimas vezes" (4). O BSI avalia sintomas psicopatológicos em termos de nove dimensões de sintomatologia (somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranoide e psicoticismo).
Para avaliar a vulnerabilidade ao estresse, utilizou-se o Questionário de Vulnerabilidade ao Stress (23 QVS), construído por Vaz Serra (2000) para a população portuguesa. Esse instrumento de autoavaliação, que tem como principal objetivo avaliar a vulnerabilidade que determinado indivíduo apresenta perante uma situação indutora de estresse, identifica sete fatores: perfecionismo e intolerância à frustração; inibição e dependência funcional; carência de apoio social; condições de vida adversas; dramatização da existência; subjugação; privação de afeto e rejeição. O inventário é constituído por 23 questões, pelo que cada questão pode ser respondida em função de cinco classes de resposta ("Concordo em absoluto", "Concordo bastante", "Nem concordo nem discordo", "Discordo bastante" e "Discordo em absoluto").
Análise dos Dados
Todas as análises foram realizadas no software SPSS, v. 22. Para a caracterização da amostra em termos de variáveis sociodemográficas e clínicas que a constituíam, recorremos a estatísticas descritivas (cálculo de frequências absolutas e relativas, médias e desvios-padrão). Quando as variáveis em estudo eram contínuas e os pressupostos para testes paramétricos estavam cumpridos, foram usados testes T de Student e análises univariadas (ANOVA). Quando as comparações de variáveis contínuas não permitiam assegurar os pressupostos da realização dos testes paramétricos, recorremos a testes U de Mann-Whitney. Posteriormente, os fatores explicativos para o desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica e vulnerabilidade ao estresse em indivíduos com diabetes foram explorados por meio de modelos de regressão logística binária.
Resultados
A média de idade dos participantes situou-se nos 57 anos, e a maioria (52,4%) estudou até ao 4ºano do ensino fundamental, são casados (61,9%) e são aposentados (42,9%), estando 34% da amostra empregada em horário integral. Com relação à caracterização clínica dos participantes, a amostra é constituída por 29 utentes insulinodependentes (46%) e 34 utentes que não tomam insulina (54%). Relativamente ao tempo de diagnóstico da doença, os indivíduos apresentam uma média de 14 anos (M = 14,31; DP = 10,25) e em média são acompanhados nas consultas de Diabetologia há cerca de 7 anos (M = 7,20; DP = 6,76). De salientar que todos os participantes fazem um controle regular da sua glicemia, 65,1% deles o faz diariamente.
Pode-se verificar que 74,6% da amostra revelou não possuir sintomatologia psicopatológica (fi = 63), enquanto 25,4% dos indivíduos parecem encontrar-se perturbados emocionalmente. Quanto à vulnerabilidade ao estresse, 58,7% dos diabéticos não apresentou vulnerabilidade ao estresse (fi = 63) e 41,3% dos indivíduos em que o score foi superior ou igual a 43 e, portanto, com vulnerabilidade ao estresse.
As mulheres diabéticas apresentam valores superiores e estatisticamente significativos de sintomas psicopatológicos [Z =- 2,865; p = 0,004] comparativamente aos indivíduos do sexo masculino. Os pacientes diabéticos com maior sintomatologia psicopatológica são os que se encontram no grupo etário dos 61 aos 80 anos [c2 = 14,925; p = 0,001], aqueles que se encontram divorciados ou viúvos [c2 = 9,736; p = 0,045] e que têm menor escolaridade [c2 = 10,280; p = 0,016]. Para além disso, os indivíduos aposentados foram aqueles que pontuaram mais alto, apresentando níveis superiores de sintomatologia psicopatológica [c2 = 18,165; p = 0,003] (Tabela 1).
No que diz respeito às variáveis clínicas, segundo os resultados, podemos afirmar que os indivíduos diabéticos que tomam insulina apresentam maior incidência de sintomas psicopatológicos [Z =- 2,228; p = 0,026] comparativamente aos que não tomam. A análise efetuada sobre a relação entre os níveis de glicemia e a presença de sintomas psicopatológicos revelou que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Também o tempo ao qual o diagnóstico da doença foi transmitido parece não influenciar os níveis de sintomatologia psicopatológica, dado que os índices de sintomas psicopatológicos são semelhantes independentemente do tempo de diagnóstico (Tabela 1).
As mulheres diabéticas apresentam valores superiores e estatisticamente significativos de vulnerabilidade ao estresse [t(61) = 1,934, p = 0,026] comparativamente aos homens. Contudo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nem entre os diferentes grupos etários, nem em relação ao estado civil, o que leva a crer que a idade e o estado civil dos indivíduos diabéticos não influenciam os níveis de vulnerabilidade ao estresse. Foram os indivíduos diabéticos com menos escolaridade (até ao 4º ano do ensino fundamental) que apresentaram valores superiores de vulnerabilidade ao estresse [c2 = 9,042; p = 0,029], assim como os indivíduos aposentados que pontuaram mais alto [F(5) = 3,695; p = 0,06], apresentando níveis superiores de vulnerabilidade ao estresse (Tabela 2). Não existem evidências que nos levem a afirmar que em média os níveis de vulnerabilidade ao estresse são diferentes entre os indivíduos insulinodependentes e os que não necessitam de insulina. Os níveis de glicemia e o tempo ao qual o diagnóstico da doença foi transmitido parecem também não influenciar os níveis de vulnerabilidade ao estresse, dado que esses índices são semelhantes ao nível de glicemia e ao tempo de diagnóstico (Tabela 2).
