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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.1 São Paulo jun. 2006
RESENHA
Desenvolvimento de comportamentos para orientar a formação de graduandos na atuação profissional
Sílvio Paulo BotoméI, 1 ; Patrícia Consuelo Silveira TosiI, II2
I Universidade Federal de Santa Catarina
II Universidade do Oeste de Santa Catarina
Resenha sobre a Dissertação de Mestrado "Comportamentos profissionais do terapeuta comportamental como objetivos para sua formação", defendida por Paula Elisa Mattana, perante o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2004, na cidade de Florianópolis (SC). 230 páginas.
O que o professor deve ou necessita ensinar? Como identificar o que deve fazer parte do repertório de um aluno, para que ele seja capaz de atuar em um campo profissional? Existe algum método baseado em princípios científicos que possibilite identificar o que deve ou necessita ser ensinado? A dissertação defendida por Paula Elisa Mattana no programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC, intitu-lada "Comportamentos profissionais do terapeuta comportamental como objetivos para sua formação"3, relembra conhecimentos disponíveis sobre o conceito de comportamento e apresenta um método (procedimento) baseado nos princípios da Análise Experimental do Comportamento, que possibilita identificar os comportamentos que necessitam ou devem ser ensinados pelo professor e aprendido pelos alunos em situações de ensino. É um texto útil para administradores de instituições universitárias, coor-denadores de cursos, professores, psicólogos e psicoterapeutas.
A autora apresenta ao leitor a importância de descobrir quais são os aspectos definidores de uma profissão por meio da distinção entre campo de atuação profissional e mercado de trabalho. As concepções predominantes ou comuns no meio universitário e na sociedade, de maneira geral, consideram que os alunos precisam ser preparados para o mercado de trabalho. O que significa que eles devam estar preparados para fazer aquilo que está sendo solicitado e pago pela sociedade, no que é entendido como "mercado de trabalho". De forma diferente, a autora salienta que os alunos precisam ser preparados para enfrentar a realidade em que vão atuar a partir da configuração dos problemas que precisam ser solucionados e das necessidades que precisam ser atendidas e não apenas atender a demandas e solicitações. Ainda a autora salienta que à medida que o ensino é desenvolvido de maneira a garantir o desenvolvimento de comportamentos profissionais, aumenta a probabilidade do profissional, ao atuar em um determinado campo de trabalho, intervir de forma mais precisa, coerente e correta com as necessidades sociais.
A diferença entre os conceitos de "mercado de trabalho" e "campo de atuação profissional já foi examinada por Botomé (1987, p.341), onde o primeiro é definido como ofertas de emprego existentes, demandas de mão de obra "esperáveis" e possibilidades ou necessidades de atuação profissional de acordo com o que elas representam. O campo de atuação profissional, por sua vez, tem uma exigência mais ampla e mais profunda. Ele é definido pelas possibilidades de trabalho que surgem a partir das necessidades sociais, mesmo que não estejam configuradas em demandas e oportunidades de emprego e possibilita ampliar a percepção dos agentes para intervir nos problemas e necessidades existentes na realidade social, de maneira a resolver problemas ou a impedir a ocorrência deles, além de tornar possível diferentes tipos de atuações de acordo com necessidades precisamente avaliadas. Assim o que precisa ser considerado para orientar a formação de profissionais são as necessidades sociais e os problemas reais, principalmente seus determinantes, indo muito além das demandas, rotinas de trabalho, ofertas de emprego, técnicas padronizadas ou mercadologicamente conhecidas ou difundidas.
