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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.21 no.50 São Paulo jan./abr. 2021
ARTIGOS
Políticas de internacionalização no ensino superior: desafios descoloniais para as ciências humanas e sociais
Políticas de internacionalización en la enseñanza superior: retos decoloniales para las ciencias humanas y sociales
Internationalization policies in higher education: decolonial challenges for the human and social sciences
Lucia Rabello de Castro
Doutora e Mestra em Psicologia pela Universidade de Londres. Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Psicologia. Pesquisadora Senior do CNPQ. Membro Fundador e atual Coordenadora Científica do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa na Infância e Adolescência Contemporâneas - NIPIAC/ UFRJ. Av. Pasteur 250 - Urca, Rio de Janeiro 22290902 Brasil. www.nipiac.ufrj.br / lrcastro@infolink.com.br
RESUMO
O objetivo deste trabalho é contribuir para a discussão sobre as políticas de internacionalização do ensino superior do Brasil que, desde a década de 70 do século XX, tem considerado a trajetória científica dos países do Norte como o paradigma a ser seguido. Minha contribuição aqui pretende: (a) examinar, sob a perspectiva descolonial, as políticas de internacionalização no âmbito de uma geopolítica do conhecimento; (b) relacionar a internacionalização com os processos de globalização do capitalismo internacional, e o que vem sendo chamado de capitalismo acadêmico; (c) discutir algumas insurgências relativas à divisão internacional do trabalho acadêmico e a crítica à ciência universal; (d) problematizar "a subjetividade que conhece" na formação de cientistas e pesquisadores/ as da periferia; (e) vislumbrar outros horizontes para o Sul, o Brasil, a Universidade e as Ciências Humanas e Sociais.
Palavras-chave: Internacionalização; Ensino superior; Descolonialidade; Brasil; Políticas.
ABSTRACT
The aim of this paper is to contribute to the discussion about higher education's internationalization policies in Brazil, which, since the 1970s, has considered the scientific trajectory of the Northern countries as the paradigm to be followed. My contribution here aims at: (a) examining, under a decolonial perspective, the relevance of internationalization policies in the scope of a geopolitics of knowledge; (b) relating the internationalization processes with those of the globalization of international capitalism, and what is being called academic capitalism; (c) discussing some insurgences regarding the international division of academic work and some criticisms to the universal science; (d) problematizing the "subjectivity that knows" in the qualification of Southern researchers of the periphery; (e) envisage alternative horizons for the South, the university and Human and Social Sciences.
Keyword: Internationalization; Higher education; Decoloniality; Brazil; Policies.
RESUMEN
El objetivo de ese trabajo es contribuir para la discusión sobre las políticas de internacionalización de la enseñanza superior en Brasil que, desde la década de 70 en el siglo pasado, ha considerado la trayectoria de los países del Norte como un paradigma a ser seguido. Mi contribución aquí pretende: (a) examinar, bajo una perspectiva decolonial, las políticas de internacionalización, en el ámbito de la geopolítica del conocimiento; (b) relacionar los procesos de internacionalización con los de la globalización del capitalismo internacional y lo que es llamado de capitalismo académico; (c) discutir algunas insurgencias con respeto a la división internacional del trabajo académico y la ciencia universal; (d) problematizar la "subjetividad que conoce" en la formación de los investigadores del Sur de la periferia; (e) vislumbrar horizontes alternativos para el Sur, la universidad y las ciencias humanas y sociales.
Palabras-clave: Internacionalización; Enseñanza superior; Decolonialidad; Brasil; Políticas.
Introdução
Ao tomar a questão da internacionalização como objeto de discussão deste trabalho, reconheço que minha formação como pesquisadora esteve enredada nesse processo desde há muito, assim como a de tantos outros pesquisadores/as no Brasil. Aliás, como diz Kreimer (2011), a ciência latino-americana já nasce internacionalizada, uma vez que completamente dependente de suas "lideranças" europeias. Assim, inicio esta fala me situando como pesquisadora que na década de 70 (Século XX), junto com milhares de outros brasileiros, foi buscar no exterior a almejada formação nos níveis de mestrado e doutorado, cujo processo, por si só, já estabelecia uma relação de subalternização entre os "líderes europeus" e os "pés-rapados" do Sul que nem eu.
Para os milhares de brasileiros1 que, como eu, foram obter no exterior a formação de mestrado e doutorado, o que se colocava explicitamente em questão era a expansão do ensino superior, e a demanda de formação de um contingente para seus quadros como docentes e pesquisadores nas universidades. Eu, naquele momento, já via como problemático, mesmo que não tão claramente como agora, o enquadramento subalternizado que a política de formação de quadros no exterior ensejava, posicionando-nos como país periférico e marginal no sistema mundial de produção do conhecimento. Não só ao Brasil e à América Latina, mas também à África e a países do Sudeste Asiático tem cabido tal posição de reeditar nos trópicos a forma de conhecer celebrada como ciência moderna europeia (Mignolo, 2011a) nesta atual divisão internacional do trabalho científico.
A oportunidade de me deslocar gradualmente desta adesão à liderança do Norte - ao longo destas mais de 4 décadas de docência na universidade - foi também possível por outras formas de internacionalização de que pude usufruir, desde um tempo difícil de docência em um país latino-americano em pleno período de ditaduras militares por toda a América Latina, e também por conta de uma interlocução acadêmica importante no Centro de Estudos de Sociedades em Desenvolvimento, em Delhi, Índia, ao longo do meu pós-doutorado. Todavia, além dessas duas experiências marcantes de internacionalização, com grande ressonância afetiva e intelectual para mim, tem sido a duradoura experiência de preconceito e autocentramento intelectual - tão frequente - dos meus colegas do Norte que tem me feito refletir sobre o lugar dos pesquisadores do Sul na divisão internacional do trabalho intelectual.
Adiantando um resumo do meu argumento, minha contribuição aqui pretende: (a) examinar, sob a perspectiva descolonial, as políticas de internacionalização no âmbito de uma geopolítica do conhecimento; (b) relacionar a internacionalização com os processos de globalização do capitalismo internacional, e o que vem sendo chamado de capitalismo acadêmico; (c) discutir algumas insurgências relativas à divisão internacional do trabalho acadêmico e à crítica à ciência universal; (d) problematizar "a subjetividade que conhece" na formação de cientistas e pesquisadores/as da periferia; (e) vislumbrar outros horizontes para o Sul, o Brasil, a Universidade e as Ciências Humanas e Sociais.
