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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.17 no.38 São Paulo jan./abr. 2017

 

ARTIGOS

 

Psicologia Política no Brasil: análise bibliométrica sobre sua revista

 

Political Psychology in Brazil: bibliometric analysis on its journal

 

Psicología Política en Brasil: análisis bibliométrico sobre su revista

 

Psychologie politique au Brésil: une analyse bibliométrique de son journal

 

 

Domênico Uhng HurI; José Manuel SabucedoII

IProfessor de graduação e pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás. Editor da Associação Ibero-Latino-americana de Psicologia Política. Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ-2) do CNPq. domenicohur@hotmail.com
IIProfessor Catedrático de Psicologia Social da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Presidente da Sociedad Científica Española de Psicología Social. josemanuel.sabucedo@usc.es

 

 


RESUMO

Em 2015 a Revista Psicologia Política (RPP) completou quinze anos de existência, com 34 números e 319 artigos e resenhas. O objetivo deste artigo é conhecer a produção acadêmica da RPP para discutir os temas pesquisados e o perfil dos autores. Realizamos uma análise bibliométrica, quantitativa e descritiva, sobre todos os artigos publicados. O perfil do autor da RPP é eminentemente feminino, com formação em Psicologia, vinculado a Instituições públicas e da região sudeste. Os temas pesquisados são muito variados, assim como os métodos e referenciais teóricos, afastando-se das questões clássicas da Psicologia Política dos Estados Unidos e da Europa. O compromisso ético-político da Psicologia foi um dos eixos comuns encontrados. Entretanto, consideramos ser de importância a produção de um denominador comum mais consistente à área.

Palavras-chave: Psicologia Política; Análise bibliométrica; História da Psicologia; Revista Psicologia Política; Brasil.


ABSTRACT

In 2015, the Revista Psicologia Política (RPP) celebrated 15 years of existence, with 34 issues and 319 articles and reviews. The aim of this article is to know the academic production of the RPP to discuss the subjects that were researched and the profile of its authors. We carry on a bibliometric analysis, quantitative and descriptive on all published articles. The author's profile of the RPP is eminently female, from public Institutions and southeastern region of the country. The topics investigated are varied, such as the methods and the theories, differing from the classical questions of the Political Psychology of the United States and Europe. The ethical-political commitment was one of the axes found. However, we consider that the production of a common denominator more consistent to the field is necessary.

Keywords: Political Psychology; Bibliometric Analysis; History of Psychology; Journal of Poli-tical Psychology; Brazil.


RESUMEN

En 2015, la Revista Psicologia Política (RPP) cumplió quince años de existencia, con 34 números y 319 artículos y reseñas. El objetivo de este artículo es conocer la producción académica de la RPP para discutir los temas investigados y el perfil de sus autores. Realizamos un análisis bibliométrico, cuantitativo y descriptivo, sobre todos los artículos publicados. El perfil del autor de la RPP es eminentemente femenino, vinculado a las Instituciones públicas y de la región sudeste del país. Los temas investigados son muy variados, así como los métodos y marcos teóricos, que se alejan de las cuestiones clásicas de la Psicología Política de los Estados Unidos y de la Europa. El compromiso ético-político fue uno de los ejes encontrados. Todavía, consideramos que es necesaria la producción de un denominador común más consistente al campo.

Palabras clave: Psicología Política; Análisis bibliométrico; Historia de la Psicología Política; Revista Psicología Política; Brasil.


RÉSUMÉ

En 2015, la Revista Psicologia Política (RPP) a fêté ses 15 ans d'existence, avec 34 numéros et 319 articles et critiques. L'objectif de cette article est de connaître la production académique du RPP pour discuter les thèmes étudiés et le profil des auteurs. Nous effectuons une analyse bibliométrique, quantitative et descriptive sur tous les articles publiés. Le profil de l'auteur du RPP est éminemment féminin, avec une formation en psychologie, liée aux institutions publiques et à la région sudest du pays. Les thèmes étudiés sont très variés, ainsi que les méthodes et les théories, différant des questions classiques de la psychologie politique des États-Unis et de l'Europe. L'engagement éthique et politique était l'un des axes trouvés. Cependant, nous considérons que la production d'un dénomina-teur commun plus cohérent avec le champ est nécessaire.

Mots clés: Psychologie Politique; Analyse Bibliométrique; Histoire de la Psychologie; Cahiers Psychologie Politique; Brésil.


 

 

Introdução

A constituição de uma disciplina científica é estabelecida por diversas instâncias, como a existência de associações de pesquisadores, laboratórios, a oferta de disciplinas, cursos e a publicação de livros, manuais e periódicos acadêmicos (Farr, 1998). A Psicologia Política no Brasil ainda é bastante recente, surgindo no país entre o final da década de 1970 e início de 1980, conjuntamente à Psicologia Comunitária (Sandoval, Dantas & Ansara, 2014). No país, o campo é multifacetado, apresentando uma variedade de temáticas investigadas, múltiplos referenciais teóricos e diversas definições. Entre elas, citamos a de Salvador Sandoval, que compreende a Psicologia Política como uma área que:

(...) busca investigar a participação e o comportamento político na intersecção entre psicologia e política, pretendendo, assim, examinar o papel do pensamento humano, as emoções e os fatores sociais como determinantes do comportamento político (...). É um campo interdisciplinar que utiliza teorias psicossociais e sociais para analisar o mundo da política e o comportamento das pessoas numa sociedade referenciada pelo Estado (SANDOVAL, HUR & DANTAS, 2014, p.7).

A Psicologia Política possui razoável organização no Brasil, contando com a existência de uma Sociedade Científica, a Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP), Congressos nacionais e estaduais, disciplinas em cursos de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia, diversos títulos de livros publicados e a edição do periódico Revista Psicologia Política.

A Revista Psicologia Política (RPP) começou a ser publicada em 2001, tendo a periodicidade semestral, ou seja, a publicação de dois números por ano. A sua criação resultou do I Simpósio Brasileiro de Psicologia Política, pois no seu primeiro volume foram publicadas algumas de suas conferências (Silva, 2012). A partir de 2012, tornou-se quadrimestral, publicando-se três números por ano. Ao todo foram editados 34 números, totalizando 319 artigos e resenhas. Consideramos que a RPP cumpre papel fundamental para a consolidação do campo da Psicologia Política no Brasil. Na América, também são publicados com essa mesma temática os seguintes periódicos: Revista Electrónica de Psicología Política da Universidade Nacional de San Luís na Argentina (desde 2003); Political Psychology (desde 1980) e a Revista Advances in Political Psychology (desde 2014) pela International Association of Political Psychology (ISPP); e o Journal of Social and Political Psychology (desde 2013) nos Estados Unidos. Na Espanha, a Revista Psicología Política, criada em 1990, foi publicada até o ano de 2014.

O objetivo desta pesquisa é realizar uma análise bibliométrica dos artigos publicados na RPP para conhecer o perfil de seus autores e as temáticas investigadas nesses quinze anos de trajetória. Qual é a formação dos seus autores? Em que região do país residem? Que temas são os mais publicados na RPP? Quais os métodos utilizados? E quais são os principais marcos teóricos? Será que essa análise pode nos fornecer uma cartografia da Psicologia Política no país? Será que nesse percurso podemos encontrar a constituição de uma Psicologia Política brasileira singular, distinta da norte-americana e da europeia? Buscamos assim realizar uma pesquisa exploratória sobre os trabalhos publicados na RPP, privilegiando o perfil de seus autores e temas investigados, para conhecer a realidade da Psicologia Política no Brasil.

Análises de Revistas científicas são indicadores importantes para a compreensão de que como cada área vem se organizando em cada país. Por exemplo, Cuello-Pagnone e Parisí (2013) realizam importante análise dos então dez anos da Revista Electrónica de Psicología Política (Argentina) e Oliveira, Cantalice, Joly e Santos (2006) da Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Ambas pesquisas aportam contribuições para a maior compreensão de seus campos de investigação.

A bibliometria é uma forma de análise quantitativa que tem o intuito de conhecer e manejar os dados da literatura acadêmica (Aguilar e cols., 2007). Consideramos que a realização da análise bibliométrica dos artigos da RPP nos possibilitará compreender como o campo da Psicologia Política se configura no Brasil, visto que é seu principal veículo de divulgação. Entretanto, sabemos que muitos trabalhos de Psicologia Política no Brasil são publicados em outros periódicos acadêmicos, capítulos de livros e livros, não apenas do país, como do exterior.

