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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.10 no.1 São Paulo jun. 2008

 

RESENHA

 

Atualidade das críticas ao Behaviorismo Radical: proposta de uma agenda de pesquisa

 

 

Carlos Eduardo Lopes1

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Paranaíba

 

 

Resenha do livro “Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrítica”, 2ª Edição, escrito por Kester Carrara. São Paulo: Editora Unesp (2005).

Falar da importância da crítica na construção do conhecimento científico é lugar comum mencionado na maioria dos manuais de metodologia científica (e.g. Bachelard, 1965/1974; Köche, 2002). No caso da Psicologia, essa correção oferecida pela crítica, muitas vezes, não é alcançada devido à multiplicidade de linhas teóricas e a exacerbada especialização que ocorre dentro de cada linha. É o caso, por exemplo, de periódicos que, devido à sua especificidade, acabam por excluir críticas, provenientes de outras áreas, aos assuntos-alvo do próprio periódico.

Facilitar essa correção embasada em críticas consistentes de certos aspectos do Behaviorismo Radical é o objetivo do livro Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrítica do Professor Kester Carrara, que ganhou, em 2005, uma segunda edição revisada e ampliada. A partir de uma cuidadosa e elegante análise das críticas tradicionalmente endereçadas ao Behaviorismo Radical, o Professor Carrara avalia a pertinência de tais críticas sugerindo, por fim, uma agenda de pesquisa que visa corrigir algumas lacunas da Análise do Comportamento.

Embora o objeto de análise do livro seja o Behaviorismo Radical (o que é evidenciado pelo próprio título), nos primeiros capítulos encontramos uma retomada da história do Behaviorismo desde os primeiros textos de Watson, passando por Tolman e Hull, e chegando, finalmente, à obra de Skinner. Nessa (nem tão) breve história, concluímos com o autor que, ora pelo conteúdo de suas teses (calcadas basicamente na crítica ao mentalismo), ora pelo modo como essas foram apresentadas (de maneira enfática e, muitas vezes, irônica), um grande volume de críticas sempre acompanhou o Behaviorismo.

O que deve ser destacado nessa parte histórica do livro do Professor Carrara é seu interessante capítulo sobre Watson (capítulo 2), em que as discussões sobre as principais influências epistemológicas e históricas do “arquibehaviorista” (como o materialismo, o mecanicismo, o positivismo, o evolucionismo) são esmiuçadas de maneira clara e cuidadosa. É possível afirmar, mesmo com o risco de cometer uma injustiça com outros autores, que um tratamento desse porte da obra de Watson não encontra paralelo em publicações nacionais.

Em relação ao Behaviorismo Radical, propriamente dito, o tratamento é extremamente bem articulado e fundamentado. Merece especial atenção o número de referências (tanto de livros quanto de artigos), que surpreende e revela outra virtude do livro: trata-se de uma ótima fonte bibliográfica para estudos subseqüentes. Em vista da diversidade de assuntos abordados pela crítica analisada, mesmo quem conhece a literatura especializada sobre o Behaviorismo Radical, em algum momento ver-se-á consultando a bibliografia do livro com o intuito de verificar alguma referência desconhecida.

Voltando ao objetivo principal do livro, a apresentação das críticas dirigidas ao Behaviorismo Radical segue uma categorização (considerada pelo autor como meramente didática, uma vez que na apresentação original das críticas os limites não são tão nítidos) em três dimensões: “conceitual-filosófica”, “científico-metodológica” e “ético-social” (o que nos faz lembrar da famosa divisão da Filosofia em “ontologia”, “epistemologia” e “ética”). Além disso, há uma quarta categoria de “miscelânea”, na qual são debatidos, rapidamente, algumas aproximações e distanciamentos entre o Behaviorismo Radical e Psicanálise, Neurofisiologia, Etologia, Fenomenologia, Humanismo, Behaviorismo Social, e Cognitivismo.

Sem dúvida, a maior relevância da análise das críticas seja mostrar sua pertinência, o que é conseguido por meio de uma metacrítica, ou seja, de uma crítica das críticas. Evidentemente, os analistas do comportamento e o próprio Skinner (e. g. 1974) reconhecem que muitas das críticas dirigidas ao Behaviorismo Radical, e à Ciência do Comportamento embasada por essa filosofia, são vazias (freqüentemente, confunde-se o Behaviorismo Radical com o Behaviorismo Metodológico e até mesmo com o Behaviorismo Clássico de Watson). Sem ignorar esse “erro de endereçamento”, a análise metacrítica do Professor Carrara mostra que há uma série de críticas que são bastante pertinentes e que, por isso, reclamam uma consideração mais cuidadosa dos analistas do comportamento. Vale mencionar aqui, mesmo que en passant, os principais aspectos da crítica que são apontados no livro como relevantes.

