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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.12 no.1-2 São Paulo jun. 2010
ARTIGOS
Chomsky e Skinner e a polêmica sobre a geratividade da linguagem1
Chomsky and Skinner and the controversy over the generativity of language
Carmen Silvia Motta BandiniI,2; Júlio César C. de RoseII,3
IUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino
IIUniversidade Federal de São Carlos e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino
RESUMO
O Verbal Behavior é considerado a obra mais importante de B. F. Skinner. Pela sua importância este livro foi amplamente discutido e criticado. Uma das críticas mais importantes foi a Resenha (Review) de N. Chomsky, a qual tinha como um de seus argumentos basilares a idéia de que o Verbal Behavior não trataria do caráter gerativo da linguagem humana. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi apresentar a Resenha, sistematizando seus argumentos e sinalizando como Chomsky considerou que a visão behaviorista seria incapaz de explicar a geratividade da linguagem para, em seguida, apresentar como o Verbal Behavior de Skinner possui argumentos que podem contemplar esse caráter gerativo. Como pano de fundo da discussão, uma breve análise histórica das duas obras foi realizada para que o contexto das publicações pudesse ser compreendido.
Palavras-chave: Geratividade verbal; Comportamento verbal; Chomsky; Skinner.
ABSTRACT
Verbal Behavior is considered to be B. F. Skinner's most important work. On account of its importance, this book has been widely discussed and critiqued. One criticism came in the Review by N. Chomsky, which had, as one of its fundamental arguments, the idea that Verbal Behavior would not address the generative nature of human language. Set against this context, the objective here was to present the Review, by systematizing the arguments and signaling how Chomsky considered the behaviorist view would be unable to account for the generativity of language, and then to demonstrate how Skinner's Verbal Behavior has arguments that can address this generative character. As a backdrop to the discussion, a brief historical analysis of the two works was performed in order to better understand the context of the publications.
Keywords: Verbal generativity; Verbal behavior; Chomsky; Skinner.
O Verbal Behavior (Skinner, 1957) é considerado uma das obras mais importantes de B. F. Skinner, senão a mais importante. Desde sua publicação em 1957 até os dias de hoje, esta obra vem sendo amplamente comentada, utilizada e criticada por especialistas da área da linguagem, psicólogos e filósofos.
Devido à forma de escrita de Skinner, que geralmente requer um conhecimento refinado de Análise do Comportamento por parte do leitor, o Verbal Behavior é geralmente considerado uma obra difícil. Como conseqüência desta dificuldade, muitos mal entendidos em relação ao seu conteúdo foram cometidos. Por exemplo, muitos dos leitores menos familiarizados com a Análise do Comportamento e com o Behaviorismo Radical entenderam que as análises contidas no Verbal Behavior eram uma tentativa de enquadrar o fenômeno da linguagem em um modelo do tipo EstímuloResposta (SR), característico de outras correntes do behaviorismo. Por este motivo, esta obra movimentou muitas discussões da Psicologia na segunda metade do Século XX e recebeu inúmeras críticas, principalmente de lingüistas e psicólogos envolvidos no movimento que estava ganhando força naquela época, denominado Revolução Cognitiva.
Dentre as críticas mais relevantes ao Verbal Behavior está uma resenha (Review), a qual será denominada Resenha para facilitar a compreensão deste texto, publicada na revista Language por N. Chomsky (1959), um dos mais importantes lingüistas do Século XX. Embora a abordagem de Chomsky seja lingüística, seu impacto na Psicologia Cognitiva foi tanto que muitos a tomaram como sinal do fim da abordagem behaviorista do comportamento verbal. Um de seus argumentos basilares foi o de que Skinner não conseguiria tratar da geratividade verbal. Esta seria uma falha irremediável, visto que, para Chomsky, a própria diferenciação entre os seres humanos e os demais animais ou máquinas residiria na possibilidade de produção gerativa da linguagem humana. Contudo, trabalhos atuais vêm mostrando a existência de uma proposta skinneriana da geratividade verbal, contrariando os argumentos chomskyanos. Trabalhos conceituais como os de Bandini e de Rose (2006) e Ferreira (2010), por exemplo, relativos à geratividade presentes no texto skinneriano4.
Um fato curioso na história do Behaviorismo é que a Resenha sempre foi pouco comentada pelos próprios behavioristas apesar do amplo destaque que teve na Psicologia do Século XX. A primeira resposta ao texto de Chomsky chegou apenas cerca de dez anos depois da publicação da Resenha, segundo Palmer (2006) com uma publicação de Wiest (1967, citado em Palmer, 2006) e posteriormente em 1970 com a publicação de MacCorquodale (1970). A tal silêncio atribuise o fortalecimento dos argumentos de Chomsky perante a comunidade científica da época (Richelle, 2003). O próprio Skinner, ao comentar a Resenha em 1971, considerou que o fato de não ter dado atenção devida ao texto de Chomsky foi um equívoco que implicou em uma repercussão de tal texto muito maior que a do próprio Verbal Behavior (Skinner, 1971, citado por Richelle, 2003).
Atualmente, outros textos comentam a famosa Resenha, contudo estes ainda são poucos. Exemplos destas discussões podem ser encontrados em Andresen (1990; 1992), Carrara (2005), Justi e Araújo (2004), Palmer (2006), Richelle (2003), Shahan e Chase (2002), Virués-Ortega (2006) e Zuriff (1985). Estes textos indicam problemas fundamentais nos argumentos de Chomsky frente ao Behaviorismo Radical e indicam dimensões importantes do alcance da crítica de Chomsky no panorama da ciência na atualidade. Contudo, apenas em Shahan e Chase (2002) o problema colocado por Chomsky de que a filosofia skinneriana seria incapaz de lidar com a geratividade da linguagem é tratado mais a fundo. Todavia, os autores se concentram apenas na apresentação de uma resposta a crítica de Chomsky e não em uma apresentação detalhada de seus argumentos.