Mattana ao investigar os comportamentos que definem o trabalho do terapeuta comportamental, retoma a complexidade do conceito de comportamento a partir dos avanços produzidos pela Análise Experimental do Comportamento e mostra muito mais do que as concepções comumente difundidas consi-deram a respeito desse fenômeno. Pela evolução do conceito de comportamento explicitado na obra, o leitor tem a possibilidade de entender que comportamento é um conjunto de múltiplos tipos de relações entre aquilo que o sujeito faz (sua ação ou suas classes de respostas), o ambiente antecedente e o ambiente conseqüente a esse fazer (Botomé, 2001). Nessa relação estão envolvidos os aspectos da situação em que o organismo age ou atua, ações que apresenta e resultados de cada uma dessas ações, constituindo um complexo sistema de interação de cada pessoa com seu ambiente (com seu "mundo"). Esses vários elementos são os componentes do comportamento e as relações entre eles caracterizam os diferentes tipos de comportamento profissional que os sujeitos poderão ser capazes de apresentar no exercício da profissão em um campo definido. É possível concluir que com-portamento profissional é mais do que "fazer" ou "agir", ele é a relação entre o que acontece antes de cada ação profissional, cada ação propriamente dita com suas características específicas e o resultado ou produto da ação com suas múltiplas dimensões, de variados graus de importância e participação na solução do problema de origem..
Outro aspecto importante da obra de Paula Elisa Mattana, está na clareza da relação estabelecida entre a definição de comportamento, a sua relação com os processos "ensinar" e "aprender" e a definição do que deve ou necessita ser ensinado ao aluno. Ensinar e aprender são comportamentos que revelam, respectivamente, o que o professor faz e o que acontece com o aluno em relação a esse fazer do professor. O processo comportamental denominado "ensinar" define-se pela relação entre o que um professor faz (ações efetivas do professor) e a mudança de comportamento do aluno (aprendizagens efetivas do aluno), ou seja, o ensinar se define pela produção de aprendizagem e não pela intenção ou objetivo do professor ou por uma descrição das atividades que ele realiza em sala de aula. O processo comportamental "aprender", por sua vez, está relacionado à transformação de uma situação existente em outra mais desejável por meio das ações de um indivíduo, cada aluno, neste caso. A mudança de comportamento do aluno (não só o que o aluno faz, sua atividade, mas o que ele produz de transformação no meio quando atua) é que caracteriza a ocorência do "aprender" ou a existência de "aprendizagem". Desse modo, é possível entender que cabe ao professor planejar um ensino a partir da especificação do que é necessário produzir como resultado das ações dos alunos, dos aspectos da realidade que aluno tomará contato para produzir esses resultados e do que os alunos estarão aptos a fazer para lidar com esses aspectos da realidade (Kubo e Botomé, 2001). Essa análise comportamental do que ensinar e do que aprender explicita uma maneira de caracterizar um objetivo de ensino, auxiliando no processo de aprendizagem do aluno e possibilitando identificar qual o objetivo de ensino mais apropriado para caracterizar os comportamentos que os alunos (futuros profissionais) precisarão estar aptos a realizar depois de formados.
Para identificar os comportamentos que necessitam ser desenvolvidos nos alunos, no caso em aprendizes de psicoterapia, Mattana detalha etapas de um procedimento que possibilita identificá-los com precisão. Nesse sentido, a autora traz uma contribuição que, embora já seja conhecida em literatura específica desde a década de 1960, a torna mais acessível pela própria clareza e sistematização desse conhecimento no campo da Terapia comportamental.
Sinteticamente o procedimento desenvolvido pela autora, caracteriza-se por responder à pergunta: O que o aprendiz precisa estar apto a fazer para conseguir realizar esse comportamento? A resposta a essa pergunta revela aprendizagens intermediárias que o aprendiz precisará desenvolver para alcançar o objetivo terminal (geral). Para cada aprendizagem intermediária identificada, repete-se o processo de fazer a mesma pergunta para um novo comportamento mais específico (o que o aprendiz precisa estar apto a fazer para conseguir realizar esse novo comportamento?). A repetição da pergunta e o sistema de resposta a ela em cada nível de complexidade dos comportamentos que vão sendo caracterizados vão explicitando comportamentos até um nível de complexidade que pode ser considerado pequeno, considerando que o objetivo terminal possui o grau mais alto de complexidade. A pergunta será interrompida, quando forem identificados os comportamentos que os aprendizes já são capazes de realizar antes de começar o programa de ensino e para poder começá-lo.
