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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.10 no.19 São Paulo jan. 2010
ARTIGOS
Racismo e antirracismo: a categoria raça em questão
Racism and anti-racism: the category “race” in question
Racismo y antirracismo: la categoría raza en cuestión
Lia Vainer Schucman*
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Trabalho da Universidade de São Paulo – Brasil
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo fazer uma discussão teórica sobre o uso da categoria raça na produção do racismo, bem como na luta antirracista. Para isto faço uma revisão teórica de como o conceito de raça foi produzido a partir do pensamento acadêmico europeu do século XIX, e reproduzido no pensamento social brasileiro. Percebe-se que a categoria raça se articula com o fenômeno do racismo brasileiro, já que “raça” se articula tanto com a ideia de cor no imaginário brasileiro, quanto com os esteriotipos e representações negativas sobre a população negra. Desta forma, podemos concluir através dos estudos de relações raciais e do fenômeno do racismo no Brasil, que além da existência do racismo na cotidianidade da população brasileira, este é atualizado, perpetuado e legitimado pela ideia de raça e, portanto, é através desta categoria política que a luta antirracista se articula.
Palavras-chave: Raça, Racismo, Negritude, Antirracismo, Ações afirmativas.
ABSTRACT
This work aims to make a theoretical discussion about the use of the category race in the production of racism also in the struggle against racism. For this I do a theoretical review of how the concept of race was produced from the European academic thought of the nineteenth century, and reproduced in the Brazilian social thought. We notice that the category race is articulated with the phenomenon of Brazilian racism, since race is articulated both with the idea of colour in the Brazilian imaginary, as with the stereotypes and negative representations of the black population. Thus, we conclude, through the study of racial relations and the phenomenon of racism in Brazil, that besides the existence of racism in everyday life of the Brazilian population, it is updated, perpetuated and legitimized by the idea of race and, therefore, is through this political category that anti-racism is articulated.
Keywords: Race, Racism, Blackness, Anti-racism, Affirmative action.
RESUMEN
Esta obra tiene como objeto el hacer una discusión teórica acerca del uso de la categoría raza en la creación del racismo así como en la lucha contra el racismo. Pare ello hago un examen teórico de cómo el concepto “raza” se originó en el pensamiento académico europeo del siglo XIX, y cómo se reprodujo en el pensamiento social brasileño. Se ve que la categoría raza se articula como un fenómeno del racismo brasileño, ya que “raza” se articula tanto como la idea del color en el imaginario brasileño como también los estereotipos y representaciones negativas de la población negra. De esta manera podemos concluir, a través del estudio de las relaciones raciales y del fenómeno del racismo en Brasil, que además de la existencia del racismo en la cotidianidad popular brasileña, el concepto raza lo actualiza, perpetúa y legitimiza, y por lo tanto es a través de esta categoría política que se articula la lucha contra el racismo.
Palabras clave: Raza, Racismo, Negrura, Antirracismo, Acciones a favor de las minorías.
Introdução
Este trabalho descreve o fenômeno do racismo localizado dentro de um espaço histórico e social que se configura a partir do surgimento da categoria raça na modernidade, tornando-se uma ideologia necessária para justificar o processo de escravidão dos povos africanos, a colonização e a expansão do capitalismo, bem como a ideia de pureza racial que levou ao extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, resultando, portanto, na hierarquização dos povos europeus em relação às outras populações. Desta forma, o racismo é mais especificamente entendido como uma construção ideológica, que começa a se esboçar partir do século XVI com a sistematização de ideias e valores construídos pela civilização europeia, quando estes entram em contato com a diversidade humana nos diferentes continentes, e se consolida com as ideias científicas em torno do conceito de raça no século XIX.
Michael Foucault (1992), em Genealogía del Racismo, descreve o racismo como uma ideologia que se solidificou com base na ideia cientifica da luta entre as raças, justificada pela teoria do evolucionismo e da luta pela vida. Desta forma, nasce e se desenvolve um racismo biológicosocial fundado na ideia de que há uma raça superior (branco-europeia) detentora de superioridade física, moral, intelectual e estética, dispondo, portanto, de um poder sobre verdades e normas, e aquelas raças que constituem um perigo para o patrimônio biológico. É neste momento que aparecem os discursos biológicos racistas sobre a degeneração1 da humanidade.
Assim, as instituições médicas e jurídicas, entre outras dos Estados-Nações, fizeram funcionar no corpo social o discurso da luta de raças como princípio de segregação, eliminação e normalização da sociedade. Tratou-se, desta forma, de defender a sociedade contra todos os perigos biológicos das raças inferiores ou da mistura destas com a raça branca. Segundo as teorias de degeneração, a raça branca se tornaria fraca ou, ainda, infértil com a miscigenação, como atesta o termo utilizado para se referir ao filho de um branco e um negro: mulato, diminutivo para o termo espanhol mulo, ou seja, a cria estéril de um cruzamento de égua com jumento.
