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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.5 no.1 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

Terapia de grupo para pacientes com dor crônica orofacial

 

Group therapy for patients with chronic orofacial pain

 

 

Luc VandenbergheI; Ana Carla Furtado da CruzII; Cristina Lemes Barbosa FerroII1<>

I Universidade Católica de Goiás
II Centro Goiano de Doenças da Boca da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás.

 

 


RESUMO

Um grupo de psicoterapia comportamental, para pacientes com dor crônica orofacial, é apresentado com o intuito de superar a noção de um grupo de apoio com base num modelo, no qual aspectos fisiológicos e psicológicos interagem. A análise aplicada do comportamento e a terapia comportamental cognitiva são duas abordagens que sustentam a construção de terapias de grupo, com formato didático, para a aquisição de melhores formas de lidar com a dor. A análise clínica do comportamento, por sua vez, procura, a partir de uma análise funcional do processo psicoterapêutico, proporcionar mudanças profundas de cura. A junção dos dois (o formato didático e a psicoterapia analítico-funcional) se realiza quando, durante as sessões, episódios verbais não são compreendidos como trocas de informação, mas analisados como atos em contextos.

Palavras-chave: Análise clínica do comportamento, Análise funcional, Psicoterapia em grupo, Dor crônica orofacial.


ABSTRACT

A behavioral group therapy for patients with chronic orofacial pain is presented. Going beyond the idea of a psychological support-group for pain-sufferers, an effort of behavioral change is proposed, based on a complex model in which physiological and psychological aspects interact. Applied behavior analysis and cognitive behavior therapy are two approaches that sustain the construction of group therapies on a learning format for the acquisition of better ways to cope with pain. Clinical behavior analysis tries, starting from a functional analysis of the psychotherapy process, to come to profoundly curative changes. The junction of the two (the learning format and the functional analytic psychotherapy) happens when during the sessions, verbal episodes are not understood as exchanges of information but analyses as acts in context.

Keywords: Clinical behavior analysis, Functional analysis, Group psychotherapy, Chronic orofacial pain.


 

 

A dor crônica configura um desafio especial para o clínico. Muitas vezes, ela implica em poucas possibilidades terapêuticas, enquanto que a dor aguda geralmente sinaliza um dano específico a tecidos, com implicações clínicas claras para o médico ou odontólogo. Por este motivo, e também por prejudicar de maneira importante a qualidade de vida do paciente, esta condição constitui uma indicação freqüente para encaminhamento psicológico.

A dor crônica orofacial pode estar relacionada a um espasmo dos músculos da mastigação, devido a uma variedade de fatores, tais como: problemas na articulação temporomandibular, certos hábitos de mastigar ou morder, e tensão muscular excessiva. Círculos viciosos podem emergir entre aumento de dor e mais contração muscular ou entre irritação muscular e contração disfuncional. Assim, pode-se desenvolver uma disfunção temporomandibular, condição que acarreta dor intensa, sem necessariamente ter uma causa objetivamente constatável.

Quando ocorrem mudanças na oclusão dentária, por causa do espasmo muscular ou por um tratamento cirúrgico ou dentário, os dentes da pessoa podem não se articular mais como anteriormente, causando um deslocamento gradual dos mesmos, o que, por sua vez, afeta a mastigação e a tensão muscular. Finalmente, meses ou mesmo anos de sofrimento levam, ocasionalmente, a estilos de vida focalizados na dor e a estratégias malsucedidas de controlar a dor. Estes, possivelmente, mantêm o problema. Ganhos secundários podem aumentar o comportamento de dor e dificultar estratégias eficazes de enfrentamento. O comportamento do paciente na manutenção do problema justifica o interesse da psicologia clínica para este área (Seger, 2002; Albino, 2002).

Rudy, Turk, Kubinski e Hussein, (1995) aplicaram biofeedback para redução da tensão muscular e treino de manejo de estresse em pacientes com dor relacionada com disfunção temporomandibular. Estas intervenções foram instrumentais na redução, tanto da intensidade da dor quanto da percepção do impacto da dor no cotidiano. Os efeitos foram mais pronunciados nos sujeitos que, no inicio do estudo, relataram mais sofrimento, sendo o resultado mantido seis meses depois do tratamento. Estas respostas positivas apóiam a noção de que o manejo de ansiedade e do estresse são estratégias relevantes e que devem ser enfatizadas no tratamento de indivíduos que apresentam disfunção temporomandibular.