Considerando a importância do Verbal Behavior no cenário histórico e atual da Psicologia e a igual importância da Resenha, este trabalho teve como objetivo apresentar a Resenha de Chomsky, sistematizando seus argumentos e sinalizando como o autor considerou que a visão behaviorista seria incapaz de explicar a geratividade da linguagem para, em seguida, apresentar como o Verbal Behavior de Skinner possui argumentos que podem contemplar esse caráter gerativo. Como pano de fundo da discussão, uma breve análise histórica das duas obras foi realizada para que o contexto das publicações pudesse ser compreendido.
Uma breve análise do contexto histórico da Resenha de Chomsky e do Verbal Behavior de Skinner
A Resenha eo Verbal Behavior são textos contemporâneos. Foram publicados no final da década de 1950 com apenas dois anos de diferença: o Verbal Behavior, apesar de parcialmente pronto já no início da década de 1950, foi publicado em 1957 e a Resenha em 1959. Contudo, os pressupostos que fundamentam as argumentações dos dois autores são bastante diferentes. O Verbal Behavior foi publicado como fruto do modelo científico behaviorista, de tradição empirista, o qual empreendia uma tentativa de estabelecer que qualquer fenômeno complexo humano, inclusive a linguagem, poderia ser explicado tendo-se como objeto científico o comportamento. Em contrapartida, a Resenha surgiu como uma tentativa de reascender a polêmica discussão acerca da natureza humana, de cunho racionalista, baseada na idéia de que o conceito de representação, enquanto uma atividade mental, seria perfeitamente cabível para um modelo científico de explicação dos fenômenos humanos. Assim, apesar de historicamente contemporâneos, conceitualmente os textos partem de pressupostos bastante díspares. Vejamos como observar estas noções mais de perto.
O movimento behaviorista foi um movimento engendrado cerca de 30 anos depois do surgimento dos primeiros laboratórios experimentais de Psicologia e poucos anos após Freud esboçar seu Projeto de uma Psicologia (Freud, 1895/1950). Isso significa dizer que seu surgimento se deu em uma época em que a Psicologia era ainda uma ciência que engatinhava. Grande parte dos estudos fazia parte da escola baseada na filosofia de W. Wundt, conhecida comumente como Introspeccionismo ou Estruturalismo, e da escola psicanalítica derivada dos trabalhos freudianos. Para os estruturalistas, o principal objetivo era (Gardner, 2003; Rosenfeld, 2003), que consistia na aplicação da atenção meticulosa do pesquisador às suas próprias sensações, as quais deveriam ser relatadas da forma mais objetiva possível. No caso de Freud (1895/1950), o projeto para a Psicologia tinha o propósito de apresentar uma psicologia nos moldes de uma ciência natural, identificando os processos psíquicos como estados quantitativamente comandados de estruturas materiais comprováveis e fazendoo de modo que estes processos se tornassem intuitivos e isentos de contradição. Um intricado aparelho neuronal foi, então, desenvolvido pelo autor na tentativa de explicar como funcionavam as representações. Estas tinham características peculiares na medida em que não eram necessariamente conscientes e não eram projetadas no cérebro como cópias das experiências que as causaram.
O fato era que, em relação às duas vertentes citadas, a introspeccionista e a freudiana, ambas guardavam uma forte dose de subjetivismo, incompatível com a visão de ciência natural que desejavam empreender: a introspecção foi claramente um método subjetivo de resultados dependentes de fatores relativos ao observador que a executava, assim como os argumentos freudianos acerca do funcionamento neuronal, os quais embasavam sua idéia de representação, foram formulados sem que quase nada do sistema nervoso humano, dos neurônios e das próprias células fosse conhecido na época de seu Projeto de uma Psicologia.
Köhler (1947/1980), então, relata que o Behaviorismo Metodológico surgiu como um novo e poderoso modelo. Ele também tinha como proposta constituirse como uma Psicologia que se utilizasse do mesmo método objetivo das ciências naturais. Contudo, em vez de observar e descrever a experiência direta pela introspecção, os behavioristas procuraram estabelecer um objeto que pudesse ser observado de acordo com o método dessas ciências, qual seja, a observação objetiva. Além disso, os eliminando os problemas gerados por uma análise de eventos privados e/ou inconscientes (Zuriff, 1985).
Assim, Köhler (1947/1980) e Zuriff (1985) comentam que o Behaviorismo Metodológico tentou apresentar uma Psicologia nos moldes das ciências naturais, tais como a Física e a Biologia. E foi um modelo de longo alcance. Segundo Gardner (2003), por exemplo, rapidamente as idéias behavioristas foram estendidas para outras disciplinas que não apenas a Psicologia, como por exemplo, a Lingüística de Bloomfield, a filosofia de W. V. Quine e a Antropologia do início do Século XX. Assim, em alguns seguimentos da Psicologia a ordem daquela época passou a ser atacar o estudo introspectivo da experiência humana e as análises das representações inconscientes e utilizar observação direta para explicar os comportamentos.
Para que estes princípios fossem seguidos, um modelo de interação entre comportamento e ambiente foi cunhado e o conceito de reflexo deu conta, inicialmente, desta tarefa. Foi nesta época de mudanças e promessas de um avanço mais sistemático e científico da Psicologia, voltado para um objeto declarado como observável e físico, que Skinner iniciou seus estudos e realizou as primeiras pesquisas na área.
Segundo Zuriff (1985), o modelo reflexo dos behavioristas metodológicos poderia ser descrito da seguinte forma: 'todo comportamento consiste de respostas eliciadas por estímulos' (p. 100), ou seja, todo comportamento é reflexo. Contudo, mesmo no início do Behaviorismo, o reflexo não se resumia a apenas uma definição. Diferentes modelos de comportamento reflexo foram cunhados. No entanto, todos os modelos continham uma similaridade, qual seja a de que um reflexo, visto sob o ponto de vista behaviorista, sempre consistiria em uma relação de eliciação de uma resposta por um estímulo. Neste sentido, um estímulo deveria ser condição necessária e suficiente para a emissão de uma resposta. Daí o nome comumente utilizado 'Psicologia EstímuloResposta' (SR) para designar o Behaviorismo.