Para identificar potenciais preditores do desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse em indivíduos com diabetes, foram realizadas análises multivariadas por meio de modelos de regressão logística binária.
Na Tabela 3, encontram-se descritos os resultados para o modelo final obtido. O modelo é significativo X2(3) = 12,447, p < 0,05 e apresenta uma elevada adequabilidade aos dados existentes (Teste de Hosmer e Lemeshow não significativo ao nível 0,05). Assim, o risco para a ocorrência de sintomas psicopatológicos revelou-se mais provável em mulheres diabéticas, em indivíduos sem atividade laboral e em doentes mais velhos. A eficácia global do modelo de classificação dos indivíduos diabéticos em função da variável-critério é de 77.8%.
As outras variáveis estudadas não influenciaram, de forma estatisticamente significativa, a probabilidade de desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica em indivíduos com diabetes.
Quanto à vulnerabilidade ao estresse, o modelo é significativo X2(3) = 16,045, p < 0,05 e apresenta uma elevada adequabilidade aos dados existentes (Teste de Hosmer e Lemeshow não significativo ao nível 0,05). Assim, o risco para a ocorrência de vulnerabilidade ao estresse revelou-se mais provável em doentes diabéticos sem atividade laboral, em indivíduos não casados/união estável e em doentes com menor escolaridade. A eficácia global do modelo de classificação dos indivíduos diabéticos em função da variável-critério é de 71.4% (Tabela 4). As outras variáveis em estudo não influenciaram, de forma estatisticamente significativa, a probabilidade de desenvolvimento de vulnerabilidade ao estresse em indivíduos com diabetes.
Discussão
Com base no objetivo geral proposto neste estudo empírico, podemos constatar que 25,4% dos indivíduos relatam evidências de sintomatologia psicopatológica e cerca de 41,3% apresentam vulnerabilidade ao estresse. Esses resultados indicam que um quarto dos pacientes avaliados na amostra se encontra perturbado emocionalmente e que uma percentagem considerável de sujeitos apresenta vulnerabilidade ao estresse. Esses dados contribuem para reforçar as conclusões obtidas em vários estudos nacionais e internacionais que afirmam que doentes com diagnóstico de DM têm maior probabilidade de desenvolver formas patológicas de estresse, ansiedade e depressão (por exemplo, Holt & Katon, 2012; Silva et al., 2006).
Nessa amostra, as mulheres com DM apresentam valores superiores de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse. Além disso, pertencer ao sexo feminino constitui um fator preditor da presença de sintomatologia psicopatológica. Assim sendo, as mulheres parecem apresentar menor resistência ao estresse e níveis mais altos de psicopatologia. Essa situação pode ser explicada pelas estratégias de coping adotadas que propiciam a somatização, revelando com maior frequência esses tipos de comportamentos. Enquanto os homens internalizam as suas emoções, dificultando a identificação da presença de sintomatologia depressiva, as mulheres utilizam mais estratégias focadas na emoção, que dificultam o desenvolvimento saudável e podem desencadear condutas psicopatológicas e/ou aumento de relatos de mal-estar psicológico (Gibson, Baker, & Milner, 2016).
No que se refere à idade, os dados presentes na literatura são muito díspares. Na amostra, ser um doente mais velho constitui um fator preditor da presença de sintomas psicopatológicos, sendo o risco relativo três vezes superior. Esses resultados podem estar relacionados com o impacto negativo que os problemas clínicos adicionais à diabetes assumem ao nível da percepção das limitações físicas e do estado geral de saúde (Dickerson et al., 2011). O avanço da idade predispõe a um maior número de complicações clínicas favorecedoras da condição de fragilidade, que muitas vezes estão associadas a uma doença crônica ou a um quadro de comorbidades, aumentando a incidência de processos psicopatológicos (Costa, 2007). No presente estudo, esse aspecto é ainda reforçado, uma vez que a média das idades rondou os 57 anos de idade e havia poucos participantes representativos de faixas etárias mais baixas, fato que também pode ter contribuído para esses resultados.
Os indivíduos diabéticos divorciados ou viúvos revelam valores superiores de sintomas psicopatológicos. A ausência de companheiro pode ser responsável pela menor capacidade de aceitação da doença e das modificações necessárias no estilo de vida do indivíduo portador de diabetes (Rodrigues & Madeira, 2009). Dessa forma, quanto menor for o apoio emocional e social percebido, maior será a incidência de sintomatologia psicopatológica, uma vez que, quando ausente, este revela-se um fator de risco para o desenvolvimento de perturbações psicopatológicas.
