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Cadernos de Psicopedagogia
versão impressa ISSN 1676-1049
Cad. psicopedag. vol.7 no.13 São Paulo 2009
Psicologia escolar: proposta de intervenção com professores*
School psychology: An intervention proposal with teachers
Naiana Dapieve Patias1; Mabel Hartmann Monte Blanco2 ; Josiane Lieberknecht Wathier Abaid3
Universidade Federal de Santa Maria
Centro Universitário Franciscano
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
O presente artigo aborda uma experiência de intervenção no campo da Psicologia Escolar. Refere-se a ações desenvolvidas durante o estágio final em Psicologia Escolar em um curso de graduação em Psicologia do interior do RS, com professores de duas escolas, uma municipal e outra privada. As atividades propostas tiveram como objetivo permitir que os envolvidos no contexto escolar pudessem refletir e aperfeiçoar as suas atuações profissionais, buscando melhorar a qualidade das relações pessoais e resultados mais efetivos no que diz respeito ao processo educativo. Realizaram-se quatro atividades expositivo-participativas organizadas pelas estagiárias, as quais abordaram temas relativos à adolescência, práticas e estilos educativos parentais e a relação professor – aluno. Conclui-se que as intervenções ampliaram as discussões entre os profissionais ligados à escola quanto ao temas trabalhados e possibilitaram um espaço para desenvolvimento de soluções diversas a dificuldades comuns aos profissionais envolvidos.
Palavras-chave: Psicologia Escolar; práticas educativas; adolescência.
ABSTRACT
This article approaches an experience of intervention on the field of School Psychology. It refers to actions developed during the final internship on School Psychology. Such internship took place during an undergraduate course of Psychology, in the interior of Rio Grande do Sul, with teachers from two schools, one from the public and the other from the private sector. The proposed activities had as their aim to enable people from the school context to reflect and improve their professional performance, in order to improve quality concerning personal relationships and to attain more effective results regarding the education process. Four activities were accomplished involving lectures and participation of the public. Such activities approached themes related to adolescence, parental practices and styles and the relationship between student and teacher. In conclusion, the interventions widened discussions among professionals from the school related to the themes mentioned and enabled the development of several solutions to difficulties common to the professionals involved.
Key words: School Psychology; Education practices; adolescence.
A Psicologia Escolar ou Educacional é a especialidade da psicologia que trabalha com pessoas sobre questões que ocorrem nas escolas e que envolvem alunos, professores, especialistas em educação, pais e a comunidade onde estão inseridos. Deste modo, cabe ao psicólogo desse contexto conhecer as forças que se entrecruzam junto à escola, bem como as respectivas reações e relações de poder (Patto, 1997). Portanto, esse profissional aplica técnicas e conhecimentos psicológicos aos problemas apresentados na escola como um lugar total, considerando a escola (instituição) como seu "paciente" (Costa, Souza, & Roncaglio, 2003), porém buscando sair da postura clínica e patologizante para dar lugar à visão mais compreensiva da complexidade deste campo de forças (Martins, 2003; Patto, 1997). Dessa forma, o profissional assume o papel de agente de mudanças dentro da instituição escolar, atuando como o centralizador de reflexões e conscientizador de papéis representados pelos vários grupos que a compõem (Martins, 2003).
Para conscientizar os papéis, funções e responsabilidades de cada autor do processo escolar, Guzzo (2002) refere que o profissional de Psicologia Escolar deve atuar a partir de observações, conversas informais e pesquisas formais. Assim, é possivel detectar demandas explícitas e implícitas, para, em seguida, propor formas de intervir que possam beneficiar a todos os envolvidos de forma ativa ou passiva no processo.
Considerando o grupo de professores, destaca-se que o exercício da docência, como discutem Marinho-Araújo e Almeida (2005) e também Lapo e Bueno (2003), se apresenta nas relações de poder que se refazem nas práticas educativas e nas relações estabelecidas em sala de aula. Nesse local, conforme os autores, o professor sofre, de modo direto e permanente, a tensão que se coloca no interior da escola, expressa nos conteúdos, processos avaliativos, produtividade e competitividade de sua função. Essa realidade de trabalho adversa, acompanhada de baixa remuneração, reconhecimento e qualificação profissional, gera sentimentos de desânimo, desmotivação, apatia, cansaço, passividade e desesperança entre os professores, que se sentem sem recursos para enfrentamento de todas estas pressões e demandas.