Com base nos mesmos procedimentos do trabalho de Paula E. Mattana, outros estudos já foram desenvolvidos no campo da Ciência. Santiago (2002), caracterizou o processo de produção arquitetônica por meio da explicitação dos comportamentos profissionais de um arquiteto que realiza esse processo, sendo identificados aproximadamente quatrocentos comportamentos constituintes dos comportamentos básicos de produção de uma obra arquitetônica. Onzi (2004) no estudo intitulado "Comportamentos profissionais como objetivos de aprendizagem para o ensino de graduação em Turismo", derivou classes de comportamentos a partir de uma análise dos planos e currículos de cursos de Turismo e planos de disciplinas, caracterizando uma relação profissional com os aspectos do meio que recebe o nome genérico de "turístico" (com toda a complexidade que a autora, inclusive elucida). Na pesquisa realizada por Silva (2004), denominada "Desenvolvimento de comportamentos profissionais de avaliação em Psicologia na formação do psicólogo", foram identificados comportamentos que o profissional em Psicologia necessita desenvolver durante o período de graduação, para estar apto a realizar a avaliação de fenômenos e processos psicológicos. Esses três estudos são exemplos do quanto o conhecimento produzido pela Análise Experimental do Comportamento podem ser úteis para vários campos de atuação profissional evidenciarem os comportamentos que os constituem e, em última instância, definem.
É possível concluir que a dissertação da Paula Elisa Mattana possibilita aos leitores, mais do que conhecimento sobre comportamentos profissionais de terapeuta comportamental, ela apresenta alguns princípios da Análise Experimental do Comportamento que explicam as relações entre o desenvolvimento de comportamentos profissionais e os processos de ensinar e aprender. Ainda torna explícito, um procedimento que auxilia a identificar os comportamentos que necessitam ser desenvolvidos nos alunos, aumentando a clareza em relação ao que precisa resultar como produto da atuação profissional. Aqueles que pesquisam sobre formação de profissionais de nível superior e os que trabalham com ensino, independentemente da área do conhecimento à qual estejam vinculados ou ao campo de atuação profissional para o qual estejam ensinando, o trabalho de Paula Elisa Mattana é um texto que vale a pena ser lido.
Referências
Botomé, S. P. (1987). Mercado de trabalho e campo profissional em Psicologia: Limitações, possibilidades e perspectivas. Anais da XVII R. A. de Psicologia, p. 341-353, Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Psicologia.
Botomé, S. P. (2001). Sobre a noção de comportamento. In: H. P. Feltes, & U. Zilles, Filosofia: diálogos e horizontes. Porto Alegre: EDIPUCRS.
Kubo, O. & Botomé, S. P. (2001). Ensino-Aprendizagem: uma interação entre dois processos comportamentais. Interação, Curitiba, 5, 123-132.
Mattana, P. E. (2004). Comportamentos profissionais do terapeuta comportamental como objetivos para sua formação, Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.
Onzi, L. (2004). Comportamentos profissionais como objetivos de aprendizagem para o ensino de graduação em Turismo Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.
Santiago, A. J. De (2002). Comportamentos profissionais básicos constituintes do processo de produção da obra arquitetônica, Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.
Silva, A. L. P. Da (2004). Desenvolvimento de comportamentos profissionais de avaliação em Psicologia na formação do psicólogo, Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.
Recebido em: 15/05/2006
Aceito em: 20/05/2006
1 Doutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: botome@cfh.ufsc.br
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: patricia.tosi@unoesc.edu.br
3 A Dissertação está disponível no endereço eletrônico www.tede.ufsc.br/teses/PPSIO145.pdf