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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.15 no.3 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Relação entre comportamentos emocionais ciumentos e violência contra a mulher

 

Relationship between jealousy emotional behaviors and violence against women

 

 

Larissa LacerdaI,*; Nazaré CostaII

IPontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP
IIUniversidade Federal do Maranhão/UFMA

 

 


RESUMO

O "ciúme" frequentemente é associado, na literatura, à violência contra a mulher cometida por seus parceiros, supondo-se uma relação causal entre ambos. Partindo do enfoque da Análise do Comportamento, buscou-se investigar se existe relação entre esses comportamentos ("ciúme" e violência) por meio dos relatos de 10 mulheres, abrigadas em uma instituição de proteção a vítimas de violência, que consideravam seus parceiros ciumentos. Criaram-se categorias de análise para as definições de "ciúme" e para os antecedentes às respostas emocionais ciumentas, além da elaboração de relações de contingências tríplices para cada exemplo de "ciúme" fornecido pelas participantes. Todas as participantes entrevistadas relataram comportamentos violentos do parceiro ao descrever uma situação de "ciúme" e todas citaram a suspeita de envolvimento com outra pessoa como situação antecedente ao "ciúme". As análises levaram a propor uma forma diferente de tratar a relação entre "ciúme" e violência, considerando os comportamentos agressivos dos parceiros como um tipo (topografia) de "ciúme".

Palavras-chave: ciúme; violência contra a mulher; análise do comportamento.


ABSTRACT

"Jealousy" is often associated in literature to violence against women perpetrated by their partners, presuming a causal relationship between them. Based on Behavior Analysis, a possible relation between these behaviors ("jealousy" and violence) was investigated through reports of 10 women sheltered in an institution of protection of violence victims who considered their partners jealous. Categories of analysis for the definitions of "jealousy" and the antecedents to the jealousy emotional responses were created, and contingency relations for each example of "jealousy" provided by the participants were drafted. One hundred percent of participants reported partner's violent behavior when describing a situation of "jealousy" and all cited the suspicion of involvement with another person as antecedent to "jealousy". The analysis led to the proposal of a different way of dealing with the relationship between "jealousy" and violence, considering the aggressive behavior of partners as a type (topography) of "jealousy".

Keywords: jealousy; violence against women; behavior Analysis.


 

 

A violência contra a mulher, segundo a World Health Organization (WHO), constitui um problema de saúde pública e uma violação aos direitos humanos, atingindo mulheres do mundo todo. A forma mais comum é a violência cometida pelo parceiro, atingindo de 15 a 71% das mulheres de 10 países, a saber: Bangladesh, Brasil, Etiópia, Japão, Peru, Namíbia, Samoa, Servia e Montenegro, Tailândia e República Unida da Tanzânia (World Health Organization, 2005).

Para definir a violência contra a mulher, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou a seguinte resolução: Qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos à mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada (ONU, 2005, p. 6).

Na perspectiva da Análise do Comportamento, referencial usado nessa pesquisa, o fenômeno da violência é analisado como sinônimo de coerção, tal como propuseram Andery e Sério (2001). Coerção, por sua vez, de acordo com Sidman (1989/2003), diz respeito às ações que são controladas por reforçamento negativo ou punição. O reforçamento negativo está presente quando "nos livramos, diminuímos, fugimos, ou nos esquivamos de eventos perturbadores, perigosos ou ameaçadores" (Sidman, 1989/2003, p. 56). Enquanto a punição, segunda categoria de controle aversivo definida por Sidman, corresponde ao término ou retirada do que comumente seria um reforçador positivo ou à produção de algo que normalmente seria um reforçador negativo.

Atualmente, a grande visibilidade do fenômeno da violência e, nesse caso, da violência contra a mulher, tem fomentado o interesse de pesquisadores das mais diversas áreas, prevalecendo como objetivos principais identificar suas causas, fatores relacionados e consequências. No conjunto dessas pesquisas, encontra-se o "ciúme" como principal fator causal da violência cometida pelos parceiros, como pode ser identificado em Buss (2000/2000), Puente e Cohen (2003), Instituto Patrícia Galvão (2004), Marques (2005), Deek, Boing, Oliveira e Coelho (2009), entre outros.