Segundo Foucault, uma das condições que permitiram o advento do racismo pode ser encontrada em um fenômeno fundamental do século XIX, o biopoder, instrumento de controle político e regulação econômica que se caracteriza pelo conjunto de práticas e discursos que instituem a sociedade burguesa e a organizam, onde a espécie humana passa a ser contabilizada, classificada, objeto de estimativas e pesquisas quantitativas. Os governos tornam-se crescentemente preocupados com a “população”, seus fenômenos e variáveis próprias como: a natalidade, a mortalidade, a esperança de vida e a incidência de doenças. (Foucault, 2002)
O racismo, portanto, serviu nesse momento para que os Estados-Nações exercessem um poder contra sua própria população, pois a ideia de purificação permanente da população torna-se uma das dimensões essenciais da normalização social. Essa visão constitui uma tomada de poder sobre a vida humana, onde os discursos biólogos e médicos ganham extrema importância, conduzindo a uma estatização do biológico. Assim, as tecnologias de poder que têm como principal objetivo a manutenção da vida também são aquelas que exercem o direito de matar – segregacionar –, excluir os indivíduos dentro da própria sociedade. Ou seja, como afirma Foucault, o racismo aliado ao biopoder possibilitou que as nações modernas pudessem eliminar sua própria população, expondo à morte não apenas os inimigos, mas também os aliados. Desta maneira, o mesmo poder que consiste em fazer viver alguns é o que deixa morrerem muitos outros. É justamente isso que o racismo possibilita, pois embora ele já existisse há muito tempo em outras esferas, o que permitiu sua inscrição nos mecanismos de Estado foi justamente a emergência do biopoder.
Portanto, a ideologia racial passou a acompanhar o desenvolvimento da comunidade das nações europeias até se transformar em instrumento de destruição das mesmas, pois, segundo Arendt (1989), ainda que historicamente os racistas assumissem posições aparentemente ultranacionalistas, eles acabaram por ser “piores patriotas que os representantes de todas as outras ideologias internacionais; foram os únicos que negaram o princípio sobre o qual se constroem as organizações nacionais de povos – o princípio de igualdade e solidariedade de todos os povos, garantido pela idéia de humanidade” (1989:63).
No século XX, com o avanço das ciências biológicas e genéticas, os estudiosos deste campo chegaram à conclusão de que a raça como realidade biológica não existe, pois os marcadores genéticos de uma determinada raça poderiam ser encontrados em outras e, portanto, experiências genéticas comprovaram que: pretos, brancos e amarelos não tinham marcadores genéticos que os diferenciavam enquanto raça. Desta forma, mesmo que os patrimônios genéticos dos seres humanos se diferenciem, as diferenças não são suficientes para classificá-los em raças.
Desta forma, cabe nos perguntarmos como e porque que a ideia de raça ainda sobrevive e marca diferentes pessoas cotidianamente. E assim, torna-se necessário entender como o fenômeno do racismo no Brasil é, ao mesmo tempo, produzido pela, e produtor da categoria raça.
Diversos foram os estudos de sociólogos brasileiros e estrangeiros que se debruçaram para compreender como se davam as relações raciais e o racismo no Brasil; contudo, não cabe no escopo desta pesquisa fazer uma revisão histórica da sociologia das relações raciais no Brasil, portanto vou me delimitar a apontar o que caracteriza o racismo brasileiro atual.
Considero racismo qualquer fenômeno que justifique as diferenças, preferências, privilégios, dominação, hierarquias e desigualdades materiais e simbólicas entre seres humanos, baseado na ideia de raça. Pois, mesmo que essa ideia não tenha nenhuma realidade biológica, o ato de atribuir, legitimar e perpetuar as desigualdades sociais, culturais, psíquicas e políticas à “raça” significa legitimar diferenças sociais a partir da naturalização e essencialização da ideia falaciosa de diferenças biológicas que, dentro da lógica brasileira, se manifesta pelo fenótipo e aparência dos indivíduos de diferentes grupos sociais.
No Brasil, o racismo desenvolveu-se de forma muito específica e particular, porque o racismo brasileiro nunca foi legitimado pelo Estado, mas sim foi e ainda é um racismo presente nas práticas sociais e nos discursos, ou seja, um racismo de atitudes, porém não reconhecido pelo sistema jurídico e ainda negado pelo discurso de harmonia racial e não racialista da nação brasileira (Guimarães, 1999b).
Ainda que todas as evidências apontem o Racismo como explicação para as desigualdades raciais, o racismo brasileiro tem a especificidade de ser velado e sutil. A ideia de “democracia racial”2 faz parte do imaginário brasileiro e constrói um ideal do qual os brasileiros, em sua maioria, não abrem mão. Hasenbalg (1979) aponta que a ideia de democracia racial é uma arma ideológica produzida por intelectuais das elites dominantes brancas, destinada a socializar a população brasileira de brancos e não brancos como iguais, evitando, desta forma, um conflito racial no Brasil:
Num certo sentido a sociedade brasileira criou o melhor dos dois mundos. Ao mesmo tempo que mantém a estrutura de privilégio branco e a subordinação não branca, evita a constituição da raça como princípio de identidade coletiva e ação política. A eficácia da ideologia racial dominante manifesta-se na ausência de conflito racial aberto e na desmobilização política dos negros, fazendo com que os componentes racistas do sistema permaneçam incontestados, sem necessidade de recorrer a um alto grau de coerção. (1979:246).