A internacionalização no Sul: ser periferia desde sempre
Começo com a pergunta de como se apresenta nosso lugar na repartição da produção mundial de conhecimento. A situação do Brasil se mostra tanto na diáspora que, ao longo de décadas, tem sido promovida com a finalidade de buscar no exterior - nos países do Atlântico Norte, especificamente - o conhecimento que supostamente nos falta, como também nas demandas que ora se agudizam de alcançar a "excelência acadêmica" nos moldes desenvolvidos pelas nações da Europa Ocidental - Reino Unido, Alemanha e França, assim como dos EUA. Em ambos os casos, estamos fadados a correr atrás do nosso suposto atraso civilizatório - científico e intelectual - para que possamos estrelar satisfatoriamente nos rankings internacionais, produzidos também nos países do Norte, sobre produção científica, número de patentes, prêmios nobéis, qualidade das universidades e assim por diante. Entretanto, e isto não é mera casualidade, parece que essa não é somente a nossa sina, mas a da maior parte dos países do Sul que sofreram processos de colonização, como a África, o Sudeste Asiático e a América Latina. Ainda que objeto de alguma controvérsia, parece que, como diz Manoela Boatcà (2015), as colônias do mundo moderno se tornaram as periferias do mundo contemporâneo. A permanência das estruturas de dominação colonial, para além da independência política dos países do Sul, assinala o quê Aníbal Quijano (2005) chamou de "colonialidade" - processo de inferiorização e racialização dos povos, culturas e saberes outros, e a produção da diferença colonial frente a imposição de um saber universal a partir da Europa. Deste modo, o Sul, ou o Sul global, tal como usado no presente trabalho, refere-se justamente a este conjunto de países - cuja cartografia os localiza consistentemente ao Sul - com enormes desigualdades em relação ao Norte global (Rigg, 2007). Seria ingênuo tentarmos compreender nossa posição na divisão internacional do trabalho científico e intelectual sem considerarmos a estrutura mundial de dominação - a "colonialidade global" (Escobar, 2008) - que intensifica a marginalidade dos países do Sul na economia e cultura globais. A busca dos países do Sul para internacionalizar suas economias, e também seu ensino superior, precisa, então, ser contextualizada a partir do marco regulatório estabelecido pelas relações mais amplas e dominantes da acumulação capitalística que criou o "sistema-mundo" (Dussel, 1998) de dominação a partir da Europa na construção do mundo moderno.
Minha perspectiva teórica, aqui, entende o processo atual de internacionalização da pós-graduação brasileira desde uma problematização crítica - descolonial - em que questiono a aderência automática (a "liderança") dos países do Sul aos ditames econômicos e culturais do Norte, sejam os modelos de ajuste econômico, sejam as formas de fazer cultura e produzir ciência. Diversos teóricos da globalização como Arif Dirlik (1997, 1998), Samir Amin (1990), Dasgupta e Pieterse (2009) vão apontar o "mito" da globalização em que os países do Sul se veem emulados a reafirmar a universalidade e a unicidade deste mundo global onde não há alternativas de construção societária e subjetiva. Nesta veia, liquida-se uma visão de coetaneidade (Mignolo, 2001) de nações e culturas em prol da perspectiva em que o desenvolvimento - esta noção que está conosco há pelo menos um século - só pode ser linear e único para todos os povos do globo (Nandy, 2015b).
Esta aderência subalternizada em que a relação de dominação intelectual se faz presente, conquanto invisível e sutil, enseja a rendição voluntária a um projeto que se coloca como auto-evidente na sua superioridade e excelência, razão pela qual não pode ser questionado ou recusado. Minha posição nesta discussão não consiste naquela de um observador de "fora", cujo interesse é pesquisar, com neutralidade e suposta objetividade, as relações de dominação epistêmica nos processos de produção de conhecimento do mundo global, mas de quem efetivamente foi, e está, submetido a esse processo, com todas as injunções de sofrimento e limitação que ele traz. Significa, portanto, examinar a relação desigual na produção de conhecimento a partir de uma localização específica, o Sul global, e de um sujeito particular, cuja posição de fala é afetada por esta localização. Neste sentido, essa posição se determina pelas condições de subjetivação enquanto pesquisadora ao longo de pelo menos 4 décadas no, e do Sul, ainda que com alguma entrada e diálogo com o establishment institucional e científico do Norte. A propósito, evoco a contribuição de Ashis Nandy (2015), intelectual indiano cuja obra discute extensamente a questão da dominação colonial, quando ele diz que os subalternos, os oprimidos conseguem ter uma visão mais abrangente do sistema de dominação em que se encontram, mais que seus opressores, podendo, por conseguinte, vislumbrar alternativas de emancipação que não sejam unicamente "a identificação com o agressor" - "ser como ele", no nosso caso, "ser tão 'bom' quanto eles, os pesquisadores do Norte". Assim, acompanhando Nandy, creio que é do ponto de vista do Sul que podemos nos dar conta da servidão a que estamos rendidos para poder contesta-la. No campo da infância e juventude, no qual tenho trabalhado há mais de 4 décadas, tenho recentemente me ocupado em problematizar a configuração teórica desta subárea da Psicologia (Castro, 2019, 2020) tendo em vista as condições da economia política de produção e circulação do conhecimento que privilegiam os centros de autoridade acadêmica e de enunciação do Atlântico Norte. A partir de uma multiplicidade de questões que tem surgido na discussão desta área específica (Hanson, 2018), pretendo aqui debater alguns aspectos que dizem respeito à situação mais geral da produção de conhecimento científico nas ciências humanas e sociais.
