SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número3Medidas de Controle de estímulos: fixações do olhar como respostas de observação naturaisEmergência de leitura em crianças com fracasso escolar: efeitos do controle por exclusão índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.14 no.3 São Paulo dez. 2012

 

ARTIGOS

 

Características psicométricas do questionário de crenças dos transtornos de personalidade - forma reduzida

 

 

Donizete Tadeu LeiteI,*; Ederaldo José LopesII; Renata Ferrarez Fernandes LopesIII

IPsicólogo; pós-graduado em Psicologia Clínica na Abordagem Cognitivo-comportamental e Mestre em Psicologia Aplicada pelo Programa de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
IIProfessor Associado do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
IIIProfessora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia

 

 


RESUMO

Este estudo avaliou as propriedades psicométricas da versão brasileira do Personality Belief Questionnaire - Short form (PBQ-SF). Uma amostra de 700 alunos universitários respondeu à versão brasileira do PBQ -SF. Os resultados apresentaram níveis satisfatórios para as estimativas de confiabilidade (alpha de Crombach) das escalas do PBQ-SF, apontando para uma significativa associação entre as crenças de cada uma das escalas. Os resultados da análise fatorial do PBQ-SF apresentaram um modelo muito aproximado de sua estrutura original, observando-se mais similaridades do que contradições entre eles. De um modo geral, os achados oferecem sustentação para a existência de validade fatorial para a versão brasileira do PBQ-SF, sugerindo que ele é um instrumento prático para a medida das crenças disfuncionais relacionadas aos transtornos da personalidade.

Palavras-chave: Transtornos da personalidade; esquemas cognitivos; Questionário de Crenças dos Transtornos de Personalidade - Forma Reduzida (PBQ-SF); psicometria.


 

 

A teoria cognitiva dos transtornos da personalidade enfatiza a importância de esquemas e crenças centrais como estruturas organizacionais e representações mentais globais que guiam o processamento de informação e o comportamento (A. Beck et al., 2005). Nos transtornos da personalidade, os indivíduos têm suas crenças centrais disfuncionais ativadas na maior parte do tempo trazendo consequências indesejáveis em quase todos os contextos (A. Beck et al., 2005; J. Beck 2005; Young, Klosko, & Weishaar, 2008). Por exemplo, pessoas com transtorno da personalidade esquiva mantêm crenças centrais tais como "eu sou socialmente inapto e indesejável" e "eu não posso tolerar sentimentos desagradáveis".

Nos transtornos da personalidade, em razão dos comportamentos de enfrentamento se estabelecerem como um padrão inflexível de resposta, o indivíduo acaba tendo um número reduzido de alternativas para as diferentes demandas da vida, tornando-se incapaz de usar estratégias mais adequadas a cada nova situação. Consequentemente, certos padrões de comportamento (ou estratégias comportamentais) apresentam-se superdesenvolvidos, enquanto outros se encontram subdesenvolvidos. Pessoas com personalidade saudável são capazes de usar eficientemente várias estratégias para diferentes contextos (Friedberg & McClure, 2004; J. Beck, 2007; T. Millon, Grossman, C. Millon, Meagher, & Ramnath, 2004; Neenan & Dryden, 2000; Young et al., 2008).

Fatores cognitivos como estes estariam fortemente relacionados à etiologia, curso e tratamento dos transtornos psicológicos (A. Beck, 2005a; A. Beck et al., 2005; A. Beck, Rush, Brian, & Emery, 1982; Hawton, Salkovskis, Kirk, & Clark, 1997). Do ponto de vista clínico, a identificação dessas crenças é um ponto de partida fundamental nos processos diagnósticos, conceituação de casos, avaliação psicológica e intervenções terapêuticas (A. Beck et al., 1993, 2005; J. Beck, 1997; Young et al., 2008; Young & Klosko, 1994).

Conteúdos específicos de esquemas (padrão de crenças disfuncionais) de cada um dos transtornos de personalidade têm sido identificados através do trabalho clínico e teórico por Beck e colaboradores (A. Beck, et al., 1993, 2005). De acordo com esta proposta, as diferenças entre os transtornos da personalidade estariam basicamente no conteúdo dos esquemas cognitivos (crenças disfuncionais) presentes e associados de maneira específica a cada transtorno.

O Personality Belief Questionnaire (PBQ) foi desenvolvido por A. Beck e J. Beck (1991) como um instrumento clínico e de pesquisa, destinado a avaliar crenças disfuncionais associadas aos transtornos da personalidade do Eixo II, do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR; American Psychiatric Association, APA, 2002). A ideia central do questionário está baseada no pressuposto de que as diferenças descritivas dos transtornos da personalidade podem estar apoiadas em diferentes padrões de crenças tanto quanto são percebidas nos diferentes sintomas clínicos (A. Beck et al., 1993, 2005). Uma vez identificadas, as crenças desadaptativas revelam temas conceituais que articulam a história de desenvolvimento do indivíduo, estratégias compensatórias, reações disfuncionais e situações atuais dos pacientes. O PBQ possui 126 itens que, na sua configuração inicial, avaliavam 9 escalas (14 itens por escala) que correspondiam aos 9 transtornos de personalidade (evitativa, dependente, passivo-agressiva, obsessivo-compulsiva, antissocial, narcisista, histriônica, paranoide e esquizoide/esquizotípica). Vários estudos vêm sendo realizados para avaliar a validade do PBQ.

Trull, Goodwin, Schopp e Hillenbrand (1993) aplicaram o PBQ a uma amostra de estudantes universitários e encontraram índices favoráveis de consistência interna das escalas e correlações modestas com o Personality Disorder Questionnaire-Revised (Hyler, Skodol, Oldham, Kellman, & Doidge, 1992) e com o Minnesota Multiphasic Personality Inventory-Personality Disorders (MMPI-PD; Morey, Waugh, & Blashfield, 1985).

Fydrich, Schmitz, Hennch e Bodem (1996) aplicaram a versão alemã do PBQ em uma amostra de 282 pacientes psiquiátricos e encontraram boa fidedignidade das escalas e correlações moderadas com a escala para diagnóstico dos transtornos de personalidade SCID-II (Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR Axis II Personality Disorders).

Em um amplo estudo com 756 pacientes psiquiátricos ambulatoriais, A. Beck et al. (2001) encontraram índices de consistência interna e teste-reteste favoráveis para o PBQ. O exame da validade de critério feito pelos pesquisadores revelou resultados que apoiam o fato de as crenças do PBQ estarem teoricamente ligadas a seus transtornos específicos.