O famoso jargão psicologia SR, contudo, não pode ser considerado adequado quando o assunto é o Behaviorismo skinneriano. O fato é, como comenta Zuriff (1985), que a teoria do reflexo se desdobrou em outras teorias, as quais perderam de longe o vínculo de eliciação estrito acima descrito. Em outras palavras, ao longo do tempo o Behaviorismo não se tornou um behavioristas no início do século XX, a que nos referimos até aqui, outros autores que participavam deste movimento e que compartilhavam de muitas de suas idéias, mas não todas, começaram a desenvolver alternativas, buscando agregar o modelo objetivoobservável SR da ciência watsoniana a outros conceitos por ele renegados. E. C. Tolman, C. L. Hull e B. F. Skinner foram expoentes dessas correntes neo-behavioristas.
Skinner (1974/1976), apesar de admirador do texto de Watson, considerou que este autor cometeu muitos erros quando propôs que o Behaviorismo se constituísse como a nova ordem científica para toda a Psicologia. Skinner comentou que o fato de Watson ter reivindicado que a Psicologia fosse redefinida de acordo com seu novo método e objeto fez com que, de início, muitos discordassem dos pressupostos behavioristas. Além disso, na concepção skinneriana, Watson sabia muito pouco acerca do comportamento e muitas informações sobre o funcionamento humano precisaram ser supostas ou inferidas. Como conseqüência, algumas afirmações acabaram se mostrando exageradas e ao mesmo tempo ingênuas. Neste sentido, o Behaviorismo Metodológico, para Skinner, surgiu como um movimento precoce com bases pouco sólidas.
Das várias mudanças importantes realizadas pela teoria skinneriana, duas merecem ser comentadas: 1) a 'descoberta' do modelo operante e 2) o abandono da noção de acordo intersubjetivo. Em relação ao surgimento do conceito de operante, Zuriff (1985) afirma que pouco sobrou do modelo SR original na noção de operante. Apesar de o operante manter a idéia de que uma resposta também se relaciona com um evento antecedente, a definição de causa não é a mesma. Isso porque o operante é uma resposta funcionalmente definida, ou seja, é emitida e não eliciada. Ela pode (ou não) acontecer dependendo tanto das condições antecedentes, quanto dos eventos que são conseqüentes a ela. Assim, as suas conseqüências, os denominados reforçadores, são importantes definidores da probabilidade de que as respostas poderão acontecer no futuro. Os estímulos antecedentes passaram, então, a estabelecer ocasiões para a emissão das respostas e não mais a eliciar inexoravelmente a sua emissão, assim como os eventos conseqüentes passaram a ser variáveis independentes, determinantes da ocorrência daquela resposta em uma nova ocasião.
Como uma segunda mudança importante que diferencia Behaviorismo Metodológico e Behaviorismo Radical está o abandono da noção de acordo intersubjetivo na ciência. Segundo Zuriff (1985), a questão da verdade na ciência para Skinner não depende de um acordo entre os observadores. Nas palavras de Zuriff: 'Contrastando o 'Behaviorismo Radical' com o mais convencional 'Behaviorismo Metodológico', [...] Skinner rejeitou o acordo intersubjetivo como um critério para a objetividade. Ele argumentou que o consenso social sobre um relato não garante a verdade do relato' (p. 27). Rejeitando tal concepção, Skinner pôde recuperar conceitos esquecidos na ciência dos behavioristas metodológicos, tais como os eventos privados. Isso decorre do fato de que, dispensada a noção de acordo intersubjetivo, o objeto de estudo behaviorista não precisou ser mais, necessariamente, limitado aos eventos públicos. Isso não significa, em hipótese alguma, que Skinner concordou com o modelo introspeccionista ou com o modelo das representações inconscientes. Contudo, Skinner afirmou que deveria haver um lugar para que eventos privados pudessem ser mencionados em uma ciência do comportamento. Desde que a comunidade verbal possa treinar os falantes para descreverem eventos privados, ou seja, para que os falantes possam discriminar eventos internos, há possibilidade de que tais eventos sejam relatados, mesmo que exista a chance de imprecisão do relato. O fato é que para Skinner (1953/1965; 1957; 1974/1976) o relato dos eventos privados apenas se torna possível mediante o ensino público de tais descrições. Neste sentido, a ciência skinneriana propôs que o acesso ao que é interno é apenas possível mediante acesso inicial ao que é externo.
Em resumo, o Behaviorismo Radical skinneriano nasceu dentro do movimento behaviorista metodológico: preservou a idéia de que a Psicologia deveria ser vista como uma ciência natural e objetiva, mas, ao mesmo tempo, se distanciou do modelo SR com a inserção do operante e com a reinserção da possibilidade de acesso aos eventos privados. Foi, portanto, inserido neste percurso do pensamento psicológico que a obra Verbal Behavior foi escrita por Skinner, ou seja, em uma época em que apesar de criticado, o Behaviorismo estava ainda no auge de sua expansão.
Já o movimento cognitivista, do qual Chomsky fez parte, teve início um pouco mais tarde na década de 1930. Naquela época, como vimos, os 'Behaviorismos' eram importantes na cena da ciência norte americana, contudo não conquistaram unanimidade entre os cientistas e da mesma forma que angariavam seguidores, causavam certo desconforto no meio científico. Esse desconforto, segundo Chomsky (1968/2006) e Gardner (2003) se devia ao fato de que o conceito clássico de mente foi deixado de lado pelos cientistas comportamentais. Gardner (2003) comenta que apesar do Behaviorismo se enquadrar bem nas necessidades científicas da Psicologia do início do Século XX, pela necessidade de que um método melhor que a introspecção fosse desenvolvido e pela urgência de que os termos científicos pudessem ser mais bem definidos, o movimento acabou com as esperanças de que a mente, como os cognitivistas a concebiam, pudesse ser estudada. Isso porque, o estudo do comportamento não aceitava que crenças, representações mentais ou idéias pudessem ser entendidas como causas dos comportamentos: as causas dos comportamentos, como vimos, deveriam estar localizadas no ambiente do organismo e deveriam ser físicas.