Nessa amostra, os doentes com menor escolaridade apresentam valores superiores de sintomatologia psicopatológica e de vulnerabilidade ao estresse. Acrescente-se que essa variável constitui um fator preditivo da presença de vulnerabilidade ao estresse, apresentando um risco relativo três vezes superior. Assim, menor escolaridade dificulta o entendimento das implicações associadas a uma doença crônica e prejudica o nível de adesão aos tratamentos e os comportamentos de autocuidado (Alba, Medina-Morales, & Echeverri-Catano, 2016). Além disso, o fato de esses doentes não conseguirem identificar os sintomas e/ou não saberem o que fazer para minimizá-los pode funcionar como impulsionador de maior estresse e ansiedade (McIntrye & Silva, 1999). Importa, então, que os técnicos de saúde estejam atentos a esse grupo de doentes, que monitorem a qualidade dos serviços prestados, identifiquem e corrijam eventuais problemas e potenciem uma reorganização dos serviços de saúde.
Com relação à situação profissional, os indivíduos diabéticos aposentados e desempregados apresentam, em média, níveis mais altos de sintomas psicopatológicos e de vulnerabilidade ao estresse comparativamente àqueles que estão empregados. Para além disso, na nossa amostra, o fato de o indivíduo não ter uma atividade laboral constitui um fator preditor da presença de sintomatologia psicopatológica e também de vulnerabilidade ao estresse. Esses resultados são consistentes com a literatura que afirma que a aposentadoria favorece o isolamento social e a inatividade, estando os indivíduos menos ocupados e mais reativos às preocupações relacionadas com a doença, o que pode intensificar os sintomas psicopatológicos e a vulnerabilidade ao estresse (Ganasegeran et al., 2014). Cerca de metade dos sujeitos dessa amostra estavam desempregados ou aposentados, o que contribui para a perda de uma vida física e cognitivamente ativa e, consequentemente, para o desenvolvimento de incapacidades e deterioração da saúde mental e física (Dimas, Pereira, & Canavarro, 2013).
Relativamente à análise das variáveis clínicas, constata-se que os indivíduos que tomam insulina apresentam maior incidência de sintomas psicopatológicos comparativamente aos que não são insulinodependentes. Esses dados podem ser resultado dos meios de tratamento utilizados, uma vez que a terapêutica da diabetes com insulina é mais complexa, dolorosa, invasiva e inconveniente do que o tratamento com fármacos (Silva, Pais-Ribeiro, & Cardoso, 2006). Ao analisar os níveis de glicemia, concluiu-se que, embora os diabéticos com níveis glicêmicos ruins tenham em média pontuado acima daqueles que têm os níveis de glicemia médios ou bons, essa diferença não é estatisticamente significativa. Essa situação pode ser explicada pelo fato de todos os participantes realizarem um controle regular da glicemia, e uma percentagem de 65,1% monitora os níveis de glicemia diariamente.
As principais limitações deste estudo estão relacionadas ao tamanho da amostra e ao fato de ter sido utilizada uma amostra de conveniência, o que pode exercer impacto sobre o nível da representatividade da amostra e enviesamento dos dados obtidos, fatores que devem ser considerados na generalização dos resultados. Ainda ao nível da impossibilidade de generalização dos resultados obtidos, importa referir o fato de as informações terem sido recolhidas apenas em três postos de saúde do distrito de Castelo Branco, no Centro de Portugal. A utilização de questionários de autopreenchimento pelos participantes pode ser considerada uma limitação, porque pode influenciar a tendência para dar respostas socialmente desejáveis às diferentes questões. Todos esses aspetos poderão condicionar a generalização e a extrapolação dos resultados. Em investigações futuras, considera-se que seria pertinente a obtenção de medidas clínicas por meio da recolha de informações em outras fontes (por exemplo, enfermeiros, médicos). Salientamos, também, a relevância de realização de estudos de caráter longitudinal que permitam extrair a causalidade entre as variáveis estudadas e compreender o impacto da presença de sintomas psicopatológicos e da vulnerabilidade ao estresse ao longo da vida dos doentes com diabetes.
Conclusões
Apesar das limitações apresentadas, os resultados deste estudo poderão ter implicações a nível preventivo e de intervenção com essa população clínica. A primeira implicação relaciona-se com o papel preditor de certas variáveis relativamente à sintomatologia psicopatológica e à vulnerabilidade ao estresse em doentes diabéticos. A identificação de determinadas características pessoais que tornam o indivíduo mais vulnerável a essas patologias de caráter psicopatológico pode ser útil no desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde. Além disso, a identificação de indivíduos vulneráveis permitirá o desenvolvimento de programas que promovam aptidões para aumentar a resistência individual ao estresse e à psicopatologia, e, consequentemente, melhor adaptação à diabetes.
Evidencia-se, assim, a necessidade de o cuidado ao doente com diabetes responder a uma visão multidimensional, que conjuntamente avalie os resultados clínicos e psicológicos e que contemple a despistagem de perturbações de humor e de ansiedade.
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Endereço para correspondência:
Paula Saraiva Carvalho
Departamento de Psicologia e Educação, Universidade da Beira Interior
Estrada do Sineiro
6201-001, Covilhã, Portugal
E-mail:psc@ubi.pt
Submissão: 7.11.2016
Aceite: 1.11.2017