Um estudo subsequente realizado por Butler, Brown, A. Beck e Grisham (2002) identificou um grupo de 14 crenças associadas com o transtorno da personalidade borderline. As crenças foram avaliadas através da própria aplicação do PBQ que se destinava a avaliar as crenças associadas a 9 distúrbios de personalidade diferentes, embora ainda não avaliasse especificamente o transtorno borderline. Os itens que se encontraram associados ao transtorno da personalidade borderline e o discriminavam dos outros transtornos emergiram dos itens que compunham as escalas dependente, paranoide, esquiva e histriônica do PBQ. A nova escala formada pelos itens emergentes mostrou boa consistência interna e validade diagnóstica entre os pacientes estudados. O resultado desse estudo possibilitou o uso da escala PBQ como auxílio no diagnóstico e na terapia também do transtorno da personalidade borderline. A partir deste estudo, o PBQ passou a possuir 10 escalas (com 14 itens por escala) correspondentes aos 10 transtornos de personalidade e com os mesmos 126 itens da configuração inicial.

Nelson-Gray, Huprich, Kissling, e Ketchum (2004) avaliaram as propriedades psicométricas do PBQ em conjunto com um teste bastante similar chamado Thoughts Questionnaire. Os resultados mostraram uma boa consistência interna, uma boa confiança teste-reteste e apontaram para a necessidade de novos estudos que avaliassem a validade discriminativa desses instrumentos.

Butler, A. Beck, e Cohen (2007) buscaram obter, através de um estudo em duas etapas, uma versão mais refinada e reduzida do PBQ para propósitos clínicos e de pesquisa. No primeiro estágio, eles tomaram dados de um arquivo de 920 pacientes psiquiátricos adultos, no qual foram identificados os 7 itens que tinham as maiores correlações item-total, para cada grupo de 14 itens de cada escala do PBQ. Estes itens foram, então, tomados para formar a escala experimental da forma reduzida do PBQ, denominada Personality Belief Questionnaire - Short Form (PBQ-SF). Essa escala foi testada e mostrou como resultado boa consistência interna e correlação favorável com o SCID-II (Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR Axis II Personality Disorders), especialmente para os cinco transtornos de personalidade (esquiva, dependente, obsessivocompulsivo, narcisista e paranoide) para os quais havia número de pacientes suficiente para fazer o exame de validade. No segundo estágio da pesquisa, Butler et al. (2007) investigaram como a escala experimental (PBQ-SF) se comportava quando aplicada a uma nova amostra de pacientes psiquiátricos. Entre os anos de 2003 e 2004, 160 pacientes psiquiátricos adultos foram avaliados e diagnosticados durante o processo de admissão em clínica. Além do PBQ-SF, os pacientes respondiam a outros testes que avaliavam fatores tais como depressão, ansiedade, funcionamento psicossocial, atitudes disfuncionais, neuroticismo, autoestima e suporte social. Os dados forneceram apoio para uma boa confiabilidade teste-reteste e boa consistência interna e, de forma geral, constataram que as escalas do PBQ-SF se correlacionaram significativamente com um conjunto de outras variáveis clínicas.

No Brasil, Savoia et al., (2006) adaptaram o Personality Belief Questionnaire para o português, designando-o como Questionário de Crenças dos Transtornos de Personalidade. O questionário foi aplicado a 21 participantes bilíngues nas versões inglesa e portuguesa, procedendo-se a avaliação dos índices de concordância entre as duas versões para cada transtorno e por sujeito. Os resultados indicaram uma boa qualidade e confiabilidade da versão em português.

Conforme abordamos anteriormente, o PBQ-SF em seu processo de elaboração foi construído com as mesmas instruções e questões idênticas às utilizadas na forma longa original. A observação da equivalência total entre as versões do instrumento em sua forma breve (PBQ-SF) e longa (PBQ) nos oportunizou o aproveitamento da tradução já existente no Brasil (Savoia et al., 2006) para a composição da versão reduzida, designada por Questionário de Crenças dos Transtornos de Personalidade - Forma Reduzida, objeto de estudo deste projeto.

O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo das propriedades psicométricas da versão brasileira do Personality Belief Questionnaire - Short Form (PB-Q-SF) (Butler et al., 2007; Savoia et al., 2006), contemplando a verificação da consistência interna e a realização de análise fatorial como indicativo para a validade de construto (Anastasi & Urbina, 2000; Hogan, 2006; Pasquali, 2004, 2005).

 

MÉTODO

1 - Participantes

A amostra da pesquisa foi composta por 700 estudantes universitários, de diversos cursos de uma instituição de ensino superior pública, com 335 participantes do sexo masculino (47,9%) e 365 participantes do sexo feminino (52,1%), de idade igual ou superior a 18 anos, com idade média de 21,6 anos e desvio padrão 4,7.

2 - Material

Para a coleta de dados foi utilizada a versão brasileira do Personality Belief Questionnaire - Short Form (PBQ-SF; Butler et al., 2007; Savoia et al., 2006), com a devida permissão dos autores. O PBQ-SF é formado por 65 afirmativas e uma escala tipo likert variando de (0) "Eu não acredito nisso" a (4) "Acredito totalmente", para pontuação de acordo com a percepção do examinando. Cada grupo de 7 declarações compõe uma escala que corresponde a um transtorno da personalidade. No total, as 10 escalas avaliam 10 transtornos da personalidade: paranoide, esquizoide/esquizotípica, antissocial, borderline, histriônica, narcisista, evitativa, dependente, obsessivo-compulsiva, passivo-agressiva.

O número 65 (e não 70) de itens no instrumento se justifica porque o transtorno da personalidade borderline possui apenas duas questões próprias e cinco questões compartilhadas com outros transtornos (evitativa, dependente, paranoide), conforme apontou o estudo de Butler et al. (2002). Todos os itens do PBQ-SF são pontuados na mesma direção, em que altos escores indicam níveis crescentes de disfunção. O escore para cada perfil de personalidade é derivado da soma dos escores dos 7 itens respectivos a cada escala.

3 - Procedimentos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (Protocolo Registro CEP/UFU 192/11). Os participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. A aplicação do questionário foi feita em salas de aula, de forma individual ou coletiva, e levou em média aproximadamente 15 minutos.

