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Stylus (Rio de Janeiro)
versão impressa ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.36 Rio de Janeiro jan./jun. 2018
CONFERÊNCIA BILÍNGUE
Psicanálise e política1
Psychoanalysis and politics
Psicoanálisis y política
Luis Izcovich; Tradução de Cícero Oliveira
RESUMO
Neste texto, o objetivo é explorar em que difere a posição da política e da psicanálise em relação ao desejo. A questão é justificada a partir de duas observações de Lacan. A primeira postula que a felicidade se tornou um fator que a política levou em consideração, enquanto a segunda coloca uma proposição que Lacan condensa da seguinte forma: "o inconsciente é política". Isso nos leva a desenvolver essa proposição, situar a posição da psicanálise em relação à política e definir o que quer dizer uma ética do desejo. Esse percurso vai lançar luz sobre o que é possível esperar da psicanálise para o século XXI.
Palavras-chave: Psicanálise; Política; Ética; Desejo.
ABSTRACT
In this text, the aim is to explore how the position of politics and psychoanalysis differs in regard to the desire. The question is justified from two remarks by Lacan. The first postulates that happiness has become a factor that politics has taken into consideration, the second poses a proposition that Lacan condenses as follows: "the unconscious is politics". This leads us to develop this proposition, situate the position of psychoanalysis in relation to politics and define what an ethic of desire means. This course will shed light on what is possible to expect from psychoanalysis for the XXI century.
Keywords: Psychoanalysis; Politics; Ethic; Desire.
RESUMEN
En este texto, el objetivo es explorar qué distingue la posición de la política y del psicoanálisis en relación al deseo. La pregunta se justifica a partir de dos comentarios de Lacan. El primero postula que la felicidad se ha convertido en un factor que la política ha tenido en cuenta, el segundo plantea una proposición que Lacan condensa de la siguiente manera: "el inconsciente es política". Esto nos lleva a desarrollar esta proposición, situar la posición del psicoanálisis en relación a la política y definir qué significa una ética del deseo. Este recorrido arrojará luz sobre lo que es posible esperar del psicoanálisis en el siglo XXI.
Palabras clave: Psicoanálisis; Política; Ética; Deseo.
A psicanálise não é uma política, mas uma ética, uma ética do desejo que vai na contramão da política do desejo das políticas.
A ética analítica não é, portanto, uma ética tradicional que se apoia no serviço de bens, isto é, no fato de fazer o bem, o que implica sempre uma desvalorização do desejo.
A moralidade tradicional, aquela de Aristóteles, corresponde à ideia de uma política de seu tempo, ou seja, a serviço da cidade. É isso que funda a moral. A moral é, portanto, uma moral de mestre. O que significa dizer que se trata de uma moral a serviço de um poder.
Ora, a posição de Lacan consistiu em opor poder e desejo. Essa é a premissa do discurso analítico que opõe estes dois termos: poder e desejo. O discurso do mestre, ao contrário, apoia-se no postulado: "continue trabalhando e não cuide de seu desejo". É por isso que Lacan menciona que parte do mundo se orientou para o serviço de bens, perpetuando, assim, a perspectiva de sustentar um poder.
É preciso notar que Lacan (1959-1960/1997), no seminário A ética da psicanálise, propõe que o analista não é o garante do sonho burguês. O que é o sonho burguês? Permanecer no conforto. Ora, a tese de Lacan é que, para retornar à zona do desejo, é preciso renunciar aos bens, ao poder e ao conforto.
Ao mesmo tempo, pode-se deduzir daí que existe uma política da psicanálise que não pode ser baseada na ingenuidade. A ingenuidade está a serviço da ilusão de acreditar no otimismo. O entusiasmo como o afeto de fim de análise não é o mesmo que otimismo. Trata-se de um afeto que, ao contrário, supõe a queda dos falsos otimismos. Um afeto que não é a nostalgia das reivindicações de um passado melhor, nem a crença de um futuro marcado pela ideia de progresso.
A política da psicanálise é uma política do sintoma. Antes de tudo, isso diz respeito, portanto, ao sintoma do sujeito. Mas, além disso, diz respeito ao questionamento daquilo que faz sintoma com relação aos dispositivos implementados para assegurar o discurso analítico. Em outras palavras, trata-se de colocar à prova as condições que permitem reinventar a psicanálise.
No que diz respeito à política do sintoma do sujeito, é preciso levar em conta a oposição entre psicanálise e religião, pois a psicanálise preconiza a satisfação, o direito ao gozo. Aliás, como se pode constatar, dois grandes seminários de Lacan, A ética da psicanálise (1959-1960/1997) e Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1988), terminam com a mesma questão: como um sujeito vive a pulsão e os efeitos de uma análise?