Para a análise, somente consideramos os dados referentes aos artigos e resenhas. Os artigos, por serem relatórios de pesquisas aprovados por um corpo de avaliadores especialistas e doutores na área, são a expressão máxima da produção acadêmica. Já as resenhas, não são consideradas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) como produção científica, mas como produção técnica. Entretanto também as incluímos, pois consideramos que se referem a uma produção reflexiva que analisa obra relevante para a área. Soma-se o fato de que também são avaliadas antes de serem publicadas pela Revista.

Excluímos da análise os dados referentes aos editoriais, apresentação de dossiês, cartas, mensagens da ABPP, notícias, homenagens e manifestos. Os editoriais são redigidos pelos editores da Revista, geralmente apresentando os artigos que se encontram em cada volume. As apresentações de dossiês também assumem este caráter informativo e de síntese. As mensagens da ABPP têm um traço mais político-organizativo das atividades desenvolvidas pela Associação. Notícias, homenagens e manifestos também têm um caráter maior de comunicação, ao invés de serem produtos de alguma pesquisa teórica e acadêmica.

Realizamos uma Análise de conteúdo (Bardin, 1977) sobre o material pesquisado. Analisamos os 319 artigos e resenhas publicados na RPP em seus 15 anos de existência. Buscamos verificar nos artigos as dimensões relativas às características gerais dos seus autores e das temáticas presentes. Em relação ao perfil do autor, registramos quantitativamente os números referentes ao sexo, profissão, Instituição, Estado, país e número de pesquisadores por artigo. No que tange ao exame dos artigos, dividimos a análise em quatro séries gerais: temas, fenômenos investigados, métodos e referenciais teóricos. Dentro de cada série, fragmentamos os múltiplos dados encontrados em unidades de registro para proceder com sua classificação e categorização. Em seguida, agrupamos as diferentes unidades de registro por proximidade temática para a constituição das categorias de cada série investigada (Vázquez, 1997). Por exemplo, no subtópico "Fenômenos investigados", tal fragmentação e agrupamento dos dados fizeram com que estipulássemos 12 tipos de fenômenos pesquisados. Essa elaboração se deu a partir de uma análise a posteriori de todos os artigos da Revista e não passou pelo crivo de árbitros. Registramos todos os dados numa planilha no Excel1.

Os resultados são apresentados de forma descritiva. Para critérios de comparação, separamos em três períodos de cinco anos cada um: o primeiro, de 2001 a 2005; o segundo, de 2006 a 2010; e o terceiro de 2011 a 2015. O primeiro quinquênio refere-se ao período de criação e estabelecimento da revista. O segundo acompanha os efeitos do investimento nas políticas de ciência e tecnologia, pelo Governo dos ex-Presidentes Lula e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual houve um aumento da produção científica nacional nos anos de 2005 e 2006 (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq], 2011). Já no terceiro também há uma nova situação, pois com o aumento do número de campi de Universidades Federais, foi possível a criação de novos programas de Pós-Graduação em Psicologia, havendo um maior número de docentes credenciados em cursos de mestrado e doutorado, bem como o aumento da formação de mestres e doutores em Psicologia (CAPES, 2017).

 

Perfil dos(as) Autores(as)

Para a análise do perfil dos(as) autores(as) da RPP, contabilizamos o número total de autores e não de artigos, visto que muitos trabalhos são assinados por mais de um pesquisador. Também optamos por repetir os dados dos(as) autores(as) que publicaram mais de um artigo na RPP, de acordo com seu número de publicações. Por exemplo, se nos 15 anos da Revista um autor publicou dois artigos, ele aparece em nossa base de dados duas vezes. Procedemos dessa forma, pois preferimos considerá-lo como representante de sua Instituição acadêmica e não como indivíduo isolado. Ou seja, em nossa análise seu número de ocorrência é contabilizado como expressão institucional, seja de seu Estado, Instituição de Ensino Superior (IES), profissão, gênero, marco teórico etc. Na discussão do seu perfil, subdividimos esse tópico em cinco subtópicos: sexo, formação, território, internacionalização e colaboração e produtividade.

 

Sexo

O curso de Psicologia e a profissão de Psicólogo(a) são conhecidos por serem majoritariamente compostos por mulheres. De acordo com os dados do Conselho Federal de Psicologia (CFP), em outubro de 2017 estavam inscritos nos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) 301.432 Psicólogos(as), sendo destes 257.639 mulheres, 38.225 homens e 5.568 indefinidos. De acordo com a planilha, não é possível saber se os "indefinidos" não se caracterizam como homens ou mulheres, ou se não preencheram esse dado ao se inscreverem nos Conselhos. Então, excluindo os indefinidos, temos atualmente 87,1% da categoria profissional de mulheres e 12,9% de homens. (CFP, 2017)

Sabemos que não são apenas Psicólogos(as) os(as) autores(as) e leitores(as) da RPP, e que nem todos os(as) Psicólogos(as) de formação estão registrados nos CRPs, visto que muitos(as) pesquisadores(as) deixaram de exercer a atividade profissional de Psicólogo(a), estando, por exemplo, apenas em atividades de ensino. Mas a grande maioria de autores(as) é de psicólogos(as), como mostraremos no subtópico sobre a profissão.

De qualquer forma, o número de autores da RPP não acompanha a proporção entre gêneros presente na profissão. Do corpus de 85 autores do primeiro período investigado (2001-2005), 44 são mulheres (51,8%) e 41 são homens (48,2%). Se contabilizamos o gênero do primeiro autor de cada artigo o número é praticamente o mesmo, 35 homens e 35 mulheres como primeiro(a) autor(a) da pesquisa. Portanto, há uma divisão de 50% entre gêneros, muito distante do 87,1% de mulheres e 12,9% de homens na categoria profissional. Mas no segundo período (2006-2010), com o incremento da produção científica no Brasil, há o aumento do número de mulheres autoras e primeiras autoras dos artigos, respectivamente 114 (64,8%) e 62 (64,6%). Já os homens, contabilizam 62 (35,2%) autores e 32 (35,4%) primeiros autores. No terceiro período (2011-2015), há uma pequena queda do número de mulheres autoras, mas que ainda atesta que são maioria. Há 182 mulheres (59,5%) para 124 homens (40,5%). O que nos chama a atenção nesse período é que o número de homens como primeiro autor aumenta, mesmo eles sendo minoria no número total de autores. São 76 homens (49%) como primeiro autor, em relação a 79 mulheres (51%), conforme está expresso na Tabela 1.

Na Tabela 1, o número de autores(as) relacionado ao gênero está discriminado para cada um dos três períodos. O número total de autores(as) nos quinze anos de existência da RPP foi de 567, sendo 340 mulheres (60%) e 227 homens (40%). E o número de primeiro autor de cada artigo foi de 176 mulheres (55,2%) e 143 homens (44,8%). Mesmo com o aumento do número de mulheres como autoras, percebemos que no espaço acadêmico há um número significativo de homens Psicólogos, se comparado com os índices da categoria profissional. Não temos hipótese formulada acerca da grande porcentagem de homens como primeiro autor no terceiro período e na média geral, se, por exemplo, há alguma relação com um "patriarcalismo acadêmico", ou não. Mas citamos o fato empírico de que geralmente nos Simpósios Brasileiros de Psicologia Política, ocorridos a cada biênio, há uma hegemonia masculina no número de palestrantes convidados, bem como na coordenação da ABPP e da editoria da RPP2 até 2015, exercida por homens. Esse número elevado de homens primeiros autores também se expressa no número de bolsistas Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq, na área de Psicologia. Em 2011, dos 295 bolsistas PQ em Psicologia no Brasil, 37% era do sexo masculino e 63% do feminino (Weber e cols., 2015). Esse percentual é semelhante à distribuição entre gênero do número de primeiros autores da RPP no quinquênio de 2006-2010 (35,4% de homens e 64,6% de mulheres), mas muito diferente da distribuição da categoria profissional.