 

RESULTADOS

A fim de estudar as propriedades psicométricas do PBQ-SF, buscou-se a consistência interna de suas 10 escalas através do alpha de Cronbach e, em seguida, foi feita a análise da estrutura fatorial do PBQ-SF através das intercorrelações dos escores de todos os seus itens.

1 - Consistência interna ou fidedignidade

A Tabela 1 apresenta as intercorrelações, estimativas de confiabilidade, médias e desvios padrão para as 10 escalas do PBQ-SF. Os coeficientes alpha de Cronbach foram calculados para cada escala e dispostos na diagonal.

Pode-se observar que as escalas paranoide e obsessivo-compulsiva produziram alpha igual ou superior a 0,80 indicando uma confiabilidade elevada. As outras escalas mostraram índices não inferiores a 0,64 que, embora estejam mais próximos do limite inferior de aceitabilidade (Hair, Anderson, Ta-tham, & Black 2005; Murphy & Davidshofer, 1988), ainda representam confiabilidade aceitável. O coeficiente alpha de Cronbach para a escala global do PBQ-SF foi de 0,90 e a média total dos escores foi de 86,73 (desvio padrão = 35,23). As intercorrelações das escalas variaram de 0,15 (entre as escalas dependente e esquizoide/esquizotípica) a 0,77 (entre as escalas dependente e borderline) confirmando, respectivamente, a forte oposição e afinidade cognitiva presentes entre esses perfis cognitivos, conforme o modelo teórico (A. Beck et al., 1993, 2005). A média de todas as intercorrelações das escalas foi de 0,49 (desvio padrão = 0,11). As intercorrelações relativamente altas das escalas do PBQ-SF indicam que as escalas compartilham uma quantidade significativa de variância entre elas.

2 - Análise fatorial dos escores de todos os itens do PBQ-SF

Para a realização do estudo psicométrico foram seguidos os três passos: (a) Análise exploratória dos dados, (b) verificação da fatorabilidade da matriz, (c) estimativa do número possível de fatores subjacentes, (d) estudo da melhor solução entre os possíveis números de fatores a serem extraídos, (e) análise e interpretação da estrutura fatorial. Os resultados obtidos em cada um desses passos estão descritos a seguir.

Análise exploratória dos dados

Foram realizadas análises fatoriais exploratórias visando a verificar a adequação dos dados ao modelo linear geral, como apontado por Tabachnick e Fidell (1989). De uma maneira geral, conforme valores críticos estabelecidos para o critério de normalidade (Hair et al., 2005), os índices de assimetria e achatamento encontrados na análise apontaram para uma distribuição de dados próxima à configuração normal, mostrando ser a distribuição dos dados favoráveis ao prosseguimento do estudo.

Verificação da fatorabilidade da matriz

Para a avaliação dos índices de adequação da amostragem, que permitem aferir a existência ou não de fatores subjacentes aos 65 itens da escala PBQ-SF, foi feita a análise dos seguintes indicadores, seguindo a orientação de Hair et al. (2005), Pasquali (2005) e Tabachnick e Fidell (1989): (a) o tamanho da amostra: o valor recomendado para a realização de uma análise fatorial aponta a necessidade de 5 a 10 participantes por item. Com uma amostra de 700 participantes este critério foi plenamente atendido; (b) o índice de adequação Kaiser-Meyer -Olkin (KMO): o resultado foi 0,928, valor considerado como "maravilhoso" por Kaiser (citado por Pasquali, 2005), indicando que o banco de dados é adequado para o tratamento fatorial; (c) o teste de esfericidade de Bartlett: o resultado foi significativo (p<0,001), indicando a possibilidade de prosseguir com a análise; (d) observação da matriz de correlações de anti-imagem: os valores encontrados na linha diagonal (valor mínimo de 0,672 e valor máximo de 0,961) foram todos maiores que 0,5 e o restante dos valores da matriz, desejavelmente baixos (valor máximo encontrado de 0,407) indicando a existência de satisfatória relação entre as variáveis para se proceder a uma análise fatorial; (e) determinante da matriz de correlação: o baixo valor (1,50E-010, quase zero) encontrado para o determinante da matriz de correlação, também indica que seu posto era inferior ao número de variáveis, outro indicativo de fatorabilidade, segundo Pasquali (2005); (f) as comunalidades: os valores apresentados variaram entre o valor mínimo de 0,359 (para o item ESQ33) e o valor máximo de 0,676 (para o item DEP44).

Estimativa do número possível de fatores subjacentes

A estimativa do número possível de fatores que poderiam ser extraídos da matriz de correlações da escala PBQ-SF foi feita utilizando-se o método de extração dos componentes principais (principal components), utilizando-se dos seguintes critérios (Hair et al., 2005; Pasquali, 2005): (a) critério de Kaiser: foram considerados os componentes com autovalores iguais ou superiores a um (eigenvalue>1,0); (b) critério de Harman: foram considerados os componentes com variância explicada iguais ou superiores a 3,0% (VE%>3,0); (c) critério de Cattel: foram considerados os componentes posicionados antes do ponto de inflexão da curva scree plot, obtidos pela análise visual do gráfico.

De acordo com o critério de Kaiser (citado por Pasquali, 2005), verificou-se a possibilidade de extração de 15 fatores, explicando aproximadamente 56% da variância total. Pelo critério de Harman (1976), uma solução com 5 fatores explicando aproximadamente 37% da variância total foi possível; e de acordo com Cattel (1966), constatou-se pela análise do gráfico, a possibilidade de se extrair 9 fatores, com variância explicada de aproximadamente 46% .

Considerando que as indicações quanto ao número de fatores possíveis a extrair para a estrutura do PBQ-SF foram diferentes (5, 9 e 15 fatores), foi feito um estudo comparativo entre essas três possibilidades, com objetivo de verificar qual das três soluções seria a mais viável para se prosseguir com a análise.

Estudo da melhor solução entre os possíveis números de fatores a serem extraídos

Conforme recomendação de Kline (1997) e Tabachnick e Fidell (1989) foi aplicado o método de fatoração dos eixos principais (principal axis factoring), com o propósito de investigar e identificar a melhor solução para o número de fatores entre as possibilidades obtidas. Para isso, foi feita uma comparação entre o percentual de correlações residuais (o mínimo possível é desejável) estabelecida em cada uma das soluções, conforme orientação de Pasquali (2005). Além disso, observou-se qual das soluções possibilitaria a melhor estrutura passível de ser interpretada (análise de conteúdos), de acordo com a distribuição de suas cargas fatoriais.