Revisões de literatura (Rodriguez Parra, Esteve Zarazaga e López Martinez, 2000; Camacho e Arte, 2001) sugerem que lidar ativamente com dor e com fontes de estresse, e manter um foco em problemas concretos, são estratégias relacionadas a menos dor e sofrimento do que estratégias como distração e fuga na fantasia. O pensamento catastrófico é um preditor da intensidade da dor e está negativamente relacionado à adaptação à dor. Estratégias de manejo ativas são preditoras de menor sofrimento emocional.

Apesar destes dados - que indicam que elementos psicológicos são ao menos parcialmente responsáveis para a manutenção da dor - um modelo causal linear, segundo o qual a dor é o resultado direto destas variáveis, não traria contribuição sugestiva. Trata-se de uma relação bidirecional: as atitudes que ajudam a manter a dor crônica são, em muitos casos, também o resultado da própria dor (Gramsa e Vikis-Freibergs, 1991). Faz-se necessário encontrar um modelo contextual mais amplo, em que vários elementos interagem, dentre os quais a dor é apenas um. Nos círculos viciosos entre tensão e dor, a ansiedade é tanto efeito quanto causa da dor. Ela pode ocorrer cronologicamente anterior ou posterior à mesma.

O estresse prolongado agride o organismo, baixa os limiares da percepção e da tolerância à dor. A pesquisa empírica indica que o comportamento de esquiva tem um papel importante no desenvolvimento de queixas relacionadas com estresse, e que pessoas que passaram por experiências sexuais traumáticas, muitas vezes desenvolvem padrões de manejo mais fortemente caracterizados por esquiva do que aquelas que vivenciaram outros eventos traumáticos (Bal; Van Oost; De Bourdeaudhuij e Crombez, 2002). Histórias de abuso físico ou sexual são freqüentes em pessoas que sofrem de dor crônica orofacial. Os pacientes que têm tal história relatam níveis de sofrimento mais intenso do que os outros (Curran, Sherman, Cunningham, Okeson, Reid and Carlson, 1995).

Considerando todas estas variáveis, uma abordagem terapêutica que focaliza unicamente o comportamento relacionado com a dor tem pouca probabilidade de ser eficaz. É necessário explorar como a pessoa se posiciona frente aos problemas e oportunidades da vida, quais são suas estratégias prioritárias, como foram moldadas pelas vivências anteriores e como estas afetam sua vida atual. Os padrões comportamentais relevantes freqüentemente contêm temas interpessoais que precisam ser abordados na terapia.

O objetivo deste trabalho é o de discutir a possibilidade da integração de uma abordagem psicoterápica analítico-funcional, que enfrenta estes temas interpessoais amplos, com uma terapia de grupo que focaliza especificamente o comportamento de manejo da dor e do estresse.

 

Terapia de grupo

A abordagem da terapia de grupo, apresentada neste texto, foi estruturada para promover mudanças comportamentais que podem contribuir para a diminuição da dor e, depois, para melhor manejo da dor residual. O modelo psicológico dos problemas psicossomáticos crônicos (Van Oost, 1982) que subsidia o presente trabalho considera desencadeadores de dor eventos externos ou internos, como conflitos interpessoais ou traumas físicos aos quais a pessoa reage ativamente. Dependendo da história de aprendizagem do indivíduo, em relação às suas capacidades de lidar com estes eventos e às conseqüências obtidas, ocorrerão emoções e mudanças fisiológicas. Dependendo da intensidade e da topografia destas, e dos contextos em que ocorrem, haverá necessidade de novas estratégias para lidar com elas. Quando o manejo é bem-sucedido, os sentimentos negativos e respostas fisiológicas desaparecem; caso contrário, eles continuam e muitas vezes aumentam em intensidade, gerando uma variedade de sintomas, podendo incluir mal-estar, desconforto e dor.