Dzidzienyo (1971) argumenta que a elite brasileira conseguiu criar uma etiqueta das relações raciais no Brasil, cuja principal característica é a não menção de situações de desigualdades geradas por raça. A própria utilização de termos como “pessoas de cor”, para Dzidzienyo, é vista como uma expressão encobridora que indicaria os limites que tal etiqueta impõe às pessoas que se interessam em questionar as desigualdades sociais existentes entre os negros e brancos brasileiros. A ideia de democracia racial e o branqueamento3, nesse sentido, também são entendidos como manobras políticas das elites, tendendo a encobrir ainda mais todo o processo de reconhecimento da discriminação brasileira.
Portanto, não há necessidade da ideia de raça legitimada pela ciência para que haja racismo, e é isto que explica a permanência do racismo na atualidade, pois se transformaram as formas de legitimação social e discurso sobre as diferenças humanas, bem como os mecanismos que mantêm as posições de poder entre brancos e não brancos.
Guimarães (1999b) explicita cinco pontos fundamentais para entender quais os mecanismos e instituições sociais que permitem o funcionamento do racismo de atitudes no Brasil, a saber:
• Primeiro, as explicações para as desigualdades sociais que até então eram justificadas pela ideia de raças superiores e raças inferiores foram transformadas e substituídas pela ideia de culturas superiores e culturas inferiores, permanecendo a hierarquia entre a civilização branca europeia sobre as civilizações africanas e negras. A ideia de “cultura” transformou-se, então, em uma noção tão fixa, estanque e estável quanto a ideia de raça biológica.
• Segundo, a noção de cor e a aparência física, no imaginário da população brasileira, substituíram oficialmente as raças. Ou seja, a cor da pele no Brasil é colada e atrelada à ideia de raça produzida pela ciência moderna. Dentro dessa lógica, quanto mais escura a cor da pele de um indivíduo, mais perto da ideia de raça negra estereotipada e estigmatizada pelo racismo moderno ele está localizado, e quanto mais perto da cor de pele branca mais status ele ganha.
Desta forma, a caracterização de Oracy Nogueira (1979) sobre o tipo de preconceito racial brasileiro e quem são as vítimas dele ainda é válida e atual. Ao realizar uma análise comparativa entre Brasil e EUA, o autor utiliza as denominações “preconceito de marca” e “preconceito de origem”, sendo o fenômeno brasileiro exercido essencialmente sobre a aparência, os traços físicos do indivíduo, e o fenômeno americano definido sobre a ancestralidade.
Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, os sotaques, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico, para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem. (Nogueira, 1979:79).
Assim, o racismo brasileiro recaiu sobre todos os indivíduos que têm em sua aparência traços considerados como típicos de origem africana, combinados com a cor da pele escura.
O fato de os estereótipos negativos estarem diretamente associados à cor e raça negra fez também com que os brasileiros mestiços e grande parte da população com descendência africana não se classificassem como negros, gerando um grande número de denominações para designar-se as cores dos não brancos, como por exemplo: moreno, pessoa de cor, marrom, escurinho, etc. Desta maneira, essa forma de classificação eliminou a identificação dos mestiços com a negritude e fez com que estes não se classificassem como negros, bem como ajudou que permanecessem intactas todas as estereotipias e representações negativas dos negros.
No entanto, os estudos brasileiros sobre relações raciais mostram que, mesmo com a diversidade de classificação racial brasileira, as desigualdades sociais entre os cinco grupos de cor oficiais do IBGE (pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas) podem ser agrupadas em dois únicos grupos: brancos e “não brancos”. Isto significa que, apesar das diferentes formas cromáticas com as quais os brasileiros se autoidentificam, os acessos às oportunidades sociais obedecem a uma lógica hierárquica bipolar. Essa tese refuta os estudos qualitativos realizados por antropólogos indicando uma gradação que vai do mais escuro ao mais claro nas descrições sociais, sendo que nessa tese prevaleceria o preconceito de cor, e não a discriminação racial. Ou seja, os estudos de relações raciais nos mostram que a cor e a ideia de raça estão atreladas ao imaginário social brasileiro e, portanto, há uma discriminação racial atrelada à de cor.
• Terceiro, as relações raciais brasileiras promovem uma desigualdade informal perante a lei, pois “o mesmo fenômeno de estereotipia negativa dos traços somáticos negros fundamenta o mecanismo de “suspeição policial” que torna os negros as vítimas preferenciais do arbítrio dos policiais e dos guardas de segurança nas ruas, nos transportes coletivos, em lojas de departamento, bancos e supermercados” (Guimarães, 1999b).