Os resultados obtidos revelaram que a extração com 9 fatores era a mais viável estatisticamente, pois mantinha um baixo número de correlações residuais e, além disso, se mostrava a melhor estrutura passível de ser interpretada, de acordo com a distribuição de suas cargas fatoriais e com o modelo cognitivo de personalidade.

Análise e interpretação da estrutura com nove fatores

Seguindo a orientação de diversos autores (Brown, 2006; Hair et al., 2005; Pasquali 2005; Tabachnick & Fidell, 1989), os critérios de determinação dos fatores utilizados foram: (a) Carga fatorial: foram considerados valores significativos para carga fatorial dos itens os valores iguais ou superiores a 0,40 (factor loadings > 0,40); (b) itens complexos: itens que apresentaram cargas fatoriais distribuídas em mais de um fator foram tratados considerando-se a diferença entre eles: para pequenas diferenças entre cargas (cross-loadings < 0,10), o item foi mantido no fator que mais se aproximava da configuração original do PBQ-SF. Para grandes diferenças entre as cargas (cross-loadings > 0,10), o item foi mantido no fator com maior carga, conforme estabelecido pelo modelo; (c) escolha da matriz de cargas fatoriais: de acordo com Brown (2006), não é consensual qual das matrizes deva ser usada para interpretação da estrutura fatorial após uma rotação oblíqua: se a matriz padrão (pattern matrix - que indica a contribuição única de cada item para o fator) ou a matriz de estrutura (structure matrix - que além de indicar a contribuição de cada item para o fator considera também a relação existente entre os fatores). Segundo Brown (2006), os resultados da matriz de estrutura tendem a ser sobrestimados à medida que as correlações entre os fatores aumentam, mas verificando que as correlações entre os fatores encontrados assumiram valores reduzidos, não se observou nenhum impedimento para o uso da matriz estrutura (Brown, 2006; Hair et al., 2005). Sendo assim, a matriz de estrutura foi a que se mostrou mais adequada à interpretação da configuração fatorial obtida.

Na Tabela 2 é apresentada a estrutura do PBQ-SF conforme o resultado alcançado pela interpretação da matriz de estrutura, obtida pelo uso do método de fatoração dos eixos principais (principal axis factoring) para 9 fatores, aplicando-se rotação oblíqua (direct oblimin).

A designação dada a cada fator foi apresentada sob forma de uma crença cujo significado abrange o conteúdo comum dos itens agrupados sobre o fator. Por exemplo, a designação "O outro é mau" para o Fator 1 busca descrever sinteticamente o conteúdo comum de se perceber as pessoas como mal-intencionadas, presente nas crenças dos itens deste fator.

Observou-se que houve uma correspondência entre os fatores e as escalas originais do PBQ-SF. Ao todo, foram 9 fatores fazendo as devidas correspondências a todas as escalas originais do PBQ-SF, com exceção apenas da escala borderline. Como a maior parte desta escala é formada por itens compartilhados com outras escalas e seus dois únicos itens próprios (BOR64 e BOR65) possuem conteúdos semânticos também comuns às escalas paranoide e dependente, respectivamente, a escala borderline não ganhou correspondência a nenhum fator específico.

O FATOR 1 ("O outro é mau"; 11 itens; alpha de 0,86) replicou a mesma estrutura apresentada pela escala paranoide original do PBQ-SF, acrescida de 4 itens diferentes (ANT32, ANT38, ANT59 e BOR64). O item PAR24 emergiu também no Fator 6 (carga 0,495), mas como a diferença entre ambas as cargas fatoriais não era significante, optou-se por manter o item no Fator 1 mantendo a estrutura original do questionário. O item PAR49 também apresentou carga fatorial no Fator 4 (carga 0,410), mas sua carga no Fator 1 foi superior. A explicação proposta para a distribuição do Fator 1 está relacionada ao conteúdo das crenças presentes que apontam para cognições do tipo "o outro é mal-intencionado" relacionadas a padrões comportamentais como "desconfiança", "suspeição", "atribuição de maldade às intenções alheias", "vigilância" e "defensividade agressiva" (A. Beck et al., 1993, 2005). Esses traços apesar de serem bem proeminentes e caracterizadores da personalidade paranoide, não são prerrogativas apenas deste perfil. Eles estão também presentes, em maior ou menor intensidade ou mantidos por motivações diferentes, nos perfis antissocial e borderline, conforme exposto pelo DSM-IV-TR (APA, 2002) e confirmado pelo modelo fatorial através dos itens agrupados.

O FATOR 2 ("Eu sou frágil e incapaz"; 6 itens; alpha de 0,75) agrupou 5 itens da escala dependente original do PBQ-SF, acrescida de 1 item diferente (BOR65). O item DEP56 também emergiu no Fator 6 (carga 0,421), mas com carga significativamente inferior. Os itens DEP62 e DEP63 originais desta escala não foram agrupados neste e em nenhum outro fator. Uma análise mais detalhada na matriz de cargas mostra que esse dois itens possuem cargas fatoriais baixas (inferiores a 0,34) distribuídas em quase todos os fatores, indicando baixa correlação e reduzida discriminação. A configuração desse fator está relacionada às crenças que apontam para cognições do tipo "eu sou frágil e incapaz" relacionadas a padrões comportamentais de "insegurança", "percepção de fragilidade", "carência de ajuda, cuidados e apoio" e "temor da separação e do abandono" (A. Beck et al., 1993, 2005). Apesar do item BOR65 ser originalmente pertencente à escala borderline, seu conteúdo se relaciona perfeitamente com o conteúdo das crenças do perfil dependente, sendo, portanto, uma característica que ambos os perfis compartilham (APA, 2002), evidenciando a adequação do agrupamento feito pelo modelo.