Embora nesses estudos o "ciúme" seja concebido como causa da violência, é possível tratá-lo de outro modo a partir do enfoque da Análise do Comportamento, cuja "ênfase é na relação organismo-ambiente e não na causação, pois se admite que organismo e ambiente agem um sobre outro" (Laurenti & Lopes, 2009, p. 388).

Se o "ciúme" não é concebido como causa, qual a concepção adotada? No presente artigo, a definição de "ciúme" utilizada foi a proposta por Costa (2009). Costa sugere a utilização da expressão comportamento emocional ciumento em substituição ao termo "ciúme" (sendo este o motivo pelo qual a palavra vem sendo usada entre aspas), entendendo-o como:

Um conjunto complexo de comportamentos interligados, alguns deles eliciados (entre eles públicos e/ou privados) e outros operantes (públicos e/ou privados), [...] [que] embora indissociáveis (Catania, 1998/1999; Donahoe & Palmer, 1994), não mantêm entre si relações causais, mas sim são ambos, por definição, relações funcionais entre eventos ambientais e respostas do organismo. Supõe-se ainda que o evento antecedente que compõe a interação caracterizada como comportamento emocional ciumento consiste na competição, com um rival, por reforçadores (Costa, 2009, pp. 66-67).

A partir da definição apresentada, os elementos existentes na situação seriam o sujeito, o objeto (a fonte de reforçadores) e o rival. Nessa interpretação, portanto, há uma situação de competição com um rival por acesso a reforçadores, que gera tanto o componente eliciado quanto o componente operante. Este último, por sua vez, tem como função a remoção do rival e a atenuação da situação de competição e/ou atenção, que constituem reforçadores negativo e positivo, respectivamente (Costa, 2009).

Considerando que nessa perspectiva não se aceita a determinação de um comportamento sobre o outro, tampouco análises que buscam relações causais, neste estudo procurou-se identificar se existe relação entre comportamentos emocionais ciumentos na relação amorosa e violência contra a mulher por meio da análise de relatos de mulheres que sofreram violência praticada por seus parceiros.

Como objetivos específicos, foram definidos os seguintes: (a) verificar de que forma as mulheres definem comportamento emocional ciumento; (b) identificar como descrevem o comportamento emocional ciumento de seus parceiros e (c) investigar quais situações antecedem a emissão do comportamento emocional ciumento por parte de seus parceiros.

A primeira hipótese elaborada para este estudo foi a de que o comportamento emocional ciumento e o comportamento violento poderiam ser considerados como respostas de uma mesma cadeia de comportamento na qual o primeiro elo poderia funcionar como estímulo discriminativo para o segundo. Na discussão, porém, se verá que esta hipótese foi abandonada e substituída por outra que só surgiu durante a análise dos dados.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desta pesquisa 10 mulheres, entre 18 e 44 anos, que se encontravam em uma instituição de proteção a vítimas de Violência Contra a Mulher localizada em São Luís-MA. Esse número de mulheres correspondeu a todo o universo de mulheres, maiores de 18 anos, presentes na instituição durante o período da coleta de dados, que permaneceram mais do que 24 horas no local e aceitaram participar da pesquisa. As participantes coabitavam com seus respectivos parceiros por mais de três anos.

Os critérios de inclusão foram apenas o aceite às condições expostas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a disponibilidade em participar do estudo. Como critérios de exclusão foram definidos: participantes que não sofreram violência por parte de seus parceiros e que não consideravam o parceiro (agressor) ciumento.

Ambiente e materiais

A coleta de dados ocorreu em uma sala da própria instituição de proteção a vítimas de Violência Contra a Mulher localizada em São Luís-MA. A sala continha um ventilador e era composta por uma mesa, seis cadeiras, um armário e uma televisão. A porta permaneceu fechada durante toda a entrevista.