 

Algumas críticas relevantes ao Behaviorismo Radical

Uma primeira questão retomada pelo livro do Professor Carrara é o reducionismo no Behaviorismo Radical. De modo geral, a crítica parte do fato de que se os, assim chamados, fenômenos mentais podem ser interpretados em termos de comportamento, o Behaviorismo Radical opera uma “redução comportamental”. Resta, então, avaliar o alcance desse tipo de reducionismo.

Avançando um pouco a análise proposta pelo Professor Carrara, podemos dizer que quando Skinner (1974) interpreta conceitos mentais em termos de comportamento, seu interlocutor é o mentalismo. Uma vez que o mentalismo defende a existência de uma mente não-física que causa o comportamento, ele pode ser considerado como um posicionamento ontológico. Nesse sentido, o Behaviorismo Radical opera um reducionismo ontológico (nega a existência desse tipo de mente e interpreta os conceitos mentais em termos de comportamento). No entanto, como essa negação da existência de uma mente não-física está restrita ao diálogo com o mentalismo, o Behaviorismo Radical não parece operar um reducionismo comportamental ascendente (do fisiológico ao comportamental), nem descendente (dos fenômenos sociais aos comportamentais). Com isso, o Behaviorismo Radical parece ser melhor avaliado, pelo menos no seu diálogo com outras disciplinas, de uma perspectiva emergentista.

Contudo, segundo o Professor Carrara, a questão do reducionismo aflige nem tanto os pressupostos teórico-filosóficos (reducionismo de princípio) , mas sim, a atuação de analistas do comportamento (reducionismo de prática). De acordo com o autor, a Análise do Comportamento Aplicada tende a reduzir indevidamente casos complexos a protótipos extraídos, sobretudo, de estudos experimentais de laboratório. Essa questão anuncia outras críticas, como o posicionamento acerca da continuidade entre espécies e a relação entre dados experimentais e aplicação.

Devido à influência do darwinismo, o Behaviorismo em geral, e o Behaviorismo Radical em particular, lançaram mão de uma série de pesquisas com animais não-humanos amparados em uma suposta continuidade interespecífica. No entanto, com o avanço da área, essa continuidade aos poucos deixa de ser um pressuposto teórico para tornar-se uma questão empírica: passível de ser resolvida por novas pesquisas com humanos e de uma comparação sistemática com pesquisas similares em não-humanos.

Em relação à díade laboratório versus mundo real, embora a discussão seja antiga, a atitude de muitos analistas do comportamento revela a necessidade de uma retomada de alguns pontos da questão. A própria formação acadêmica desses profissionais é um dos aspectos que precisa ser considerado com mais delonga. As aulas de laboratório não deveriam funcionar como um protótipo do funcionamento do mundo real, mas simplesmente para “treinar nosso olhar”: para ensinar para onde devemos olhar e, principalmente, o que devemos ver. Nas palavras de Skinner (1969) “com a ajuda de tais equipamentos [de laboratório], juntamente com as técnicas experimentais para as quais eles foram planejados, nós começamos a ver contingências de reforçamento” (p. 08).

Nesse sentido, no contexto da formação, o laboratório não deveria ser encarado como um modelo do mundo, mas como um ambiente artificial planejado para treinar futuros analistas do comportamento. Já no contexto da pesquisa e aplicação, o laboratório deveria ter uma função heurística, ou seja, dirigir nosso olhar para algumas das variáveis envolvidas no fenômeno estudado, de modo que uma futura atuação torne-se mais efetiva. Com isso, o laboratório deveria ser considerado com uma etapa fundamental, porém preliminar, na construção do conhecimento acerca do comportamento humano: com o desenvolvimento da Análise do Comportamento espera-se um aumento de pesquisas com humanos em ambiente natural.

Já quando o laboratório é visto como protótipo para atuação, há uma inversão perniciosa: tenta-se adequar o mundo ao modelo. Não há novidade em dizer que o laboratório, por ambicionar um controle estrito de variáveis, eventualmente, deixa de fora variáveis que podem estar atuando na situação natural (e.g. Cozby, 1977/2003). Isso cria um problema suplementar quando o assunto em tela são fenômenos sociais complexos como a linguagem, as instituições sociais, e as práticas culturais. Nesse caso, como dificilmente será possível criar um ambiente social experimental, há uma tendência em aplicar modelos experimentais à análise desses fenômenos2.