O FATOR 3 ("Eu sou superior"; 6 itens; alpha de 0,78) agrupou 5 itens da escala narcisista original do PBQ-SF, acrescida de 1 item diferente (HIS08). O item NAR46 também apresentou carga no Fator 2 (carga 0,400), mas sua carga nesse fator foi maior. O Fator 3 agrupa crenças do tipo "eu sou superior aos outros" relacionadas a padrões comportamentais de "grandiosidade", "necessidade de ser admirado" e "falta de empatia" (A. Beck et al., 1993, 2005). Os itens NAR10 e NAR60 emergiram fora do agrupamento original, nos Fatores 5 e 8 respectivamente. Isso se explica pelo fato de o conteúdo das crenças dos itens NAR10 ("intolerância a não receber tratamento merecido") e NAR60 ("suposto direito a não seguir regras") - ainda que sejam crenças que também caracterizem o perfil narcisista - estar mais próximo do conteúdo associado às crenças daqueles fatores ("hipersensibilidade a sentimentos desagradáveis" e "direito a desrespeitar regras", respectivamente) do que ao conteúdo das crenças que emergiu no Fator 3 ("sentimento de superioridade e grandeza"). O conteúdo da crença do item HIS08 ("ser o centro das atenções") é um padrão comportamental comum das personalidades narcisista e histriônica, ainda que buscado por motivações distintas (APA, 2002). Nessa amostra, o conteúdo ficou associado mais à ideia de "superioridade" (Fator 3) do que à ideia do "encantamento e sedução" (Fator 6), conforme evidenciou o agrupamento do modelo fatorial.

O FATOR 4 ("Eu não posso falhar"; 7 itens; alpha de 0,80) replicou fielmente a mesma estrutura original apresentada pela escala obsessivo-compulsiva do PBQ-SF. Os itens OBS30 e OBS57 emergiram também no Fator 9 (carga 0,459) e no Fator 2 (carga 0,400), respectivamente, mas seus valores nesses fatores foram significativamente menores do que no fator original da escala. A hipótese para essa distribuição está no conteúdo comum apresentado pelas crenças do tipo "eu não posso errar" que se relacionam aos padrões comportamentais de "preocupação com organização", "perfeccionismo", "controle" e "preocupação com desempenho" (A. Beck et al., 1993, 2005).

O FATOR 5 ("Eu não suporto sentimentos desagradáveis"; 4 itens; alpha de 0,63) agrupou 3 itens da escala esquiva original do PBQ-SF, acrescida de 1 item diferente (NAR10). Dois itens da escala original (ESQ31 e ESQ39) foram agrupados no Fator 7 e os outros dois (ESQ33 e ESQ43) foram excluídos do modelo por possuírem baixa carga fatorial. Uma análise detalhada na matriz de cargas mostra que esse dois itens possuíam cargas fatoriais baixas (inferiores a 0,34) distribuídas em quase todos os fatores, indicando baixa correlação e reduzida discriminação. As crenças deste agrupamento evidenciaram crenças relacionadas a uma "hipersensibilidade em experimentar sentimentos negativos ou desagradáveis, geralmente provenientes de críticas negativas" que estão relacionadas a padrões comportamentais de "evitação de situações desagradáveis" e "incapacidade de gerir sentimentos desagradáveis" (A. Beck et al., 1993, 2005). A presença do item NAR10 ("É intolerável que eu não receba o respeito que me é devido ou que me é de direito") nesse grupo pode ser explicada pelo fato de o item ter um conteúdo passível de ser interpretado no contexto próprio do perfil evitativo. A proposta original de composição deste item na escala narcisista se baseia nas razões subjetivas do indivíduo ser intolerante a não receber o respeito e direitos devidos porque se percebe superior aos outros (APA, 2002). Contudo, a mesma declaração poderia ter como base a razão subjetiva "não recebo o devido respeito porque sou defectivo e inadequado" tendendo para uma interpretação própria do perfil evitativo, conforme evidenciou o modelo proposto.

O FATOR 6 ("Eu preciso encantar e seduzir"; 7 itens; alpha de 0,78) agrupou todos os itens da escala original histriônica do PBQ-SF, com exceção do item HIS08 que emergiu no Fator 3, acrescida de 1 item diferente (ANT23). Esta configuração está relacionada às crenças que apontam para cognição do tipo "eu preciso divertir, encantar e/ou seduzir as pessoas para que gostem de mim", relacionada a padrões comportamentais de "busca de atenção", "temor de rejeição" próprios da dimensão histriônica (A. Beck et al., 1993, 2005). O item ANT23 ("Eu devo fazer tudo o que puder para não ser descoberto") também emergiu no Fator 1 (carga 0,401), mas sua carga foi significativamente maior no Fator 6. A proposta original de configuração deste item na escala antissocial se baseia numa estratégia comum desses indivíduos de buscarem camuflar seus comportamentos com a razão subjetiva de obter proveito das situações ou se defender da suposta maldade dos outros (APA, 2002). A presença deste item na constelação histriônica pode se justificar se considerarmos que a estratégia comportamental proposta na crença seja também possível para uma personalidade histriônica que não deseja ser descoberta ou desmascarada em seus falsos galanteios às pessoas, conforme evidenciou o modelo fatorial. Os itens HIS52 e HIS55 também emergiram no Fator 2 (cargas 0,448 e 0,441 respectivamente), e o item HIS54 emergiu também nos Fatores 2 e 3 (cargas 0,430 e -0,411 respectivamente). A configuração das maiores cargas no Fator 6 foi mantida, reproduzindo a estrutura original do questionário.

O FATOR 7 ("Eu resisto ser controlado por regras"; 7 itens; alpha de 0,74) agrupou 5 itens da escala original passivo-agressiva do PBQ-SF, acrescido de 2 itens da escala esquiva (ESQ31 e ESQ39). Optouse por manter neste fator o item ESQ31 que também emergiu no Fator 2 (carga 0,421) muito próximo ao valor da carga no Fator 7. As crenças deste fator evidenciam conteúdos que expressam "visão negativa sobre regras e sobre as demandas alheias", que estão relacionadas a padrões comportamentais de "oposição a autoridades", "resistência em cumprir regras", "direito de não cumprir regras ou demandas" e "busca de autonomia e liberdade" (A. Beck et al., 1993, 2005). A proposta original de composição do item ESQ31 ("Sentimentos desagradáveis poderão aumentar e fugir do meu controle") na escala esquiva se baseia nas razões subjetivas de um indivíduo que evita situações embaraçosas para não vivenciar sentimentos desagradáveis que ele acredita sempre aumentar e fugir de seu controle (APA, 2002). A presença do item ESQ31 juntamente com os itens da dimensão passivo-agressiva aponta para o fato de seu conteúdo ser passível de interpretação dentro desse contexto cognitivo, como por exemplo, "Sentimentos desagradáveis poderão aumentar e fugir do meu controle, caso eu me deixe ser controlado por regras", conforme o modelo evidenciou. A proposta original de composição do item ESQ39 ("Qualquer sinal de tensão em um relacionamento indica que a relação vai mal e que eu deveria encerrá-la") na escala esquiva se baseia nas razões subjetivas de um indivíduo que evita experimentar situações promotoras de sentimentos desagradáveis (APA, 2002). A presença do item ESQ39 juntamente com os itens da dimensão passivo-agressiva sugere uma razão subjetiva do indivíduo, por exemplo, que busca fugir de relacionamentos conflituosos pelo fato de perceber minada sua tão desejada liberdade de ação, conforme o modelo fatorial apresentou.

O FATOR 8 ("Eu posso desrespeitar regras"; 3 itens; alpha de 0,553) agrupou apenas 2 itens da escala original antissocial do PBQ-SF, acrescido de 1 item da escala narcisista (NAR60). As crenças deste fator evidenciam conteúdos que expressam um "egocentrismo que justifica o desrespeito ou violação de regras" (A. Beck et al., 1993, 2005). Esse padrão comportamental é característico das personalidades antissocial e narcisista, ainda que assumido por motivações distintas (crueldade e senso de superioridade, respectivamente), o que justifica o agrupamento dos referidos itens nesse fator. Conforme Hair et al. (2006), este fator não revelou uma consistência interna adequada (inferior ao limite aceitável de 0,60).

O FATOR 9 ("Eu prefiro estar sozinho"; 6 itens; alpha de 0,721) agrupou 6 itens da escala original esquizoide/esquizotípica do PBQ-SF. O item EQZ25 também emergiu no Fator 7 (carga 0,430), mas como ambas as cargas fatoriais se encontravam com valores muito próximos, optou-se por manter o item no fator de maior carga, mantendo a estrutura original do questionário. As crenças deste fator evidenciam conteúdos que expressam "preferência em estar ou fazer coisas sozinho", que estão relacionadas a padrões comportamentais de "isolamento social", "desqualificação das relações sociais" e "busca de liberdade e independência" (A. Beck et al., 1993, 2005).

 

DISCUSSÃO

Os resultados desse estudo forneceram apoio para a validade de construto e a fidedignidade do PBQ-SF, confirmando os resultados apresentados em outros estudos com o PBQ (Trull et al., 1993; A. Beck et al., 2001; Butler et al., 2002) e PBQ-SF (Butler et al., 2007). A escala total apresentou índice de consistência interna elevada (alpha = 0,90) e as estimativas de confiabilidade (alpha de Crombach) das escalas do PBQ-SF apresentaram níveis satisfatórios.

Até o presente, não foi encontrado nenhum outro estudo fatorial do PBQ-SF com o qual fosse possível comparar nossos resultados. Este estudo não confirmou plenamente a estrutura original do PBQ -SF, demonstrando abalos na validade de construto para alguns transtornos da personalidade e itens específicos. Contudo, a solução fatorial com uma configuração de 9 fatores mostrou-se muito aproximada de sua estrutura original, observando-se mais similaridades do que contradições entre elas.

Dos 65 itens da escala global original, 8 itens (ANT42, DEP62, DEP63, EQZ53, ESQ33, ESQ43, PAS04 e PAS07) foram achados não-discriminantes por apresentarem cargas fatoriais inferiores a 0,4 distribuídas entre vários fatores e por isso excluídos no modelo; e 11 itens (ANT23, ANT32, ANT38, ANT59, HIS08, NAR10, NAR60, ESQ31, ESQ39, BOR64, BOR65) foram agrupados em categorias diferentes daquelas de sua configuração original. Por exemplo, três itens da escala original antissocial (ANT32, ANT38, ANT59) se agruparam com itens da escala paranoide cujos conteúdos apontam para uma crença comum de que o outro é mau; e 1 item (ANT23) foi retido com os itens da escala histriônica cujos conteúdos apontam para crenças comuns de busca de dissimulação através do encanto e sedução. Interpretação análoga pode ser feita para os resultados apresentados pelos itens HIS08, NAR10, NAR60, ESQ31, ESQ39, BOR64 e BOR65 que se agruparam em categorias diferentes daquelas de sua configuração original. O agrupamento desses 11 itens em dimensões diferentes de suas correspondentes escalas originais pode ser compreendido pela análise de seus conteúdos. Por exemplo, ainda que os enunciados dos 3 itens ANT32, ANT38, ANT59 e do item BOR64 sejam apropriados para caracterizarem padrões de crenças antissociais e borderline, respectivamente, eles trazem em seu bojo o mesmo tema geral de "desconfiança" que os itens da escala paranoide trazem em suas declarações. As diferenciações existentes são muito sutis e tal proximidade semântica presente entre esses itens foi refletida no resultado fatorial obtido pela análise das intercorrelações dos escores desses itens, revelando uma dimensão latente única e comum entre eles. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos outros itens que não configuraram juntos com os itens de sua escala original.

Com base nesses resultados talvez sejam apropriados futuros estudos que busquem a reformulação do enunciado dos 8 itens excluídos no modelo e dos 12 itens que foram agrupados em categorias diferentes do previsto pelas escalas originais. Segundo Pasquali (1999), é fundamental que os itens de um questionário atendam a critérios de simplicidade (expressão uma única idéia), relevância (expressão consistente com o traço) e precisão (posição definida e distinta em relação aos demais itens no contínuo do atributo).

A sugestão da existência de alguma indiscriminação entre as escalas originais do PBQ-SF pode ser também observada pelos valores das intercorrelações encontrados (min = 0,15 dependente versus esquizoide/esquizotípica; máx = 0,77 dependente versus borderline) conforme mostradas na Tabela 1, repetindo os resultados encontrados em pesquisas anteriores com o PBQ (A. Beck et al., 2001; Trull et al., 1993) e PBQ-SF (Butler et al., 2007). Conforme propõem Trull et al. (1993), não é incomum observar alguma associação entre as escalas dos transtornos da personalidade e isso pode refletir uma sobreposição de características entre alguns transtornos (Widiger, 1991). No entanto, os construtos dos transtornos da personalidade sugerem que certos transtornos devem ser relativamente independentes uns dos outros. Por exemplo, seria de esperar que as crenças disfuncionais associadas às escalas esquiva versus antissocial ou às escalas dependente verus paranoide não estivessem significativamente correlacionadas (0,45 e 0,42 respectivamente), ao contrário do que encontramos em nosso estudo. Além disso, a pontuação de alguns transtornos que, segundo a literatura (APA, 2002; A. Beck et al., 1993; Trull et al., 1993) são considerados polos opostos, como por exemplo, dependente versus paranoide, esquizoide versus histriônica, esquizoide versus dependente, foram positivamente, e não negativamente, correlacionados. Visto que são polos opostos de perfis, era esperado que a direção dessas correlações assumisse sinais negativos.