É preciso ressaltar que uma pessoa nesta situação pode agir de duas maneiras funcionalmente diferentes: tentar diminuir as sensações aversivas, procurar fugir do que está sentindo interiormente. Ou, alternativamente, pode arriscar-se a modificar as condições das quais as sensações emergem, ou seja, atuar sobre a sua maneira de relacionar-se com o seu ambiente. Os dois tipos de estratégia têm conseqüências muito diferentes.

A literatura acima citada e a prática clínica apóiam a noção de que comportamento de manejo direcionado unicamente para o mundo interior tende a aumentar as sensações corporais. Isto significa que as tentativas de diminuir os sinais de estresse ou de dor são punidas. Trata-se de uma contingência, em que tentativas de lidar com um evento aversivo levam a mais estimulação aversiva, o que gera emoções como ansiedade e reações fisiológicas, aumento de tensão muscular, que resultam na intensificação da dor.

Tentativas de manejo com um foco externces de ser bem-sucedidas. Quando realmente o são, as respostas fisiológicas e emocionais devem ceder. Finalmente, para certos pacientes, nem o corpo nem a sua inserção no ambiente servem como referencial para manejar as queixas; e, nestes casos, a tensão pode se instalar de maneira perpétua (Van Oost, 1982).

De acordo com este modelo, a terapia de grupo aqui proposta tenta quebrar o círculo vicioso, ampliando a interpretação das queixas, com atenção para fatores situacionais e comportamentais. Isto significa uma redefinição da maneira como o paciente compreende e interage com a dor. Ele deve ser ativamente envolvido nesta mudança. Não se trata de seguimento de explicações do psicólogo, mas de uma mudança de atitude do próprio paciente. O modelo teórico, dentro do qual o grupo trabalha, é explicitado com ênfase nas suas implicações contextuais e na importância do papel central da ação do paciente.

O programa focaliza: (1) a aquisição de hábitos orais adequados; (2) a forma como a pessoa observa e interpreta sinais corporais; (3) o que ela faz quando ocorrem episódios sem dor ou com menos dor; (4) a seleção de sintomas e as regras que a pessoa constrói a respeito; (5) a função de queixas e sintomas no ambiente social; (6) o que a pessoa faz com a informação proveniente do médico ou dentista.

As intervenções principais são: (1) fornecer informações sobre dor; (2) concretizar as queixas em relação a possíveis variáveis causais e explorar a história relevante do paciente; (3) treinar habilidades de auto-observação e habilidades de detectar sinais recorrentes de aumento de dor e de espasmos musculares; (4) diferenciar níveis de dor e interpretação de situações relacionadas com estes níveis; (5) treinar a respiração diafragmática e o relaxamento aplicado; (6) identificar e lidar com problemas relacionados às variações no nível da dor.

O formato de grupo possibilita elaborar e treinar habilidades e discutir as suas implicações e os significados que têm para o paciente. Nos seguintes trechos, L, S?????? e R são participantes do grupo que apresentam dor orofacial, e T é terapeuta. Como estes trechos são usados somente para ilustrar o trabalho, estão especificados apenas os excessos e déficits comportamentais mais relevantes que orientaram o trabalho terapêutico com estes participantes. L. fugiu e esquivou-se excessivamente de sentimentos e de contato social que poderia evocá-los. Seus déficits podem ser referidos como dificuldades de identificar os próprios sentimentos, posicionar-se com firmeza em relações, e confiar em outros. Os repertórios em excesso de S. eram fuga e esquiva de sentimentos, e a procura de interpretações catastróficas; tinha grandes dificuldades de identificar e interpretar os seus sentimentos. Os comportamentos que dominaram o estilo de vida de R. podem ser resumidos como confronto interpessoal, sarcasmo, fuga e esquiva de emoções e dar interpretações catastróficas aos fatos. Os seus déficits eram referentes à capacidade de identificar e entender situações estressantes e à habilidade interpessoal de abrir-se e se permitir ser vulnerável.

A seleção de fragmentos, provenientes das sessões iniciais da terapia, é apresentada para ilustrar como discussão entre terapeuta e cliente pode contribuir de maneira didática para alguns dos alvos acima especificados. Trata-se de trechos soltos, cuja cronologia não tem relevância neste texto, mas que servem como exemplos da técnica discutida.