Dos estudos empíricos sobre a internacionalização à geopolítica do conhecimento
O debate sobre a internacionalização no sistema de ensino superior tem ganhado o foco de inúmeros estudos empíricos, o quê expressa a atualidade desta discussão na última década, e de modo intenso, nos últimos anos. A proliferação de trabalhos e publicações vai ao encontro de responder questões muito diversas, atravessadas por projetos intelectuais diferentes. Na Psicologia, por exemplo, destaco a recente publicação de Yamamoto e cols. (2020) que se propõe a analisar como "a partir dos seus PPGs, [a Psicologia] compreende e se posiciona em relação ao processo de internacionalização" (p. 231), tomando como dados de análise os relatos e relatórios da ANPEPP desde 2008. Além do fato de que as compreensões desse processo, levantadas pelos autores, estão invariavelmente alinhadas aos próprios critérios usados pelo órgão competente de fomento, a CAPES, ao avaliar a internacionalização (por exemplo, ter publicações no exterior, poder atrair colaboradores estrangeiros), parece haver muito pouco questionamento do processo que, ao ser laudado por trazer desenvolvimento científico e social, é também apontado em um ou outro relato como "assimétrico" (nas relações da psicologia com seus interlocutores internacionais), "enviesado" (direcionado quase que exclusivamente para alguns países do Norte), "desvirtuado" (leva a desvios como, por ex. periódicos predatórios e vícios de publicação), dentre outros. No entanto, ressente-se, na análise dos autores, uma problematização que vá além de uma avaliação circunstancial da internacionalização, seja como meio, ou como fim das pós-graduações.
Em veia distinta, pesquisas provindas das Ciências Sociais, da Sociologia, sobretudo, e utilizando-se basicamente de uma metodologia baseada em entrevistas abertas com pesquisadores de áreas diversas (bioenergia, gênero, HIV/AIDS, genética humana, climatologia), tem analisado as redes internacionais formadas por pesquisadores brasileiros e seus parceiros no exterior, no tocante à natureza que esses aportes e parcerias internacionais oferecem ao pesquisador brasileiro e à produção de conhecimento científico no Brasil. Mourão e Alves (2019), ao retratar a situação na bioenergia concluem que há um quadro de subordinação da ciência brasileira cujo processo internacionalização reforça a aderência a padrões estrangeiros. Ferreira (2019), retratando o campo da genética humana, propõe a noção de falta para dar conta das assimetrias, subordinações e marginalidade relatadas pelos pesquisadores ao compararem sua situação com a de pesquisadores no exterior. Maia (2019), ao se debruçar sobre os cientistas sociais, parece verificar como a gestão neoliberal do trabalho intelectual nas universidades tende a produzir uma certa anomia e uma "deserção" institucional dos pesquisadores, assoberbados com uma infinidade de tarefas-meio da atividade de pesquisa. Em outro trabalho, que compara pesquisadores de várias áreas no Brasil, África do Sul e Austrália, esse autor e outros (Connell, Pearse, Collyer, Maia, & Morrell, 2017) constatam que o padrão de dependência e subordinação do processo de fazer ciência no Sul está impregnado de tensões, riscos e negociações, e quanto maior for a preocupação dos pesquisadores com as demandas locais, visando a produção de teorias locais, maior é o afastamento do padrão científico hegemônico do Norte. Assim, ao escutar os pesquisadores, esses trabalhos tem chamado a atenção para como o processo de internacionalização, no Brasil, consiste tanto em um padrão institucional de subordinação intelectual e epistemológica, como em um padrão psicológico de "extraversão", ou seja, de dependência aos centros hegemônicos do Norte - mesmo considerando que haja também crítica e criatividade na produção científica do Sul.
Importa dizer como as entrevistas com os pesquisadores/as dos estudos acima apontam para a conflituosidade do fazer ciência no Brasil, não só instaurando um campo de disputas e embates interno à institucionalidade acadêmica, como também como essa está relacionada a uma estrutura de poderes mais amplos e hegemônicos. Neste sentido, a proposta de compreensão do processo de internacionalização necessita problematizar seu enquadre político-epistemológico amplo qual seja, o da economia política do conhecimento científico condicionada às estruturas geopolíticas de dominação. É dentro deste enquadramento que pretendo então seguir.
Os processos de globalização e a internacionalização científica
O termo "globalização", de acordo com Erinç Yeldan (2007), professor na Universidade de Ankara, Turquia, compreende uma definição e uma receita. Definição ao se referir aos processos crescentes de integração através da comodificação (mercantilização) e da financeirização do mundo, e os valores atrelados a isso; a receita diz respeito a uma série de ações que governos, nações e grupos devem tomar para "abraçar" a globalização, já que essa "é tida como o produto natural da história humana e por isso inevitável" (p. 43). A internacionalização - processo que concerne as formas e os conteúdos de fazer ciência nos países periféricos - é parte dos processos da globalização que tomaram vulto e envergadura a partir dos anos 80 do século XX, respondendo às exigências de inserção científica em redes transnacionais de troca acadêmica.
Ainda que o termo globalização não escancare sua implicação direta para com seu correlato econômico - o capitalismo internacional - essa filiação se torna evidente ao se refletir sobre caminhos alternativos da própria globalização. Milton Santos (2000), em seu livro Por uma outra globalização, destaca justamente como estamos diante de um processo planetário cuja fábula almeja a criação de um único espaço unipolar de dominação. A tirania do dinheiro e da informação, tornada real pela concentração do capital, converge para uma uniformidade destrutiva e perversa das formas de vida. Na mesma veia, Samir Amin, eterno crítico do capitalismo, em sua obra Maldevelopment: Anatomy of a Global Failure, publicada em 1990, denuncia a falência da ideia de desenvolvimento e de globalização para os países de Terceiro Mundo. Para Amin, o capitalismo nas periferias só agravou as desigualdades sociais e a imensa divisão entre o Norte e o Sul. Seguindo esses passos, Dirlik (2012) apresenta uma crítica ao desenvolvimentismo e ao capitalismo global, já que esses dão espaço e predispõem a uma competição acirrada entre as nações. Para este autor, as alternativas ao desenvolvimentismo e ao capitalismo global devem ser encontradas, já que esses contrariam a justiça e a igualdade entre as nações. Em ambos os cenários, desde o pós-guerra, e a partir dos anos 1990, os países do Terceiro Mundo não conseguem alcançar as nações desenvolvidas, com exceção talvez da China. Esse fato é responsável pela desconfiança em relação ao mito de um "novo" mundo global, feito um e igual, por processos culturais e econômicos. Assim, uma crítica à globalização tem origem, principalmente no Sul (Dirlik, 2008), onde os processos globais constituem uma nova forma de dominação imperial, "a colonialidade global" (Escobar, 2008), que tem intensificado a marginalidade dos países do Sul na assim chamada economia e cultura globais.