Utilizou-se de um roteiro de entrevista o qual continha uma seção para coleta de informações que pudessem caracterizar as participantes (idade, nível econômico, escolaridade, religião, tempo da relação e se considera o parceiro ciumento) e as seguintes questões abertas: (1) defina ciúme, (2) em que circunstâncias seu parceiro sente ciúme e (3) descreva duas situações em que seu parceiro demonstrou ciúme.

Procedimento

As etapas iniciais do procedimento envolveram a submissão do projeto ao Comitê de Ética e, após aprovação (Protocolo 0118552010-43), o mapeamento das Instituições de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência e consequente avaliação e escolha do local mais adequado para a coleta dos dados. De posse da autorização da instituição, foi realizado um primeiro contato com as participantes, as quais foram abordadas de forma individual pela primeira autora que se apresentava como aluna do curso de Psicologia, seguido da explicação sobre a pesquisa. Em caso de concordância, a participante assinava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido naquele momento e agendava-se a entrevista, especificando data, horário e local.

As entrevistas tiveram o objetivo de coletar dados que pudessem responder aos objetivos propostos, isto é, identificar como as mulheres definem comportamento emocional ciumento, como descrevem o comportamento emocional ciumento de seus parceiros e quais situações antecedem a emissão do comportamento emocional ciumento por parte de seus parceiros.

No dia e hora estabelecidos, a primeira autora conduzia a participante até a sala e iniciava a coleta de dados, dando início à entrevista.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e realizadas individualmente. A duração de cada uma variou entre 15 minutos e 40 minutos, e o período para a aplicação das 10 entrevistas foi de três semanas.

Inicialmente, a pesquisadora explicava que a entrevista seria gravada e enfatizava a garantia do anonimato. Em seguida, explicava que a primeira parte da entrevista corresponderia a um questionário socioeconômico, que era preenchido pela pesquisadora, e na segunda parte a participante teria que responder a três perguntas. A pesquisadora ressaltava que não havia respostas certas ou erradas e que estava disponível para tirar dúvidas a qualquer momento. Quando a participante respondia de modo que a pesquisadora considerava incompleta ou pouco clara, esta pedia que completasse ou que esclarecesse. Por exemplo, quando a participante não mencionava a consequência nos exemplos, a pesquisadora perguntava diretamente o que acontecia após o parceiro se comportar daquela maneira.

Análise dos Dados

Antes de iniciar a análise, as entrevistas foram ouvidas e transcritas. A partir do registro cursivo de todas as verbalizações, destacavam com cores as partes dos mesmos que respondiam a cada uma das perguntas, já que às vezes as mulheres forneciam informações que não respondiam à pergunta propriamente dita, por exemplo, quando P1, ao ser questionada sobre o que é "ciúme", respondeu "Acho que nunca gostei o suficiente para sentir ciúme". Em seguida, para cada participante, as palavras (para definição) e frases (para exemplos) eram separadas e classificadas como definição, exemplos (divididos em situação antecedente, respostas e consequência) e circunstâncias (ex. "ele sentia ciúme..." a) "quando estava com amigos" b) "quando ele bebia" - P2).

A análise dos dados envolveu a elaboração e o levantamento das frequências de cada uma das categorias para: a) respostas à questão "Seu parceiro (o responsável pela agressão) é ciumento?", b) definição de ciúme e c) situações que antecederam as respostas emocionais ciumentas.

As respostas à questão "Seu parceiro é ciumento?" foram agrupadas em três categorias, a saber, conforme os adjetivos usados pelas mulheres em suas respostas: (1) ciumento, (2) muito ciumento e (3) "doente de ciúme".

Para a definição de comportamento emocional ciumento foram criadas sete categorias específicas para este estudo. A elaboração das categorias partiu da separação das respostas conforme palavras isoladas usadas pelas participantes, por exemplo, "posse", "doença". Após todas as verbalizações serem visualizadas em uma tabela, definiram-se os rótulos das categorias, elaborou-se uma definição para cada uma e, por fim, as verbalizações foram agrupadas em cada uma delas.