 

Formação

A Psicologia Política tradicionalmente é uma área interdisciplinar que se encontra na encruzilhada das disciplinas das Ciências Humanas (Montero & Dorna, 1993), ou como Silva e Corrêa (2015) afirmam, está no interstício das disciplinas. Dessa forma, devido a essa inter e multidisciplinaridade (Montero, 2015), é esperado que haja um número elevado de pesquisadores de diversas áreas que publiquem na RPP.

Investigamos a variabilidade de profissões dos(as) autores(as), consultando seus currículos lattes. Apenas registramos suas graduações universitárias, pois os cursos de Pós-Graduação realizados em cada trajetória são muito variáveis. E somente pesquisamos a Graduação dos autores brasileiros, pois devido à ausência de uma plataforma como o currículo lattes nos países dos autores estrangeiros, não conseguimos encontrar a formação de todos. Portanto, nossa amostra sobre a profissão de formação refere-se aos 475 autores brasileiros, conforme está explicitado na Tabela 2. Ademais, quando determinado autor tem mais de uma formação acadêmica, contabilizamos apenas uma. Registramos a área de Psicologia quando o autor tem formação de Psicólogo e outra área. Mas quando é formado em outros dois cursos diferentes da Psicologia, buscamos atribuir a consistência entre Graduação e Pós-Graduação. Por exemplo, um autor é formado em Direito e Educação Física, mas fez sua Pós-Graduação em Educação Física, assim registramos este segundo curso como sua formação. E se um autor é Sociólogo, mas fez seu mestrado e doutorado em Psicologia e é professor de Psicologia, o registramos como Sociólogo. Vale destacar que colocamos como "Outros", áreas que apenas tiveram um ou dois autores, como Ciências Políticas, História, Publicidade, Biologia, Física e Ensino Técnico.

Dos 70 autores brasileiros do primeiro período da publicação da revista em estudo (2001-2005), a grande maioria é de Psicólogos: 58 (82,9%). Apenas 12 são de outras áreas, sendo a segunda com maior frequência a formação em Filosofia (7,1%), e logo em seguida em Sociologia (4,3%). Uma área que esperávamos que teria bastante frequência era a de Ciências Políticas. Contudo, nesse período, como em todos os 15 anos da RPP, apenas encontramos a participação de um cientista político, que é o Prof. Salvador Sandoval, um dos fundadores da Psicologia Política no Brasil. Dessa forma, compreendemos que a RPP é um veículo científico pouco atrativo aos cientistas políticos formados no país.

Nos dois períodos subsequentes, há uma leve diminuição do percentual de Psicólogos autores da RPP. De 2006 a 2010, temos 120 Psicólogos autores (73,6%); e de 2011 a 2015, 182 Psicólogos autores (75,2%); ficando na média geral de 75,8%, ou 360 Psicólogos autores. No segundo quinquênio, áreas, além da Psicologia que têm maior participação em autores são: Administração (4,3%), Sociologia (3,7%) e Serviço Social (3,1%). E no terceiro período, Administração (4,5%), Direito (3,3%) e Sociologia e Filosofia (2,1%), ficando as duas últimas, empatadas. Vale ressaltar que no primeiro período não havia nenhum autor formado em Administração e Direito. Nossa hipótese é que a partir do segundo período há a presença de autores formados nesses dois cursos devido à Unidade acadêmica na qual o Editor da RPP, entre 2008 e 2015 (Silva, 2015), Prof. Alessandro Soares da Silva, trabalha: a Escola de Artes e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (EACH-USP), que é uma unidade interdisciplinar que contém pesquisadores de várias áreas das Ciências Humanas. Dessa forma, a propagação e difusão da Psicologia Política em sua unidade possibilitou que colegas de outras áreas se interessassem em publicar na RPP, bem como trabalhar com os marcos da Psicologia Política.

A partir do percentual das profissões, constatamos que os autores que publicam na RPP são em sua grande maioria Psicólogos (75,8%). As outras profissões que aparecem têm pouca frequência, atingindo índices que não alcançam nem 4% do total. Mesmo que no segundo e terceiro períodos haja uma presença um pouco maior de outras profissões na RPP, ela ainda é muito pequena. Assim, a Psicologia Política no Brasil não é tão intersticial ou de encruzilhada como se supunha, sendo de maior interesse dos Psicólogos.

 

Território

Neste subtópico buscamos investigar qual é a região que os(as) autores(as) da RPP residem. Discutimos a distribuição de seus autores nas cinco regiões do país, bem como os diferentes Estados, se residem em capitais ou cidades do interior do país e o tipo de Instituição a que estão vinculados. Sabemos que a produção científica nacional concentra-se nas regiões Sudeste e Sul do país e na RPP não é muito diferente.

Conforme a Tabela 3, visibilizada pela Figura 1, constatamos que nos três períodos a Região Sudeste é responsável por um pouco mais da metade, dos autores da Revista (I- 64%, II- 49,7%, III- 55%), totalizando 54,5% nos 15 anos da RPP. Suehiro, Cunha, Oliveira e Pacanaro (2007), em outro estudo bibliométrico, mostram que a participação da região Sudeste na revista Psico-USF também excede em 50% a produção nacional (excluindo os países do exterior). Esse número é semelhante ao percentual de bolsistas PQ em Psicologia entre 1998 e 2007 na região Sudeste, que era superior a 50% (Hutz, Rocha, Spink & Menandro, 2010). Em 2011 a concentração dos bolsistas PQ nessa região foi de 54,6% e no Sul de 18,6% (Weber e cols., 2015).

 

 

Uma diferença constatada em relação à tendência da produção científica nacional é que as Regiões Sul e Nordeste vêm empatadas em número de autores. Geralmente a Região Sul fica em segundo lugar no quesito de produção acadêmica, bem acima das demais regiões. Mas na RPP ambas regiões possuem o mesmo número total de autores, com leves variações entre os diferentes períodos. Atribuímos a esse fato a presença do Professor Leôncio Camino, também fundador da Psicologia Política no Brasil, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Tal presença incrementou a produção da área no Nordeste, pois ele formou mestres e doutores de diferentes Estados da região. Assim, além da Paraíba, Estados como Pernambuco e Ceará têm uma participação frequente na RPP. Já o Rio Grande do Norte passa a ter maior participação em número de autores apenas no terceiro quinquênio (6,2%), conforme Tabela 4. Tal presença marcou a realização do IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a eleição de parte significativa da gestão da ABPP (2016-2018) de professores e de um doutor da UFRN.

As regiões Centro-Oeste e Norte, de acordo com a tendência nacional, possuem uma participação menor na RPP. A presença do Centro-Oeste no segundo período aumenta quase 4 vezes (11%), se comparado ao primeiro (2,9%), devido aos pesquisadores da UnB. Dos 18 autores da região, 13 pertencem a essa Instituição. Já o incremento da participação de autores do Norte no segundo (1,8%) e terceiro (4,1%) períodos é decorrente da "migração interna" de pesquisadores dentro do país. Tanto a Profa. Flávia Lemos, da UFPA, como o Prof. Marcelo Calegare, da UFAM, realizaram sua formação acadêmica em Universidades do Sudeste, mas hoje são professores efetivos dessas universidades no Norte, contribuindo na formação de pesquisadores em suas cidades. Tal quadro é semelhante no Estado de Goiás, que no primeiro (1,4%) e segundo (0,6%) períodos teve uma participação bastante reduzida no número de autores (1 em cada quinquênio), mas no terceiro alcançou 2,5% (6 autores), devido a migração interna de professores que também tiveram sua formação em São Paulo.

Constatamos a grande concentração de autores da RPP no Estado de São Paulo (I- 35,7%, II- 26,4%, III- 34,7%), atingindo a média geral de 32%, ou seja, praticamente 1/3 do total dos autores. Esse número é bastante próximo ao percentual de bolsistas de PQ no Estado em 2011, que era de 31,9% (Weber e cols., 2015). Além do fato de ser o Estado com o maior número de cursos e programas de Pós-Graduação em Psicologia, localizam-se ali os dois núcleos de pesquisa de Psicologia Política que atualmente são os mais importantes e ativos do país: o Núcleo de Psicologia Política e Movimentos Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), coordenado pelo Prof. Salvador Sandoval, e o Grupo de Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo (GEPSIPOLIM) da EACH-USP, coordenado pelo Prof. Alessandro Soares da Silva. Com as políticas de ciência e tecnologia de interiorização e a criação de novos cursos de Pós-Graduação, a expectativa era de que a concentração de autores em São Paulo diminuísse, mas não foi isso que encontramos.