As inúmeras manifestações ou sintomas desse mal estar profissional, expressos por depressão, desilusão, desmotivação (Marinho-Araújo & Almeida, 2005) e até o abandono da profissão (Lapo & Bueno, 2003) tomam a escola como realidade indiscutível de intervenção do psicólogo. Assim, pode-se reaproximar o professor de sua trajetória profissional e de seu vínculo afetivo com o valor de seu trabalho, e fazê-lo restabelecer o sentido no objeto de seu trabalho. Um trabalho de escuta clínica auxiliaria o professor a perceber-se nesses conflitos (Marinho-Araújo & Almeida, 2005).
Com base no exposto, esse artigo pretende relatar uma experiência de atuação em Psicologia Escolar com foco em professores no interior do Rio Grande do Sul. Inicialmente será realizada uma descrição das escolas participantes e demais detalhes metológicos. Em seguida, relatam-se as atividades propostas em cada escola e suas repercussões.
Método
Participantes
Participaram das intervenções duas escolas, uma municipal e outra privada, de uma cidade do interior do RS, denominadas Escola A, e Escola B. Nenhuma delas haviam tido experiências anteriores com estagiários em psicologia escolar sendo que cada uma delas ficou com uma estagiária de psicologia. A Escola A possuia 520 discentes do ensino básico e fundamental, considerando-se os dois turnos (manhã e tarde), conta com 43 docentes, dentre eles 42 do sexo feminino e um do sexo masculino e 3 funcionários para limpeza. Em relação à tradição religiosa, essa escola tinha orientação católica, mesmo que no dia-a-dia da escola não se efetuassem rituais religiosos. Quanto ao espaço físico, a Escola A apresentava algumas dificuldades apresentando um restrito espaço para a equipe diretiva, bem como para a sala dos professores. As salas de aula precisavam de reforma, sendo que muitos móveis encontravam-se estragados, necessitando serem trocados. No entanto, havia um amplo espaço de recreação para os alunos, com um grande pátio onde ocorriam as aulas de educação física.
A Escola B é privada e funcionava apenas pelo turno da tarde. Essa escola da rede católica mantinha tradições religiosas, e desfrutava de uma capela onde se rezava com os alunos antes da entrada em sala de aula. Com grande e privilegiada estrutura física, a escola apresentava grande quantidade de salas, uma biblioteca, pátio, sala de balé, ginásio, salão de apresentações, cozinha, laboratório de informática e sala de vídeo. Contava com aproximadamente 250 discentes (de ensino básico a fundamental) e 20 professores, diretora geral, orientadora, diretora pedagógica, duas coordenadoras e duas secretárias.
Instrumentos
Foram utilizados dois diários de campo, um para cada estagiária, onde registravam suas observações iniciais do contexto escolar durante o estágio específico em Psicologia Escolar que teve duração de dois semestres letivos. Além desses, outros dois recursos foram utilizados: reuniões com as equipes diretivas e grupos de reflexão-palestras. Durante os momentos de supervisão de estágio no Curso de Psicologia ou nos locais, as atividades eram previamente discutidas com a supervisora.
Procedimentos e considerações éticas
A partir de observações e conversas informais, percebeu-se a necessidade de uma intervenção junto aos professores, para que estes pudessem falar a respeito de suas necessidades e dificuldades relativas às relações interpessoais, ao ser professor e, principalmente, à relação professor-aluno. Para isso foram propostos grupos de reflexão, que inicialmente não foram aceitos pelos participantes. A partir disso, foram propostas "palestras participantes" pelas estagiárias, com o intuito de discutir a respeito das dificuldades em relação às demandas observadas. Essas palestras ocorreram em dois turnos, possibilitando que todos os professores pudessem participar. Os professores eram convidados a participar e, caso viessem, estavam assentindo participar da intervenção.
Foram realizadas quatro palestras na modalidade participativa (sendo duas pela manhã e uma pela tarde na Escola A e uma na Escola B pelo turno da tarde) as quais abordaram os temas relativos às seguintes demandas: adolescência, práticas e estilos educativos parentais e a relação professor – aluno.
Por se tratar de um relato de experiência de estágio, já previamente autorizado pela instituição e regularizado junto ao Curso de Psicologia e não uma pesquisa, os participantes não necessitaram assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Mesmo assim, toda a participação dos integrantes deste relato foi voluntária e os demais preceitos éticos da profissão foram respeitados.