As categorias elaboradas para as definições de comportamento emocional ciumento foram:

1) "Ciúme" como doença ou psicopatologia (Inserir Nota 1): inclui verbalizações que fazem referência à doença, além de padrões específicos, tais como obsessão. Por exemplo, "eu acho assim, na minha opinião, é uma doença... Existe esse ciúme que o homem maltrata agressivamente, verbalmente, que humilha... é uma obsessão" (P2);

2) "Ciúme" como posse: inclui verbalizações que fazem referência à propriedade, possessividade, autoridade e desejo de controle. Por exemplo, "Ciúme é possessividade, né ... No caso, como ele... ele se sente possessivo... minhas roupas, minhas vestimentas, conversar com outras pessoas... ele não gosta de eu sair, com certeza, eu defino assim, possessividade" (P7);

3) "Ciúme" como resposta saudável: inclui verbalizações que fazem referência a respostas públicas (cuidar, ter zelo, carinho) e encobertas (amar, gostar) que tendem a produzir consequências de reforçamento positivo em relações afetivas e ainda fazem referência ao "ciúme" verdadeiro. Esta categoria foi criada especificamente a partir de relatos das mulheres que, ao responderem que o "ciúme" do parceiro era "doentio", também incluíram o tipo saudável, distinguindo-o do primeiro. Por exemplo, "o ciúme verdadeiro, por amor, que faz tudo, mas para o bem estar, o melhor praquela pessoa" (P2);

4) "Ciúme como medo da traição: inclui verbalizações específicas sobre medo de ser traído. Por exemplo, "medo de ser corno... ele fala muito de me matar por ciúme. Deixa eu ao menos sonhar alguma coisa pra tu ver se eu não te mato" (P8);

5) "Ciúme" como sinônimo de inveja: inclui verbalizações que equiparam o "ciúme" à inveja. Por exemplo, "Eu ia dizer que o ciúme é quase uma inveja" (P9);

6) "Ciúme" como falta de autoconfiança: inclui verbalizações que fazem referência ao "ciúme" como falta de confiança em si própria e como falta de amor-próprio. Por exemplo, "A pessoa que tem ciúme de outra é porque não tem confiança em si mesma" (P10);

7) "Ciúme" como desconfiança: inclui verbalizações que fazem referência ao "ciúme" como falta de confiança na parceira. Por exemplo, "qualquer um era meu macho... Ele me trancava dentro do quarto e eu passava o dia todinho trancada dentro do quarto pra evitar... Ele sente desconfiança" (P8).

Para a análise dos eventos antecedentes, as respostas das participantes foram agrupadas nas categorias:

1) Suspeita (ou possibilidade) de envolvimento com outra pessoa: inclui verbalizações que fazem referência a situações que sugerem envolvimento ou possibilidade de envolvimento com outra pessoa, como conversar pessoalmente ou por telefone com outra pessoa e ausência do marido ao lado da parceira;

2) Uso de substâncias tóxicas: inclui verbalizações que fazem referência ao consumo de álcool e/ou drogas;

3) Arrumar-se: inclui verbalizações que fazem referência a situações em que a parceira investe em si mesma, como, por exemplo, usar bijuterias, comprar/usar roupas novas, usar roupas curtas e/ou decotadas.

A última etapa da análise consistiu na elaboração de contingências tríplices a partir dos dois exemplos fornecidos pelas participantes que descreveram duas situações em que seu parceiro demonstrou comportamento emocional ciumento.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados foram separados em: (1) categorias de definição de comportamento emocional ciumento, (2) categorias de situações que antecedem a resposta emocional ciumenta e (3) exemplos de contingências de comportamentos emocionais ciumentos. Desse modo, a apresentação e a discussão dos resultados seguirão essa sequência.

Antes de descrever os resultados das categorias e dos exemplos de contingências, um primeiro dado relevante nesta pesquisa refere-se ao fato de não ter havido exclusão de nenhuma participante em função do critério "não considerar o parceiro (agressor) ciumento". Todas as mulheres abordadas responderam positivamente à pergunta: "Você considera seu parceiro ciumento?". Cinco participantes responderam que o parceiro era muito ciumento, três que era ciumento e duas que era "doente de ciúme". Aqui, chama atenção o grau ou nível de "ciúme" do agressor, considerado pelas participantes como acima do padrão saudável. Esse aspecto será melhor explorado adiante.