Assim, segundo Gardner (2003), os cognitivistas formaram um movimento porque apontam aspectos importantes do pensamento de Chomsky. A primeira delas era a necessidade de que a ciência pudesse lidar com o fenômeno da representação, ou seja, com um nível de símbolos, regras e imagens mentais. Esse nível deveria ser compreendido como existindo entre os inputs recebidos do meio, comumente considerados como equivalentes (para os cognitivistas) aos estímulos da teoria behaviorista, e os outputs emitidos pelo organismo, reconhecidos como as respostas do modelo SR. Neste sentido, o mero estudo do comportamento era inviável para a compreensão da natureza humana. A segunda característica, não compartilhada por Chomsky, era a forte influência dos computadores como um modelo do pensamento humano. Os cognitivistas, em geral, compartilhavam da idéia de que o computador poderia servir como uma metáfora adequada para a compreensão da mente humana. Por fim, a terceira característica do movimento era a de que a cognição humana só seria compreendida com a realização de um trabalho conjunto de diversas áreas. Isso porque, na explicação do funcionamento da mente humana, deveriam ser incluídos os aspectos biológicos do funcionamento do sistema nervoso, principalmente do cérebro.
Foi em meio ao frisson dessa época que Chomsky começou a desenvolver seu trabalho. Como um ativo militante da nova Ciência Cognitiva, Chomsky escreveu seus primeiros trabalhos na década de 1950 e, caminhando no clima inovador, empreendeu uma resenha do Verbal Behavior como uma forte crítica ao Behaviorismo de Skinner. Chomsky (1957/2002; 1968/2006) considerava que era impossível entender o comportamento humano, principalmente comportamento lingüístico, sem entender quais as regras primordiais que regiam o processamento mental de uma proposição. Isso significa dizer que, para Chomsky, era imprescindível que se descobrisse como as representações mentais poderiam gerar proposições lingüísticas. Mais que isso, o autor compartilhava da idéia cognitivista da época de que o processamento biológico deveria ser um fator importante na compreensão da linguagem, visto que, em sua concepção, parte das regras responsáveis pelo comportamento humano lingüístico era inata, ou seja, figurava de alguma forma dentro do aparato biológico do ser humano.
Contudo, Chomsky não era um admirador das metáforas computacionais da mente. O crescente entusiasmo do final da década de 1940 e início dos anos 1950, que indicava a possibilidade de que os computadores pudessem dar uma explicação do comportamento e do funcionamento humano ou que pudessem, pelo menos, ser programados para desempenhar tarefas humanas, era para o autor infundado. Isso porque Chomsky era um entusiasta de algumas idéias cartesianas, das quais a mais importante era a de que existia uma diferença de natureza entre o homem e os demais animais ou as máquinas. Vejamos isso mais de perto.
Para Chomsky (1968/2006), o rumo da pesquisa pósbehaviorista deveria incluir as discussões acerca da natureza humana lançadas pelos pensadores racionalistas do século XVII. Compreender o ser humano deveria levar em consideração que este era dotado de um poder gerativo do pensamento, o qual o distinguia dos demais animais e de qualquer máquina que pudesse ser construída. Essa capacidade geradora infinita deveria ser entendida como qualitativamente diferente das capacidades dos animais/máquinas e não como uma questão de maior e menor complexidade de espécies. Ou seja, Chomsky acreditava ser lícito postular uma capacidade inata exclusiva ao ser humano de produzir pensamento e linguagem em um nível altamente complexo e criativo, a qual nunca poderia ser exibida por outro animal ou por qualquer máquina que pudesse ser criada pelo homem. O fato era que se tal capacidade fosse aprendida, então outros animais poderiam adquirila e poderiam, assim, serem dotados da mesma capacidade de pensamento, o que nunca havia sido observado.
Desta forma, para Chomsky (1968/2006), era a geratividade do pensamento humano o aspecto mais importante a ser considerado no estudo da linguagem. O homem disporia de um poder de criar infinitas sentenças diferentes partindo de um conjunto finito de regras e de dados do meio ambiente. A questão principal para o autor era que tal capacidade não poderia nunca ser aprendida pelo simples contato com o ambiente. Isso porque o número de sentenças produzidas por uma criança, por exemplo, parecia ser muito maior que o número de sentenças a ela ensinadas. Dito de outra forma, para Chomsky, os dados disponíveis no ambiente de uma criança seriam deveras degenerados para que esta pudesse vir a aprender a ampla gama de sentenças que produz. Sua teoria lingüística, então, deveria explicar como a criança realizava tal feito, sem buscar causas apenas no ambiente lingüístico em que ela está inserida.
Dito isso é possível que se compreenda porque as idéias de Chomsky não coadunam com as idéias de Skinner. Partindo de pressupostos tão diversos os autores buscaram as causas do comportamento lingüístico em variáveis completamente diferentes. Enquanto Chomsky procurou causas internas da linguagem, calcadas principalmente no conceito de representação mental e em regras de processamento internas, Skinner buscou explicar o comportamento verbal baseandose no ambiente do sujeito, ou seja, em sua história de reforçamento e na estimulação presente quando uma resposta é emitida.
A estrutura da Resenha de Chomsky
Em um panorama geral, a Resenha (Chomsky, 1959) pode ser compreendida como baseada em três alicerces fundamentais: 1) Uma crítica direcionada ao caráter objetivoobservável de ciência e ao método, baseado tanto no estudo do comportamento de animais não humanos, quanto no rígido controle do laboratório; 2) Uma crítica direcionada aos conceitos basilares do Behaviorismo Radical, tais como estímulo, resposta, privação, etc. e, por fim, 3) Uma crítica, na qual Chomsky considerou impossível diante do modelo científico, do método apresentado e dos conceitos utilizados por Skinner, a compreensão da geratividade do comportamento verbal, por meio da filosofia Behaviorista Radical. Para os objetivos deste texto, a partir de agora, será necessário sistematizar os mais importantes argumentos de Chomsky direcionando nossa análise à abordagem behaviorista do comportamento verbal e, consequentemente, de sua possibilidade de explicação da geratividade verbal.