É, portanto, da perspectiva subalterna, de sua localização específica, o Sul, que se torna mais possível a visão do sistema de dominação e desigualdades globais inerentes aos processos de globalização. A perspectiva subalterna põe em relevo justamente as desigualdades geograficamente localizadas dos processos de globalização, apontando para a ilusão de que estamos em uma mesma "aldeia global". Na década de 90, como efeito da onda neoliberal promovida planetariamente pelo Consenso de Washington, as nações do Sul, sobretudo na América Latina e África, aquiesceram aos ditames dos ajustes econômicos exigidos pelas corporações financeiras globais e estadunidenses em vista de um projeto de desenvolvimento nacional. Naquele momento, o termo globalização parecia dar conta de toda a realidade; parecia que o caminho da globalização era "inevitável" como coloca Samir Amin (2011).
Connell (2007) chama a atenção para a explosão de textos sobre globalização no âmbito da sociologia na década de 90, cuja análise foi, preferencialmente, tematiza-la como um 'novo paradigma de sociedade' de extensão planetária, e não apenas como uma nova ordem econômica, como pode ser visto nos trabalhos de nomes conhecidos como Ulrich Beck, Anthony Giddens e Zygmunt Bauman. Só para dar uma ideia de grandeza do volume de literatura sobre o assunto, ao longo destas duas décadas, o periódico Current Sociology publicou mais de 7000 textos que tem como descritor o termo 'globalização'. Connell destaca que, não obstante as diferentes abordagens sobre o tema - sejam as marxianas, pós-estruturalistas, ou pós-funcionalistas -, todas elas apontam para uma reificação das formas teóricas previamente utilizadas para a compreensão das sociedades industriais modernas do Norte. Assim, um primeiro ponto importante a se destacar seria que, na construção deste modelo de sociedade global, é a perspectiva da metrópole que é utilizada para se desenhar uma perspectiva sobre todo o planeta. Além disso, um segundo ponto importante seria que as teorias da globalização mostram-se omissas no que concerne à discussão sobre a origem deste poder global, esquivando-se de explicitamente nomear e reconhecer a metrópole - os países industrializados do Norte - como o lugar da acumulação do capital, e os agentes da dominação cultural global. Assim, as teorias da globalização teriam "ocultado as condições de sua própria existência..." (Connell 2007, p. 60). Ao reforçar a retórica de que estamos 'todos igualmente afetados', independentemente de onde estejamos 'localizados', apaga-se num fiat, como a história de constituição deste sistema-mundo, e seus pilares como o colonialismo, a escravidão e a racialização dos povos distribuem de forma injusta, desigual e perversa os efeitos da globalização. Justificam-se, assim, performaticamente uma 'agência política' em prol de uma cidadania global, um modo global de governança democrática, e ulteriormente, uma ciência global e uma subjetividade global.
A universidade não ficou incólume à totalização homogeneizante do nosso "admirável mundo novo" das teorias da globalização. A hegemonia do mercado como força regulatória global coloca sob questão, o modo de financiamento estatal e público das universidades, impetrando a ideologia da universidade empreendedora. É disso que tratam Sheila Slaughter e Larry Leslie, na obra Academic Capitalism de 1997, onde os autores apresentam a saída aparentemente inexorável que cabe às universidades neste cenário, qual seja, aliar seu único ativo - o capital humano dos seus pesquisadores e docentes - a iniciativas para aumentar seus recursos, e/ou até autofinanciar-se. O livro de Slaughter e Leslie situam o impasse das universidades no cenário mais amplo da economia política da globalização acenando para as necessidades e riscos da reestruturação da educação superior, tais como conhecemos: reorganização da gestão e da regulação universitária para que determinadas áreas sejam favorecidas na aproximação com o mercado; o estabelecimento de projetos conjuntos entre a universidade e iniciativa privada; contratos de serviço; alinhamento entre conhecimento, desenvolvimento tecnológico, inovação e competitividade no mercado; além de, sem dúvida, o surgimento de uma casta de "gestores acadêmicos" cuja função é de estabelecer metas de excelência acadêmica e métricas de desempenho. A este propósito, Ibarra Colado (2002) observa que as universidades se tornaram centros de disputa e conflitos onde o que está em jogo é o controle, apropriação e distribuição do conhecimento, ativo fundamental para o êxito na corrida global. Mais recentemente, em 2014, e em uma veia mais crítica, Richard Munch publica livro homônimo Academic Capitalism, investindo no exame de como, mais do que apenas transformar a universidade em organização empreendedora, o capitalismo acadêmico teria transformado os selves dos acadêmicos em subjetividades empreendedoras, empenhados em gerar, da sua atividade intelectual, produtos quantificáveis. O capitalismo acadêmico, como sinaliza Munch, faz-se em nome da "excelência acadêmica", como mostra o título do seu livro.
Para os países do Sul, o capitalismo acadêmico é ainda mais cruel e devastador, porque aciona o laço profundo entre colonizador e colonizado cuja base é a rendição ao outro idealizado. Esta dinâmica tem sido contemplada no debate africano, por exemplo, ao se tratar das dificuldades extremas de superar "a mente cativa" (Ake, 1979; Chinweizu, 1987; Onwuzuruigbo, 2018), permanecendo-se fiel às cultuadas lideranças europeias, e abrindo-se mão de um comprometimento político e epistêmico visceral e orgânico com a realidade local.
No bojo da discussão feita até aqui, interessa analisar como o aspecto da internacionalização do ensino superior tem contribuído para a consecução da governança neoliberal da universidade, ou contrariamente, se consegue ser um dispositivo para a crítica das estruturas geopolíticas de dominação epistemológica, que levam ao acirramento das desigualdades entre Norte e Sul na produção do conhecimento científico. Mesmo considerando que a universidade seja impactada pelas novas formas de cultura global, trata-se de saber como, e se, nos restam possibilidades de construir um projeto de universidade que problematize as desigualdades estruturais na produção e circulação do conhecimento, colocando-o a serviço das demandas da população.