L: Estou sentindo um pouco de ansiedade e não consigo identificar o que é. (Identifica um déficit).

T: Em que situação você tem se sentido ansiosa? (Intervenção 2).

L: Todas, não consigo definir.

T: Quando começou? (Intervenção 2).

L: Há alguns dias tive um problema com meu namorado, cheguei a resolver a situação, mas mesmo assim estou um pouco ansiosa. Até “dei o braço a torcer” e percebi que o relacionamento melhorou um pouco. (Relaciona uma nova estratégia com seu efeito).

T: Que bom “L”, você não emitia este tipo de comportamento. Melhor ainda que você obteve bons resultados com este comportamento. (Reforço arbitrário).

L: É, isso foi um progresso.

R: Eu tive uma dor anormal esta semana. Estive no oftalmologista; ele, sem me consultar com antecedência, chamou uma médica para analisar o meu caso. Isto me deixou muito irritada e acabei tendo uma dor na ATM muito intensa. (Relaciona situação com emoção e com dor).

T: Então você atribui a sua dor ao desconforto que sentiu no consultório médico? (Intervenção 2).

R: Agora isto é bem claro para min. Fiquei muito irritada no momento e depois também.

T: Muito bom, você conseguiu identificar uma situação geradora de tensão. (Reforço arbitrário). O que você fez para melhorar? (Intervenção 6).

R: Trabalhei muito (Relata uma estratégia de manejo).

 

S: Quando sentimos medo de que a dor possa ser um sintoma de alguma coisa mais grave, esta dor não nos permite fazer mais nada. (Relaciona emoção e pensamento com dor).

R: É, quanto mais preocupada eu fico, mais dor eu sinto. (Idem).

T: E o que você faz? (Intervenção 6).

R: Telefono para o médico, vou ao pronto socorro, ligo para as terapeutas, incomodo a todos até conseguir uma explicação.

L: Respiração resolve para mim. (Relata uma estratégia de manejo).T: De certo modo, esta preocupação pode ser benéfica, pois te leva a investigar sobre a dor, e a buscar soluções. Por outro lado, o medo intensifica a dor. Vocês sabem o que fazer nestes momentos? (Intervenção 6).

R: Quando eu percebo que vou sentir dor, ainda consigo fazer a respiração. (Diferencia níveis de dor e relaciona com uma estratégia de manejo). Mas quando a dor já é intensa, não consigo fazer a respiração, eu fico é mais nervosa. (Identifica um déficit).

As perguntas da terapeuta podem ser estímulos discriminativos para relatos que especificam comportamentos (atos e pensamentos) que acontecem fora da sessão ou eventos relacionados com estes. Relatos dos pacientes - que identificam relações entre sentimentos e outros eventos, estratégias efetivas ou possíveis, conseqüências destas e outros elementos do contexto - são reforçados. Quando o paciente aprende a analisar melhor estas relações e escolher formas de agir em função delas, ele pode reagir mais positivamente em contextos similares aos que foram discutidos. Ele será capaz de discriminar em que momentos e como aplicar as estratégias que conhece.

Trata-se de um processo em que os repertórios verbais do terapeuta e do cliente são mutuamente modelados. As contingências são as de um questionamento didático, no qual o comportamento do terapeuta é reforçado pelas respostas do paciente e as respostas do paciente são reforçadas pelos comentários do terapeuta. O paciente aprende a pensar de outras formas sobre as situações em que pode agir diferentemente, e o terapeuta, por sua vez, aprende a detectar possíveis problemas e a fazer perguntas cada vez mais relevantes para obter melhores respostas do cliente.

 

Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP)

De um ponto de vista analítico-comportamental, os comportamentos (pensamentos ou ações) que foram discutidos ou ensaiados na terapia ainda estão funcionalmente isolados das situações pelas quais o paciente passa. Quando enfrenta o problema real fora da sessão, o paciente deve se recordar do que aprendeu e executar os passos. E é só a partir deste momento que o comportamento pode vir a ser controlado pelas contingências.