• Quarto, o racismo brasileiro foi sistematicamente negado pela alegação de que o preconceito no país era algo ligado a classe, pois o não racialismo brasileiro tem como suporte a ideia de que negar a existência das raças significa negar o racismo, de modo que a discriminação de cor não seja interpretada como discriminação racial, já que as raças não existem, contrapondo a esta lógica os estudos que isolaram estatisticamente os fatores ligados à classe (escolaridade, formação profissional, etc.) e mostraram que há desigualdades sociais que permanecem e, portanto só podem ser explicadas quando se introduz o par branco e não branco. Neste caso, não se trata de recolocar a raça em parâmetros biológicos, mas sim da referência à mesma como construções sociais que funcionam como mecanismo de privilégios, demarcação e hierarquização de grupos.
Ainda em relação às justificativas sobre as desigualdades raciais brasileiras, os estudos de Hasenbalg (1979) demonstram que as desigualdades sociais dos grupos de não brancos não podem ser entendidas como uma transposição das injustiças históricas ligadas ao nosso passado escravocrata. O autor demonstra que a raça é componente importante nas estruturas sociais, ou seja, a exploração de classe e a opressão racial se articularam como mecanismos de exploração do povo negro, e esse processo resultou nas desigualdades da população negra. Os negros foram, ao longo do tempo, explorados economicamente e essa exploração foi praticada por classes ou frações de classes dominantes brancas. Para o autor, a abertura da estrutura social em direção à mobilidade está diretamente ligada à cor da pele, e nesse âmbito a raça constitui um critério seletivo no acesso à educação e ao trabalho. Ainda sobre mobilidades social e status, Hasenbalg (1979) demonstra como, através de mecanismos racistas, negros nascidos na mesma condição social que brancos têm menores possibilidades de ascensão social, além de sofrerem uma desvantagem competitiva em todas as fases da sequência de transmissão de status.
• Quinto, a situação de pobreza e mesmo de indigência em que se encontra grande parte da população brasileira constitui, em si mesma, um mecanismo de inferiorização individual e conduz a formas de dependência e subordinação pessoal que, por si só, seriam suficientes para explicar certas condutas discriminatórias. Posto que tais condutas podem ser observadas em relação a não negros, tal fato ajuda ainda mais a dissimular o racismo, do ponto de vista das ações individuais. O mesmo argumento pode ser utilizado para explicar o caráter de classe da inação dos governos e das instituições com respeito às desigualdades raciais. (Guimarães 1999b).
Por Que e Como Usar a Categoria Raça na Atualidade?
Cabe-nos questionar, então, o que é o racismo após o descrédito da ciência moderna sobre a ideia biológica de raça, e também como se pode conceituar raça na atualidade.
O conceito de “raça” usado neste trabalho é o de “raça social”, conforme teorizou Guimarães (1999c), isto é, não se trata de um dado biológico, mas de “construtos sociais, formas de identidade baseadas numa ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios” (1999c:153). Para esse autor, se a existência de raças humanas não encontra qualquer comprovação no bojo das ciências biológicas, elas são, contudo, “plenamente existentes no mundo social, produtos de formas de classificar e de identificar que orientam as ações dos seres humanos” (1999c:153).
Neste sentido, é importante explicitar que a categoria de raça que opera no imaginário da população e produz discursos racistas é ainda a ideia de raça produzida pela ciência moderna nos séculos XIX e XX. Serve para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, que têm características fenotípicas comuns, sendo estas tidas como responsáveis pela determinação das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas dos indivíduos dentro destes grupos, situando-se em uma escala de valores desiguais (Munanga, 2004).
A cor e a raça da população brasileira vêm adquirindo grande importância nas análises dos conflitos e desigualdades de nossa sociedade, onde operam claramente práticas de discriminação por cor e aparência. Neste sentido, podemos dizer que os não brancos sofrem discriminação em diversas instâncias da experiência cotidiana, como na educação, na ocupação e oportunidades de emprego (Hasenbalg, 1979), na distribuição de renda4, moradia e na experiência subjetiva (Carone, 2002).
Estudos nacionais e internacionais recentes apontam o racismo e a discriminação racial como a explicação mais sólida para as desigualdades raciais no Brasil. O contexto multirracial brasileiro propicia, portanto, mediações bastante diferenciadas para a constituição de sujeitos, no que diz respeito a aspectos subjetivos e objetivos entre brancos e negros. A marca dessa diferença e desigualdade perpassa toda a socialização desses indivíduos: a casa, a escola, a rua e todos os espaços públicos são marcados pela preterição do branco em relação ao negro.