Da internacionalização à demanda de localizar o conhecimento
É justamente no contexto da sanha globalizante que abduz a universidade a participar desta nova ordem cuja retórica da eficiência, racionalidade e excelência dissimulam seu lado sombrio - da competitividade como valor do individualismo como pulsão, e, da desigualdade como princípio - que vão emergir as contradições deste devir histórico. Crescentemente, insurgem-se oposições à visão deslocalizada que o mantra do mundo global faz crer, apontando a 'localidade' como o fulcro onde todos os processos sociais, culturais, políticos e subjetivos efetivamente se dão na sua concretude. A localidade não é, portanto, o oposto do global, e esse é apenas a relação abstrata que se pode articular sobre e entre localidades considerando um certo tipo de escala.
Neste sentido, é na localidade onde as práticas de subjetivação e de fazer sociedade reposicionam o que vem de fora, resultado de imposições de uma racionalidade exterior - globalmente mercantilizada e financeirizada. Milton Santos (2008) lembra que, ao invés de combinações híbridas, a interação entre os processos globais e as necessidades e demandas locais produz uma violenta desintegração das lógicas locais; desmantelam-se as diferentes culturas que são reconfiguradas de acordo com os requisitos de produção e do consumo globais. Uma teoria e uma 'política do local' se mostram urgentes para contestar a supremacia dos processos de globalização, tanto no seu poder de cooptação e imposição de padrões subjetivos e societários, como, sobretudo, no poder de universalização epistêmica. É neste sentido que o pensamento descolonial nos oferece um encaminhamento para pensar nossa "localização"'desde a borda' (Mignolo, 2001) de modo a contestar a matriz hegemônica da ciência universal (europeia) que se impõe como uma forma unívoca do pensamento racional.
É a partir do ponto de vista da localidade que o domínio global da ciência moderna europeia pode ser questionado. Para isso, não precisamos evocar nem Gandhi, nem Mariátegui, cujas utopias societárias podem até ser vistas como iconoclastas dos valores modernos. Constatamos, outrossim, a intensificação de movimentos de relocalização da experiência e do saber humanos, e o questionamento da dominação epistemológica eurocentrada, justamente a partir do acirramento neoliberal do final do século passado. Desde a América Latina, a Índia e a África, para mencionar apenas três diferentes localidades, emergiram contribuições distintas que tensionam e se contrapõem à visão de uma ciência de validade universal, política e eticamente desinteressada. Na América Latina, a partir da década de 80, intelectuais de várias áreas Antropologia, Sociologia, Ciência Política, Semiótica (Castro-Gomez & Grosfoguel, 2007; Lander, 2011), produziram um conjunto de contribuições - comumente chamado de pensamento descolonial - que questiona os universalismos sobre os quais se erigiu a ciência europeia cujas condições locais de produção permaneceram ocultadas, de modo que esse saber pudesse ser disseminado como o "ponto zero" do conhecimento (Castro-Gomez, 2007). Na Índia, na década de 80, Ranajit Guha inaugura os 'Estudos Subalternos', questionando a historiografia dos britânicos sobre a colonização na Índia, e oportunizando uma problematização rica e sofisticada sobre o colonialismo, a dominação, e como essas noções estão articuladas com as de modernidade (europeia), ciência e sujeito (moderno). Ainda que pouco conhecida entre nós brasileiros, a discussão que se travou nos vários países africanos no seu momento de pós-independência, tem articulado, proficuamente, as questões da colonização e da dominação com as possibilidades de reconstrução nacional e da indigenização do conhecimento (Mamdani, 1996; Mudimbe, 1988; Ndlovu-Gatsheni, 2013; Nkrumah, 1965). Nesta veia, se torna absolutamente fundamental revolver o passado - tanto pré-colonial, como o colonial - para reconstruir o saber, a história, a nação e a identidade que estiveram aderidas às narrativas do outro colonizador, e foram resultado de recalcamento.
A demanda pela localização do conhecimento esteve atrelada à crítica ao eurocentrismo (Kanth, 2009). O termo eurocentrismo foi cunhado pelo economista marxista egípcio Samir Amin, em 1988, na sua obra clássica Eurocentrismo. Entendendo o eurocentrismo como uma deformação ideológica, Samir propõe justamente o "delinking" (Amin, 1985) como o processo de recusa de submeter o desenvolvimento nacional aos imperativos da globalização. Desta forma, os ditames da "racionalidade econômica" não devem obrigar os países a um destino unívoco, mas sim, serem ajustados às expectativas e demandas do povo. Indo da economia à economia política do conhecimento, o eurocentrismo tem sido criticado como um fenômeno epistêmico cujo lugar de enunciação - seja a Europa ou mais contemporaneamente os Estados Unidos - projetou como universal o seu modo particular e específico de ver e conhecer o mundo. Alatas, sociólogo e professor na Universidade Nacional de Singapura, mostra como os paradigmas científicos ocidentais encobriram questões importantes da realidade asiática. Para Alatas, dada a impossibilidade de alterar a condição estrutural de desigualdade entre Norte e Sul, a resposta dos acadêmicos da Ásia e do Sul, ao eurocentrismo deve ser teórica, construindo discursos alternativos (2006a), resgatando pensadores esquecidos e silenciados - no caso Alatas o faz com a tradição sociológica islâmica de Ibn Kaldun (1993, 2006b), e sobretudo, construindo um movimento de reversão da dependência acadêmica do Terceiro Mundo em relação ao Atlântico Norte (2003).
Se tanto a Ásia, como a África e a América Latina, não escaparam ao projeto expansionista europeu, sustentado pela colonização dos povos (territorial, militar, econômica, cultural e subjetiva) e pelos processos de racialização, os movimentos de independência política, nas Américas, na Ásia e na África, não foram suficientes para extinguir este outro legado da colonização que consistiu nas marcas profundas do colonizador deixadas na cultura, na subjetividade e nos modos de fazer sociedade "nos impedindo de compreender as especificidades de nossas sociedades" (Cruz, 2017, p. 25, meu itálico), nos mantendo aderidos e referidos aos modos eurocêntricos de ser, pensar e viver.