Já em Minas Gerais, mesmo com a existência do Núcleo de Psicologia Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não há uma elevada participação de autores do Estado (exceto no primeiro período), caso comparemos com as outras Unidades da Federação. Por outro lado, há uma presença elevada, principalmente no segundo período, de pesquisadores do Espírito Santo. No segundo quinquênio, o Estado do Espírito Santo alcança a segunda colocação em número de autores, empatado com o Rio Grande do Sul. Vale citar que nesse período, dos 22 autores (13,5%) desse Estado, 19 são vinculados à Universidade Federal do Espírito Santo, sendo a Instituição com o maior número de autores da RPP do segundo quinquênio. Provavelmente contribui para esse elevado índice, a participação anterior dos Professores Lídio de Souza (in memoriam) e Paulo Menandro no Grupo de Trabalho de Psicologia Política na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) na década de 1990. O Estado do Rio de Janeiro possui uma participação ainda tímida na RPP, considerando seus índices gerais de produtividade. Mas vem apresentando um crescimento do total dos autores através dos quinquênios (I- 5,7%, II- 6,7%, III- 10,3%).

Nesses 15 anos, sete Estados não contaram com nenhum autor na RPP. Do Nordeste: Alagoas, Piauí e Maranhão. E do Norte: Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins. Acre, Mato Grosso do Sul e Sergipe contabilizaram apenas um participante em toda a história da RPP. O número baixo de participação da Região Norte pode ser explicado pelos poucos e "jovens" programas de Pós-Graduação em Psicologia. A Universidade Federal do Pará (UFPA) tem um programa de Pós-Graduação em Psicologia mais antigo, criado em 1987. Mas os outros dois existentes, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), somente foram criados em 2009 (Calegare & Tamboril, 2017). Acre, Amapá e Roraima são estados que ainda não possuem programas de Pós-Graduação stricto sensu em Psicologia, fato que obviamente impacta negativamente a produção científica da região.

A concentração dos autores não se dá apenas na Região Sudeste, mas principalmente nas capitais3 de cada Estado, correspondendo a 397 no total (83,6%), enquanto apenas 78 (16,4%) estão em Instituições do interior. Entretanto parece haver uma tendência de desconcentração dos autores, visto que, enquanto no segundo período há um acréscimo de vinculados às Instituições dos grandes centros (de 84,3% a 91,4%), no terceiro período há um decréscimo para 78,1 % do total, conforme Tabela 5. Por conseguinte, há o aumento da participação de autores do interior para 21,9%.

Das instituições do interior que têm mais autores, podemos citar a Universidade Estadual de Maringá (PR), a Universidade do Estado de São Paulo - regional Assis (UNESP-Assis), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Exceto a UEM, essas são universidades tradicionais do Estado de São Paulo. Esse dado mostra que as políticas de interiorização para a produção de conhecimento científico não devem ficar restritas à difusão de programas de pesquisa nas Regiões Norte e Nordeste, mas também na instalação de cursos de Pós-Graduação nas cidades do interior do país.

Constata-se assim que a distribuição dos pesquisadores entre as regiões ainda é bastante tímida e há uma grande centralização da produção de conhecimento em Psicologia nas capitais e em São Paulo. A descentralização territorial é um dos desafios que a área da Psicologia deve enfrentar, tal como as análises sobre a Pós-Graduação da área atestam (Tourinho & Bastos, 2010).

Em relação à modalidade das Instituições que os autores estão vinculados (Tabela 6 e Figura 2), nos três períodos, mais de 90% dos pesquisadores são ligados a Instituições de Ensino Superior (IES). Do período total, apenas 1,5% registra que sua vinculação é a uma Organização Não Governamental (ONG) e 3,2% a alguma Instituição Governamental. Portanto a produção acadêmica na RPP é realizada por pesquisadores que têm vinculação a alguma IES e poucos estão em Instituições não acadêmicas, seja no Governo, ou ONGs.

 

 

Entre as IES, a grande maioria dos(as) autores(as) pertence a Instituições públicas, principalmente às Universidades Federais. Percebemos um aumento da frequência de autores(as) pertencentes às IES públicas (I- 55,7%, II- 67,4%; III- 73,1%). E da mesma forma um declínio da participação de autores(as) vinculados(as) às IES privadas (I- 40%, II- 25,2%, III- 24%). Consideramos que esses números são a expressão de dois fatores. Primeiro, do investimento do Governo do PT (2003-2014) na expansão das universidades públicas e, segundo, do corte do investimento dos "empresários" da educação privada na pesquisa e na Pós-Graduação. Devido à busca por aumento dos lucros e diminuição dos gastos, a pesquisa perdeu espaço nas instituições privadas. Por exemplo, a Universidade São Marcos (SP), de caráter privado, possuía um programa de Pós-Graduação em Psicologia, que inclusive contava com autores na RPP. Mas devido aos elevados gastos relacionados à pesquisa, e uma má administração dessa Instituição, o programa de Pós-Graduação em Psicologia foi fechado e os professores demitidos. Assim, quase todos os autores da RPP vinculados a IES privadas são pertencentes às Universidades Católicas, à PUC (Pontifícia Universidade Católica), que possuem um caráter confessional, e são ligadas diretamente à Igreja. Entre as diferentes PUCs do país, há maior participação de autores da PUC-RS (26), PUC-SP (14), PUC-MG (8) e PUCCAMP (7).

As Universidades públicas que possuem a participação do maior número de autores são: USP (52), UFES (32), UFC (22), UnB (21), UFRGS (20), UFMG (16), UFRN (14), UFPE (14), UFF (12), UFSC (12), Unesp-Assis (12), UFPA (11), UFPB (10) e UERJ (9). Chama nossa atenção o fato da UFES ser a IES federal com maior incidência na RPP, visto que seus pesquisadores não têm uma participação orgânica nos principais cargos da ABPP, como a Diretoria executiva e a Editoria da RPP. No caso da USP, esta também é a IES que possui o maior número de bolsistas PQ em Psicologia (16,95%) (Weber e cols., 2015). Entretanto, no que se refere à RPP, a maioria de seus participantes está vinculada à EACH, unidade criada em 2005, e não ao Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), no qual o curso de Psicologia está em atividade desde 1958.

 

Internacionalização

A RPP sempre contou com um número expressivo de autores estrangeiros. Já no seu segundo número houve a participação de autores de Portugal e Austrália. Publicaram pesquisas na RPP grandes nomes da Psicologia Política mundial, como o holandês Bert Klandermans, o espanhol galego José Manuel Sabucedo, a venezuelana e primeira presidente latino-americana da International Association of Political Psychology (ISPP), Maritza Montero, entre outros. Vale também citar que o primeiro Dossiê que introduziu a questão LGBT na RPP, foi um número temático composto por pesquisadoras(es) da Espanha, Portugal e França.

Na Tabela 7 apresentamos a porcentagem de autores estrangeiros e brasileiros na RPP. Consideramos o país do autor a nação na qual sua Instituição está localizada. Por exemplo, mesmo sendo norte-americano, o Prof. Salvador Sandoval foi contabilizado como brasileiro, pois leciona há quase 4 décadas numa IES brasileira (PUC-SP). De 2001 a 2005 houve 15 autores estrangeiros, contabilizando 17,7% do total. De 2006 a 2010 houve um declínio, com apenas 13 autores estrangeiros (7,4%). E de 2011 a 2015 houve um crescimento que totalizou 69 autores estrangeiros (20,9%). Assim a participação internacional nos três períodos foi de 17,5% dos autores da Revista.

A maior parte dos autores estrangeiros é da América Latina, 61, sendo 10,8% do total. Os autores da Europa, 29, correspondem a 5,1% do total. E dos Estados Unidos e Oceania apenas 0,4%, conforme Tabela 8. Nos 15 anos da RPP apenas um australiano publicou uma resenha e uma brasileira residente nos Estados Unidos um artigo. Esse fato nos chama a atenção visto que a Psicologia Política enquanto disciplina tem uma grande difusão nos Estados Unidos, sendo ali a sede de criação da ISPP (em 1979) e da Revista Political Psychology. Mas norte-americanos, e autores(as) de países de língua inglesa, não publicam na RPP, tal como os brasileiros raramente publicam nas revistas norte-americanas de Psicologia Política. Nas revistas da ISPP não há nenhum brasileiro, bem como nenhum latino-americano, em seus conselhos editoriais. Apenas no Journal of Social and Political Psychology, devido a sua proximidade com a Psicologia Crítica, é que há dois brasileiros, autores frequentes da RPP, compondo seu Conselho Editorial. Provavelmente esse desinteresse mútuo fez com que a Psicologia Política no Brasil e a norte-americana adotem temáticas e metodologias bastante distintas.

Consideramos que o aumento da presença de pesquisadores de instituições estrangeiras no terceiro período da RPP se deu por dois motivos: o esforço do ex-editor, Alessandro Soares da Silva, pela internacionalização da Revista e devido à criação, em 2011 na cidade de Córdoba (Argentina), da Associação Ibero Latino-americana de Psicologia Política (AILPP). A criação de uma Associação internacional da área foi muito importante para o fortalecimento dos laços institucionais e de pesquisa entre os diferentes grupos de pesquisa em Psicologia Política. Já houveram três congressos ibero latino-americanos de Psicologia Política (Argentina, Peru e Colômbia) e dois encontros sul-americanos (Brasil e Colômbia). Seus pesquisadores costumam realizar parcerias interinstitucionais e estâncias de investigação que resultam numa maior participação estrangeira na RPP. Na tabela 8 constata-se o aumento da participação de autores da Argentina (19), principalmente da Universidade Nacional de San Luís e da Universidade de Córdoba no período de 2011 a 2015. É nesse período também que os autores do Peru (12) começam a publicar na Revista, assumindo grande participação e protagonismo, inclusive na organização de um dossiê sobre "O impacto psicossocial das Comissões da verdade e outros processos de justiça de transição em países da América Latina" e duas co-editorações da RPP.

Além de autores da Argentina e Peru, há um elevado número de autores da Espanha (16), sendo o segundo país com mais estrangeiros participantes (20,5%). Atribuímos essa elevada participação pelo fato da Espanha ser um destino comum para os Psicólogos Sociais e Políticos brasileiros (e latino-americanos) para a realização de estâncias de investigação, seja o doutorado, estágio-doutoral na forma de "doutorado-sanduíche" e pós-doutorado. As Universidades de Santiago de Compostela (USC), a Complutense de Madrid (UCM), a Autônoma de Madrid (UAM) e a Autônoma de Barcelona (UAB) são os destinos mais comuns aos pós-graduandos brasileiros. Por isso que devido aos laços institucionais firmados, temos na RPP a presença de autores dessas instituições. Um fato curioso é que entre os autores não temos nenhum pesquisador vinculado à UAB, justamente uma das principais instituições internacionais que os pós-graduandos brasileiros se dirigem.

 

Colaboração e Produtividade

O primado da análise eminentemente quantitativa da produção acadêmica, cujo resultado determina a distribuição de bolsas de pesquisa, verbas de financiamento, diárias para congressos e o conceito do programa de Pós-Graduação, pode ter trazido efeitos adversos, como a priorização da quantidade do número de produtos (artigos publicados), ao invés da qualidade da produção. Pode ter ocorrido uma inversão, na qual muitos pesquisadores entraram numa corrida para publicar mais artigos para "rechear" seus currículos lattes, num verdadeiro capitalismo acadêmico.

Conforme a (CAPES, 2017), na área da Psicologia há um grande aumento na produção acadêmica, bem como do número de autores em cada artigo. O crescimento do número de pesquisadores por produto é positivo quando está relacionado à ampliação de parcerias interinstitucionais e intrainstitucionais, pois expressa o estabelecimento de redes de colaboração entre os acadêmicos. Mas também pode ser o contrário, quando numa prática de "camaradagem" para atingir maiores resultados quantitativos, coloca-se o nome dos amigos no artigo, sem que estes tenham contribuído diretamente para a consecução da pesquisa.

Nos três períodos investigados, constatamos a diminuição percentual de artigos realizados por apenas um autor (I- 87,1%, II- 43,6%, III- 39,3%). Também verificamos o aumento dos artigos produzidos por dois, três e quatro ou mais autores, conforme a Tabela 9 e Figura 3. Dessa forma, o nível de colaboração entre os pesquisadores se eleva no decorrer dos períodos.

 

 

O número de artigos com mais de um autor é mais elevado na RPP do que na Revista Electrónica de Psicología Política da Argentina. Ali, os artigos com 1 autor correspondem a 74,28%, com 2 autores a 17,14%, com 3 a 5,71% e com 4 ou mais a 2,86% (Cuello-Pagnone & Parisí, 2013). Na análise bibliométrica realizada sobre a produção da Psicologia Política latino-americana, o grau de colaboração também é menor do que o encontrado no Brasil, 65,7% dos artigos é assinado apenas por 1 autor, 19,8% por 2 autores e apenas 14,5% por 3 ou mais (Polo, Godoy, Imhoff & Brussino, 2014).

Outro fator que provavelmente aumentou a incidência da colaboração entre dois autores por artigo a partir do segundo período, foi o fato do pesquisador passar a colocar o nome de seu orientador de mestrado/doutorado como responsável pela pesquisa ou reflexão. Algo que não era tão comum na década de 1990 e início dos anos 2000.

Constatamos que há autores que publicaram mais de um artigo na RPP. Há um autor que publicou 7 trabalhos, outro 6, duas 5 e seis autores(as) 4. Mesmo autores estrangeiros, da Argentina, Peru, México e Venezuela, chegaram a publicar mais de uma vez na RPP, o que denota que a Revista é considerada por nossos parceiros internacionais como um importante veículo para difundir suas pesquisas. Entretanto, ao adentrar no impacto que tais pesquisas têm, a partir dos dados de citações do Google acadêmico, encontramos resultados interessantes. Dos dez autores que publicaram4 artigos ou mais na RPP, nenhum deles conseguiu individualmente mais citações na somatória de todos os seus artigos publicados na Revista, em comparação com o único artigo de Sandoval (2001) ou de Prado (2001) na RPP. Os professores Sandoval e Prado, que têm uma ampla produção na área, somente publicaram um artigo cada um na RPP (sem contar as mensagens e editoriais), entretanto tiveram mais citações que todos esses outros. Dessa forma, o que vale mais, produzir um maior número de artigos obtendo poucas citações em cada um, ou publicar uma reflexão bastante consolidada que receberá mais citações? Quisemos dar este exemplo para mostrar que o número elevado de artigos publicados por alguns autores na RPP não é o que vai garantir um maior impacto à sua obra. Aqui relembramos uma das metas defendidas pelo então presidente da CAPES em 2015, Carlos Nobre, que afirmou ser de suma importância para o desenvolvimento científico brasileiro aumentar o índice de impacto da produção acadêmica, visto que naquele ano o país estava em 13º lugar no quesito do número total de produção científica, mas apenas em 18º no índice de impacto (CAPES, 2015).

 

Artigos: Temas e Teorias

Entre os 319 artigos e resenhas publicados na RPP há uma enorme diversidade de temáticas e marcos teóricos utilizados. Buscamos conhecer sua variabilidade a partir de quatro tópicos gerais:

temas, fenômenos, métodos e referenciais teóricos. Mantivemos a separação nos três períodos temporais para discutir algumas variações que surgiram no percurso histórico da RPP. E mesmo que alguns artigos possuíssem mais de um tema, ou de um referencial teórico, registramos apenas um, aquele que parecia ter mais intensidade no trabalho.

Por temas, buscamos distinguir qual é a temática geral de fundo, Instituição ou grupo social investigados. Por exemplo, se a pesquisa tem como finalidade dissertar sobre fundamentos teóricos, discutir um movimento social, ou coletivo social, seja etário, de raça, sexo/gênero etc. Por fenômeno, visamos marcar qual acontecimento está sendo prioritariamente investigado, como a participação política, a identidade, a organização, crenças e representações etc. Nos métodos, buscamos conhecer qual foi o caminho utilizado pelos(as) autores(as) para a produção de conhecimento, se foi através de pesquisa empírica ou teórica, e de que tipos. E nos marcos teóricos, procuramos saber quais os principais instrumentais teóricos utilizados para a reflexão sobre o fenômeno, considerando que a Psicologia Política no Brasil é um campo eclético, no qual se utilizam diferentes teorias.

 

Temas

Foi neste tópico que surgiram as temáticas mais diversificadas, configurando um grande campo de dispersão. Agrupamos os diferentes temas conforme as 18 denominações presentes na Tabela 10. Em todos os períodos, o tema "Fundamentos da Psicologia Política" foi o que teve mais prevalência nos artigos, atingindo 17,9% do total. Consideramos que por ser uma área em constituição no país, os estudos teóricos sobre suas bases e conceitos são de grande importância para seu estabelecimento.

A partir do 2º período, houve o crescimento dos temas de "infância e adolescência" e de "diversidade sexual", que pouco haviam aparecido no primeiro quinquênio. Mesmo não sendo um tema clássico da Psicologia Política, "Infância e adolescência" foi o segundo mais discutido nos 15 anos da RPP (11,3%). Nesse tema, também incluímos os estudos relacionados à juventude (8) e a discussão dos abrigos para adolescentes (2). Consideramos que sua alta frequência relaciona-se com uma preocupação ética dos Psicólogos Políticos e Sociais com a situação de exclusão do adolescente, em muitos casos considerado infrator e desassistido pelas políticas públicas. "Diversidade sexual", que abarca a questão LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) e de seus movimentos políticos, foi o quarto tema mais discutido da RPP (7,8%). Vale ressaltar que apareceu com maior ênfase no segundo e terceiro períodos. No primeiro, apenas foi abordado num dossiê temático sobre a questão LGBT, no qual todos os seus autores eram de países estrangeiros. O crescimento de publicações nessa temática acompanha sua difusão nas Ciências Humanas de forma geral no país, em que hoje é um dos assuntos mais discutidos e pesquisados.

E nos chama a atenção a grande presença do tema "trabalho/trabalhador", que foi o terceiro mais discutido na RPP (8,5%). Seus estudos correspondem mais à reflexão da precarização das condições do trabalho e sua reconfiguração devido ao neoliberalismo, do que a organização e participação do movimento operário e sindical em si. Ou seja, a princípio são temas mais relacionados ao campo da Psicologia do Trabalho, ao invés da Psicologia Política.

Em seguida, os temas mais discutidos são o de assuntos clássicos na Psicologia Política: "raça e etnia" (7,2%), "movimentos sociais" (6,6%), "história da Psicologia" (5,3%) e "País e relações internacionais" (5,3%). Os estudos sobre "movimentos sociais", que se referem a ações de coletivos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o movimento estudantil etc., apresentam um decréscimo em sua frequência (I- 12,9%; II- 4,3% e III- 5,8%), bem como as pesquisas sobre "raça e etnia" que têm uma leve queda percentual (I- 8,6%; II- 7,4% e III- 6,5%). Apenas "País e relações internacionais" cresce nos três períodos (I- 2,9%; II- 3,2% e III- 7,7%), fato que atribuímos à presença dos autores estrangeiros que se dedicaram a dissertar sobre análises e a história de seu próprio país (no terceiro quinquênio). Mas de qualquer forma essa temática possui baixa incidência na RPP.

Nos 3 períodos houve um marcado decréscimo do tema "terrorismo, autoritarismo e extremismos" (I- 10%; II- 2,1% e III- 1,3%), mesmo que seja um assunto clássico da Psicologia Política e um dos fenômenos mais problemáticos que enfrentamos na atualidade, seja o terrorismo islâmico no hemisfério Norte e Oriente médio, bem como o recrudescimento dos extremismos políticos no mundo inteiro e inclusive no Brasil. O tema de coletivos migratórios, que já é bastante desenvolvido na Europa e vem crescendo no Brasil, não surgiu em nenhum momento.

Também pode-se aglutinar os dezoito temas em quatro classes gerais: 1. Fundamentos; 2. Movimentos e Governo; 3. Grupos Sociais e 4. Instituições. No primeiro grande grupo, Fundamentos, constam os temas relativos aos estudos sobre as bases teóricas, epistemológicas e históricas da Psicologia Política, bem como sua atuação profissional em distintos espaços. No segundo, Movimentos e Governo, fazem parte os temas relacionados a movimentos sociais, análises sobre nações, a democracia e a ditadura. No terceiro, Grupos Sociais, estão em evidência estudos sobre grupos raciais, de gênero e etários. No quarto, Instituições, são contempladas as pesquisas relativas a estabelecimentos como a prisão, a escola, o trabalho e a saúde. Também incluímos a subcategoria outros, que foi o agrupamento de temas genéricos investigados que tiveram pouca incidência, como: cultura, esporte, lazer, amizade, cidade, religião, tempo, consumo, sexualidade, ONGs, deficiência e inclusão. Nessa modalidade de agrupamento, a frequência total dos temas fica em 25,1% para Fundamentos, 21,1% para Movimentos e Governo, 31,6% para Grupos Sociais e 22,2% para Instituições, conforme visibilizada na Figura 4.

 

 

Na Figura 4 expressamos a frequência de aparição de cada grupo de temas nos três períodos. "Movimentos e Governo" foi o tema que mais apareceu no primeiro quinquênio, para depois ter uma presença menor. A partir do segundo período, e na frequência geral da RPP, constatamos a prevalência dos estudos sobre grupos sociais identitários e etários, como de adolescentes, raciais e de gênero. Consideramos que o maior interesse nos estudos sobre os "Grupos sociais" deriva do compromisso ético-político dos Psicólogos Sociais e Políticos brasileiros com a potencialização das minorias sociais (minorias em relação ao poder, mas maiorias numéricas) contra as diversas formas de opressão. Então têm bastante frequência não somente os estudos no campo da infância e adolescência, mas também dos movimentos de diversidade sexual e os relacionados a questões raciais.

Ressalta-se a ausência de estudos de temas clássicos como os de partidos políticos e elites políticas. Sobre partidos não há nenhum estudo, e sobre as elites políticas apenas o de um sociólogo brasileiro sobre os grupos hegemônicos da Amazônia. As pesquisas brasileiras ainda preferem estudar as minorias sociais, oprimidas por distintos processos de violência e exclusão, e deixam de lado a organização e funcionamento das elites e grupos que regem a sociedade e o Estado. Consideramos que se a Psicologia Política brasileira pretende ampliar sua atuação na configuração de forças sociais do país, também deveria estudar mais as elites, como as categorias dos juízes, militares, banqueiros, empresários, latifundiários etc.

 

Fenômenos Investigados

Subdividimos os diversos fenômenos investigados em 12 tipos, conforme a Tabela 11. Os que tiveram a maior frequência e ficaram praticamente empatados foram os de "Violência, preconceito, exclusão e sofrimento" (18,6%) e "Teorias e autores" (18,3%). No primeiro, agrupamos o leque de fenômenos relacionados a violência social e institucional, assédio moral, exclusão social e sofrimento advindos dessa situação, e, no segundo, os estudos diretamente relacionados a uma maior compreensão de determinados sistemas teóricos ou enunciados de autores. Consideramos que o interesse nos estudos sobre a violência e a exclusão expressam o posicionamento ético-político supracitado da Psicologia Política no Brasil, no intuito de cartografar os fenômenos de opressão, para conseguir resolvê-los e combatê-los. E o interesse nas pesquisas sobre "Teorias e autores" está relacionado à constituição de um campo teórico da Psicologia Política no Brasil.

Em seguida, também empatados, figuram os fenômenos "Políticas públicas, afirmativas e direitos" e "Crenças, ideologia e representações" com 11,4% cada um. Nossa hipótese é a de que o aumento das pesquisas sobre as diversas políticas públicas para minorias sociais a partir do segundo período se deu por ser um campo profissional de empregabilidade significativa para o Psicólogo, bem como pelas reiteradas campanhas do Conselho Federal de Psicologia pela atuação nas políticas públicas de Estado. Assim, talvez a filiação do Psicólogo autor da RPP seja maior com as políticas públicas institucionais de Estado, ao invés da participação direta em movimentos sociais, convergindo com a distinção dos perfis dos pesquisadores da Psicologia Política que Sandoval, Dantas e Ansara (2014) realizam.

Já o tema "Crenças, ideologia e representações", que também abarca as opiniões e valores dos diferentes públicos investigados, aparece com uma incidência menor do que esperávamos. Talvez essa baixa frequência esteja relacionada com o pequeno percentual de pesquisas realizadas através de surveys e escalas, como discutiremos no próximo tópico. Por outro lado, houve um aumento do estudo desse fenômeno no terceiro período (I- 7,8%, II- 10,5%, III- 22%), que creditamos à presença dos autores estrangeiros que realizaram muitas pesquisas para conhecer as opiniões e representações de suas amostras. Outros dois fenômenos bastante pesquisados foram o de "Participação política" (10%) e Organização (8,6%). Em organização, também colocamos os artigos que descrevem as características gerais do fenômeno investigado.

Também citamos dois fenômenos clássicos para a Psicologia Política latino-americana que têm baixa incidência na RPP. Os estudos sobre "Políticas e poder" em distintos coletivos sociais e instituições apresentam um decréscimo percentual nos três quinquênios (I- 9,4%, II- 4,7%, III- 3,6%) e os de "Memória" pouco aparecem (I- 3,1%, II- 1,2%, III- 2,1%), totalizando apenas seis artigos (2,1% do total) nos 15 anos da Revista.

Vale ressaltar a quase ausência de fenômenos clássicos da Psicologia Política, principalmente da norte-americana, de comportamento, marketing eleitoral e persuasão. Apenas há um estudo de autores estrangeiros (da Universidade de Córdoba - Argentina) sobre o comportamento da população argentina acerca das eleições. Não há nenhum estudo de pesquisadores brasileiros acerca desses fenômenos. Esse dado reforça o afastamento da Psicologia Política no Brasil dos norte-americanos.

 

Métodos

As questões de método são fundamentais para a compreensão de como determinados conhecimentos foram produzidos. Método (meta + hódos) etimologicamente significa o caminho para o conhecimento. Neste tópico, associamos o método ao procedimento de investigação. Algumas pesquisas apresentam mais de um método para a produção de seus resultados. Para nossa análise, registramos apenas o método mais utilizado de cada artigo, conforme visibilizado na Tabela 12. Mas nos casos em que o autor afirma que utilizou um enfoque teórico e outro empírico, sempre registramos o método empírico, visto que em todos os artigos há uma reflexão teórica.

Nos três períodos da RPP, constatamos a prevalência do método "Discussão teórica", que abrange 49,8% do total dos estudos (I- 51,4%, II- 52,1%, III- 45,8%). Nessa categoria, englobamos as pesquisas em que não foram necessárias coletas empíricas, ou seja, somente as discussões teóricas, ensaios e revisões bibliográficas. Se adicionarmos as resenhas (9,1%), este tipo de método chega a 58,9% da produção total, conforme Tabela 12. Portanto a maior parte da produção acadêmica da RPP resulta de reflexões teóricas, sem a coleta de dados empíricos, seja do relato de pessoas, o acesso a documentos, a observação de comunidades etc. Nossa hipótese acerca do número elevado é de que, além do significativo número de pesquisas teóricas em dissertações de mestrado e teses de doutorado no país, muitos pesquisadores redigem um capítulo teórico em seus estudos, e acabam por submetê-lo para publicações em periódicos da área. Esse percentual encontrado também é semelhante à modalidade dos artigos publicados de Psicologia Social em periódicos nacional dos estratos A1 e A2 (Silva e cols., 2012).

Os estudos empíricos são relativos a 41,1% do total. A modalidade mais utilizada é a entrevista, seja individual ou em grupo (18,8%). Em seguida, vem: a Análise documental (9,7%), a utilização de questionários e escalas (6,3%), a observação-participante (5,3%), que inclui as pesquisas do tipo etnográfica e a investigação-ação-participativa, e, por último, o método clínico (1,3%), que teve 5 ocorrências, sendo duas destas o atendimento institucional nas escolas. Na Figura 5 foram registrados apenas os métodos empíricos (sem os trabalhos teóricos), e sua ocorrência geral de aparição nos 15 anos da RPP. Percebemos que entre os métodos empíricos há uma predileção às entrevistas, seja com indivíduos isolados, ou em grupos. Nessa modalidade de investigação, o enfoque adotado geralmente é o qualitativo, no qual se realizou entrevistas em profundidade e com um número reduzido de entrevistados (geralmente menos de dez sujeitos).

 

 

O método quantitativo dos questionários e escalas, que é bastante utilizado na Psicologia Política clássica, seja na Europa ou nos Estados Unidos, foi pouco empregado nas pesquisas brasileiras na RPP. Vale ressaltar que grande parte dos artigos que utilizaram escalas foi realizada por autores estrangeiros, tal como todos os estudos com escalas do 3º período. Também é digno de registro que houve poucas pesquisas com o método clínico, o que demarca uma certa divisão entre as práticas psicossociais e políticas das práticas clínicas na Psicologia Política no Brasil.

 

Referenciais Teóricos

Diferente da maior parte dos campos da Psicologia brasileira, a Psicologia Política não se define por possuir uma determinada linha teórica, mas o contrário, visto que o que a singulariza é o campo comum e não os instrumentais teóricos. Portanto, nos 290 artigos há uma variabilidade teórica enorme, que categorizamos em 9 tipos, de acordo com a Tabela 13 e Figura 6.

 

 

Em "Psicologia Política", colocamos os trabalhos que têm como referenciais autores tradicionais da Psicologia Política como Martín-Baró, Klandermans, Sabucedo, Sandoval, Tilly, Rokeach etc. Em "Psicologia Social", os trabalhos que adotam seus diversos marcos, como a teoria das representações sociais, as perspectivas cognitivas, discursivas e construcionistas etc. Em "Ciências Sociais", os trabalhos referenciados nos conhecimentos das Ciências Humanas e não da Psicologia. Em "Psicanálise", os trabalhos orientados por uma analítica do inconsciente. Por isso também adicionamos nessa categoria a Psicossociologia (6 trabalhos), pois seu instrumental teórico é praticamente de uma psicanálise aplicada aos fenômenos sociais, tal como vemos na Sociologia clínica de Enriquez (1984). Em "Filosofia francesa", há uma prevalência das reflexões baseadas na obra do filósofo Michel Foucault. Nessa categoria, também abarcamos os pós-modernistas, como Bauman e Maffesoli (4), bem como os trabalhos da fenomenologia e de uma Filosofia não francesa (6). Em "Teoria crítica", estão presentes tanto os trabalhos apoiados em Marx, como na Escola de Frankfurt, de Adorno e Horkheimer. Em "Outros", está a Psicologia histórico-cultural (9), a Psicologia do trabalho (7) e a Saúde pública (3).

Constatamos que os trabalhos que se apoiam nos marcos teóricos clássicos da "Psicologia Política" possuem uma acentuada queda no 2º período, para o seu aumento no 3º (I- 35,9%, II- 10,5%, III- 36,4%). Contribui para seu aumento no 3º período, a participação dos autores estrangeiros, pois 27 dos 51 trabalhos desse marco teórico são realizados por eles. Caso os trabalhos dos estrangeiros não estivessem presentes, a frequência desse marco teórico corresponderia a apenas 21,2% do total do 3º período.

Verificamos também um aumento dos trabalhos referenciados nos marcos da "Psicologia Social" (I- 11%, II- 25,6%, III- 13,6%), principalmente no segundo período. No que se refere à utilização das teorias de gênero, praticamente não houve aumento percentual entre os três períodos, mesmo havendo o grande aumento dos estudos da temática da diversidade sexual. Consideramos que os autores da RPP não utilizam apenas os referenciais de J. Butler, D. Haraway, J. Scott etc., mas tratam de dialogar com os marcos da Psicologia Política e Social.

Dado que nos chamou a atenção foi o estrondoso aumento da utilização do pensamento de Michel Foucault nas pesquisas realizadas. A partir do segundo período, houve uma massiva presença dos trabalhos foucaultianos na RPP (I- 3,1%, II- 14%, III- 15,7%). No segundo e terceiro períodos, esse referencial teórico foi o segundo mais utilizado na Revista. Mas tal propagação de Foucault não é apenas na Psicologia Política, há o crescimento de sua influência em muitas áreas da Psicologia e até na Psicologia clínica, sendo o filósofo mais citado pela Psicologia brasileira da atualidade (Drawin, Neto & Moreira, 2016) e uma das mais importantes referências na Psicologia Social (Gouveia, 2015). De qualquer forma, independente dos enfoques teóricos utilizados, percebemos nos artigos uma apreensão psicossocial que articula a relação indivíduo - grupo - sociedade, não tomando o indivíduo isoladamente, como em muitas pesquisas da Psicologia.

 

Considerações Finais

Constatamos na análise bibliométrica realizada sobre a RPP que este é um importante periódico acadêmico de difusão de estudos de autores(as) de todas as regiões do Brasil, bem como estrangeiros. O perfil do autor da RPP é eminentemente feminino, por mais que haja um grande número de homens primeiros autores, considerando a distribuição nacional de Psicólogos. Cerca de 75% dos autores têm a formação em Psicologia, sendo a minoria de outras áreas. Há uma concentração de pesquisadores vinculados a Instituições públicas, de capitais e da região sudeste, principalmente do Estado de São Paulo.

Os temas estudados são muito amplos e diversificados, não sendo os clássicos da Psicologia Política do hemisfério norte, nem da América Latina. Constatamos um campo de dispersão, no qual as temáticas são muito variadas. Assume bastante incidência temas teóricos como os de "Fundamentos da Psicologia Política", bem como relativos a grupos sociais, como "Infância e adolescência" e de "Diversidade sexual e gênero". O tema de "Trabalho/trabalhador" também surge com uma frequência não esperada.

Os fenômenos investigados também se afastam do que é usualmente pesquisado na Psicologia Política tradicional. Estudos sobre o "comportamento eleitoral" e "marketing político" praticamente não aparecem. O interesse dos(as) autores(as) se refere a questões teóricas, de violência e exclusão, das políticas públicas e representações dos sujeitos investigados. De certa forma, um eixo que articula os fenômenos investigados na RPP é um compromisso ético-político contra as diversas formas de opressão.

Em relação aos métodos empregados, há uma prevalência das reflexões e estudos teóricos. Utiliza-se de forma reduzida as pesquisas empíricas e coleta de dados no campo. De certa forma, podemos dizer que o Psicólogo político brasileiro é de gabinete, ou de biblioteca, pois vai pouco a campo. Quando o faz, geralmente investiga questões relativas às opressões, seja no trabalho, de gênero, racial, nas políticas públicas etc. Vale ressaltar que não estamos desqualificando os trabalhos teóricos mediante as pesquisas de campo. Destacamos também a importância dos artigos de reflexões teóricas aportarem maior produção de conhecimento e menor reprodução das teorias europeias legitimadas, tal como é prática costumeira do colonialismo acadêmico sofrido no país.

Os referenciais teóricos utilizados são bastante diversos, tendo uma pequena prevalência dos marcos da Psicologia Política. Entretanto há uma alta presença de teorias das Ciências Sociais, bem como da Psicologia Social. Esse fato não é de se estranhar, pois são áreas que se interseccionam. O dado que mais nos chamou a atenção foi o aumento da referência à Filosofia francesa, principalmente à obra de Foucault e, mais recentemente, de Rancière. A predileção pela discussão de teorias e sistemas filosóficos, adicionada às poucas pesquisas empíricas, faz com que a Psicologia Política no Brasil caminhe mais ao lado da Filosofia, do que de modelos mais cientificistas, configurando-se assim uma Psicologia Política mais "filosófica" e menos "científica". Esse fato também é expressão da relação que as Ciências Humanas brasileiras, principalmente a Psicologia Social, têm com a Europa, fundamentalmente a França. Também nos chamou a atenção o pouquíssimo contato e interrelação com os pesquisadores e teorias psicopolíticas dos Estados Unidos, o que é peculiar, visto o elevado volume da produção norte-americana.

Desse campo de dispersão, multifacetado e eclético que encontramos na bibliometria, podemos dizer que há uma Psicologia Política brasileira? Se sim, o que une as diferentes pesquisas para um campo em comum? E se não, que práticas podem ser adotadas para a intensificação da consistência da área e para a constituição de um denominador comum?

Um eixo comum encontrado na análise dos artigos da RPP não é do campo epistemológico, ontológico e nem técnico, mas sim ético-político. Em grande parte dos trabalhos, percebemos a importância do engajamento do pesquisador em um compromisso ético-político com os grupos sociais desfavorecidos. Compreendemos que no seu labor, seus autores têm um maior interesse numa Psicologia politizada, ao invés dos temas, marcos teóricos e metodológicos consolidados da Psicologia Política do hemisfério norte. Portanto, um enfoque militante, politizado, comprometido socialmente, pode ser visto como um eixo que conecta a produção acadêmica da Psicologia Política no Brasil, como uma curva integral que cria um regime de vizinhança às pesquisas em suas singularidades, por isso que alguns a denominam como Psicologia Política Crítica (Hur & Lacerda Júnior, 2016).

Por outro lado, no que se refere à formalização de uma disciplina acadêmica, sentimos a necessidade de uma maior consistência para a criação de um campo comum. A Psicologia Política no Brasil é uma mera Psicologia Social politizada? Defendemos que não. Mas talvez a compreensão de que a Psicologia Política é um campo de encruzilhada (Montero & Dorna, 1993), ou de interstício entre as disciplinaridades (Silva & Corrêa, 2015), já tenha tido seu momento de importância, no seu período de fundação. Se mantivermos sempre a postura interdisciplinar da Psicologia Política como definição, pode decorrer que ela, ao mesmo tempo, possa ser tudo, qualquer coisa, como também o seu oposto: nada. Manter essa perspectiva pode ser um adiamento dos debates que o campo deve enfrentar para a sua efetiva consolidação.

Ressaltamos que nosso discurso não é pela defesa da constituição de uma disciplina científica ortodoxa, fundamentalista e fechada, mas os dados da bibliometria nos mostram que temos que dar um passo além da encruzilhada, prosseguir no interstício das superfícies instituídas para a criação de um território e plano comum mais consistente. Defendemos que após estes 15 anos da RPP, seus pesquisadores se engajem numa meta coletiva que é a constituição de um denominador comum para uma Psicologia Política brasileira, mas sem abdicar de seu pluralismo metodológico e teórico.

Evidentemente não temos uma solução pressuposta para esse projeto, mas defendemos a necessidade da organização de uma Agenda de debates e atividades para a discussão e efetivação do desenvolvimento da área entre seus pesquisadores, pois o campo se constrói no tracejar de suas linhas. Para tanto, é preciso:

- aumentar o intercâmbio entre os pesquisadores da Psicologia Política para que haja mais produções coletivas;

- intensificar o número de projetos de pesquisa interinstitucionais entre as diferentes regiões do Brasil, bem como os convênios internacionais;

- reestruturar o Grupo de Trabalho de Psicologia Política da ANPEPP;

- organizar os Simpósios nacionais e estaduais de forma com que nas conferências, mesas-redondas e comunicações científicas haja maior intercâmbio e não sejam meramente expositivos, tal como os congressos brasileiros tradicionalmente estão organizados;

- planificar uma linha editorial mais seletiva para a RPP, talvez até revendo a periodicidade de sua publicação.

Consideramos que nesse labor, que é de criação e não de fechamento, estamos numa situação privilegiada para sua consecução. A multiplicidade das pesquisas publicadas na RPP nos mostra as potencialidades e virtualidades do campo, que se bem trabalhadas e agenciadas coletivamente, germinarão num campo de conhecimentos singular e autóctone, que poderemos futuramente chamar de "Psicologia Política brasileira".

 

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Recebido em: 2017-10-17
Aprovado em: 2017-11-17

 

 

1 Agradecemos o auxílio de Mariana Ribeiro Hur no preenchimento dos dados da Planilha
2 A partir de 2016, esse quadro mudou e passou a contar com uma equipe de quatro editores na RPP, sendo dois editores de cada gênero
3 Também consideramos como capital as cidades que pertencem ao "centro expandido" das capitais, como por exemplo, a cidade de Guarulhos, que pertence à Grande São Paulo

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