A raça como categoria social é um importante componente nas estruturas sociais, pois embora a ideia de raça biológica não faça mais eco entre os discursos científicos, a raça é uma categoria que diferencia, hierarquiza e subjuga diferentes grupos que são marcados fenotipicamente. Em outras palavras, apesar de não existir uma raça biológica, tanto brancos como negros são cotidianamente racializados em um processo relacional. Desta forma, podemos dizer que negros e brancos constroem a si mesmos e suas experiências em um mundo racializado, tendo como contraponto um ao outro. No entanto, esta relação não é simétrica, já que o racismo confere aos brancos a ideia de representantes de uma humanidade desracializada com valores neutros e transparentes. Assim, o branco aparece no imaginário e, portanto, nas experiências concretas dos indivíduos de nossa sociedade como sujeitos onde cor e raça não fazem parte de suas individualidades. Já o negro é percebido e significado como portador de raça – ou seja, é “o outro” racializado, representante de toda uma coletividade de sujeitos racializados em que tanto “raça” quanto “cor” fazem parte de suas experiências cotidianas. Neste sentido, o processo relacional resulta nas desigualdades de bens materiais e simbólicos da população negra, em contrapartida a privilégios e preterição da população branca (Carone, 2002).
Com a constatação dessas desigualdades, a sociedade brasileira, e mais especificamente o Estado brasileiro, enfim começam a responder timidamente às demandas e reivindicações das lutas políticas do movimento negro. Como exemplo, podemos citar a adoção de cotas para negros por algumas universidades, a institucionalização, por alguns estados, de um dia para a consciência negra, a criação da secretaria de igualdade racial, bem como a lei federal nº 10.639, que tornou obrigatório o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio.
Desta forma, uma das questões que emergem do debate que começa a se esboçar hoje em torno da adoção de políticas públicas antidiscriminatórias diz respeito à identidade racial e aos sistemas de classificação racial praticados no Brasil. Pois é a classificação racial que define como as pessoas tratam umas as outras, ou seja, a desigualdade racial e a discriminação dependem, em última análise, da classificação racial feita por terceiros.
Definir quem são os negros e o que é ser negro é o ponto nodal que está no bojo das discussões contemporâneas sobre negritude e políticas públicas. Assim, as categorias sociológicas e antropológicas como etnia, raça, cor e classe se entrecruzam para possibilitar uma compreensão do que é ser negro e, portanto, também de quem são os brancos. Atualmente, “ser negro” possui múltiplas conceituações e modos de identificação pelos próprios sujeitos negros, que podem reivindicar a identidade negra tanto pelo viés de uma valorização da afro-descendência, quanto por uma produção cultural de etnicidade ligada à ideia de diáspora africana, e também politicamente através da luta anti-racista (que necessariamente se articula através da categoria sociológica raça), entre outros diversos sentidos produzidos por cada sujeito.
É nesse sentido que o uso da categoria raça aparece polêmico nas discussões acadêmicas e de movimentos sociais. O uso da categoria raça, a meu ver, é necessário tanto para a implementação de políticas públicas quanto para o reconhecimento positivo da população negra brasileira, pois se esta população é discriminada através da categoria raça – e, portanto, do racismo – esta mesma categoria é a única capaz de unificá-los. As ações afirmativas, como as cotas, cumprem desta forma um objetivo estratégico duplo. Em primeiro plano, elas têm a função de compensar e corrigir as desigualdades de acesso aos bens públicos, e em segundo plano elas favorecem o processo de construção da identidade racial dos negros, fortalecendo a mobilização e a construção das vítimas do racismo brasileiro como sujeitos políticos. Desta forma, usar a categoria “raça” na luta antirracista significa dizer que se os negros brasileiros são discriminados por seus traços físicos e pela cor da pele, deve-se pensar em uma articulação política em torno da negritude de forma que as mesmas características, que são hoje objeto de preconceito, sejam ressignificadas positivamente e também fonte de reparação social.
Charles Taylor, em seu texto “A política de reconhecimento”, apresenta como tese central a necessidade e exigência de políticas de reconhecimento de grupos minoritários. A tese desse autor tem como premissa o fato de que toda identidade é construída e constituída de forma dialógica, ou seja, não há como um sujeito se reconhecer de forma positiva se a sociedade em que ele está inserido produz, acerca de seu grupo, estereótipos, preconceitos e discriminações que restringem a possibilidade de ser humano desses sujeitos.
A representação negativa ou não representação dos grupos minoritários dentro de uma sociedade atua de forma perversa sobre a própria subjetividade da vítima: a própria autodepreciação torna-se um dos mais fortes instrumentos de opressão sobre os sujeitos pertencentes a grupos cuja imagem foi deteriorada. Portanto, o reconhecimento incorreto ou não reconhecimento de uma identidade marca suas vítimas de forma cruel, subjugando-as através de um sentimento de incapacidade, ódio e desprezo contra elas mesmas, e desta forma a política de reconhecimento não é apenas um respeito a esses grupos, mas também uma necessidade vital para a constituição dos indíviduos. Sendo assim, qual seria a categoria usada pelos sujeitos negros para se unirem em torno de ressignificação positiva se não a própria raça?