Ao explicar os fenômenos sociais por meio de modelos experimentais opera-se um reducionismo indevido: encara-se um fenômeno comportamental complexo como uma mera soma de fenômenos comportamentais simples. Uma das conseqüências mais patentes desse reducionismo é a omissão de importantes variáveis na análise dos fenômenos sociais complexos como, por exemplo, o contexto social, político, econômico, nutricional, familiar, etc.

Diante desse estreitamento da análise de variáveis envolvidas nos fenômenos sociais, o Professor Carrara propõe uma ampliação do escopo de análise ou, em seus termos, uma Análise do Comportamento Contextualista. Trata-se de uma retomada de alguns aspectos da análise molar do comportamento (proposta inicialmente por Tolman, 1967/19323) e, conseqüentemente, de um afastamento de alguns fantasmas que sempre perseguiram o Behaviorismo em geral, e o Behaviorismo Radical em particular, como, por exemplo, o mecanicismo (Carrara & Gonzalez, 1996). Mas isso não é tudo. Ao ampliar a análise de variáveis, a Análise do Comportamento Contextualista volta-se, inevitavelmente, para problemas sociais, uma vez que, agora, variáveis de ordem sócioeconômicas e políticas tornam-se relevantes.

Isso responderia à crítica de que, devido a algumas afinidades com o Positivismo, o Behaviorismo Radical estaria comprometido inevitavelmente com ideais reacionários e antidemocráticos. Contrariando essa visão, o Professor Carrara, retomando alguns pontos defendidos por Holland (1974, 1978), argumenta que a parca participação da Análise do Comportamento em uma atuação dirigida para princípios de igualdade e melhora na qualidade de vida da coletividade não é uma questão de princípio, ou seja, não está teórica e inevitavelmente fundamentada pelo Behaviorismo Radical. O maior responsável por essa falha da Análise do Comportamento é, possivelmente, a filiação de analistas do comportamento ao mito da neutralidade científica.

Seguindo a análise do Professor Carrara, diferente do que já se defendeu no passado, o fazer ciência tem conseqüências sociais relevantes que deveriam interferir nessa atividade (e.g. Bachrach, 1965/1974). Isso quer dizer que ao produzir conhecimento o cientista sempre se compromete com questões ético-políticas que, em última instância, vão desde a manutenção de desigualdades sociais até a possibilidade de mudanças na direção de uma maior igualdade entre os indivíduos. Com isso, quer queira ou não, o analista do comportamento sempre tem um papel social (seja de manutenção da desigualdade, seja de catalisador de mudanças).

Nesse sentido, não se trata de afirmar (como parece fazer parte da crítica) que o Behaviorismo Radical, quase que inevitavelmente, culmina em atuações antiéticas, mas de mostrar que a falta de um direcionamento ético faz com que as práticas embasadas nessa filosofia da ciência do comportamento acabem por fortalecer (ou, pelo menos, nada fazer para mudar) as desigualdades sociais.

No entanto, para que essa nova equalização dos objetivos do Behaviorismo Radical seja possível faz-se necessário uma discussão aprofundada de questões éticas no interior dessa filosofia da ciência do comportamento. Infelizmente, tais discussões são ainda incipientes, o que nos coloca diante de um paradoxo: por um lado, defende-se que o fazer científico deve ser eticamente orientado, mas por outro, não há ainda uma discussão ética aprofundada o suficiente para tal direcionamento.

Isso nos leva a concluir, com o autor, que um maior investimento em discussões sobre ética e política no Behaviorismo Radical parece fundamental. Talvez um primeiro aspecto nessa discussão seja definir, de maneira clara, os valores dessa ética que dirigirá o fazer ciência. Embora o livro não mencione esse ponto, parece que a definição dos valores dessa ética envolve muito mais do que o emprego da expressão (repetida ad nauseam em discussões sobre ética no Behaviorismo Radical) “sobrevivência das culturas”. Por outro lado, também não parece ser um caminho promissor retomar conceitos vagos como “felicidade”, “bem-estar”, “prazer”, etc. para definir os valores dessa ética. Questões como “em que medida determinada prática do analista do comportamento contribui para a melhora na qualidade de vida dos indivíduos?” ou “essa prática está voltada para a sobrevivência das culturas?” só poderão ser respondidas quando formos capazes de avaliar a “qualidade de vida” ou a “sobrevivência das culturas”; ou seja, quando definirmos de maneira inequívoca o significado4 dessas expressões. Evidentemente, o escopo das variáveis que controlam a emissão dessas respostas verbais é bastante amplo indo desde a nutrição até o tempo e o tipo de lazer disponível a um indivíduo. Nessa ampliação do escopo de análise, reencontramos a proposta de uma Análise do Comportamento Contextualista.