Trata-se, portanto, de uma convocação para uma revolução epistemológica em que os países do Sul possam se distanciar dos lugares hegemônicos de enunciação e "provincializar a Europa e seu saber" (Chakrabarty, 2009). Sem dúvida, esta postura implica em "enfrentamento epistêmico" como coloca o cientista político argentino Rodriguez-Medina (2014, 2020), uma vez que todo o sistema universitário dos países periféricos funciona como satélite da institucionalidade acadêmica do Norte, em que as insígnias de certificação e excelência acadêmicas, o reconhecimento do mérito intelectual e científico, o controle direto sobre a divulgação e a circulação do conhecimento científico não se produzem nos países do Sul, mas tem origem nas grandes corporações empresariais, científicas e universitárias do Norte. Empresas multinacionais regulam, controlam, normatizam os produtos da pesquisa científica - como artigos, patentes, por exemplo - e também tem o poder definir os critérios de relevância científica.
Um exemplo é a contratação de corporações estrangeiras de avaliação pelas nossas agências de fomento, como a CAPES. Em 2017 a Clarivate Analytics (2017) preparou um relatório sobre a pesquisa no Brasil, de 2011-2016, assumindo uma suposta objetividade baseada em índices bibliométricos. Entretanto, sua análise pressupõe uma visão unívoca de ciência, da relação entre conhecimento e sociedade e de destino societário global para todo o mundo. A essa multinacional movida por propósitos claramente comerciais e econômicos, inclusive o de prestar contas aos seus acionistas da Bolsa de Nova Iorque, é dado o poder de dizer para onde devemos ir como pesquisadores/as brasileiros.
Assim, seria ingênuo pensar que há uma ciência neutra e desinteressada cujas trocas e interações acadêmicas, "se internacionalizam" por efeito de uma colaboração harmoniosa e paritária entre os países. Como coloca Rodriguez-Medina (2014), a partir da pesquisa empírica que fez na Argentina, os centros do Norte não estão interessados em incorporar quaisquer incrementos teóricos, críticas ou novas percepções epistêmicas gerados na periferia: não sabem que eles existem, e nem tampouco desejam saber.
A extraversão como o legado "insuperável" da colonialidade?
A permanência das estruturas de dominação supõem consentimento e legitimação. Uma das facetas do consentimento, no tocante à adesão ao saber do outro sobre si mesmo, foi estudada pelo filósofo e político de Benin, Paulin Hountondji (1990, 1994, 1997), que cunhou o termo extraversão. Essa é uma noção que tem pautado significativamente o debate sobre a internacionalização, uma vez que diz respeito à condição subjetiva - tanto pessoal como coletiva - de exteriorizar a busca do conhecimento. Para Hountondji e outros intelectuais africanos, como Mafeje (2000), Adesina (2011), Mkanwidere (2015), para se libertar da extroversão, é necessário buscar a endogeneidade, que significa enraizar-se no seu próprio território para conhecer.
A experiência de intelectuais africanos no giro descolonial - seja na política, economia, antropologia ou filosofia - trata justamente de afirmar que "todo conhecimento é, em primeiro lugar local" (Okere, Njoku, & Devisch, 2011) significando seu alinhamento com as forças mais profundas, simbólicas e materiais, que moldam uma forma particular de estar no mundo. Isso pode parecer distante ou intangível demais, mas vale lembrar, que essa busca pelos vínculos mais profundos com a cultura local, visando a libertação do processo de aviltamento e de encobrimento pelo outro, é recorrentemente afirmada pelos intelectuais africanos cujas nações sofreram e tem sofrido, processos de dominação sem precedentes na história humana. Isso lhes confere uma posição bem interessante para falar de dominação, das suas sequelas e dos processos subjetivos pessoais e coletivos de libertação.
A extraversão consiste na nossa condição subjetiva perpetrada pelo projeto acadêmico global de subserviência epistemológica à produção do Atlântico Norte. Ela enseja tanto as preferências "inquestionáveis" nas nossas rotas de formação - por exemplo a escolha de países da Europa e dos EUA para a realização dos nossos doutorados sanduíches, pós-doutorados, doutorados plenos (ver Manolita & Maranhão, 2009) - como também a circulação preferencial dos autores do Atlântico Norte nas referências teóricas com que trabalhamos e formamos nossos estudantes de modo a conferir autoridade epistêmica ao que produzimos. Desta forma, o projeto acadêmico global que preserva o domínio intelectual do Norte em relação ao Sul exige a conquista das subjetividades. O passado colonial continua reeditando a diferença colonial, seja aqui no Brasil e na América Latina, ou na África, como também em todos os outros cantos que sofreram os processos de colonização. A "consciência crioula branca" das elites econômicas e intelectuais dos países periféricos, de que nos fala Mignolo (2011b), estabeleceu, e comanda até hoje, a subserviência cultural e científica aos países do Norte. Dabashi, intelectual iraniano que é professor de Estudos Iranianos na Universidade de Columbia, em texto contundente publicado no jornal AlJazeera sobre o seu livro "Podem os não-europeus pensar"? (Dabashi, 2013) afirma que a localização do intelectual europeu no âmbito do "império" oculta para ele mesmo a relatividade desta localização permitindo-lhe a autoconfiança de uma visão acima de todas as coisas, absoluta e universal.