Em contrapartida aos movimentos sociais e trabalhos acadêmicos que se articulam em torno da categoria raça na luta antirracista, os estudos dos antropólogos Peter Fry, Yvonnie Maggie, Livio Sansone5 e o livro de Ali Kamel argumentam que a democracia racial não é apenas um mito, pois para estes é a ideologia da democracia racial que produz uma realidade a-racista e, desta forma, não segrega a população. Ou seja, a tese produzida nesses estudos é que o mito da democracia racial produz, de fato, democracias e uma identidade nacional brasileira.
Entretanto, convém observar que esses autores não negam o racismo no Brasil. Yvonne Maggie e Peter Fry são engajados há muito tempo na luta antirracista. No entanto, assim como Ali Kamel, argumentam que o impacto do racismo não é suficientemente grande para justificar as políticas de cotas raciais. Yvonne Maggie argumenta que as políticas raciais acabariam com o ideal de um país misturado, onde a cor dos indivíduos não deveria influenciar a vida dos mesmos. Para a autora, optar pelas cotas significaria dividir o Brasil entre “raças”.
Peter Fry teme igualmente que as cotas acabem fortalecendo um Brasil imaginado não mais como país mestiço, mas como uma nação de raças estanques. Fry acredita que a fluidez dos sistemas de classificação usados pelos brasileiros não permitiria o estabelecimento de critérios precisos, capazes de determinar quem seriam os beneficiários de tais políticas. Além disso, o uso da categoria raça seria prejudicial aos próprios sujeitos beneficiários desta política; nas palavras de Peter Fry, “quando o Estado institui raça como critério para a distribuição de direitos, a tendência é de fortalecer a crença em raças e, em conseqüência, o racismo”.
Para Kamel, as cotas constituem uma política racista, que dividiria o Brasil e levaria a uma cisão racial da sociedade brasileira. A realidade brasileira, segundo ele, é a da miscigenação, da cordialidade. Assim, adotar políticas públicas com base na polaridade branco-negro seria um perigo, pois atiçaria as paixões e o conflito racial. Segundo esses autores, existe no Brasil a possibilidade de reconhecimento de todos como nacionais, ou seja, brasileiros, e este é um dos argumentos usados como defesa da não polarização entre negros e brancos, pois muitos dos bens culturais importantes para os negros, como a feijoada, o samba e a capoeira, que poderiam ser pensados como bens culturais na produção de uma identidade positiva negra, são hoje considerados símbolos nacionais, sendo necessário, portanto, questionar: se os negros não podem se articular por um eixo identitário cultural (já que no Brasil somos todos brasileiros), qual categoria que poderia ser usada para a luta desses contra o racismo se não a própria raça?
Primeiramente, é preciso apontar que optar pela democracia racial e o argumento da complexidade de classificação racial, tal como fazem Peter Fry e Yvonnie Maggie, não pode de fato ajudar na solução para o problema do racismo na sociedade brasileira e tampouco para a união das vítimas do racismo. Condenar a luta pela construção da identidade racial polarizada escolhida pelo movimento negro atual e enaltecer a ambiguidade e a mestiçagem sempre foram as posições escolhidas, em sua maioria, pelas elites intelectuais e políticas brasileiras desde a década de 30, e infelizmente o discurso da mestiçagem6 foi e continua sendo utilizado como instrumento ideológico, que desconstrói a luta por direitos iguais entre negros e brancos na sociedade brasileira. A mestiçagem, apesar de ser um fato brasileiro, não apaga as desigualdades entre brancos e negros, e se não utilizarmos essas categorias na luta anti-racista, como iremos encontrar espaço para uma política de identidade negra brasileira?
Para Fry, em seu argumento contra Guimarães, as identidades raciais que são valorizadas pelas ações afirmativas ainda não existem no Brasil (já que há um continuum de cor e a miscigenação é uma realidade que se oporia a estas identidades), e ele defende que, para que se possa utilizá-las, elas precisam ser construídas primeiro. Aqui também é possível perguntar: já que elas não existem, com que categoria as pessoas brancas discriminam as pessoas negras? Ou seja, se o racismo existe no Brasil é exatamente porque a categoria raça está não só construída como também se atualizando em todos os momentos.
Sob esta ótica, deve-se concordar a constatação de Guimarães, em seu texto Democracia Racial, de que:
O que continua em jogo, entretanto, é a distância entre discursos e práticas das relações raciais no Brasil, tal como Florestan e Bastide colocavam nos idos anos 1950. Ainda que, certamente, para as ciências sociais, o mito não possa ser pensado da maneira maniqueísta como Freyre e Florestan pensaram, transpondo-o diretamente para a política, permanecem os fatos das desigualdades entre brancos e negros no Brasil, apesar do modo como se classifiquem as pessoas. Mais que isto: as diferenças raciais se impõem à consciência individual e social, contra o conhecimento científico que nega as raças (são como bruxas que teimam em atemorizar, ou como o sol que, sem saber de Copérnico, continua a nascer e a se pôr?).7
É importante ressaltar as ciladas contidas nas lutas políticas que se justificam pela diferença e, principalmente, pelo conceito de raça como, por exemplo, as cotas para negros nas universidades públicas. A luta contra as desigualdades raciais e os processos discriminatórios, assim como a defesa da igualdade de oportunidades e o respeito às diferenças, não é um movimento simples, pois os mesmos argumentos desenvolvidos para defender relações mais justas, dependendo do contexto e do jogo político em que se inserem, podem ser resignificados para legitimar processos de sujeição e exclusão. Nesses casos, podemos chamar esse fenômeno de “efeito de retorsão”8 que se traduz na máxima utilizada no discurso anticotas que diz que “as cotas são racistas”.