Resultados e discussão
Quanto à inserção das estagiárias nestas instituições, as equipes diretivas foram receptivas e demonstraram interesse no trabalho em conjunto com a Psicologia. Os professores, de maneira geral, também demonstraram boa aceitação, ainda que tenha havido um receio inicial. Com o passar dos meses, os profissionais dos locais foram percebendo o trabalho que estava se desenvolvendo e, gradativamente, demonstrando mais interesse e abertura às intervenções no campo da Psicologia Escolar. Embora as estagiárias tenham atuado junto a toda comunidade escolar, os resultados aqui descritos e discutidos abordam especificamente algumas intervenções com os professores.
Demandas das escolas
Escola A: No que se refere às dificuldades relatadas pela equipe diretiva, a escola A possuía restrito espaço físico, bem como dificuldades a respeito de um espaço de diálogo para os professores entre si e com a equipe diretiva. Também entre a equipe diretiva, percebeu-se que não havia um objetivo em comum de atuação na escola, o que prejudicava a relação com os demais professores.
Além das dificuldades explicitadas pela equipe diretiva e professores em geral, observou-se grande dificuldade de relacionamento dos profissionais com os alunos, principalmente adolescentes, no que diz respeito à "falta de limites" e a uma "falta de informação" dessa etapa de vida, incluído as temáticas da sexualidade, sexo, namoro e amizade. Também se observou a dificuldade da equipe em lidar com crianças denominadas mais "ativas", com as quais utilizavam predominantemente práticas educativas autoritárias para conter comportamentos agressivos ou de desrespeito, mas que não se demonstravam eficazes. Percebeu-se ainda que havia um sentimento de impotência por parte dos professores ao lidar com tais questões sendo que muitos deles afirmaram precisar de um espaço para "desestressar" (sic).
Escola B: Na escola B as dificuldades principais apontadas pela direção, inicialmente, foram à violência e a agressividade entre as crianças dos anos iniciais. Em conversas diárias e informais, as professoras relatavam as dificuldades em controlar os "maus comportamentos", reclamando que os alunos passavam "o tempo todo se batendo, chutando, se agredindo física e verbalmente" (sic). Estes comportamentos também foram claramente observados durante as aulas de educação física e no recreio, onde a agressividade e violência geralmente faziam parte das brincadeiras das crianças.
Outra dificuldade, segundo equipe diretiva, se apresentava principalmente em relação a adolescentes, demanda explicitada pelos professores. Segundo elas, esses apresentavam algumas dificuldades de aprendizagem, demonstrando desatenção e desinteresse pelos conteúdos e, conseqüentemente, notas muito baixas.
Tão logo se puderam avaliar as demandas implícitas e explícitas em cada local, as estagiárias de Psicologia aproveitaram a fala de algumas professoras sobre dificuldades de manejo com alguns alunos adolescentes e propuseram, juntamente com a ajuda da supervisora de estágio, a criação de um espaço para que se pensasse sobre estas dificuldades. Foi proposto, assim, que se formasse um grupo de reflexão, onde elas poderiam ter um espaço para falar sobre os problemas que relataram em diferentes ocasiões, sobre a profissão, sobre o que as incomodava ou o que lhes era gratificante.
Na Escola A, tal proposta, não foi aceita. Algumas professoras falaram que "não gostam de falar sobre isso em grupo" (sic), "não conseguem se abrir" (sic) e outra disse que fazia um tratamento com psicóloga, não precisando de um grupo para isso. Mesmo assim, a proposta ficou em aberto, sendo que, no decorrer do semestre, não houve procura e não foi realizado nenhum grupo com professores. Na escola B, a dificuldade foi, além da resistência dos professores, encontrar um horário para realização do grupo, já que a maioria também trabalhava em outras escolas ou estudava em turno oposto.
Mesmo com a resistência demonstrada pelas professoras, as equipes diretivas de ambas as escolas continuavam percebendo a necessidade de intervenções junto aos 48 professores e solicitaram às estagiárias que interviessem "de alguma forma" (sic). Na Escola A, a vice-diretora e a orientadora educacional sugeriram que se realizassem palestras com o intuito de informar e fazer discussões a respeito de temas que estão surgindo no dia a dia do contexto escolar e que estão dificultando o fazer do professor bem como da equipe diretiva. Na escola B a proposta foi feita pela estagiária e acolhida pela direção que procurou agendar a palestra junto aos professores.