Acrescentemos uma precisão: a ética da psicanálise diz respeito à satisfação da pulsão com relação ao desejo.
Freud (1930/1976) já havia evocado isso em O mal-estar na civilização. O mal-estar no social está ligado à insatisfação pulsional, o que é uma prolongação daquilo que ele já havia indicado sobre o sintoma como uma satisfação substitutiva.
Ora, como a política procede para tratar o mal-estar do sintoma? Ela procede por meio da identificação. Isso está claro no texto Psicologia de grupo e análise do ego (Freud, 1921/1976), pois é ali em que ele definiu as modalidades da identificação que têm como mola propulsora a felicidade e o ideal. Adquire-se felicidade por se sustentarem os significantes mestres. Esse é o programa da política.
Nesse sentido, a política se esforça para dar uma identidade aí; por definição, o sujeito tem uma falta, pois sua estrutura é a indeterminação. Mais uma vez, constata-se que o discurso do mestre é o reverso do discurso analítico. Pois a análise propõe uma saída também para a falta de identidade, mas não pelo viés da identificação.
Chego agora à fórmula do "inconsciente é política" (Lacan, 1966-1967, inédito). Em primeiro lugar, isso quer dizer que o inconsciente é uma questão de ligação com o Outro. Não há inconsciente se o discurso do Outro não advier ao sujeito. Lacan disse isso muito cedo: o inconsciente é o discurso do Outro. Ele é o fato de existir um laço com o Outro.
Ao fazer isso, Lacan retoma a proposição freudiana segundo a qual aquilo que é de ordem individual sempre assume um modelo.
Agora, é preciso perceber que Lacan construiu o discurso do inconsciente de acordo com a mesma estrutura do discurso do mestre. Isso significa que aquilo que esses discursos produzem são significantes mestres.
Ora, aqui outra distinção é feita entre psicanálise e política. Pois há, em Lacan, uma desidealização da política. A política propõe a reunificação em torno de um ideal, ao passo que a psicanálise propõe a produção do um por um, o singular. Nesse sentido, é possível postular que a análise é subversiva sem ser revolucionária.
A política visa ao arranjo, arranja as relações de modo a unificar as modalidades de gozo dos corpos e, para isso, fixa normas e exclui o fora da norma, ou seja, os sintomas.
Nesse sentido, ela visa ao processo de unificação. Compreendemos, a partir daí, por que a felicidade se tornou um fator de política. Pois a política assume a promessa de felicidade coletiva.
O ponto aqui é saber em que consiste a oferta analítica e qual é a proposição da análise, se supusermos que a demanda analítica é a da felicidade. Costumamos dizer que o analista não promete a felicidade. Agora, se nos referirmos ao texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (1958/1998), Lacan é explícito: o analista não recusa a promessa de felicidade. Trata-se de um paradoxo que, não obstante, resolve-se pelo fato de que existe, na realidade, uma promessa analítica. Diria mais: a análise deve levar em conta o fato de que, no social, existe a demanda por felicidade.
Toda a questão para a psicanálise é como prometer algo sem prometer. É no intervalo entre a não promessa e a promessa não explícita que intervém o semblante do analista, o qual é de nada prometer e, ao mesmo tempo, fazer o sujeito sentir que, no fim do caminho, ele será capaz de encontrar uma satisfação. O que quer dizer que a promessa analítica é uma promessa implícita, não formulada, silenciosa, mas, no fim das contas, uma promessa.
Ora, em que a promessa analítica difere da promessa de felicidade de Aristóteles? Para Aristóteles, a satisfação individual só é possível se o sujeito se acomodar à lei do bem coletivo. É isso o que Lacan descreve como a escolha razoável.
Contrariamente a essa perspectiva, Lacan começa criticando a promessa de felicidade pelo advento de uma relação completa com um parceiro, ou seja, a relação genital.
Trata-se, antes, de permitir que o sujeito se coloque em uma posição melhor para que as coisas lhe aconteçam de maneira mais satisfatória.
Deduz-se que Lacan se afasta da ideia de um objeto único que seria o objeto que permite o acesso à satisfação absoluta. Sua orientação não é mais feita, a partir de dado momento, apenas pela suspensão da repressão, mas pela orientação do real.
Isso fica perfeitamente claro a partir do seminário A ética da psicanálise. Este serve para mostrar os limites da lei social e da moral, e enfatiza essa dimensão da existência humana que é a relação que cada um mantém com Das Ding, ou seja, aquilo que está no centro, mas fora do significante e que ordena sua lei. Nesse sentido, pode-se dizer que a ética da psicanálise é uma ética do desejo que se opõe a uma ética do superego.