Categorias de definição do comportamento emocional ciumento

Considerando que algumas participantes definiram o comportamento emocional ciumento de mais de uma maneira, o somatório das frequências das verbalizações ultrapassará o número de participantes, uma vez que o relato de uma participante pode ser incluído em mais de uma categoria.

Em relação à frequência de verbalizações das categorias de definição para o comportamento emocional ciumento, constatou-se que a de maior frequência foi a "'ciúme' como doença ou psicopatologia", encontrada no relato de sete das 10 participantes, conforme ilustrado na Figura 1.

Considerando que essa categoria foi a mais citada, pode-se deduzir que, para a maioria das participantes deste estudo, o comportamento emocional ciumento foi visto como negativo, já que foi caracterizado como "doença ou psicopatologia". Esse dado é relevante na situação de violência, pois apoia a afirmação de Ferreira-Santos (2003) de que o "ciúme doentio" está associado a graus elevados de agressividade, o que é corroborado com as verbalizações de sete vítimas de violência por parte de seus parceiros, as quais consideraram seus parceiros "muito ciumento" ou "doente de ciúme".

Cabe destacar, ainda, que quatro das sete participantes cujas verbalizações foram incluídas na categoria "'Ciúme' como doença ou psicopatologia" fizeram referência a dois tipos de "ciúme": (1) o "doentio", que é prejudicial, e (2) o "saudável".

A distinção entre esses dois tipos de comportamento emocional ciumento pode ser encontrada na literatura, por exemplo, em Leite (2000) que explica que o "ciúme" considerado "normal" é aquele que ocorre em uma situação real de competição, e o "patológico" e/ou "doentio" o que ocorre em uma situação imaginária. Buss (2000/2000) também faz referência a diferentes tipos de comportamentos emocionais ciumentos, referindo-se ao "patológico" como aquele que envolve o delírio de uma traição.

A visão negativa acerca do comportamento emocional ciumento do parceiro, encontrada nesta pesquisa, está em contraposição a autores que escrevem sobre o tema com e sem embasamento de pesquisas empíricas (Costa, 2009). Na pesquisa realizada por Puente e Cohen (2003), por exemplo, as situações de violência foram vistas com menor negatividade quando associadas à reação de um homem ciumento. Isso pode ser explicado, primeiro, se compararmos as amostras. O estudo de Puente e Cohen (2003) foi realizado com uma população não clínica e fora de uma relação abusiva, ou seja, as pessoas não passavam por situação de violência conjugal. Além disso, o fato da pesquisa trabalhar com dados de autorrelatos, também é uma variável a ser considerada, uma vez que pode não haver correspondência entre o dizer e o fazer. Assim, no presente estudo, como as participantes sofreram diretamente as consequências negativas do comportamento emocional ciumento do seu parceiro, era previsível uma visão negativa acerca desse comportamento.

A categoria "'Ciúme' como posse", segunda mais citada (metade das participantes), é encontrada na definição de muitos autores, como Banaco (2005), Ferreira-Santos (2003), Gikovate (1998), entre outros destacados na pesquisa de Costa (2009). Sobre o comportamento emocional ciumento ser definido como posse, Costa (2009) afirma que este elemento não consiste em um elemento presente em todas as situações de comportamento emocional ciumento, uma vez que há a possibilidade de uma pessoa apresentar tal comportamento, mesmo que esta pessoa não possua uma relação formal com a outra. Apesar disso, é possível entender a associação feita entre comportamento emocional ciumento e posse, principalmente se levarmos em consideração as relações de gênero vivenciadas, ao longo dos anos, como relações assimétricas de poder entre homens e mulheres, nas quais a mulher frequentemente se encontra em situação de subordinação, conforme descrita por Oliveira e D'Oliveira (2008).