Porém, seguir regras também pode limitar a possibilidade do contato com as contingências; quem segue regras não está realmente agindo por si mesmo. As regras não especificam necessariamente contingências que são relevantes para o comportamento do individuo. Elas podem descrever relações funcionais que eram válidas no passado, ou somente num certo momento, para a pessoa que as emitiu. Desta forma, agir sob controle verbal deve ser contrastado com o comportamento espontâneo que está sob controle direto das contingências que o próprio indivíduo está vivendo naquele momento (Skinner, 1969).

Psicoterapia Analítica-Funcional, geralmente indicada pela sigla Inglesa FAP, é um tratamento baseado no behaviorismo radical, desenvolvido por Kohlenberg e Tsai (2001/1991), para entender teoricamente as melhoras de pacientes por meio de relações interpessoais intensas, e para delinear estratégias que o clínico possa usar para construir uma relação de mudança terapêutica. Ela coloca a relação entre paciente e terapeuta no centro do processo de mudança, evitando o uso de reforçamento arbitrário, e privilegiando estrategicamente as reações genuínas do terapeuta aos comportamentos do paciente, como reforçamento natural. É uma abordagem estratégica que resgata a relação interpessoal -paciente e terapeuta - como principal instrumento de mudança. Não é uma abordagem tecnológica porque cultiva a espontaneidade e a improvisação e não aplica técnicas com indicações especificas.

Nesta forma de atuação, instâncias de comportamentos clinicamente relevantes são identificadas quando ocorrem durante a interação terapêutica e, se necessário, evocadas pelo terapeuta. Os comportamentos que são relacionados com os problemas do paciente (CCR1) são enfraquecidos; comportamentos que constituem melhoras clínicas (CCR2) são reforçados, e as interpretações pelo paciente (CCR3) são modeladas. Para isso, o terapeuta precisa observar cuidadosamente os efeitos potencialmente reforçadores que as suas reações têm sobre os comportamentos do paciente e compartilhar com ele as suas interpretações das variáveis que afetam o seu comportamento.

Muitas vezes, reações subjetivas do próprio terapeuta às respostas do paciente podem oferecer dicas que auxiliem na descoberta de contingências nas quais os problemas do paciente se encaixam, esclarecendo reações equivalentes de pessoas com quem o paciente interage no seu cotidiano. Desta forma, a FAP exige, tanto uma auto-observação afinada do terapeuta - dentro da relação terapêutica - quanto a capacidade de relacionar a sua análise funcional dos problemas fora da sessão, com o que acontece no seio da relação terapêutica.

A abordagem psicoterápica, descrita por Kohlenberg e Tsai (2001/1991), proporciona vivências diretas e genuínas durante a própria interação terapêutica, privilegiando o que realmente acontece entre as quatro paredes do consultório, superando as limitações inerentes a situações de interação didáticas ou outras contingências artificiais.

A FAP foi desenvolvida para a prática de terapia individual, mas, neste trabalho, foram aplicados os seus princípios ao processo de grupo. Pretendeu-se ilustrar o funcionamento de uma terapia de grupo, focalizando a aprendizagem de estratégias de manejo imersa na abordagem flexível da FAP, que por sua vez focaliza o processo da cura por meio da vivência interpessoal.

Neste estudo, é preciso enfatizar, tanto a oposição filosófica quanto a complementaridade pragmática entre dois elementos: (1) O formato didático de uma terapia de grupo, que se caracteriza pela aprendizagem de novas habilidades ou formas de pensar através de exercícios, dramatização, ou discussão. (2) A transformação de vivências significativas de interações espontâneas e genuínas em momentos de aprendizagem direta. O primeiro tópico caracteriza uma visão fundamentalmente linear e uma abordagem tecnológica, em que o terapeuta tem as respostas e o paciente vem para absorvê-las. O segundo exemplifica uma atitude relativista, em que o terapeuta permite que as contingências naturais façam o seu trabalho e que o comportamento do paciente esteja modelado por elas.

Para poder ser curativo do ponto de vista da FAP, um episódio interpessoal deve ser diretamente relevante para os problemas do paciente. A situação antecedente deve ser funcionalmente similar a estímulos discriminativos relacionados com os problemas do cotidiano do paciente. Além disso, o próprio comportamento clinicamente relevante deve acontecer na sessão. Quando os excessos particulares de um paciente aparecem no consultório, são considerados CCR; os comportamentos ausentes ou fracos (os déficits) são CCR2, quando emitidos durante a sessão. Finalmente, as conseqüências de um comportamento clinicamente relevante devem ser funcionalmente similares, com possíveis conseqüências de respostas da mesma classe no cotidiano. Somente quando todas estas condições são realizadas, as mudanças decorrentes do episódio podem ter um efeito significante na vida do paciente.