Intervenções realizadas
A primeira proposta, advinda de um pedido da equipe diretiva, foi de que se pudesse falar a respeito da adolescência, de como lidar com adolescentes que "extrapolam", que "agridem" professores e colegas. Desse modo, na escola A, foi cedido o espaço da reunião pedagógica para a primeira palestra expositivo-participativa com o tema: "Conversando sobre Adolescência e práticas educativas", a qual foi realizada com professores do sexto ao nono ano, pelo turno da manhã. Os professores do turno da tarde (primeiro ao quinto ano) foram convidados, mas nenhum compareceu, principalmente por trabalharem em outros lugares no turno inverso.
Nessa primeira exposição, todos os professores das séries citadas do turno da manhã participaram. Nesse encontro e nos outros dois subseqüentes, foram realizados com a estagiária local de Psicologia e sua colega, estagiária da escola B, na presença além da professora supervisora do estágio. Nesse momento foi discutido como tópico a Adolescência como um período de transição entre o estado infantil e o estado adulto do desenvolvimento, em que o jovem está tentando construir uma identidade adulta (Steinberg, 1999). Além disso, foi apresentada a puberdade como co-existindo com a adolescência, período ou etapa de vida como outras do ciclo vital. As características principais deste período foram discutidas a partir da conhecida "síndrome da adolescência normal" (Knobel, 1981) e do desenvolvimento (Steinberg, 1999).
Em seguida foram comentados os principais sintomas referidos pelo autor: a busca de si mesmo e da identidade; tendência grupal; necessidade de intelectualizar e fantasiar; crises religiosas; deslocalização temporal; a evolução sexual até a heterossexualidade; atitude social reivindicatória; contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta; separação progressiva dos pais; constantes flutuações do humor e do estado de ânimo (Knobel, 1981). A partir da discussão dos tópicos, as estagiárias estimularam os professores a identificarem, nos alunos e nos próprios filhos, as características citadas. As participantes compartilharam exemplos e expuseram as dificuldades e alegrias do trabalho e da convivência com adolescentes.
Após estas discussões, as estagiárias trouxeram também em debate como os pais lidam com filhos adolescentes, como os educam e, nesse mesmo aspecto, as profissionais puderam fazer analogias com as práticas educativas dos educadores. Nesse momento, foi discutido a respeito de diversas práticas educativas parentais que podem resultar em estilos parentais de educação. Desse modo, práticas educativas são estratégias utilizadas pelos pais e demais educadores para atingir objetivos específicos tanto acadêmicos, sociais e afetivos sob determinadas circunstâncias e contextos. As estratégias podem incluir utilizando de explicações, punições ou até mesmo recompensas (Shaffer, 2005; Teixeira, Bardagi & Gomes, 2004).
Assim, foram explicadas as duas dimensões pelas quais os pais e demais educadores podem utilizar seu poder para alterar o comportamento dos filhos: a responsividade, que diz respeito a quanto os pais são sensíveis às necessidades afetivas e materiais dos filhos, e a exigência, que diz respeito a quanto os pais exigem e cobram o cumprimento de regras dos seus filhos. Além disso, as estagiárias explicaram a respeito dos quatro estilos parentais de criação relacionados ao desenvolvimento social, emocionais e intelectuais de crianças e adolescentes (Maccoby & Martin, 1983; Shaffer, 2005).
Assim, o cruzamento das duas dimensões (responsividade e exigência) resulta em quatro estilos parentais propostos por Maccoby e Martin (1983) que são: autoritário, autoritativo/competente, indulgente e negligente/ausente (Cecconello, De Antoni, & Koller, 2003; Shaffer, 2005; Teixeira; Bardagi; Gomes, 2004). Após a explicação desses estilos parentais fez-se uma analogia a respeito de práticas e estilos educativos na escola, questionando os educadores a respeito de como seriam os professores autoritários, os indulgentes, os negligentes e os competentes. A maioria dos professores pôde participar citando exemplos e se identificando com algum estilo parental.
Para evitar a idéia de mera classificação e culpabilização do cuidador ou educador, foi discutido que o desempenho educativo não depende apenas do professor (e dos pais) ser ou agir de determinada forma, mas também das vivências e características pessoais da turma, dos alunos (filhos). Isso demonstra a importância de ser possibilitado ao aluno (adolescente, criança) que experimente novas formas de se relacionar que não apenas com pais negligentes ou autoritários, por exemplo, mas com outras pessoas capazes de serem acolhedoras e firmes na medida certa (Sampaio, 2007; Weber, 2007).