Todas as demais categorias elaboradas para esta pesquisa acerca da definição de comportamento emocional ciumento estão de acordo com o levantamento feito por Costa (2009) sobre os elementos destacados na literatura, quando pretendem definir ou caracterizar o "ciúme", haja vista ter apontado que: traz prejuízos à relação, envolve amor e posse, além de estar ligado: (a) à autoestima, relacionado à categoria "'Ciúme' como falta de autoconfiança"; (b) a envolver insegurança, desconfiança, associado à categoria "'Ciúme' como desconfiança" e (c) a ser entendido como emoção ou sentimento, categoria referente à "'Ciúme' como medo da traição" e "'Ciúme' como equivalente à inveja". Considerando estas últimas categorias, pode-se dizer que sentimentos como medo, raiva e inveja podem ser subprodutos de contingências envolvendo o comportamento emocional ciumento, no entanto, não são partes constitutivas do fenômeno, como argumentou Costa (2009).

Categorias de situações que antecedem o comportamento emocional ciumento

Quando questionadas acerca das circunstâncias nas quais seu parceiro se comportava de forma ciumenta, todas as participantes forneceram respostas que cabem na categoria "Suspeita (ou possibilidade) de envolvimento com outra pessoa (homem ou mulher)", como conversar com o vizinho ou ex-namorado; cinco na categoria "Uso de substâncias tóxicas", por exemplo, parceiro bêbado ou drogado, e três na categoria "Arrumarse", por exemplo, usar roupas novas e usar bijuterias.

A definição de Costa (2009) propõe que o antecedente a respostas emocionais ciumentas consiste em uma situação de competição, com um rival, por reforçadores. Isso foi evidenciado quando as participantes relatavam uma situação de suspeita de envolvimento com outra pessoa tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, o que parece indicar uma situação de alta probabilidade de divisão de reforçadores idiossincráticos à relação.

Esse dado é particularmente importante, considerando o estudo multicêntrico realizado pela WHO. Investigou-se nesse estudo em quais situações as mulheres achavam justificáveis as agressões do parceiro. Em todos os 15 países, verificou-se que as mulheres aceitavam muito mais a resposta de bater na esposa em casos de suspeita ou infidelidade real feminina, do que por qualquer outra razão. Isso suscita uma reflexão a respeito do controle que essa regra social ("Se minha mulher está me traindo, então eu posso agredi-la") exerce sobre respostas violentas do parceiro, bem como sobre o comportamento da mulher agredida.

A categoria "Arrumar-se" também pode ser compreendida como uma situação de possível competição por reforçadores, uma vez que o investimento em si própria, o uso de roupas curtas e/ou decotadas, pode atrair atenção de outros homens.

Sobre a situação antecedente constituir-se no consumo de álcool e drogas é possível inferir que o uso dessas substâncias diminui a inibição do controle do comportamento emocional ciumento ou provoca distorções da percepção, aumentando a susceptibilidade de imaginar uma situação de rivalidade inexistente, como propõe Buss (2000/2000).

Em síntese, pode-se dizer que os dados agrupados nas categorias de antecedentes às respostas emocionais ciumentas corroboram a proposta de Costa (2009) sobre a situação antecedente tratar-se de uma situação de competição por acesso a reforçadores.

Exemplos de contingências de comportamentos emocionais ciumentos

A partir de dois exemplos fornecidos pelas participantes, buscou-se elaborar relações de contingências tríplices para cada exemplo de comportamento emocional ciumento do parceiro. Assim, foram analisados os eventos antecedentes, as respostas emitidas pelos parceiros, bem como as consequências (imediatas ou a longo prazo) e sua natureza, isto é, a especificação sobre o(s) possível(is) princípio(s) comportamental(ais) envolvido(s), como mostram as Tabelas 1 e 2. É importante destacar que foram analisadas as respostas emocionais ciumentas dos parceiros, embora possa haver respostas das mulheres envolvidas na análise (como condição antecedente e/ou consequente).

Acerca dos eventos antecedentes, verificou-se que, com exceção da P2 (elogio de outro homem no exemplo 1 e consumo de bebida no exemplo 2), todas as outras participantes descreveram pelo menos um exemplo em que o antecedente foi uma situação que fazia referência à suspeita (ou possibilidade) de envolvimento com outra pessoa. Destas, nove participantes relataram essa situação no exemplo 1, e oito no exemplo 2. Esses dados mostraram-se compatíveis aos obtidos quando foi perguntado às participantes sobre as situações que antecediam as respostas ciumentas dos parceiros.

Quanto às respostas, a hipótese inicial desta pesquisa, como já mencionado, consistia em relacionar as respostas emocionais ciumentas às respostas violentas, usando o raciocínio da cadeia comportamental. No entanto, diante dos dados, verificou-se que havia uma segunda possibilidade de interpretação a considerar. Observando as respostas organizadas na tríplice contingência de todos os exemplos fornecidos, passou-se a considerar a possibilidade de tratar-se apenas de uma classe de respostas, porém com duas topografias distintas: a violenta (como agredir, xingar, rasgar a roupa, etc.) e a não violenta (como insinuar que eram lésbicas, dizer que estavam paquerando, etc.), ambas podendo produzir afastamento/remoção do rival e/ou redução da competição e/ou atenção.

Essa possibilidade de análise pode ser corroborada com os dados encontrados nos estudos de Bandeira (2005) e Costa (2009), apesar de não ter sido esse o foco específico dessas autoras. Bandeira, ao classificar as respostas ciumentas presentes na interação entre crianças e professores, incluiu a resposta de "empurrar a criança com o pé" como exemplo de resposta ciumenta. Costa, em seu estudo experimental, incluiu na categoria de comportamentos emocionais ciumentos as respostas de "puxar e bater no boneco". Percebe-se, portanto, que as respostas de bater, puxar e empurrar foram nomeadas de respostas emocionais ciumentas, dependendo do contexto no qual eram emitidas, nesse caso, contexto de competição.

Considerando essa interpretação, é possível afirmar que uma situação de competição por reforçadores pode controlar respostas encobertas, tais como pensar que estava sendo traído e sentir raiva, além de operantes públicos diversos, como seguir/ revistar a parceira, verificar seu celular, "xingar", bater, etc.. Esses (operantes), por sua vez, tendem a ser nomeados pelo grupo social do qual fazemos parte como "ciúme". Assim, o grupo social diferencia uma situação só de raiva (Inserir Nota 2), de uma situação de comportamento emocional ciumento, a partir do contexto no qual se apresenta, como foi verificado nos resultados deste estudo. Ao serem solicitadas a descreverem exemplos de uma situação em que o parceiro sentiu "ciúme", as participantes relataram operantes públicos característicos de uma situação de raiva.

Diante disso, as respostas ciumentas encontradas, sejam violentas ou não, puderam ser descritas como: (a) acusar envolvimento com outra pessoa (homem ou mulher); (b) agredir fisicamente a parceira; (c) agredir os filhos; (d) agredir o rival; (e) agredir verbalmente a parceira (o que incluía a presença do estímulo aversivo, por exemplo, xingamentos); (f) coagir, ameaçar (o que incluía a presença de um estímulo pré-aversivo, por exemplo, dizer que tiraria o filho da parceira); (g) considerar a mulher uma propriedade do parceiro; (h) privar de liberdade/proibir e (i) destruir bens da parceira (especificamente roupas).

A Tabela 3 mostra a ocorrência dessas respostas, destacando-se a de "acusar de envolvimento com outra pessoa", que correspondeu à maioria dos exemplos apresentados (13).

Percebe-se que dos nove tipos de respostas descritas como respostas ciumentas do parceiro pela parceira, oito podem ser classificadas como violentas, considerando a definição de violência elaborada pela WHO já descrita anteriormente. Logo, podese dizer que, em relações amorosas, são comuns respostas ciumentas do tipo violenta, como constado em pesquisas sobre o assunto como as de Buss (2000/2000), Deek et al. (2009), Instituto Patrícia Galvão (2004), Marques (2005), Puente e Cohen (2003), entre outras.

Uma possível explicação para esse dado pode ser buscada na análise de Sidman (1989/2003). Para Sidman, a principal razão para utilização da coerção consiste no fato de que punir as pessoas as faz interromper o que estiverem fazendo. Percebe-se que essa função da coerção é compatível com a função do comportamento emocional ciumento, que consiste na remoção do rival ou diminuição da competição. Desse modo, é possível pensar que o parceiro, ao emitir respostas emocionais ciumentas do tipo coercitivas, tem maior probabilidade, pelo menos momentânea, de livrar-se ou de evitar a situação de competição, como pode ser visto na coluna de consequências da Tabela 3. Os resultados dessa coluna também têm respaldo na afirmação de Sidman (1989/2003) sobre a coerção produzir comportamentos de fuga e/ou esquiva da situação aversiva por aquele que sofre a agressão. Nesse caso, reforçando negativamente as repostas ciumentas dos parceiros violentos.

Dando continuidade à avaliação funcional, verifica-se que quanto ao tipo de consequência, todas as respostas emitidas foram reforçadas positiva (atenção do parceiro) ou negativamente (evitando ou diminuindo a probabilidade de ocorrência de uma situação futura de competição). Nota-se que das 19 consequências imediatas e a longo prazo citadas, 17 podem ser classificadas como reforçadores negativos (R-) e três como reforçadores positivos (R+). Esse dado também está de acordo com as explicações sobre controle aversivo de Sidman (1989/2003) que afirma que a maior parte do controle coercitivo ocorre por reforçamento negativo.

Assim, conclui-se que as relações de contingências tríplices presentes nos exemplos de comportamentos emocionais ciumentos fornecidos pelas participantes podem ser esquematizados de acordo com a proposta de Costa (2009): Sd - competição; R - respostas emocionais ciumentas violentas e não violentas e Sr - remoção do rival, diminuição da competição e/ou atenção.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo mostraram que é possível aproximar a produção analítico-comportamental existente sobre violência aos casos de violência contra a mulher e, ainda, analisar a relação encontrada na literatura sobre o tema, entre violência e "ciúme", a partir de um enfoque funcional e não causal. Por isso, visto a quantidade reduzida, senão nula, de trabalhos à luz da ciência do comportamento sobre a temática tratada, consideram-se essenciais estudos e experimentos sobre um tema tão relevante, a fim de aprimorar a compreensão e as estratégias de intervenção e prevenção à violência contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo.

Acerca das consequências negativas de respostas emocionais ciumentas encontradas neste estudo, estas puderam ser inferidas ainda quando as participantes responderam sobre a definição de comportamento emocional ciumento. Os resultados encontrados permitem entender, em parte, o fato de o "ciúme" ser frequente no contexto terapêutico, ao se observar o grau de sofrimento envolvido nessa relação, tendo em vista as consequências negativas produzidas por respostas emocionais ciumentas para as mulheres que vivem em constante fuga/ esquiva dos aversivos presentes nessa relação. Os dados sugerem, em síntese, que para mulheres que sofreram violência, o comportamento emocional ciumento apresentado por seus parceiros pode ser classificado como "patológico". Então, duas possíveis linhas de pesquisas relevantes nesse contexto seriam: investigar o que as mulheres na mesma situação das participantes deste estudo sentem nas situações em que os parceiros emitem comportamentos emocionais ciumentos, e ampliar a verificação da presença de comportamento emocional ciumento "patológico" em casos de violência contra a mulher.

Além disso, a partir da proposta de entender as respostas violentas como um tipo (ou topografia) de resposta ciumenta, em uma situação de competição por reforçadores pode-se pensar em medidas de prevenção que busquem diminuir o controle social no que se refere à valorização do comportamento emocional ciumento nas relações, considerado pela cultura ocidental, ainda hoje, como sinônimo de amor.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão em 20 de outubro de 2012
Modificado em 31 de março de 2013
Aceito em 9 de abril de 2013

 

 

* lacerdalg@yahoo.com.br
O artigo é uma versão resumida da monografia de Graduação em Psicologia da primeira autora, sob orientação da segunda