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Cadernos de Psicopedagogia

versão impressa ISSN 1676-1049

Cad. psicopedag. v.6 n.10 São Paulo  2006

 

ARTIGOS

 

Relações estéticas, atividade criadora e constituição do sujeito: algumas reflexões sobre a formação de professores(as)

 

Aesthetic relations, creative activity and subjectivity: some reflections on teachers education

 

 

Andréa Vieira Zanella 1; Marcelo Grimm Cabral; Katia Maheirie; Sílvia Zanatta Da Ros; Lílian Caroline Urnau; Andréa Piana Titon; Francyne Wolf Werner; Lucilene Sander

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo refletir sobre as temáticas constituição do sujeito, atividade criadora e relação estética, consideradas fundamentais para propostas de formação continuada de professores(as). Busca-se discutir na interface entre os campos de conhecimento da psicologia e da pedagogia e a partir do enfoque histórico-cultural a relevância destas temáticas para a prática pedagógica diante dos desafios dos processos de escolarização formal. Ressalta-se a importância da educação estética e, principalmente da formação estética dos professores(as), uma vez que se entende que todo processo de ensinar e aprender é constitutivo dos sujeitos, sendo a experiência estética uma possibilidade de vivenciar novas formas de relação. Relações pautadas na imaginação e no fazer criativo em contraposição a práticas e relações excessivamente técnicas e reprodutoras, que predominam na sociedade atual em que vivemos.

Palavras-chave: Atividade criadora, Relação estética, Constituição do sujeito, Formação continuada de professores(as)


ABSTRACT

This work has as objective to reflect about the thematic subjectivity, creative activity and aesthetic relation, considered basic for proposals of teacher’s education. It search to argue, in the interface between the knowledge fields of psychology and the pedagogy and from the historical-cultural approach, the relevance of these thematic for the pedagogical practice ahead the challenges of the processes of the school education. Stands out the importance of aesthetic education and, mainly of the aesthetic formation of the teachers, therefore it is understood that all process of teaching and learning is constituent of the subjectivity, being the aesthetic experience a possibility to live new forms of relation. Relations based in the imagination and creative making in contraposition to practices and to relations excessively techniques and reproductive, that are predominate in the current society where we live.

Keywords: Creative activity, Aesthetic relation, Subjectivity, Teacher’s education.

 

 

O presente trabalho é fruto das reflexões decorrentes de uma proposta de formação continuada de professores(as) de séries iniciais do ensino fundamental da rede pública de Florianópolis/SC2. Procuraremos aqui explicitar alguns fundamentos que sustentaram essa proposta, objetivada sob a forma de oficinas estéticas e que foi desenvolvida no decorrer de 2004 e 2005.

Foram consideradas como questões axiomáticas para a proposta de formação continuada que desenvolvemos as noções de constituição do sujeito e atividade criadora que, no curso de nossas reflexões, nos levaram à noção de relação estética. É evidente que tais noções, se partimos do pressuposto de que devemos analisar processos ao invés de produtos (Vygotski, 1992), interconectam-se com muitas outras, o que nos leva a refletir sobre as práticas pedagógicas relacionando-as por sua vez com questões sociais mais amplas. Da mesma forma, estas noções apontam para ricas possibilidades na produção de conhecimentos teóricos e práticos na interface das relações produzidas e das relações possíveis entre a psicologia e a educação, frente aos desafios dos processos de escolarização formal na atualidade.

 

Psicologia e educação: relações historicamente produzidas e relações possíveis

Qual a importância de uma formação estética para aqueles que educam? Qual a importância de ressaltar a dimensão criadora do ser humano em contextos de formação continuada de professores(as)?

A experiência de relação estética é a experiência do sujeito com um outro, consigo mesmo e com o mundo, semioticamente mediada, em uma postura que vai na contramão das relações baseadas no nexo utilitário com o mundo circundante. Por sua vez,

“...o estético só se dá na dialética do sujeito e do objeto e que, portanto, não pode ser deduzido das propriedades da consciência humana, de certa estrutura dela, da psique ou de determinada constituição biológica do sujeito. A consciência estética, o sentido estético, não é algo dado, inato ou biológico, mas surge histórica e socialmente, sobre a base da atividade prática material que é o trabalho, numa relação peculiar na qual o sujeito só existe para o objeto e este para o sujeito” (Sanchéz Vázquez, 1978, p.97).