Essa primeira intervenção foi encerrada com resultados avaliados pelos presentes como positivos e um convite da equipe diretiva às estagiárias, para que pudessem ser realizados mais encontros como esses para os professores das séries iniciais e, com todos os professores dos 1º ao 9º ano a respeito da relação professor – aluno. Ao tomarem conhecimento do conteúdo e resultados positivos da palestra, a orientadora educacional e a coordenadora pedagógica do turno da tarde, que não haviam comparecido, pediram que fosse realizado um mesmo encontro pelo turno da tarde.
O encontro realizado pelas estagiárias na Escola B, na qual as discussões enfocaram crianças e adolescentes, possibilitaram que o grupo lembrasse várias situações que estavam vivendo com seus filhos, bem como discutisse sobre a atitude de alguns professores em relação aos alunos menores e a influência disto no comportamento apresentado pelos alunos. Pela dificuldade de horário e término do semestre, esta foi a única palestra realizada nesta escola.
Diante da explícita necessidade de proporcionar uma discussão entre os professores do outro turno da Escola A e, apoiada pela equipe diretiva organizou outra palestra, com o título "Discutindo sobre estilos e práticas educativas parentais", juntamente com sua colega estagiária da Escola B. Esse encontro aconteceu, em momento cedido da reunião pedagógica. Como esses professores trabalhavam com crianças de 1º ao 5º ano, ainda não adolescentes, optou-se por dar um enfoque aos estilos e práticas educativas nesse encontro, também por perceber a dificuldade daquelas em agir com as crianças, muitas vezes utilizando-se de práticas coercitivas.
Nesse terceiro encontro, com as professoras do turno da tarde, que manifestavam dificuldades em relação a como lidar com as crianças agressivas, por exemplo, conversou-se a respeito da importância da família. Bee (1997) afirma que é a família o primeiro ambiente de que a criança participa, aprendendo regras e modos de se relacionar. Para esse autor, a família tem o papel de ser fonte de segurança, afeto, proteção e bem-estar, o que nem sempre acontece a todas as crianças.
Nesse momento os professores e a equipe diretiva, puderam questionar-se a respeito das famílias de seus alunos. Elas compartilharam sobre a dificuldade de comunicação com tais famílias, já que, muitas vezes, os pais não se responsabilizavam pelos filhos, deixando para a escola encargos educativos que não são unicamente responsabilidade sua, como de educação moral e comportamental da criança. Em seguida foram trazidos para o encontro os tipos de práticas disciplinares que os pais utilizam para alterar o comportamento dos filhos: a disciplina indutiva que se refere à estratégia de direcionar a atenção da criança para as conseqüências de seu comportamento às outras pessoas e para as demandas lógicas da situação; envolve explicações sobre as conseqüências do comportamento da criança, sobre as possíveis implicações maléficas ou dolorosas das ações da criança para os outros e a si mesma (Hoffman, 1975; 1994).
Conforme Shaffer (2005), a outra prática educativa diz respeito à disciplina coercitiva a qual reforça e reafirma o poder parental, já que se utiliza a aplicação direta da força e do poder dos pais. Essa prática provoca o controle do comportamento baseado na ameaça e em sanções externas. A coerção inclui punição física e privação de privilégios, o que pode estimular e agravar um padrão inadequado de comportamento quando este padrão é ao mesmo tempo punido e reforçado (Catania, 1999). Algumas pesquisas sobre esses efeitos foram mencionadas e referem que a prática disciplinar coercitiva pode provocar emoções intensas nas crianças como: hostilidade, medo e ansiedade, interferindo na capacidade de ajustar o seu comportamento a situação (Cecconello, De Antoni, & Koller, 2003; Montandon, 2005; Salvador & Weber, 2005).
Além das práticas disciplinares abordaram-se os quatro estilos parentais, utilizando os mesmos autores citados na primeira palestra para o turno da manhã da Escola A. Também foram apresentadas pesquisas que aludem à relação das práticas e estilos parentais com os comportamentos de crianças e adolescentes. Filhos de pais autoritativos, por exemplo, tendem a ser mais alegres, mais obedientes e a ter maior competência social. Por outro lado filhos de pais negligentes/ausentes - que não costumam proporcionar nem afeto, nem controle - tendem a ter mais comportamentos externalizados de explosões de temperamento, a "ir muito mal" no desempenho escolar e a apresentar transtornos de comportamento mais tarde, na meninice (Lamborn, Mounts, Steinberg, & Dornbusch, 1991; Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts, & Dornbusch, 1994).