Essa é a razão da objeção de Lacan ao imperativo categórico de Kant, que não leva em conta o impossível. Pelo contrário, ele se baseia em uma obrigação: "você tem que". O imperativo não leva em conta aquilo que podemos ou não podemos.
No lugar do imperativo, Lacan colocou o desejo. Entendemos que a psicanálise é uma prática que implica uma inversão com relação aos imperativos categóricos. Trata-se de uma inversão, portanto, em relação a Kant e Sade. Se Lacan pôs Sade lado a lado com Kant, é porque o gozo absoluto preconizado por Sade não é senão um imperativo categórico de prazer.
Para ambos, Kant e Sade, não se trata de nada além de uma fantasia.
Retomo a diferença entre a política e a psicanálise. A política considera o homem em grupo, preocupa-se com o conjunto. Quem ganha na política é aquele que tem uma maioria. É a partir daí que se entende que a felicidade se tornou um fator político. Tenta-se ter o maior número de pessoas felizes possível. Por isso, a política procede por meio da proposição de um projeto que abrange o máximo de pessoas possível. Volto à questão da identificação, pois a política utiliza o mecanismo de identificação. Entretanto, o que deve ser observado é que Freud (1921/1976), para descrever o funcionamento do grupo social, sobretudo em Psicologia das massas, recorreu à identificação.
A ideia é que, quanto mais um sujeito se identifica com uma massa, mais ele perde sua identidade. A análise procede por um esquema oposto: para acessar o que cada um tem de mais singular, é preciso fazer um percurso que supõe a queda das identificações.
Ao extrair as identificações, o que se produz é uma queda das crenças e dos ideais. Essa é a condição de produção de um novo desejo. Percebe-se bem que a proposição ética da psicanálise vai na contramão da ética da felicidade promovida pela política.
A questão que vale a pena se colocar, pois é fundamental, é de saber se a psicanálise promove a emergência de um sujeito indiferente à política. É isso que, às vezes, algumas pessoas criticam na psicanálise. Na verdade, trata-se do oposto. A psicanálise muda o mundo. Ela o muda de uma forma diferente da política, e é possível se questionar se ela, no fundo, não o muda até mais.
Observemos já dois efeitos da psicanálise em nosso tempo: o sujeito leva em consideração seu desejo e a pulsão. Levar essas duas dimensões em conta vai de encontro a uma política antidemocrática. Isso significa que a psicanálise deve se preocupar com o regime político em que sua prática se desenvolve.
Todo regime antidemocrático - pensemos no nazismo - compreendeu que a psicanálise não é somente uma prática que libera, mas, antes de tudo, é uma prática que lança mais luz sobre a condição do sujeito e de seus companheiros.
É isso que opõe o exercício de um poder e de confrontar um sujeito aos limites do poder, pois, como indiquei, o exercício de um poder é o oposto da realização de um desejo.
Passo agora aos efeitos sociais da psicanálise, pois há alguns. Eles podem ser atribuídos a Freud e à existência da psicanálise há mais de um século. É, antes de tudo, a autorização sexual.
Isso demonstra que uma psicanálise muda o sujeito, mas também muda a sociedade. A prova disso é que as sociedades em que a psicanálise é praticada são mais abertas a aceitar a diferença dos gozos, o que anda de mãos dadas com uma maior aceitação da mulher, mas, vai além disso, porque se trata, notadamente, da aceitação dos gozos que, embora não respondam a um princípio de normalização, são admitidos segundo o princípio de que, para seu gozo, cada um se autoriza por si mesmo - obviamente, levando em conta o respeito do gozo dos outros.
Gostaria também de fazer um comentário sobre a política do sintoma e o grupo analítico. Porque existe um real em cada comunidade analítica.
É preciso observar que esse é um grupo estranho, pois não tem nada em comum com os outros grupos de pessoas, porque a comunidade analítica é composta por aqueles a quem Lacan designou como os "dispersos desparelhados", ou seja, aqueles que deixaram cair suas identificações e se autorizam a seu gozo. Nesse caso, a psicanálise vai no sentido de fazer objeção à homogeneização dos gozos, ou seja, os mesmos objetos para todos, o mesmo gozo para todos. Essa ideia, baseada na necessidade de escolher para estar consigo aqueles com quem se compartilha o mesmo gozo, é a barreira das comunidades, sobretudo as religiosas, a base do racismo e da segregação.