Por fim, é possível sumarizar o sentido do livro do Professor Carrara como uma proposta, fundamentada pela metacrítica, de uma futura agenda de pesquisa (teórico-conceitual, básica e aplicada) da Análise do Comportamento. O que chama a atenção nessa proposta é fato dela ter sido formulada pela primeira vez em 1998 (na primeira edição do livro) e continuar válida até hoje. Em suma, parece que nesses dez anos a Análise do Comportamento ainda não se voltou para a crítica de maneira satisfatória. Para os analistas do comportamento resta, então, comportar-se para que a terceira edição do livro do Professor Carrara deixe de ser tão atual quanto é a segunda.

 

Referências Bibliográficas

Bachrach, A. J. (1974). Introdução à pesquisa psicológica. Tradução de G. P. Witter. São Paulo: EPU. (Trabalho original publicado em 1965)

Carrara, K. (2005). Behaviorismo Radical: Crítica e metacrítica, 2ª. Edição. São Paulo: Editora Unesp.

Carrara, K. & Gonzalez, M. H. (1996). Contextualismo e mecanicismo: Implicações conceituais para uma análise da Analise do Comportamento. Didática, 31, 197-217.

Cozby, P. C. (2003). Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. Traduzido por P. I. C. Gomide & E. Otta. São Paulo: Editora Atlas. (Trabalho original publicado em 1977)

Foulquié, P. & Deledalle. G. (1965). A psicologia contemporânea. Traduzido por H. C. Campos. São Paulo: Companhia Editora Nacional. (Trabalho original publicado em 1951)

Holland, J. G. (1974). Servirán los principios conductuales para los revolucionarios? Em F. S. Keller & E. Ribes (Orgs.) Modificación de conducta: aplicaciones a la educación, pp. 265-281. México: Trillas.

Holland, J. G. (1978). Behaviorism: Part of problem or part of the solution? Journal of Applied Behavior Analysis, 11, 163-174.

Köche, J. C. (2002). Fundamentos de metodologia científica: Teoria da ciência e iniciação à pesquisa, 20ª. Edição atualizada. Petrópolis: Editora Vozes.

Koffka, K. (1935). Principles of Gestalt psychology. New York: Harcourt, Brace and Company.

Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Appleton-Century-Crofts.

Smith, L. D. (1986). Behaviorism and Logical Positivism: A reassessment of the alliance. Stanford: Stanford University Press.

Tolman, E. C. (1967). Purposive behavior in animals and men. Appleton-Century-Crofts. (Originalmente publicado em 1932)

 

Recebido em: 10/02/2008
Primeira decisão editorial em: 18/02/2008
Versão final em: 26/04/2008
Aceito em: 20/05/2008

 

 

1Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Paranaíba. E-mail: caelopes@terra.com.br
2Trata-se de uma questão antiga, presente já no histórico debate entre Positivismo e Ciências-do-Espírito (Geisteswissenschaften) na Alemanha do início do século XX (Koffka, 1935). Nesse debate, os positivistas, partindo do sucesso no estudo de fenômenos simples, defendiam a possibilidade de aplicação do método experimental a todo e qualquer fenômeno; já os representantes das Geisteswissenschaften viam nos fenômenos culturais (linguagem, artes, instituições, etc.) um domínio inalcançável para o método experimental, que só poderia ser estudado de maneira compreensiva (ou descritiva). Na psicologia, em especial, esse debate foi travado entre Psicologia Explicativa (positivista) e Psicologia Compreensiva (descritiva). Uma interessante apresentação desse debate, bem como de suas conseqüências para a história da psicologia, pode ser encontrada em Foulquié & Deledalle (1951/1965).
3Embora o Professor Carrara não mencione, explicitamente, a influência de Tolman sobre a proposta contextualista, Smith (1986) defende que S. C. Pepper (um dos principais representantes do contextualismo) foi fundamental para o desenvolvimento da obra desse behaviorista. Isso indicaria a possibilidade de aproximações interessantes entre as propostas de Pepper e Tolman.
4“Significado” é empregado, nesse contexto, como as variáveis que controlam a emissão de uma resposta verbal (Skinner, 1957).