Em outra veia, alguns intelectuais da periferia vão se dar conta deste tortuoso processo de se saber capaz sem que precisem exibir um cosmopolitismo intelectual que não é seu, mas europeu ou americano. A noção de "intelectual comprador" é evocada neste sentido por Sivanandan (1990, p. 4) que enfrentou o racismo estrutural britânico em relação aos intelectuais do Sul. Ele relata como teve que, em determinado momento, aceitar o jogo do sistema, e se tornar um intelectual "comprador"2 3. Esta é uma posição subjetiva que, ao mesmo tempo, usufrui ganhos pela adesão ao sistema de dominação, mesmo que seja uma vivência com tensões, ambivalências e contradições. Nas trajetórias de muitos intelectuais da periferia, sejam diaspóricos ou não, pode-se constatar os conflitos que se colocam permanentemente neste sentido. O escritor queniano Thiong'o (2005) que se tornou famoso fora do Quênia pelos seus romances escritos em inglês, declara, em seu livro Decolonising the Mind (Descolonizando a mente), que pretende escrever na língua Gikuyu, porque esta é a única maneira de se recontactar com as tradições revolucionárias do campesinato africano e promover uma luta anti-imperialista. Para ele, embora reconheça que alcançou a fama e o sucesso com a escrita em inglês, somente pela reconexão com a língua africana da sua etnia poderá fazer com que a sua literatura contribua efetivamente com a insurreição anti-imperialista na África.
Se por um lado, nos deparamos com um sentimento de irrelevância e futilidade da crítica, dada a aparente inexorabilidade do processo de internacionalização da educação, por outro, parece significativa a produção insurgente que explicita os diferentes patamares de adesão que a dominação epistemológica tem que galgar. Neste sentido, gostaria de chegar às minhas considerações finais ensaiando perspectivas de "um outro mundo possível" no que se refere à divisão internacional do trabalho intelectual e acadêmico.
Desejo e horizonte para um outro lugar do Sul na divisão internacional do trabalho científico e intelectual
A "internacionalização" tem sido um objetivo de muitas universidades do Norte interessadas em manter seus vínculos de poder sobre o Sul, seja expandindo a oferta de vagas para os estudantes estrangeiros (overseas students), seja oferecendo oportunidades para que estrangeiros publiquem em inglês e com colegas do Norte, com vistas a uma maior capilaridade junto aos leitores de países da Ásia, África ou América Latina. Este movimento, por parte daqueles que estão nos centros de poder, gera também uma disputa de espaço para a conquista das mentes e das subjetividades. Para dar um exemplo, tive notícias por uma colega turco, professor da Universidade de Xangai, que há hoje na China cerca de 400 mil estudantes estrangeiros, todos eles com algum financiamento por parte do governo chinês 4. Angela Last (2018) analisa a questão do imperialismo acadêmico do ponto de vista do "colonizador", indicando como a captação de alunos, ou a inclusão de autores estrangeiros periféricos por parte de europeus e americanos nas suas publicações em inglês, tornaram-se simplesmente uma questão de mercado. Trata-se da imposição global do mesmo modelo ocidental capitalista e imperialista, de modo a tornar os estrangeiros supostamente "mais iguais" (p. 217). O que é ainda pior, segundo ela, é que até mesmo a questão da descolonização é capturada nos tentáculos da dominação imperial. Ela traz o exemplo bizarro de universidades no Reino Unido que, financiadas por fundações britânicas racistas e coloniais, promovem seminários sobre o quê? Sobre descolonização... Com homens brancos e que nunca saíram da Inglaterra. Assim, descolonizar, descolonização e outros cognatos podem estar a serviço do colonizador nas novas capturas discursivas para avançar a dominação.
Neste sentido, a descolonização da instituição universitária parece fundamental. Clelia Rodríguez, professora salvadorenha nos EUA, no seu livro Decolonizing Academia - Poverty, Oppression and Pain (2018), lança um grito indignado sobre as práticas opressoras que são o cotidiano vivido por professoras não brancas nas universidades americanas. José Jorge de Carvalho discute a descolonização da universidade brasileira apontando para a necessidade de uma tomada de consciência de quem somos nós. Reconhece as dificuldades de construção de uma universidade enraizada na nossa sociedade cuja academia precisa se assumir no âmbito de mais de trezentos povos e nações indígenas, das inúmeras tradições afro-brasileiras, das culturas quilombolas e outros povos tradicionais (2018, pp. 89-90).
A posição de periferia pode ser um aspecto estrutural da produção do conhecimento no Sul no sistema acadêmico mundial; todavia, do ponto de vista subjetivo, a rendição epistemológica tácita ao Norte pode ser uma escolha, que evidencia para cada um ganhos secundários dos quais, muitas vezes, preferimos não abrir mão. A dominação consiste em uma relação dialógica, como nos lembra Ashis Nandy (2015a) e Achille Mbembe (2001) em que frente à opressão, há diferentes graus de cumplicidade. Assim, tanto nas formas do exercício da atividade de pesquisadores/as, como nos modos de formação de nossos alunos - futuros pesquisadores e docentes - temos ainda alguma margem para construir caminhos outros que estabeleçam um engajamento mais consistente e sistemático com as especificidades e demandas locais de produção de conhecimento.
Assim, creio que temos alguma possibilidade de fazer diferente frente à condição estrutural de internacionalização, já que como sujeitos, podemos nos interpelar pela convocação do que somos, de onde viemos e para onde queremos ir. Por isso mesmo a questão da linguagem - o vernáculo - nas ciências sociais e humanas é de fundamental relevância para qualquer projeto de libertação, tanto da academia, como do país.
Os desafios parecem ser enormes e as dificuldades avassaladoras. Os países periféricos do Sul mantem metas de desenvolvimento tal como essas foram entendidas e trilhadas pelos países do Norte. Nas universidades somos avaliados por crivos de competitividade intelectual como se tivéssemos as mesmas condições de acesso à informação com bibliotecas super-hiper-equipadas, em vez de termos que nos haver com o favor da Alexandra Elbakyan e o seu Sci-Hub.
Sato e Nardi (2021) chamam a atenção de que não deve existir um único modo de internacionalizar a produção do conhecimento. Além disso, como lembram estes autores parece necessária uma avaliação do esforço de anglosaxonizar nossa produção científica: se ela se torna, de fato, elemento importante na circulação internacional do conhecimento científico. Se não, qual seria o sentido do enorme investimento de verter nossa produção mais qualificada para o inglês? Por isso mesmo, os autores concluem no seu artigo como a internacionalização com os países do Sul, sobretudo, a América Latina deveria ser mais cultivada. Esse seria também o encaminhamento vislumbrado por Grosfoguel (2011) que afirma que a atual divisão internacional do trabalho, inclusive intelectual, faz parte do desenvolvimento capitalista para o qual se exigem resistências para além da escala nacional. Para este autor as lutas anti-sistêmicas, tem que costurar alianças regionais de modo a enfrentar o processo de transferência de riqueza (inclusive intelectual) do Sul para o Norte, o que David Harvey chama de "acumulação pela dis-possessão" (2003). Neste sentido, o processo de internacionalização Sul-Sul poderia ambientar trocas menos predatórias e excludentes e, de fato abrigar um processo profícuo de produção de teoria e uma agenda de pesquisa alinhada a um horizonte endógeno de construção societária. Deste modo, internacionalizar deve levar à possibilidade de reverter posições na economia política do conhecimento de modo que passemos à produção de teoria, mais que somente sua aplicação e consumo.