Segue-se uma seleção de fragmentos soltos, igualmente colhidos durante as primeiras sessões da terapia, para ilustrar que CCR’s ocorrem durante as sessões e que é possível trabalhar com eles segundo as exigências da FAP.

L: Sinto-me nervosa em situações novas. (CCR 3)

T: E o que você sente? (tentativa de evocar CCR 2)

L: Não sei. Fico nervosa. (CCR 2 pouco elaborado)

T: Você está nervosa agora?

L: Sim. Acho que estou nervosa porque espero que as coisas se resolvam imediatamente. Fico ansiosa por resultados. (CCR3)

T: Essa situação de grupo é nova para você?

L: É, e eu estou nervosa. (CCR 2 pouco elaborado)

T: E o que você está sentindo?

L: Mãos frias. Olhe, minhas mãos estão frias e transpirando. (CCR2)

 

T: Como foi a semana de vocês?

S: Não tenho nada para colocar, você pegou a gente de surpresa. (CCR1)

R: Tudo normal, foi perfeito. (risos). Tive algumas complicações, mas já passaram. (CCR1)

[Na discussão que seguia, ficou claro que a semana foi muito sofrida.]

 

R: Quando tenho problemas no trabalho, eu fico preocupada, mas consigo dar a volta por cima.

T: Em quais situações você não consegue? (terapeuta busca enfocar a dificuldade de R. em falar de sentimentos)

R: De relacionamentos, por exemplo; não consigo lidar com meus sentimentos. (CCR3)

T: Que sentimentos, você pode nos dar um exemplo?

R: Não. Eu só gostaria de uma resposta. Se vocês tiverem é claro. (CCR1- fuga de contato com sentimentos e comportamento de confrontação).

T: Bom, se você fosse mais específica, talvez nós pudéssemos chegar a uma resposta juntas. (tentativa de enfraquecer o CCR1; desafio oferecendo possibilidade de emitir um CCR2).

R: Eu já falei a situação. Não vou entrar em detalhes. (CCR1)

T: Diante do que você colocou, eu só posso dizer, que para a primeira situação, você provavelmente tenha habilidades para lidar com ela. Na segunda situação, você precisa adquirir habilidades. E já que é uma questão de habilidade, você pode aprender se quiser.

S: O que você diz eu acho que é verdade porque, veja bem, quando se está afiado em uma leitura, se consegue verbalizar bem. Quando não se pratica, você fica com receio de errar e as sensações acabam atrapalhando. (CCR3)

R: Que habilidades são estas?

S: Me reportando à situação da “R”, eu poderia dizer que ela deveria aprender a falar com as pessoas sobre o que ela está sentindo....

 

R: O que acontece com uma pessoa que consegue lidar bem com os sentimentos antes de fazer uma cirurgia, e depois não. (CCR2)

T: Quem é esta pessoa?

R: Risos... Uma pessoa. (CCR1)

T: Tive a impressão que estávamos falando de você mesma. (bloqueando um CCR1).

R: Achei que estava enganando vocês. Da próxima vez, eu invento uma história mais convincente. (CCR1- sarcasmo).

T: Qual o problema em se identificar? (tentativa de enfraquecer CCR1e evocar CCR3)

R: Não sei. (CCR1)

T: Em que você pensou ? (evocar um CCR3; bloquear esquiva)

R: Não gosto que as pessoas me achem fraca. (CCR3)

T: O que te faz pensar que as pessoas te acham fraca?

R: Pessoas que manifestam sentimentos são pessoas fracas, sem controle. (CCR3)

T: E o que tudo isso tem a ver com você? (tentativa de evocar CCR2)

R: Passei por uma situação onde manifestei meus sentimentos e as pessoas não me entenderam. (CCR3)

T: Você gostaria de falar sobre esta situação?