A crítica da Resenha à ciência skinneriana
A ciência behaviorista skinneriana teve como objeto de estudo o comportamento humano. No caso do modelo operante, o comportamento foi concebido como uma relação entre o ambiente antecedente, em que uma resposta acontecia, a própria resposta e as conseqüências que tal resposta produz. Como método científico Skinner considerou o uso da experimentação, geralmente realizada em situações controladas de laboratório, a qual poderia ser realizada tanto com animais infrahumanos, como pombos e ratos, por exemplo, quanto com humanos. Para Skinner (1953/1965; 1957; 1974/1976), o uso de animais foi considerado lícito por dois motivos principais: 1) Por possuir muitas vantagens, como o controle das histórias genética e de reforçamento dos sujeitos e 2) Porque o comportamento seria regido por leis, em princípio, livres de restrição de espécies, permitindo generalização dos resultados para o comportamento humano. Sobre este segundo aspecto, Skinner (1957) afirmou sua crença de que a própria experimentação deveria gerar os dados necessários para uma decisão sobre a legitimidade da generalização entre espécies: se não era possível a afirmação de uma total semelhança entre os princípios do comportamento para as espécies, também não era possível a afirmação de uma total diferença entre tais princípios.
Contudo, para Chomsky (1959), a proposta de Skinner (1957) para a explicação do comportamento verbal foi considerada muito limitada. Em sua Resenha o autor afirmou que Skinner seria notado por suas contribuições ao estudo do comportamento animal, contudo, no estudo do comportamento humano, principalmente no caso do comportamento verbal, seu método e, consequentemente, seu modelo explicativo não seriam capazes de alcançar todas as complexidades do comportamento humano. Para Chomsky, Skinner em nada se diferenciava dos seguidores do modelo SR: se as variáveis estudadas figuravam exclusivamente no ambiente do organismo, o sujeito não teria qualquer tipo de contribuição na emissão de suas próprias respostas, o que deveria ser considerado como um contrasenso. Neste sentido, Chomsky considerou que deveriam existir processos mentais que estavam inseridos entre os inputs ambientais (termo usado pelo autor como equivalente ao termo skinneriano estímulo) e os outputs (equivalente ao termo skinneriano resposta) por eles produzidos.
Além disso, Chomsky (1959) apontou dois problemas cruciais: 1) Os resultados obtidos em pesquisas conduzidas no laboratório não poderiam ser considerados fora desse controle rígido e 2) Os resultados obtidos com animais não humanos não deveriam ser considerados, como fez Skinner, como sendo 'livres de restrição de espécies' (Skinner, 1957, p.3). Mais que isso, para Chomsky, o uso dos resultados obtidos com o estudo do comportamento animal apenas demonstraria que a análise skinneriana careceria de um maior conhecimento do comportamento humano complexo. Se os processos mentais, que transformam os inputs ambientais em outputs comportamentais, fossem conhecidos, então, ficaria claro que estes são diferentes entre humanos e outras espécies. Como apresentado anteriormente, para Chomsky havia uma diferença crucial entre os processos mentais humanos e de outras espécies animais (ou máquinas que pudessem ser construídas pelos humanos), calcada, principalmente, na geratividade do pensamento e da linguagem humana.
Assim, Chomsky (1959) enfatizou que o enfoque da ciência behaviorista era incorreto. Os conceitos criados com os resultados obtidos em laboratório tais como, estímulo, resposta, reforço, privação e etc., não poderiam dar conta da complexidade humana. Para cada um destes conceitos o autor articulou uma série de argumentos desfavoráveis; contudo para o foco central deste trabalho o argumento crítico chomskyano, que afirmava a inviabilidade do estudo do comportamento operante, deve ser o mais importante. Vejamos por quê.
Segundo Chomsky (1959), estudar o comportamento verbal, por meio de experimentação tão controlada e por conceitos que não levavam em conta os processos do pensamento humano, seria simplificar o uso da linguagem ao extremo. Se o autor considerou que a ciência skinneriana falhou na promessa de explicação do comportamento humano, falhou mais ainda, quando o comportamento humano em questão era verbal. Isso porque 'desde que o sistema (behaviorista) foi baseado nas noções de estímulo, resposta e reforço, concluise pelas seções anteriores a ela (a descrição do comportamento verbal) seria vaga e arbitrária' (p. 44). Ou seja, para Chomsky, não haveria possibilidade do Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento empreender uma análise efetiva sobre o comportamento verbal humano, baseandose nos conceitos oriundos da experimentação em laboratório.
Chomsky (1959) também não concordou com a definição skinneriana de que comportamento verbal seria todo comportamento mantido por consequências mediadas por outro indivíduo. Mais que isso, Chomsky considerou que a definição de comportamento verbal, apresentada por Skinner (1957) no Verbal Behavior, trazia inúmeras complicações para a teoria. Skinner restringiu a definição de comportamento verbal ao comportamento mediado pela ação de outro, sendo este outro devidamente condicionado a responder adequadamente, fornecendo a conseqüência reforçadora ao comportamento do falante. Nestes termos, Chomsky acreditou que o comportamento do ouvinte deveria ser fruto de treino, ou seja, o ouvinte deveria ser devidamente exposto a um número de situações para responder ao comportamento do falante, de forma eficaz. Se esta afirmação fosse verdadeira, então como poderia ser possível que o ouvinte respondesse adequadamente ao comportamento do falante em novas situações, nas quais não existisse qualquer espécie de treino? Desta forma, grande parte dos comportamentos lingüísticos das situações cotidianas não poderia ser contemplada pela definição restrita de comportamento verbal, pois em inúmeras situações novas, comportamento verbal é emitido sem qualquer treino prévio.
Mais que isso, o argumento central nesses casos poderia ser assim resumido: se um operante foi definido por ser uma classe de respostas, as quais são mantidas pelas suas conseqüências, como Skinner pretenderia explicar o fato de que as respostas deveriam ser emitidas antes de serem reforçadas pela primeira vez? É visível a mutabilidade e geratividade verbal nos seres humanos como um fenômeno que, na opinião de Chomsky (1968/2006) não poderia ser encontrado em nenhuma outra espécie. Assim, seria nítido que respostas novas são emitidas a todo o momento e são emitidas, em muitos dos casos, pela primeira vez, ainda sem serem parte de qualquer classe operante de comportamento. Como, então, poderíamos discutir esta questão, dentro da teoria operante do Behaviorismo Radical?
Responder a estas críticas de Chomsky exige um trabalho de 'garimpo' do Verbal Behavior (Skinner, 1957). Bandini e de Rose (2006) tentaram empreender esta tarefa sistematizando os processos e procedimentos responsáveis pelo surgimento de novas respostas verbais contidos naquela obra, assim como Shahan e Chase (2002) também abordaram alguns aspectos essenciais do Verbal Behavior. Sendo assim, o trabalho realizado por estes autores será utilizado para discutir a geratividade verbal apresentada na obra de Skinner a para fundamentar parte do debate entre Chomsky e Skinner.
Skinner e a geratividade verbal
Segundo Shahan e Chase (2002), o comportamento novo para o behaviorismo deveria ser definido pela observação de variações importantes em três níveis relacionados: 1) O contexto de uma resposta (eventos antecedentes, ou seja, no controle de estímulos), 2) A topografia da resposta e/ou 3) As consequências destas respostas. Dentre os conceitos citados pelos autores como relevantes, no primeiro nível, estariam à discriminação e generalização de estímulos, o comportamento conceitual (formação de conceitos), as extensões dos tactos, a abstração, os repertórios mínimos e os autoclíticos. No segundo nível, estariam os comportamentos de solução de problemas verbal e não verbal. Por fim, no terceiro nível estariam as variações nas consequências do comportamento.
Já segundo Bandini e de Rose (2006), a "novidade" comportamental poderia ser definida de duas formas, de acordo com o próprio Skinner (1968/2003): 1) Resultado da dotação genética ou história de reforçamento do indivíduo (surgimento de novas respostas no repertório do indivíduo quando a topografia da resposta já existisse, mas a resposta fosse agora emitida sob novos controles e 2) Comportamentos novos em um 'sentido' especial, por serem emitidos pela primeira vez (comportamento novo para a comunidade verbal como um todo). Neste segundo caso, os autores indicaram que Skinner estaria tratando diretamente com a tentativa de garantir uma explicação para a primeira emissão de uma resposta e, sendo assim, consideraram que poderíamos encontrar o uso dos termos original e criativo mais freqüentemente por Skinner. A partir desta definição, Bandini e de Rose (2006) indicaram a generalização de controle de estímulos, a recombinação de unidades mínimas, a recombinação de fragmentos de respostas, os autoclíticos e a modelagem de respostas operantes, como sendo os processos básicos envolvidos no surgimento de novas respostas verbais.
Como os processos citados por Bandini e de Rose (2006) abarcam, em certo sentido5, os citados em Shahan e Chase (2002), estes serão melhor analisados nas próximas sessões deste texto.
A generalização do controle de estímulos
De acordo com Bandini e de Rose (2006), a generalização do controle de estímulos seria responsável pelo que Skinner (1957) denominou extensões de mandos e tactos6. No caso dos mandos, segundo estes autores, Skinner considerou que as extensões de mandos ocorreriam quando: 1) O mando fosse emitido a "ouvintes" que não se caracterizam, de fato, como tal, por não estarem preparados para mediar o reforço da resposta do falante ou 2) Quando mandos fossem criados em analogia a outros mandos antigos. Nesse último caso, os mandos foram denominados por Skinner, mandos mágicos. Em uma resposta deste tipo, um determinado mando especificaria um reforçador adequado ao ser emitido sob controle de um dado estado de privação ou de estimulação aversiva, porém a resposta emitida nunca teria sido emitida sob esse tipo de controle e faria parte do repertório do indivíduo, como um outro tipo de operante verbal.
Para Skinner (1957), os mandos mágicos seriam típicos na literatura, principalmente na forma do que conhecemos como desejos. Tanto na prosa quanto na poesia, escreveu o autor, os mandos mágicos teriam um papel de destaque, pois o escritor, em geral, escreve sob forte privação ou estimulação aversiva. Em geral, os autores descrevem situações em que perderam a pessoa amada ou que desejam encontrar uma pessoa para amar, por exemplo. É ainda possível que os textos literários estejam relacionados a situações fortemente aversivas como, por exemplo, nos casos em que existe descontentamento com formas de governo, com estruturas sociais, etc. Nestes casos, é provável que o autor escreva desejando o retorno da pessoa amada ou uma mudança políticosocial, sem que essa consequência tenha sido especificada dessa forma anteriormente e sem que o leitor possa fornecer tais conseqüências ao escritor. Skinner considerou nesta ocasião, que na maioria das vezes em que mandos fossem utilizados em uma obra literária, eles poderiam ser considerados como mágicos devido à fraca, ou quase inexistente, relação entre o escritor e seu leitor.
Já no caso dos tactos, o número de extensões descritas por Skinner (1957) foi maior que no caso dos mandos e sua categorização dependeu da propriedade do estímulo que passaria a controlar a nova resposta. Tais extensões foram consideradas: 1) Genéricas, quando a propriedade que torna o novo estímulo um estímulo efetivo é uma propriedade comumente determinante de reforço pela comunidade verbal, ou seja, quando 'um falante chama uma nova espécie de cadeira de cadeira' (p. 91); 2) Metonímicas, quando um estímulo novo adquire o controle da resposta por estar sempre acompanhando o estímulo no qual o reforço é contingente, por exemplo, 'a Casa Branca negou os rumores, embora tenha sido o presidente quem falou' (p.100); 3) Solecísticas, quando o novo estímulo está relacionado de uma forma muito distante ou irrelevante ao estímulo sob o qual a resposta era antes reforçada, ou seja, são espécies de enganos do tipo dizer que 'alguém tem um dilema, embora a situação seja meramente uma dificuldade' (p. 102); 4) Nomeações, quando, por exemplo, crianças recebem nomes porque se parecem com outras pessoas conhecidas ou em homenagem a grandes amigos ou parentes, sendo, nestes casos, encontrados os mesmos controles que atuam nas demais extensões apresentadas aqui, inclusive nas extensões 5) Metafóricas, definidas por Skinner (1957) como as respostas emitidas sob controle de propriedades que, em geral, não são as propriedades comumente reforçadas pela comunidade verbal, mas que apenas coexistem nas situações de reforço padrão. A extensão metafórica foi considerada como a extensão mais relacionada à novidade no comportamento, uma vez que com o tempo ela passa a ser reforçada como tacto padrão, isolando assim uma determinada propriedade do estímulo ou um grupo de propriedades deste, que possivelmente não haviam sido antes identificadas pela comunidade verbal.
As recombinações de unidades de respostas verbais ou de fragmentos de respostas
Outro processo, apontado por Bandini e de Rose (2006) como responsável pelo surgimento de novas respostas, considerado no Verbal Behavior por Skinner (1957), foi a recombinação. Esta poderia darse de duas formas: 1) Sobre as unidades de respostas verbais ou 2) Sobre fragmentos de respostas.
Para o primeiro caso, a recombinação de unidades de respostas verbais, Skinner (1957) comentou que as menores unidades dos operantes verbais teriam um papel importante na emissão de respostas maiores. Segundo o autor, uma resposta de tamanho maior poderia ser ela mesma uma unidade ou poderia ser uma combinação de respostas menores existentes no repertório do indivíduo. Assim, uma pessoa que aprendesse a ler certa quantidade de sílabas poderia ser capaz de recombinálas e, assim, poderia ser capaz de ler novas palavras formadas pelas sílabas previamente aprendidas. Nestes casos, a pessoa poderia, agora, emitir novas respostas ao ler novas sentenças e palavras.
Já a recombinação de fragmentos de respostas, teria outra espécie de causa. Segundo Bandini e de Rose (2006), Skinner (1957) afirmou que o que acontecia nestes casos seria a junção de dois operantes que teriam aproximadamente a mesma força simultaneamente e que, portanto, acabariam se fundindo em uma nova resposta, em geral, de forma distorcida. Em recombinações deste tipo, a nova resposta poderia conter extensões iguais ou diferentes de cada uma das respostas e a combinação poderia ocorrer entre palavras, frases ou mesmo entre sílabas ou fonemas. Como apresentado por Skinner, em tais recombinações poderia surgir novas respostas como 'Você está provavelmente verdadeiro', como resultado de 'Você está provavelmente certo' e 'Isso é provavelmente verdadeiro' (Skinner, 1957, p. 296).
Bandini e de Rose (2006), baseandose em Skinner (1957), indicaram que os resultados das duas formas de recombinação seriam comumente distintos. Enquanto a combinação de pequenas unidades verbais do repertório do falante geralmente resultaria em outras novas palavras e frases úteis e, até mesmo originais, a recombinação de fragmentos de respostas resultaria, geralmente, em alguma forma estranha e pouco aceita pela comunidade verbal. Todavia, tais recombinações também poderiam produzir comportamento útil e novo em um sentido original e, desta forma, neologismos interessantes para a comunidade verbal poderiam passar a ser reforçadas pelo ouvinte.
Os processos autoclíticos
Os autoclíticos também fariam parte dos processos responsáveis pelo surgimento de novas respostas verbais na concepção skinneriana, como apontaram Bandini e de Rose (2006) e Shahan e Chase (2002). Isso aconteceria porque o comportamento verbal seria emitido sob controle de variáveis ambientais, correspondendo a ordens específicas de agrupamento da resposta. No caso em que o falante emite um mando, como um pedido de água, por exemplo, ele poderia pedir "Água!" e ser atendido. Todavia, provavelmente ele aumentaria a probabilidade de ser atendido, se pedisse "Água, por favor" ou "Um copo de água, por favor", ou seja, se sua resposta fosse formada também por autoclíticos. Nesse caso, a ordem da emissão da resposta corresponderia a uma ordem reforçada pela comunidade verbal, como "gramaticalmente correta". Caso o pedido de água não fosse ordenado, como por exemplo, "Água um favor copo por", este poderia ser inefetivo, pois o ouvinte poderia não tomar uma ação prática adequada, ou seja, não estaria apto a mediar o reforço para a resposta do falante. Como afirmou o autor, "as respostas evocadas por uma situação são essencialmente não gramaticais, até terem sido manipuladas autocliticamente" (p. 346).
Sendo assim, novas respostas verbais poderiam aparecer com o uso dos autoclíticos porque a ordem da reposta emitida poderia ser diferente da forma padrão reforçada pela comunidade verbal. Uma audiência não punitiva, por exemplo, poderia permitir o uso de autoclíticos que transgredissem de forma criativa as formas triviais de comportamento verbal: a ordem tradicional ou padrão reforçada por uma comunidade verbal poderia ser reforçada ao ser alterada em uma comunidade literária, por exemplo, produzindo um resultado novo para o indivíduo e, em alguns casos, para a comunidade como um todo.
Além disso, existiria ainda a possibilidade de recombinação de unidades do comportamento verbal e autoclíticos, como no seguinte exemplo: quando o falante adquire uma série de respostas tais como, 'A arma do garoto', 'O sapato do garoto' e 'O chapéu do garoto', a forma verbal 'A (o) x do garoto' tornase disponível para ser recombinada com outras respostas, como, por exemplo, 'A bicicleta do garoto', quando o garoto adquire uma bicicleta. Em um caso como esse, Skinner (1957) considerou que os aspectos relacionais da situação fortaleceriam a forma verbal a ser recombinada, assim como os aspectos da situação fortaleceriam a nova resposta (p. 336).