A. Beck et al. (2001) sugeriram que a razão mais provável para a existência dessas intercorrelações moderadas-alta seja a heterogeneidade encontrada nos transtornos do Eixo II e a raridade de se configurar categorias nosológicas em sua forma idealizada ou "pura" (Clark, 1999; Millon et al., 2004). Frequentemente, as pessoas não apresentam traços de apenas um perfil de personalidade, mas uma composição entre vários, demonstrando uma mistura ou combinação de crenças e estratégias associadas a diferentes transtornos. Sendo assim, é concebível pensar que apesar dos construtos dos perfis de personalidade serem relativamente independentes uns dos outros eles não são categorias estanques e completamente discrimináveis uns dos outros; ao contrário, eles estão presentes e se misturam em combinações diversas nos indivíduos, de modo que as características cognitivas distintivas de um perfil de personalidade podem perfeitamente sobrepor-se em um outro perfil, ainda que mantidas por motivações ou razões subjetivas diferentes (APA, 2002; A. Beck et al., 2005; Millon et al., 2004). Por exemplo, "embora o comportamento antissocial possa estar presente em alguns indivíduos com transtorno da personalidade paranoide, ele em geral não é motivado por um desejo de obter vantagens pessoais ou de explorar os outros, como no transtorno da personalidade antissocial, mas é mais frequentemente devido a um desejo de vingança" (APA, 2002, pag. 659). É diante dessa particularidade de sobreposição de algumas características entre os transtornos da personalidade que se sugere buscar, quando possível, maior distinção entre os aspectos característicos aparentemente comuns refletidos nos enunciados dos itens do PBQ-SF excluídos do modelo e dos agrupados fora de sua escala original.

Outra proposição para a existência de moderada a alta variância compartilhada encontrada entre as escalas do PBQ e PBQ-SF pode estar na influência de uma variável estranha, um "fator de estresse/angústia geral" (A. Beck et al., 2001; Butler et al., 2007). Esta variável estaria associada à elevação geral de um perfil PBQ-SF, enquanto que a variabilidade entre as escalas do perfil PBQ-SF estaria associada aos fatores específicos dos transtornos (Butler et al., 2007).

Uma outra razão, já apontada por A. Beck et al., (2001) e confirmada pela análise fatorial deste presente estudo, repousaria no fato de que o PBQ-SF é um instrumento vulnerável a deficiências comum a todos os questionários de autorrelato. Portanto, em maior ou menor grau, é concebível que o PBQ-SF apresente limitações diante, por exemplo, da possível disposição falseada do participante em responder o questionário, da influência de seu estado afetivo ou de humor, da existência de gestão de esforços do respondente em causar boa/má impressão, e diante das diferenças individuais que se evidenciam em como um mesmo item possa ser interpretado (Anastasi & Urbina, 2000). Assim, apesar de todos os esforços, seja provável que itens de algumas escalas do PBQ-SF não carreguem toda a "clareza verbal" necessária para diferenciar precisamente as categorias nosológicas e, consequentemente, tenha permanecido algum grau de sobreposição entre as escalas do PBQ-SF, refletida pela variância comum presente entre suas escalas.

A investigação feita das propriedades psicométricas do PBQ apresenta forças, incluindo uma amostra relativamente ampla, e limitações que devem ser reconhecidas. Primeiro, nossos resultados estão baseados em uma amostra não-clínica. Participantes não-clínicos são menos propensos a apresentar significativa patologia da personalidade do que participantes clínicos e é possível que as pontuações das medidas sejam mais baixas e que menos variações nos escores ocorram. Variâncias menores nas medidas irão afetar negativamente o tamanho das correlações calculadas. Segundo A. Beck et al. (2001) o PBQ-SF foi projetado para uso com pacientes clínicos e testes para avaliar sua validade de critério deveriam avaliar seu desempenho com seu público-alvo. No entanto, uma vez que um estilo de personalidade expressa um modo de funcionamento no mundo e somente uma fina linha separa o funcionamento normal do patológico (Clark, 1999; Millon et al., 2004) é importante pontuar que além de avaliar os aspectos psicopatológicos da personalidade, o PBQ-SF também avalia, de um modo geral, perfis de crenças. Segundo, a idade dos participantes pode ter limitado a composição de diagnóstico da amostra porque, pela idade média, os participantes acabam de entrar no período de risco, ou seja, na fase adulto-jovem, para os transtornos da personalidade (APA, 2002; Trull, 1993).

 

CONCLUSÃO

Estes achados podem ser considerados preliminares e futuros estudos deveriam investigar a estrutura fatorial do PBQ-SF usando amostras clínicas. De um modo geral, considerando a característica não-clínica da amostra deste estudo, os resultados de fidedignidade e validade obtidos são dignos de nota, oferecendo subsídios que demonstram a existência de validade para a versão brasileira do Personality Belief Questionnary - Short Form. Os resultados sugerem que as escalas PBQ-SF têm valor como instrumento auxiliar de avaliação e de intervenção terapêuticos. A identificação das crenças fundamentais avaliadas pelo PBQ-SF numa perspectiva dimensional pode ajudar no foco da terapia e suas respostas podem ser revistas com os pacientes para explorar, por exemplo, como certas crenças estão afetando suas emoções e comportamentos e como essas crenças podem ter sido aprendidas e mantidas. Pacientes também podem ser guiados para avaliar as vantagens e desvantagens relativas de manter essas crenças e a desenvolver crenças alternativas mais adaptativas (A. Beck et al., 2001; Butler et al., 2007).

Pesquisas adicionais são ainda necessárias, mas nossos resultados, somados a resultados de pesquisas anteriores, sugerem que o PBQ-SF carrega a promessa de ser um instrumento prático para a medida das crenças disfuncionais relacionadas aos transtornos da personalidade.

 

AGRADECIMENTOS

Trabalho derivado da Dissertação de Mestrado do primeiro autor sob orientação do segundo, no Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia. Nós agradecemos ao Dr. Aaron T. Beck e ao Dr. Andrew C. Butler por autorizarem o uso do PBQ-SF, e à Dra. Mariângela Savoia por disponibilizar a versão brasileira do PBQ. Agradecemos aos membros da banca examinadora da dissertação, Dra. Renata Ferrarez Fernandes Lopes e Dr. William Barbosa Gomes, pelos excelentes comentários e sugestões. Agradecemos também à Coordenação de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) pelo suporte financeiro.

 

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association (APA). (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR (4. ed. rev.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem Psicológica. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Beck, A. T. (2005a). Além da crença: uma teoria de modos, personalidade e psicopatologia. In P. M. Salkovskis (Ed.), Fronteiras da Terapia Cognitiva (pp. 21-40). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Beck, A. T., & Beck, J. S. (1991). The Personality Belief Questionnaire. Unpublished assessment instrument. Bala Cynwyd, PA: The Beck Institute for Cognitive Therapy and Research.         [ Links ]

Beck, A. T., Butler, A. C., Brown, G. K., Dahlsgaard, K. K., Newman, C. F., & Beck, J. S. (2001). Dysfuncional beliefs discriminate personality disorders. Behaviour Research and Therapy, 39,1213-1225.         [ Links ]

Beck, A. T., Freeman, A., et al., (1993). Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Beck, A. T., Freeman, A., Davis, D. D., et al., (2005). Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Beck, A. T., Rush, A. J., Brian, F. S., & Emery, G. (1982). Terapia cognitiva da depressão. Rio de Janeiro: Zahar Editores.         [ Links ]

Beck, J. S. (1997). Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Beck, J. S. (2005). Terapia Cognitiva dos transtornos de personalidade. In P. M. Salkovskis (Ed.), Fronteiras da Terapia Cognitiva (pp. 151-164). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Beck, J. S. (2007). Terapia Cognitiva para desafios clínicos. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Brown, T. (2006). Confirmatory factor analysis for applied research. New York: The Guiford Press.         [ Links ]

Butler, A. C., Beck, A. T., Cohen, L. H. (2007). The Personality Belief Questionnaire-Short Form: Development and Preliminary Findings. Cognitive Therapy Research, 31,357-370.         [ Links ]

Butler, A. C., Brown, G. K., Beck, A. T., & Grishman, J. R. (2002). Assessment of dysfunctional beliefs in borderline personality disorder. Behaviour Research and Therapy, 40,1231-1240.         [ Links ]

Cattell, R. B. (1966). The scree test for the number of factors. Multivariate Behavioral Research, 1,245-276.         [ Links ]

Clark, L. A. (1999). Dimensional approaches to personality disorder assessment and diagnosis. In C. Robert Cloninger (Ed.), Personality and Psychopathology, (pp. 219-244). Washington, DC: American Psychiatric Press.         [ Links ]

Friedberg, R. D., & McClure, J. M. (2004). A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Fydrich, T., Schmitz, B., Hennch, Ch. and Bodem, M. (1996). Zuverlässigkeit und Gültigkeit diagnostischer Verfahren zur Erfassung von Persönlichkeitsstörungen. In: Fydrich, T., Schmitz, B. and Limbarger, K., Editors, 1996. Persönlichkeitsstörungen: Diagnostiek und Psychotherapie, Beltz, Weinheim, pp. 91-116.         [ Links ]

Hair Jr., J. F., Anderson, R. E., Tatham, R. L., & Black, W. C. (2005). Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman.         [ Links ]

Harman, H. H. (1976). Modern Factor Analysis (3a ed.). Chicago: University of Chicago Press.         [ Links ]

Hawton, K., Salkovskis, P. M., Kirk, J., & Clark, D. M. (1997). Terapia cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos: um guia prático. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Hogan, T. P. (2006). Introdução à pratica de testes psicológicos. Rio de Janeiro: LTC.         [ Links ]

Hyler, S. E., Skodol, A. E., Oldham, J. M., Kellman, H. D., & Doidge, N. (1992). Validity of the personality diagnostic questionnaire-revised: a replication in an outpacient sample. Comprehensive Psychiatry, 33,73-77.         [ Links ]

Kline, P. (1997). An easy guide to factor analysis. London: Routledge.         [ Links ]

Millon, T., Grossman, S., Millon, C., Meagher S., & Ramnath, R. (2004). Personality disorders in modern life. Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.         [ Links ]

Morey, L. C., Waugh, M. H., & Blashfield, R. K. (1985). MMPI scores for the DSM-III personality disorders: their derivation and correlates. Journal of Personality Assessment, 49,245-251.         [ Links ]

Murphy, K. R., & Davidshofer, C. O. (1988). Psychological testing: Principles and applications. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall.         [ Links ]

Neenan, M.; Dryden, W (2000). Essencial cognitive therapy. London: Whurr.         [ Links ]

Nelson-Gray, R. O., Huprich, S. K., Kissling, G. E., & Ketchum, K. (2004). A Preliminary examination of Beck's cognitive theory of personality disorders in undergraduate analogues. Personality and Individual Differences, 36,219-233.         [ Links ]

Pasquali, L. (2004). Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. Petrópolis: Ed. Vozes.         [ Links ]

Pasquali, L. (2005). Análise fatorial para pesquisadores. Brasília: LabPAM.         [ Links ]

Savoia, M. G., Vianna, A. M., Esposito, B. P., Guimarães, E. P., Gil, G., Jorge, L. A. F. J., Toledo, L. C., & Santos, V. C. (2006). Adaptação do questionário de crenças dos transtornos de personalidade para o português. Arquivos Médicos dos Hospitais e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, 51(2),43-46.         [ Links ]

Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (1989). Using multivariate statistics (2ª ed.). New York: Harper Collins.         [ Links ]

Trull, T. J., Goodwin, A. H., Schopp, L.H., Hillenbrand, T. L., & Schuster, T. (1993). Psychometric properties of a cognitive measure of personality disorders. Journal of Personality Assessment, 61(3),536-546.         [ Links ]

Widiger, T., Frances, A., Harris, M., Jacobsberg, L., Fyer, M., & Manning, D. (1991). Comorbidity among axis II disorders. In J. Oldham (Ed.), Personality disorders: new perspectives on diagnostic validity (pp. 165-194). Washington, DC: American Psychiatric Press.         [ Links ]

Young, J. E., & Klosko, J. S. (1994). Reinventing your life: the breakthrough program to end negative behavior...and feel great again. New York: Plume Book.         [ Links ]

Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2008). Terapia do Esquema: guia de técnicas cognitivocomportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

 

 

Recebido em 21 de maio de 2012
Aceito para publicação em 12 de julho de 2012

 

 

* Avenida Mato Grosso, 1259, Apto 402. Bairro: Aparecida. Uberlândia - MG. CEP 38400-724. Telefone (34)3227-3798. e-mail: donizeteleite@yahoo.com.br.