As vivências que retomam as experiências estéticas da vida de professores(as) tornam-se, assim, objeto de reflexão e de trabalho, posto que o próprio processo de constituição do educador enquanto pessoa e enquanto sujeito que forma outras pessoas é a base para a formação estética necessária ao redimensionamento das relações e práticas que este institui cotidianamente. Professores(as) são, nesse sentido, pessoas que, ao formarem outros(as), se (re)formam nesses encontros (Zanella, Ros, Reis & França, 2002).

Considerando que é no domínio da significação produzida pelas “palavras do outro”, palavras essas sempre e necessariamente produzidas por e marcadas pelas características das relações sociais, que emerge o sujeito (Pino, 2000), refletir sobre a formação de professores(as) implica portanto considerar o contexto das relações que os constituem enquanto tais. Estas relações estão presentes nas práticas pedagógicas que professores(as) engendram em contextos sociais específicos evidenciando as concepções sobre os processos de ensinar e aprender que sustentam estas práticas. Desta forma, toda ação pedagógica é constitutiva dos sujeitos que dela ativamente participam, pois é na relação com um outro que cada pessoa se constitui como singularidade e ao mesmo tempo como coletividade (Maheirie, 2002).

Torna-se necessário, então, discutir estas dimensões relativas às práticas pedagógicas, fundamentalmente com os sujeitos por ela diretamente responsáveis, a saber, os professores(as) e professoras. Embora sejam, junto com os alunos, co-responsáveis sobre o que naquele contexto específico de sala de aula é objetivado e subjetivado, professores(as) e professoras ocupam com toda a certeza um lugar social de destaque na medida em que lhes cabe grande parte da responsabilidade sobre a organização do espaço pedagógico e a socialização de conhecimentos científicos, históricos e culturalmente produzidos, necessários à formação de sujeitos éticos e criativos que possam ler criticamente a realidade na qual se inserem e a qual contribuem para modificar.

Por sua vez, toda e qualquer ação pedagógica se consolida a partir de uma concepção de ser humano e da posição que os processos de ensinar e aprender ocupam na constituição deste. É aí que se situam as relações entre psicologia e educação. As necessidades práticas e técnicas da educação na sociedade capitalista tornam esta relação um tanto quanto fragmentária, a ponto de afirmarmos que a zona de encontro entre as duas disciplinas é caracterizada quase que pelo desencontro entre produção de conhecimentos e consolidação das práticas do que pela construção de uma visão crítica e integrada, voltada para a constituição de sujeitos eticamente comprometidos com a consolidação de modos de vida mais humanos. Reconhecer os desencontros, por sua vez, é condição primeira para a fundação de novas relações.

 

Constituição do sujeito, formação estética e processos de criação

As práticas pedagógicas e as relações mediadoras do processo de constituição de professores(as) e alunos apresentam-se sempre e necessariamente como complexas, podendo daí se destacar a dimensão criadora e a riqueza de experiências estéticas que podem produzir. Isto implica pensar na formação continuada de professores(as) e, mais especificamente, no que chamaremos de formação estética e/em suas interfaces com a constituição do sujeito. Mas o que vem a ser o processo de constituição do sujeito, ou como poderíamos caracterizá-lo?

A obra de Vygotski (1991, 1992, 1995) apresenta, ainda que não de forma explícita, uma noção de constituição de sujeito que se sustenta na dialética marxista, fornecendo instrumental teórico que permite a análise dos processos de ensinar e aprender enquanto constitutivos, simultaneamente, do sujeito em sua singularidade e ao mesmo tempo como humano-genérico. Sua obra apresenta uma fundamentação epistemológica que possibilita compreender o ser humano enquanto histórico e cultural, contrapondo-se à concepção liberal, caracterizada por Bock (2000) como aquela que trata o fenômeno psicológico de maneira abstrata, naturalizante e universalizante. O ser humano, para os adeptos desta visão liberal, é possuidor de uma essência (natureza humana) que se atualiza pelos processos educativos e na convivência com os demais, ou seja, o ser humano possui potencialidades (traços e características que já estão em germe no indivíduo) que devem ser cultivadas e desenvolvidas pelo meio em que vive. A própria noção de meio, nesta concepção, é restrita a imediaticidade das interações face a face, não conseguindo dar conta da heterogeneidade, multiplicidade e movimento tanto da realidade social concreta quanto das pessoas que a constituem e são por ela constituídas.

Em contrapartida, numa concepção histórica e cultural de ser humano, este passa a ser visto no seu caráter concreto, produzido por e produtor das condições sociais, históricas e econômicas em que está inserido, considerando os processos de contradição característicos das relações sociais que podem gerar movimentos de aceitação e de negação daquilo que é socialmente disponibilizado em diferentes momentos históricos.

A constituição do sujeito é, nessa perspectiva, um processo que resulta das relações que o próprio sujeito estabelece com seu contexto social, relações estas que são necessariamente mediadas pela cultura, pelas características da sociedade da qual participa ativamente e que, através da atividade social, são continuamente transformadas. O processo de constituição do sujeito não é, portanto, simplesmente um desenvolvimento maturacional e individual de caráter linear (Pino, 2000). Ao contrário, conceber a constituição do sujeito como processo complexo, marcado por desníveis, idas e vindas, aproximações e distanciamentos, possibilita romper com uma série de dualismos com os quais a psicologia convive desde seu nascimento. Estes dualismos aparecem seja a partir de concepções idealistas, seja a partir de concepções mecanicistas de ser humano, as quais concebem os “fenômenos” psicológicos sem levar em conta seu caráter histórico.

Vale ressaltar que, na perspectiva de processo, a apropriação dos signos social e historicamente produzidos supõem sujeitos em relação num contínuo movimento de objetivação e subjetivação dos processos simbólicos no qual estes sujeitos, concomitantemente, apreendem e modificam a realidade, produzindo a si mesmos e sendo por ela produzidos. Seria como que uma eterna construção e reconstrução do mundo e de si próprio em suas possibilidades e impossibilidades, na medida em que o sígnico é mediador das relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos.

E é considerando a mediação semiótica, as relações entre os seres humanos e os signos como unidades artificiais e arbitrárias, culturais, portanto, que cada pessoa se constitui em sua dimensão singular sendo ao mesmo tempo manifestação e fundamento do social. O sujeito se apropria das significações dos pensares, fazeres e sentires das e nas atividades entabuladas no convívio com as demais pessoas, apropriação esta necessariamente singular, o que viabiliza sua inserção idiossincrática numa dada coletividade, síntese dialética que une sujeito e sociedade. É no contato com o mundo e na relação com a cultura, então, que o sujeito se constitui enquanto singular, diferenciando-se como gênero, como classe, como etnia, sempre e necessariamente em relação ao contexto do qual ativamente participa, o que denota a condição inventiva da existência humana.

Ao destacarmos da possibilidade criativa do sujeito, estamos necessariamente falando de suas experiências estéticas, ou seja, das relações específicas que estabelece com o mundo. A estética, segundo Sanchez Vazquez (1978), estruturou-se historicamente como uma disciplina autônoma em relação à arte e que se caracteriza mais por ser a disciplina que trata da sensibilidade. A partir do materialismo histórico e dialético, no entanto, o autor tece algumas importantes reflexões sobre a estética, mais especificamente com base nos primeiros escritos de Marx, onde há idéias sobre as fontes e a natureza do estético. Sanchez Vázquez (1978) mostra que Marx trata todo trabalho não alienado em equivalência ao trabalho artístico, o que desmistifica a arte e abre espaço para uma estética voltada para o ser humano que deve considerar a diferenciação histórica das diversas formas de práxis. Vale ressaltar que, desta maneira, não podemos senão conceber a estética a partir das relações que sujeitos estabelecem com a realidade, relações estas que ultrapassam o âmbito artístico, pois não são exclusivas dele. A estética caracteriza-se assim como dimensão fundamental do humano, mas só existe conquanto este ser humano está em uma perspectiva de relação com o mundo que transcende sua dimensão prático-utilitária.

Desse modo, não é qualquer relação do ser humano com a natureza, consigo mesmo e com seus semelhantes que pode ser caracterizada enquanto uma relação estética. Para que esta aconteça, a relação sujeito e objeto se apresenta de uma forma ímpar e produz um resultado imprevisível: “...quando o sujeito contempla essa outra realidade que é exatamente a do objeto na situação estética, o humano como ‘centro de gravidade’ se desloca da ‘realidade vivida’ para outra, a estética, mais plena e profundamente humana. Existe, pois, uma dialética da união e da separação, da identificação e do distanciamento de sujeito e objeto que constitui a própria natureza de sua relação na situação estética” (Sanchez Vázquez, 1999, p.152-153)3

Para ser capaz de criar, cada pessoa precisa utilizar o que já conhece, articulando esses saberes inventivamente e numa perspectiva de esteticidade que “lança mão” da reflexão, emoção e imaginação a um só tempo, superando-os em relação a novos desenhos daquilo que vivencia no presente bem como do porvir. Mas de que forma isto acontece concretamente no sujeito?

Vygotski (1998) destaca que a imaginação acontece por um processo semelhante à gestação, cujo parto dá luz à atividade criadora. Para o autor,

“Toda atividade humana que não se limite a reproduzir fatos ou impressões vividas, mas que crie novas imagens, pertence a esta segunda função criadora ou combinadora. O cérebro não se limita a ser um órgão capaz de conservar ou reproduzir nossas experiências passadas, é também um órgão combinador, criador, capaz de reelaborar e criar com elementos de experiências passadas novas normas e possibilidades... É precisamente a atividade criadora do homem que faz dele um ser projetado para o futuro, um ser que contribui ao criar e modifica seu presente.” (ibid, 1990, p.9)

A imaginação se objetiva em saltos qualitativos de e com processos complexos de pensamento caracterizados por Vygotski (1992) como processos psicológicos superiores4. A imaginação surge, então, como um exercício psicológico mediado semioticamente, possibilitando que a atividade criadora supere as relações imediatistas e episódicas que prendem o sujeito ao “aqui e agora”.

A afetividade está presente em todo este processo, mas é bom alertar, como o fez Vigotski (1998), que os sentimentos e emoções precisam ser superados para ocorrer a criação, o que significa dizer que é preciso ressignificar o passado, modificando e recriando o presente, em função daquilo que se projeta e que projeta o próprio sujeito que cria.

Isto nos leva a pensar que o caráter criativo do ser humano pode estar presente nas relações que toda e qualquer pessoa estabelece com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Relações múltiplas, da mesma maneira que são múltiplas as possibilidades de significação das experiências estéticas e criativas.

As experiências de relações estéticas permitem um reconhecimento sensível do outro e de si próprio na realidade, possibilitando um caminhar em direção à objetivação estética do sujeito nas relações semioticamente mediadas, o que possibilita ressignificar sua história de vida.

 

Formação estética de professores(as) e atualidade: algumas reflexões finais

Pablo René Estevez, em um curso que ministrou sobre educação estética na UFSC em 2002, iniciou sua fala apresentando 4 perguntas: Quem sou? Onde estou? Aonde vou? E como vou num mundo anti-estético? Evidentemente não temos respostas fixas e definitivas para tais questões. Entretanto, estes questionamentos nos orientam a uma postura crítica diante dos processos de massificação e de consumo advindos do desenvolvimento da sociedade capitalista. A noção de indústria cultural, trabalhada pelos teóricos da escola de Frankfurt, em alguns aspectos, continua sendo um profícuo alerta para as profundas mudanças na estética, mudanças “na nossa forma mais íntima de percepção do mundo” (Zuin, 1998, p.121). Uma verdadeira dessensibilização que caminha em direção à massificação, alienação e intolerância às diferenças, às singularidades e ao outro, ou em direção à redução das possibilidades de “bons encontros”, usando uma expressão de Sawaia (1999) .

É justamente discutindo as repercussões psicossociais do “desenraizamento do mundo por meio de titânicos processos econômico-técnico-científicos” (Sawaia, 1999, p.19), que esta autora descreve o aparecimento de novas formas de fundamentalismos, num mundo que, em geral, tolhe escolhas, uma vez que submete os sujeitos a políticas de homogeneização da subjetividade. Ao nosso ver estes processos se dão, em parte, em razão das experiências estéticas que a contemporaneidade propõe, marcadas pela efemeridade, fugacidade, transitoriedade, volatilidade.

Neste ponto, ressaltamos a importância da formação estética dos professores(as). A reflexão em torno da experiência estética como constitutiva dos sujeitos em contextos de formação de professores(as), formadores de sujeitos criativos e críticos, frente a um mundo que é dominado pela técnica e que é percebido como fragmentado e imutável, ganha importância nos dias atuais. Isto principalmente porque, se nos mais diversos contextos de ensinar e aprender se (re)produzem certos valores, é crucial que professores(as) estejam cientes desta condição contemporânea que institui relações efêmeras, fugazes, que circunscrevem a existência humana à imediaticidade do aqui e agora.

Sob esta ótica, a reflexão que propomos em torno de uma formação continuada de professores(as) apresenta a dimensão estética como foco. Mais do que derrubar o falso pressuposto de que as relações estéticas não teriam qualquer função (a não ser aquela mercadológica) na sociedade contemporânea, esta forma de reflexão sobre a sensibilidade e a experiência de relação estética deve ser vista como uma espécie de instrumento para ampliação dos sentidos e os processos psicológicos superiores que a eles se amalgamam, onde sujeitos se reconheçam nas relações que estabelecem com suas produções, com a realidade e com seus semelhantes/diferentes ali presentes, podendo, a partir de atividades criadoras, ressignificar seu passado e projetar-se para futuros percebendo a polissemia da realidade em que vivem e do que pode vir a ser.

Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia (1996), nos fala de uma dimensão estética e uma dimensão ética da prática pedagógica. É comum pensar que a ética lida somente com os julgamentos de valor ético, bom e mau, e a estética somente com os julgamentos de valor estético, o feio e o belo. Entretanto, ética e estética são inseparáveis, pois ambas lidam com a dimensão criativa e relacional do ser humano. Ética e estética são dimensões concretas da atividade humana que aparecem na relação de pessoas concretas agindo e transformando o mundo e sendo, neste movimento, continuamente transformados. Ética e estética pressupõem e engendram, desta forma, processos criativos sem os quais as pessoas jamais poderiam circunscrever suas emoções e seus valores.

Possibilitar o redimensionamento do sentir, do pensar e do fazer do sujeito para perceber a riqueza e mutação da realidade é investir na formação ética deste sujeito. A partir das experiências de relação estética voltadas para olhares outros sobre a realidade, compreendendo-a enquanto múltipla, complexa, multifacetada, plural, os sentidos são redimensionados de uma forma qualitativamente diferente, permitindo perceber a diferença, o movimento, a contradição, os quais antes pareciam sem qualquer relação. O sujeito pode então experienciar outras relações, ciente das condições objetivas que o subjetivam, ciente de que muitos outros o constituem neste rico e complexo processo de significações e ressignificações que constroem a realidade humana e o próprio ser humano singular.

Trabalhar na perspectiva da educação estética de professores(as) e professoras é, portanto, trabalhar para uma nova sensibilidade através da ressignificação dos sentidos e da história de vida, o que permite criar novas formas de projetar-se para o futuro e objetivar-se no mundo. Com estas reflexões propomos a consecução de um trabalho de educação estética do educador em contextos de formação continuada de professores(as) que leve em conta a dimensão da pessoa em suas relações com outras, com sua própria história e com o devir. Nesse sentido, Estevez (2003) aponta a necessidade da educação estética enquanto possibilidade de enriquecimento imaginativo e sensível do ser humano. Nessa direção destaca-se a necessidade de se trabalhar a percepção humana, pois esta tende a automatizar-se na vida cotidiana, através dos hábitos e esquemas invariáveis que vamos construindo nas relações que estabelecemos. O estranhamento em relação ao posto é, portanto, condição para a educação estética, para o desenvolvimento de olhares estéticos que, conforme Zanella, Ros, França, Reis (2004), possibilitam retirar a “marca de familiaridade da realidade”, ampliando as possibilidades do sujeito.

Tal perspectiva pode ser encontrada no rico e profícuo campo teórico-prático que existe entre a psicologia e a educação, tomando cuidado para que na sua interface se produza uma ética voltada para a emancipação humana, na direção de um horizonte mais humano genérico, tal como apontado por Agnes Heller (2000), quando reflete sobre a importância das experiências cotidianas na compreensão da constituição do sujeito.

 

Referências

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Recebido: 15/05/2006
Aceito: 25/06/2006

 

 

 

1 Endereço para contato Manoel Luís Duarte, 235, Lagoa da Conceição 88062-415 Florianópolis &– Santa Catarina, Brasil
2 Estas reflexões, bem como o curso que delas se originou fazem parte de um projeto integrado de pesquisa desenvolvido por pesquisadores de universidades em Florianópolis (SC), Itajaí (SC) e Rio Grande (RS)
3 É possível destacar, segundo Sanchez Vazques (1999), dois tipos de relação que os sujeitos estabelecem com o mundo e que são constitutivas de suas características singulares: uma relação é assimétrica, pois há uma espécie de desigualdade entre sujeito e objeto. Outra seria uma relação estética, na qual os dois pólos da relação se dissolvem e o sujeito passa a se reconhecer enquanto criador e co-criador de sua realidade
4 Para Vygotski, o conceito de processo psicológico superior “...está constituído pelos processos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento: o idioma, a escrita, o cálculo, o desenho; em segundo lugar, está constituído pelos processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores especiais, não limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que tem sido denominadas pela psicologia tradicional com os nomes de atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos etc.” (Vygotski, 1987, p.32)

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