Reitero que, na política, isso se traduz pelo deslocamento dos corpos, base das políticas de migração ou imigração. A política da psicanálise também visa ao corpo, pois ela visa a produzir um efeito sobre o inconsciente, de forma a determinar com quem o sujeito se une com seu corpo. Isso significa que a análise tem um impacto nos parceiros de gozo do sujeito e, além disso, também tem uma incidência sobre o laço do sujeito com os outros corpos.
Isso mostra que a psicanálise, que promove a desidentificação, não promove a saída dos discursos e não produz um fora do discurso. Trata-se justamente do contrário, ou seja, que, ao revelar a inexistência de harmonia entre os gozos, pois o gozo é sempre do próprio corpo, é a admissão do gozo do Outro que é induzida. O fato de existir uma comunidade daqueles que compartilham essa perspectiva não constitui nenhum ideal. Trata-se da prova em ato de um discurso diferente daquele que propõe o "cale-se e consuma".
É verdade que a psicanálise produz um sujeito incrédulo à manipulação política. A manipulação política consiste em usar significantes mestres para obter obediência coletiva. Esse significante mestre serve para capturar, fascinar e apanhar o sujeito em uma rede coletiva. É isso que explica o uso da publicidade na política, seguindo o modelo do superego: o princípio é uma frase curta, de efeito, e que promete um futuro feliz. É por isso que o princípio do mestre é de não querer saber. A psicanálise propõe o contrário: "você pode saber".
E a potência do discurso analítico é medida pelo fato de que ele faz os semblantes vacilarem, o que é exatamente aquilo que a política tenta manter a todo custo.
É isso que se deduz da frase de Lacan "o inconsciente é política". Trata-se de uma forma de anunciar que o discurso do mestre e o discurso do inconsciente têm a mesma estrutura.
Resta uma questão para concluir: será que a psicanálise produz sujeitos indiferentes ao discurso político? É preciso partir do seguinte: a psicanálise supõe condições para o exercício de sua prática. Ela supõe um discurso social que implica, na política, a necessidade da democracia.
Nesse sentido, pode-se sustentar que a psicanálise caminha junto com a implicação política, a defesa dos valores do discurso democrático, pois não haverá psicanálise sem um discurso do mestre que dê suporte à ideia de uma subversão subjetiva.
Por que, então, a democracia é necessária para a psicanálise? Pois, como indiquei, é apenas na democracia que é possível tolerar a pulsão, a qual, por definição, é dissidente. De fato, pode-se notar que, nas regiões do mundo em que a psicanálise não existe, ao mesmo tempo, o papel da mulher é estritamente delimitado, assim como qualquer forma de sexualidade que não segue preceitos religiosos é absolutamente proibida.
Definitivamente, a questão da política da psicanálise é a da finalidade da análise. A análise não é uma política, mas tem uma finalidade ligada à ética de um desejo.
E o que Lacan nos ensinou é que a ética não é apenas a elucidação do desejo, mas também sua realização. A política da psicanálise não é, portanto, a de fazer uma filosofia, mas de colocar em ação um desejo tendo em vista sua satisfação.
Para concluir, a política da psicanálise é a satisfação do desejo, mas, diferentemente da política, trata-se da satisfação de um desejo que não esteja alienado ao Outro, ou, antes, trata-se de um desejo efeito da desalienação. Resta dizer uma palavra sobre a ligação com o Outro em nossa época, marcada pelo narcisismo dos gozos sem a barreira dos ideais.
A resposta da psicanálise é que o desejo, ao final de uma análise, não é um desejo narcisista, mas um desejo advertido sobre o fato de que o gozo é do inconsciente, mas também de que não se goza do inconsciente sem o inconsciente do Outro. Por isso, a psicanálise não é uma prática que leva ao gozo autista, mas, sim, a um gozo que, embora seja de cada um, não pode ser obtido sem a implicação do inconsciente do Outro.
Referências bibliográficas
Freud, S. (1921/1976). Psicologia de grupo e análise do ego (Jayme Salomão, Trad.). In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 18, pp. 89-179). Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Freud, S. (1930/1974). O mal-estar na civilização (Jayme Salomão, Trad.). In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 21, pp. 75-171). Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Lacan, J. (1958/1998). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In J. Lacan. Escritos (Vera Ribeiro, Trad.) (pp. 591-652). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. [ Links ]
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Lacan, J. (1966-1967). Le séminaire, livre 14: la logique du fantasme. (Aula de 10 de maio de 1967). Inédito. [ Links ]
Recebido: 01/07/2018
Aprovado: 01/07/2018
1 Esta conferência foi apresentada em Formações Clínicas do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro, no dia 16 de maio de 2018, por ocasião do lançamento do livro do autor As marcas de uma psicanálise.