Também não podemos ser ingênuos quando escolhemos pela opção política da diferença e, portanto, da polarização entre negros e brancos. Joan Scott preconiza que se desconstrua a oposição binária igualdade/diferença como única via possível, chamando atenção para o constante trabalho da diferença dentro da diferença. A oposição binária, por exemplo, das categorias brancos/negros, obscurece as diferenças entre os brancos dentro do próprio grupo daqueles que caracterizamos como brancos e dos negros dentro do grupo de negros, no comportamento, no caráter, no desejo, na subjetividade, na identificação racial e na experiência histórica. A “mesmidade” construída em cada lado da oposição binária oculta o múltiplo jogo das diferenças e mantém sua irrelevância e invisibilidade (Scott, 1988:45).
No entanto, é exatamente o racismo que faz com que seja necessária a utilização política da categoria raça. É nesse fator que se dá a importância do racismo no entendimento do que é ser negro atualmente no Brasil e, portanto, pela polarização negros/brancos. Isto se deve ao fato de que, mesmo estranho a uma unificação negra ligada à religião, cultura e tradição, ainda que totalmente ausente das práticas identitárias ligadas às inúmeras possibilidades de vivências da negritude, o racismo e a experiência deste integram o conjunto de vivências dos indivíduos negros ao longo da história. A própria história nos mostra que o racismo é um fenômeno que, além de unificar reativamente os negros9, também os apresenta e os caracteriza como um coletivo homogêneo, longe de refletir a realidade do universo das inúmeras diferenças entre os indivíduos negros. Não obstante, o abismo imenso que separa uma comunidade quilombola em Minas Gerais de um negro de São Paulo ou da Bahia, a despeito de comunicarem-se esses indivíduos fora desse universo, mesmo que muito precariamente, o olhar externo e, principalmente, o olhar racista os unifica.
A identidade coletiva é sempre algo que define fronteiras entre quem somos nós e quem são os outros e, portanto, só existe em relação a uma alteridade. Deste modo, as identidades são consideradas posicionais, relacionais e fluidas. Para Alberto Melucci (2001), a identidade coletiva é algo interativo e compartilhado dentro de um processo onde será sempre construída e negociada nas relações entre os sujeitos de uma coletividade. Longe de naturalizar a identidade, o autor aponta para a necessidade de sua constante negociação entre as coletividades. Por isso, é preciso analisar as identidades como sínteses de múltiplas identificações e nunca como um conjunto de características fixas e permanentes. Sousa Santos (1995) define que as identidades são, no sentido genérico, fictícias e necessárias, colaborando de forma pertinente para a análise da identidade negra. São fictícias, pois nenhum negro é igual ao outro, e ser negro não é uma entidade fixa e sólida. Porém, a identidade faz-se necessária como defesa de um grupo ou de uma coletividade. A identidade, então, assume caráter de escudo e defesa de si perante o outro (Sawaia, 1999), e também é, portanto, uma categoria política.
Assim como todas as identidades são relacionais e contingentes, brancos e negros só existem em relação um a outro, e suas diferenças variam conforme o contexto. Desta forma, precisam ser definidas em relação a sistemas políticos, históricos e sócio-culturais específicos. Os indivíduos e os grupos sociais não trazem dentro de si uma essência negra ou uma essência branca, mas essas categorias são significadas e ressignificadas sempre em relação ao contexto sócio-histórico e cultural onde estes indivíduos e grupos sociais se encontram. Ser negro não se trata de uma condição metafísica, nem tampouco se relaciona diretamente, como nos Estados Unidos, à afro-descendência; ou seja, ser negro no Brasil é uma condição objetiva em que, a partir de um estado primeiro, definido pela cor da pele e pelo passado, o negro é constantemente remetido a si mesmo pelos outros, e é através do racismo que a cor da pele negra se transforma no que podemos chamar hoje de raça negra.
Há que se pensar que a construção da negritude é uma escolha feita por sujeitos negros. Porém, como toda e qualquer escolha, no sentido em que lhe atribui Sartre (1984), o sujeito atua sobre seu contexto a partir de determinadas condições objetivas que o precedem, devidamente situado dentro de determinada gama de opções. Essa escolha é o resultado induzido de uma série complexa de dialéticas em que, a partir de um estado original, relacionado à cor da pele negra, a traços físicos, status social e o passado dos ancestrais africanos, o homem negro é remetido a si mesmo pelos outros e desta forma atua no mundo confirmando e produzindo sentidos singulares para a negritude. Uma vez que negros e brancos constroem a si mesmos e suas experiências em um mundo racista e racializado, tendo como parâmetros uma relação hierárquica e assimétrica, já que o racismo confere a um dos grupos a capacidade para estabelecer os parâmetros do que é considerado normal, belo, estético, bom, mal, racional, emocional e o negro é sempre marcado como “o outro”, como esses sujeitos racializados poderão desvencilhar-se da raça se é através dessa categoria que são vítimas de discriminação e preconceito?