R: Não. (CCR1)

T: Como se sente depois de ter falado com o grupo sobre você? (evocar CCR2)

R: Normal. Mas no outro dia, a situação que se passou não foi de cirurgia. Há algum tempo atrás, quando comecei a quimioterapia, o médico disse que provavelmente eu não poderia ter filhos, e eu lidei bem com isso. Ontem, quando o médico disse que o novo tratamento eliminaria as chances de ter filhos, eu fiquei muito mal. (CCR2)

T: Passei por uma situação parecida com a sua. E também me senti muito mal. (reforço) Como você está se sentindo agora? (evocar CCR2)

R: Irritada. Fico pensando nisso o tempo todo. (CCR2)

Nestes novos fragmentos, e em contraste com os trechos anteriores, os comportamentos verbais não são interpretados em função de seus conteúdos. São considerados como atos genuínos dentro de um contexto de trocas interpessoais. Quando S. foge de uma pergunta referente a sentimentos e R. responde com sarcasmo, ambos estão fazendo exatamente o que fazem no seu cotidiano. Aqui o comportamento problemático está acontecendo ao vivo, porque o contexto interpessoal do grupo contém os mesmos estímulos antecedentes com os quais o paciente tem problemas fora da sessão.

Quando L. relata que está nervosa, não é a informação contida nesta fala que é aproveitada no processo terapêutico; o importante é o ato de falar sobre os seus sentimentos, confiando no grupo e identificando o que ela sente, ao invés de fugir. Estes são comportamentos novos que ela emite num contexto relevante, onde ela é ouvida (e não punida). É uma vivência genuína e, assim, traz uma possibilidade de aprendizagem verdadeira e direta.

O comportamento de fuga e de confronto de R. também é abordado desta forma; sua atitude não é considerada uma falta de colaboração na terapia, mas exatamente uma oportunidade de fazer terapia ao vivo. A tentativa de fuga é bloqueada de maneira suave, e as colocações agressivas são ignoradas. R. recebe respostas válidas, mas superficiais, coerente com as perguntas superficiais que ela faz; respostas mais satisfatórias ela consegue quando se abre mais. A mesma contingência está vigente em relações íntimas fora do contexto terapêutico.

Quando no final R. relata os seus sentimentos para o grupo, ela torna possível para uma outra pessoa, no caso a terapeuta, identificar-se com ela e expressar empatia. O novo comportamento de relatar os encobertos oferece a oportunidade a outros de entender e, às vezes, de ajudá-la. Quando confessa que pensa o tempo todo na noticia de que não poderá mais ter filhos, ela abre possibilidades, para quem está presente na sessão, reagir de maneira mais adequada a ela. Tanto no grupo quanto em outros ambientes sociais, o comportamento de confronto e sarcasmo impossibilita tais conseqüências e provoca reações que geram mais estresse e dor.

A discussão acima ilustra a intenção terapêutica de evitar que o tratamento gere apenas novos ciclos de tentativas de controlar a dor, que afastam o cliente do que é realmente importante na vida dele. A escolha dos temas interpessoais de cada participante, como alvos de intervenção, possibilita desmantelar padrões de interação mais amplos que mantém o cliente preso na sua luta contra a dor. Ao invés de ensinar o paciente a controlar a sua dor com mais eficácia, o contexto comportamental da dor é transformado.

Enquanto a dor põe em questão as estratégias e orientações fundamentais da vida do cliente, alternativas menos sofridas podem emergir durante a interação na sessão. A recusa, por parte do terapeuta, de reforçar o comportamento de fuga e esquiva problemático e o cuidado de identificar e apoiar pequenas mudanças libertadoras, constitui a possibilidade de modelar repertórios ao vivo, enquanto eles estão realmente acontecendo. Os participantes não estão treinando, mas agindo numa situação real, onde conseqüências naturais e realmente relevantes estão acessíveis. Assim, a introdução dos princípios da FAP - numa terapia de grupo - abre a possibilidade de transformar um grupo de treino de habilidades num verdadeiro encontro terapêutico.

 

Referências

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Recebido em: 20/02/03
Primeira decisão editorial em: 20/04/03
Versão final em: 01/05/03
Aceito em: 08/05/03

 

 

1 Psicólogas voluntárias