Por fim, Skinner (1957) comentou que algumas respostas são novas simplesmente por resultarem da junção de autoclíticos a outros operantes verbais disponíveis no repertório do falante, ou seja, por resultarem da recombinação de unidades disponíveis no repertório do indivíduo acrescidas de autoclíticos, como afirmações, negações, qualificações, entre outros. Os casos mais complexos dessa combinação poderiam ser encontrados no que Skinner denominou de composição, que por se constituir de uma grande quantidade de comportamento, permitiria uma grande quantidade, da mesma forma, de manipulação e, sendo assim, aumentaria a possibilidade de formação de novas respostas.
A modelagem ou reforçamento por aproximação sucessiva
Por fim, Bandini e de Rose (2006) comentaram a modelagem, enquanto processo, como a última forma apresentada por Skinner de processo envolvido no surgimento de novas respostas verbais. Segundo estes autores, a modelagem poderia ser definida como uma forma natural de seleção por consequências: o ambiente selecionaria variações comportamentais e tais variações, na maioria dos casos, constituiriam mudanças em pequena escala dos comportamentos em questão. Como indicou Skinner (1968/2003), os comportamentos não apareceram no repertório dos indivíduos, tal como os conhecemos atualmente e versões menos complexas devem ter feito parte do repertório de nossos ancestrais. Da mesma forma, no nível ontogenético, comportamento é selecionado e modelado no repertório do indivíduo por meio de aproximação sucessiva, ou seja, de modelagem. Uma criança pequena que aprende a falar, por exemplo, aprende geralmente por meio de aproximações sucessivas: seus pais acabam reforçando, inicialmente, qualquer forma de resposta vocal da criança e, a partir daí, passam a reforçar apenas as que se aproximam das formas mais corretas de palavras, até que a criança esteja falando corretamente.
Considerações finais
Após a análise das críticas apresentadas por Chomsky (1959) e da proposta skinneriana de análise da geratividade verbal, é possível considerar que os argumentos contidos na Resenha de Chomsky não foram capazes de derrubar a proposta skinneriana de explicação da geratividade verbal. O que pode ser verificado é que os pontos de vista de Skinner e Chomsky são fundamentalmente diferentes e, sendo assim, Chomsky não poderia, sob nenhuma hipótese, considerar como coerente a explicação skinneriana da capacidade humana gerativa da linguagem.
Contudo, muito do trabalho de Chomsky ainda pode ser discutido. Por exemplo, análises mais profundas podem ser úteis para verificar-se se o rígido controle das pesquisas em laboratório ou a pesquisa com animais podem ser, de fato, úteis no estudo do comportamento verbal. O fato é que, como o próprio Skinner apresentou, algumas afirmações presentes no Verbal Behavior eram de caráter exploratório ou especulativo e pesquisas na área deveriam ser realizadas para que pudessem ser confirmadas. O trabalho de verificação das críticas feitas ao trabalho de Skinner pode ajudar na empreitada de validar (ou não) as afirmações do autor, contribuindo assim para o avanço das pesquisas na área.
Conclui-se que críticas deveriam ser encaradas como uma possibilidade salutar de se encarar o trabalho científico de uma perspectiva diferente. Como resultado, elas podem favorecer o esclarecimento dos alicerces da análise skinneriana e dos fundamentos, nos quais seus pressupostos estão embasados.
Referências
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Recebido em: 31/10/2007
Aceito para publicação em: 09/09/2009
1 Baseado em parte da tese de doutorado da primeira autora, apresentada ao Programa de PósGraduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, sob orientação do segundo autor. Carmen Bandini contou com bolsa de doutorado da FAPESP (Processo No. 04/054824) e conta atualmente com Bolsa de Desenvolvimento Científico Regional do CNPq/FAPEAL (Processo No. 2007.09.024). Julio de Rose é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. A preparação deste manuscrito contou com auxílio do CNPq (Processo No. 573972/20087) e da FAPESP (Processo No. 2008/577058), referentes ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino. Os autores agradecem aos membros das bancas de qualificação e defesa da tese, os quais contribuíram para a elaboração da versão final da tese e, conseqüentemente, para a elaboração deste trabalho.
2 Doutora em Filosofia (UFSCar) e bolsista de Desenvolvimento Científico Regional/CNPq. Email: cbandini@superig.com.br
3 Doutor em Psicologia Experimental (USP/SP) e professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. Emai: juliocderose@yahoo.com.br
4 O presente texto não abordará o fenômeno da equivalência de estímulos, considerado pelos analistas do comportamento, como sendo outro processo gerativo típico do comportamento verbal, porque este fenômeno não é mencionado no texto skinneriano. Caso o leitor tenha interesse nesta área, sugerese ver Sidman e Tailby (1982) e AlmeidaVerdu; Huziwara, de Souza, de Rose, Bevilacqua; Lopes, Alves e McIlvane (2008). Além disso, alguns processos de geração de comportamentos novos, que se aplicam ao comportamento não verbal (embora possam se aplicar também ao comportamento verbal), como o condicionamento operante da variabilidade e as análises acerca de resolução de problemas (insights), também não farão parte de nossa análise. Para uma análise do condicionamento operante da variabilidade, ver Miller e Neuringer (2000), Neuringer (2004), e Pryor, Haag, e O'Reilly, (1969) e para análise do surgimento de respostas de solução em resolução de problemas, ver Delage (2006) e Epstein (1987).
5 Shahan e Chase (2002) comentam alguns tipos de processos ou procedimentos envolvidos no surgimento da variabilidade que não estão presentes no texto skinneriano, como a equivalência de estímulos, a ressurgência e o condicionamento operante da variabilidade, mas que são, na atualidade, processos bastante estudados da Análise do Comportamento.
6 É importante salientar que Shahan e Chase (2002) consideraram, ao contrário do que afirmou o próprio Skinner (1957), que a extensão de tactos e a generalização do controle de estímulos seriam processos diferentes. No primeiro, a resposta seria ocasionada por propriedades de um estímulo que estavam presentes quando o comportamento foi anteriormente reforçado, mas agora aparecem em um contexto novo. No segundo, a resposta ocorreria na presença de uma variação de uma propriedade relevante do estímulo.