Desta forma, podemos concluir através dos estudos de relações raciais e racismo no Brasil que, além da existência do racismo na cotidianidade da população negra, este é atualizado, perpetuado e legitimado pela ideia de raça e, portanto, é através desta categoria política que a luta antirracista deve ser articulada.
Referências
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Endereço para correspondência
Lia Vainer Schucman
E-mail: liavainers@gmail.com
Recebido em: 04/06/2009
Revisado em: 22/02/2010
Aceito em: 14/04/2010
* Possui graduação em Psicologia e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil. É Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Trabalho da Universidade de São Paulo – Brasil.
1 Degeneração é um conceito biológico que foi utilizado na interpretação de fenômenos sociais. Seu oposto seria a Eugenia, compreendida como a ciência que utilizar-se-ía do conhecimento sobre a hereditariedade para o aprimoramento do gênero humano. A ideia de degeneração foi, sobretudo, o que fez com que incontáveis teóricos das mais diversas áreas de conhecimento defendessem reformas sociais baseadas no controle médico e de segregação racial e de classe da sociedade. Um dos representantes mais lidos e que influenciou grande parte das políticas raciais do século XX foi o Conde Artur de Gobineau, com o livro “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” (1855), um dos primeiros trabalhos sobre eugenia e racismo publicados no século XIX. Segundo ele, a mistura de raças era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência física e intelectual.
2 A ideologia da democracia racial tem raízes muito anteriores a 1930. A expressão, entretanto, aparece pela primeira vez, de acordo com Antônio Sérgio Guimarães, em um artigo de Roger Bastide publicado no Diário de São Paulo, precisamente no dia 31 de março de 1944, no qual eram usados os termos democracia social e racial para descrever a ausência de distinções rígidas entre brancos e negros. Antônio Sérgio aponta também que a expressão evoca essencialmente dois significados: o primeiro subentende que todos os grupos étnicos vivem na mais perfeita harmonia, enquanto o segundo remete, no mínimo, a um ideal de igualdade de direitos, e não apenas de expressão cultural e artística.
3 O branqueamento é aqui entendido como um conjunto de normas, valores e atitudes associado aos “brancos” que as pessoas não brancas adotam ou incorporam, a fim de assemelhar-se ao modelo “branco” dominante e, assim, construir uma identidade racial positiva (Piza, 2000).
4 Para saber mais sobre as desigualdades raciais no Brasil ver: Relatório das desigualdades raciais 2007/2008 em <http://www.laeser.ie.ufrj.br/relatorios_gerais.asp>.
5 Ver, entre outros, os textos e artigos de: Yvonne Maggie. “Em breve um país dividido”. O Globo. 27 de dezembro de 2004; Peter Fry. “A democracia racial infelizmente virou vilã”. O Globo. 18 de junho de 2005; Peter Fry. A persistência da raça; Ali Kamel. “Combater a pobreza, esquecer as cores”. O Globo. 14 de dezembro de 2004; Ali Kamel. “Aos congressistas, uma carta sobre cotas”. O Globo, 16 de dezembro de 2004; Ali Kamel. “Raças não existem”. O Globo. 17 de maio de 2005. Lívio Sansone Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Pallas. 2003.
6 Antonio Sergio Guimarães, em uma aula da disciplina de relações raciais ministrada para alunos de pósgraduação do curso de sociologia da USP, argumenta que ao referir-se à mestiçagem ainda é o conceito de raça que articula tal categoria, pois se pressupõe que existam as raças branca e negra para que exista o mestiço. Além disso, apelar para a democracia racial para extinguir a categoria raça parece no mínimo ilógico, já que raça é o que pressupõe a democracia na própria expressão.
7 Retirado do texto de Antonio Sergio Guimarães “Democracia Racial” na pagina <http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Democracia%20racial.pdf>.
8 O “efeito de retorsão” (conceito retomado de Taguieff, 1986) constitui-se quando “um contendor se coloca no terreno discursivo e ideológico do adversário e o combate com as armas deste, as quais, pelo fato de serem usadas com sucesso contra ele, deixam de pertencer-lhe pois que agora jogam pelo adversário. A retorsão opera assim, de uma só vez, uma retomada, uma revirada e uma apropriação-despossessão de argumentos: ela tem por objetivo impedir ao adversário o uso de seus argumentos mais eficazes, pelo fato de utilizá-los contra ele” (Pierucci, 2000:52).
9 Como no caso de diversos movimentos sociais negros que se unificam através da luta antirracista.