E é aí que se questiona qual o lugar que a Psicologia pode assumir. Entendendo a Psicologia como a ciência da subjetividade humana na sociedade e na cultura, participamos junto com as outras ciências humanas e sociais da compreensão do, e intervenção no, status quo, ao que está inexoravelmente articulada a perspectiva do devir e da transformação societária. Diferentemente das ciências exatas e ciências da natureza, nossos modelos e teorias devem refletir a condicionalidade, a parcialidade e a historicidade do conhecimento, o que equivale a dizer que múltiplos modelos e teorias da subjetividade e da cultura são possíveis coetaneamente. Assim, em vez de universalidade, e a soberania de um único pensar, temos a convivialidade dos pensamentos (Nyamnjoh, 2020) e a polilogia (Devisch, 2011). Essa visão sobre a ciência impacta no processo de internacionalização que podemos e queremos, porque constatamos a relevância de, como colocam alguns autores do pensamento descolonial, por em questão os universalismos e o pensamento único da ciência europeia moderna.5
Para nós, cientistas humanos e sociais do Sul, já não é mais possível sermos permanentemente traduzidos e lidos de fora, por teorias, conceitos e modelos que recebemos e aplicamos obedientemente. Além do mais, é no âmbito das ciências humanas e sociais que caminhos alternativos para a sociedade podem ser construídos e problematizados. Fora das ciências humanas e sociais, no Sul do Sul e, para o Sul, só caberá às sociedades da periferia reeditar as trilhas do desenvolvimento, da globalização e do capitalismo impostos de fora.
Vejo que, nesta veia de fazer ciência, vai haver discrepâncias de interesses em relação a nossos colegas das áreas exatas. Esta distância vai sem dúvida, ter que encorpar enfrentamentos políticos em várias frentes: na luta por recursos, por plataformas diferenciadas de condução de pesquisa (por ex., código de ética), por valores a preservar ou a cultivar (por ex. a ingerência ou não do mercado na definição das agendas de pesquisa), por normatizações diferenciadas das políticas científicas (por ex., quanto às publicações científicas), por novas políticas e estratégias de visibilização e reconhecimento junto à sociedade (por ex., como fazer valer nossos aportes à sociedade sem que precisemos, a reboque das ciências exatas, denomina-los de tecnologias, inovação). No ato de se eliminarem as possibilidades de criticar o status quo, pensar a sociedade sob outros moldes e propor outros destinos, se dispensa a necessidade das ciências humanas e sociais, ameaçadas de total irrelevância na sociedade.
A marginalização crescente das ciências humanas e sociais, principalmente sob o autoritarismo e ultra-neoliberalismo do atual governo, pode ser o anúncio de 'fim do mundo' para nós; ou, pode ser a realização do início de um novo tempo em que se impõe coletivizar a luta e reconfigurar os planos de ação, os aliados, os adversários e o inimigo comum.
Esta interpelação de luta - no bojo da própria atividade científica - está aliada a uma outra visão de sociedade a ser construída, em que devolvemos o que somos como pesquisadores e intelectuais aos que permitiram nossa formação. É o que Julius Nyerere traz quando afirma, "Devemos retornar nossa educação ao povo pois foi ele quem nos a deu" (Sivananda, 1990, p. 2).
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Recebido em: 22/06/2019
Aprovado em: 09/12/2019
1 Estima-se que na década de 70 o CNPQ enviou ao exterior para cursos de pós-graduação stricto sensu cerca de 3000 bolsistas, e na década seguinte, cerca de 8.500 bolsistas. (Fonte: Centro de Memória CNPQ/BRASIL. Dados obtidos através da plataforma Fala.BR)
2 O termo 'comprador', um lusitanismo que aparece na língua inglesa, por conta da colonização portuguesa na Ásia, refere-se aos intermediários nativos que ajudavam nos negócios com os colonizadores portugueses e depois ingleses, e que, por sua vez, também enriqueciam com esta atividade de intermediação. No marxismo, o termo comprador foi usado em relação à burguesia mercantil em oposição à burguesia nacional; a primeira aufere vantagens porque defende os interesses do capital estrangeiro. O termo tem sido usado para indicar as posições de vantagem dos empresários locais das nações em desenvolvimento que agem como representantes dos interesses dos capitalistas estrangeiros.
3 Uma definição do intelectual 'comprador' está no texto de Kreimer (2011). Nesse contexto, os líderes locais de cada área veem a si mesmos - e operam - como verdadeiros "intermediários" entre a ciência "universal" e as pesquisas locais. São eles que têm capacidade de estabelecer os vínculos duradouros com os líderes internacionais, nos locais para onde enviam seus estudantes para fazerem os pós-doutorados, com quem participam de projetos em comum etc. Essa estratégia lhes permite construir a ilusão de uma integração internacional que oculta o caráter subordinado e as duras negociações que estão obrigados a empreender com o fim de serem aceitos no "clube mundial." (p. 57)
4 Comunicação pessoal com o Professor Tugrul Keskin, da Shangai University, China.
5 Kreimer, ao analisar os projetos na area das ciências duras que envolvem mega projetos científico-industriais, aponta que "não há nenhuma possibilidade para os pesquisadores periféricos de fazer valer os seus próprios interesses cognitivos", (p. 59), ou seja, a parceria internacional é sempre hierárquica, envolve subordinação e rendição a interesses vindos do exterior, além de não permitir que os problemas locais possam se tornar uma agenda de demandas para a produção de conhecimento.