O mesmo pôde se discutir em relação à sala de aula, com as práticas dos professores e de como seriam alunos de professores autoritários, autoritativos, indulgentes e negligentes. Algumas professoras colaboraram com a discussão trazendo exemplos de situações em que teve de ser indulgente e até mesmo autoritário, se cobrando por isso. Assim, as discussões se deram através de exemplos trazidos pelos professores, que demonstraram satisfação em utilizar tal espaço de discussão. Destacou-se ainda, como pode ser difícil, embora extremamente importante, lidar com filhos de pais cujas práticas educativas são bastante diferentes das utilizadas pelos professores.
A quarta palestra expositivo-dialogada foi realizada na escola A pelo turno da manhã, em horário de reunião pedagógica, em que todos os professores dos dois turnos foram convidados a participar. Estiveram presentes cerca de 25 professores. O tema da palestra surgiu devido ao interesse da direção, por perceber a necessidade de discutir sobre as dificuldades na relação professor – aluno. A palestra foi assim intitulada como: "Educação e relações interpessoais: a relação professor – aluno".
Inicialmente foram trazidas questões envolvendo o contexto familiar, pelo qual a criança trará para a escola vivências daquele contexto, bem como aspectos constitucionais. Segundo Outeiral e Cerezer (2005) chegando a escola, a criança a perceberá como não apenas um lugar real (espaço físico), mas também como um lugar imaginário, percebendo-a a partir de sua história, seus desejos e medos. Sendo assim, a relação do aluno com a escola e os educadores vai depender não só da visão que este possui da instituição como um todo, mas também será afetada pela significação que os pais dão à escola, aos estudos do filho e à relação deles com os demais alunos (Guzzo, 2002; Outeiral, & Cerezer, 2005).
A escola, por representar um espaço em que a criança e o adolescente vão exercitando os primeiros passos em direção a independência dos pais infantis, sofre pressões. A partir disso, os alunos poderão ter outras relações, que vão superar as perdas desenvolvimentais da dependência mútua entre os pais e seus filhos, que estão crescendo (Outeiral, & Cerezer, 2005). Assim, as estagiárias problematizaram que a escola e, principalmente, os professores, podem ser recipientes de impulsos, fantasias, emoções e pensamentos que as crianças e os adolescentes têm em relação aos seus próprios pais. É nesse sentido que, amor e agressividade, dirigidos originalmente aos pais, podem ser "transferidos" para os professores, conforme Outeiral e Cerezer (2005).
Contudo, foi importante lembrar também que, trabalhar com crianças ou adolescentes, desperta nos professores essa fase de vida deles. É nesse sentido que, um professor poderá desenvolver distintos sentimentos por uma determinada criança ou adolescente que evoque suas próprias situações de vida. Ressaltou-se, durante o encontro, que poderia ser por essa razão que o professor tende a manifestar maior interesse àqueles alunos com extraordinária capacidade intelectual ou pelo total afastamento das normas aceitas pela escola e professores. Nesse sentido, seria compreensível que os professores deixem-se arrastar por simpatias e antipatias resultantes da percepção de características observadas nas pessoas em interação (Leite, 1997).
Dois processos importantes que ocorrem na interação professor–aluno também foram discutidos na palestra: introjeção e projeção. Na introjeção, a criança interioriza imagens dos pais ou adultos que desempenham esses papéis, o que passa a constituir uma 55 parte de sua personalidade. Na projeção, o individuo lança em outros as características (na maioria das vezes indesejáveis) de que é incapaz de perceber em si mesmo (Leite, 1997). A explicitação de tais mecanismos de defesa provocou muitos comentários entre os professores. Alguns deles começaram a dar exemplos de sala de aula, de como possuem antipatias com alguns alunos e, se perguntam o porquê, muitas vezes não sabendo encontrar motivos que as justifiquem. Já outros professores não concordaram com os referidos mecanismos de interação, justificando apenas que era difícil estar em situação de sala de aula e conviver diariamente com alunos.
Explicou-se que se costuma evitar o contato com as pessoas e alunos por quem se tem antipatias, e esses não têm a possibilidade de exibir qualidades que poderíamos vir a admirar. Já a percepção de qualidades semelhantes, ou pelo menos, mutuamente aprovadas, tende a fazer com que a relação se torne cada vez mais positiva (Leite, 1997). Os professores falaram que percebem esses processos em sala de aula, pois têm alunos que adoram e os admiram e outros que não lhes "descem" (sic).
Diante da pergunta sobre como poderiam fazer para que o ciclo de antipatia pudesse cessar, as estagiárias trouxeram que era possível buscar, em cada aluno, as qualidades desejáveis em vez de acentuar sua inadequação para determinadas tarefas. Por isso a importância de investir nos potenciais e qualidades de cada aluno e não apontar defeitos ou "desajustes". Segundo Patto (1997), quando se buscam qualidades positivas nos alunos é possível que estas se desenvolvam nele.
No decorrer das discussões, a equipe diretiva, da mesma forma que os professores em geral, pôde falar a respeito dos professores, de suas atitudes, do que os alunos reclamam e da relação professor – aluno. Nesse momento surgiu outro emergente: alguns professores reclamaram que não possuíam determinadas "regalias" (sic) de que outros professores 56 desfrutavam, como licenças extras para ir ao médico. Segundo eles, isso os desmotivava para o trabalho enquanto educador. A coordenação da escola pôde esclarecer os critérios que seguia para conceder tais benefícios, o que identificou como bastante importante.
No momento de encerrar o encontro, foi solicitado que os participantes expusessem como se sentiram durante a experiência. Depois de um silêncio, uma professora manifestou que tal atividade era muito cansativa para fazer em final de ano porque isso se somava aos pensamentos nos problemas de casa. Já a equipe diretiva disse ter sido muito importante, pelo espaço aberto para falar a respeito das dificuldades e sobre a prática dos professores dos "mal entendidos" e acreditam que esses momentos devem continuar existindo. Essa situação revelou a dificuldade de comunicação entre os objetivos da direção e as necessidades dos professores. Pode-se pensar que a equipe diretiva também está necessitando investir nos potenciais e qualidades de cada professor, para que neles essas características se desenvolvam, numa analogia ao que foi dito anteriormente, sobre os alunos.
Considerações finais
Este artigo pretendeu relatar intervenções expositivo-dialogadas realizadas junto a professores como parte de um estágio Curricular em Psicologia Escolar em um Curso de graduação em Psicologia. Percebeu-se que tais intervenções foram os únicos espaços explícitos para a inserção das estagiárias de psicologia junto ao professor durante o período de estágio.
Ainda assim, foi uma demanda basicamente da direção e não da totalidade de professores. É importante problematizar o lugar histórico do psicólogo escolar, que focalizava seu trabalho no problema oriundo do aluno. A situação das tentativas iniciais de intervenção no estágio em Psicologia Escolar parece vir de um estranhamento em relação ao imaginário do psicólogo clínico. Um estudo de Neves, Almeida, Chaperman e Batista (2002) mostrou que a maioria dos psicólogos escolares no Brasil ainda segue o modelo médico-clínico ou queixa-se de não conseguir se inserir no ambiente escolar. Ainda que tenha sido sugerida por apenas uma das partes das escolas, considerou-se que a intervenção em grupos de professores, com palestras expositivo-dialogadas, permitiu que se criasse um espaço psicológico, além do físico, para que se percebessem as dificuldades e os potenciais do grupo, bem como para melhorar a comunicação positiva entre a equipe diretiva e os professores assim como internamente em cada grupo. Percebeu-se que palestras expositivo-dialogadas sobre temáticas emergentes nas escolas podem ser um início de comunicação mais aprofundada e de abertura de um espaço para uma intervenção mais efetiva no espaço educacional. Um primeiro passo foi dado. E como disse o poeta Antônio Machado, "Caminante, no hay camino, se hace camino al andar".
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Agradecimento: As autoras agradecem à comunidade escolar, sobretudo às professoras participantes, pela oportunidade vivenciada de desenvolvimento profissional e pessoal.
Endereço para correspondência
e-mail: naipatias@hotmail.com
1 Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria
2 Psicóloga pelo Centro Universitário Franciscano
3 Mestre e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
*Artigo baseado na experiência de estágio em Psicologia Escolar do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA)