SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número38EditorialO real e a interpretação índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.38 Rio de Janeiro jan./jun. 2019

 

CONFERÊNCIA BILÍNGUE

 

O que é o real para Lacan?1

 

What is the real for Lacan?

 

¿Qué es lo real para Lacan?

 

 

Jean-Jacques Gorog; Tradução de Cícero Oliveira

 

 


RESUMO

O autor aborda a noção de real em diferentes momentos do ensino de Jacques Lacan. Afirma que, durante todo esse período, é sempre do mesmo real que se trata. Partindo da questão da alucinação, discute a noção de pai em psicanálise, especialmente a de pai real. Aborda a questão da lógica como forma de decifrar o real como o impossível de dizer. O autor conclui que o real do encontro só pode ser deduzido no decorrer da cura, e que o engodo da significação não pode ser evitado na abordagem do real em causa.

Palavras-chave: Psicanálise; Real; Pai; Lógica.


ABSTRACT

The author writes about the notion of real at different times in the teaching of Jacques Lacan. The argument states that throughout this period it is always the same real in question. From the question of hallucination the author discusses the notion of father in psychoanalysis, especially that of the real father. He addresses the question of logic as a way of deciphering the real as the impossible to say. The author concludes that the real of the encounter can only be deduced in the course of cure and that the enticement of signification cannot be avoided in approaching the real at stake.

Keywords: Psychoanalysis; Real; Father; Logic.


RESUMEN

El autor aborda la noción de real en diferentes momentos de la enseñanza de Jacques Lacan. Afirma que durante todo ese período es siempre del mismo real que se trata. A partir de la cuestión de la alucinación discute la noción de padre en psicoanálisis, especialmente la de padre real. Aborda la cuestión de la lógica como forma de descifrar lo real como lo imposible de decir. El autor concluye que lo real del encuentro sólo puede deducirse en el curso de la curación y que el engaño de la significación no puede ser evitado en el enfoque de lo real en cuestión.

Palabras clave: Psicoanálisis; Real; Padre; Lógica.


 

 

Talvez eu vá surpreender alguns, mas, para mim, o real, segundo Lacan, recebe uma definição muito cedo e não será quase nada modificado em seguida. Desde que, todavia, siga-se a pista do que ele diz no contexto preciso em que ele diz.

Se há vários reais, na medida em que esse real é abordado a partir de vários pontos, a realidade é que, como vou tentar mostrar, é do mesmo real que se trata, ainda que aqui não serei exaustivo, dada a frequência das referências ao real.

Vocês, evidentemente, conhecem esses reais, mas aquele que, na esteira das apresentações já feitas durante esses dias, desempenha o papel mais decisivo, é o real da alucinação. Ele é privilegiado por distinguir bem o real da realidade, porque a voz ouvida não é imaginada - tomem isso no sentido literal, não é imaginário, mas real -, e não podemos entrar no manejo da transferência com um sujeito psicótico, se não captarmos essa diferença fundamental e sem a qual, aliás, teremos as maiores dificuldades em compreender o que Lacan diz sobre o real no sujeito neurótico. Esse real alucinatório surge desde o primeiro seminário, com relação à alucinação do dedo cortado do Homem dos lobos. Vocês conhecem a fórmula: o que é foracluído do simbólico reaparece no real (Lacan, 1955- -1956/1985, p. 21).2 Devo aqui precisar que esse real retorna, retorna com palavras - algo simbólico, portanto.

Vem, em seguida, sempre com a psicose como referência, o encontro com Um-pai, modo de desencadeamento da psicose.

Mas, como pode o Nome-do-Pai ser chamado pelo sujeito no único lugar de onde pode ter-lhe advindo e onde nunca esteve? Através de nada mais, nada menos que um pai real, não forçosamente, em absoluto, o pai do sujeito, mas Um-pai. (Lacan, 1958/1998, p. 584)

Esse Um-pai é real na medida em que a intervenção desse pai mostra que o pai, o significante pai, estava ausente, foracluído. O efeito produzido aí novamente não está na realidade do pai; esse pai não é o pai na vida. O exemplo que ilustra bem isso é o de um jovem que desencadeou sua psicose no serviço militar, quando um capitão, que havia se afeiçoado a ele, disse: "serei como um pai para você". São apenas palavras, mas fazem retornar aquilo que não tem representação simbólica para o jovem, a saber, o que um pai é para ele, e que Lacan chamará de foraclusão do Nome-do-Pai.

Prossigo com aquilo que deverá ser desenvolvido em seguida a partir daí. Que há vários modos do pai e especialmente o pai real, o lado do pai simbólico e do pai imaginário. Quando essa tríade aparece? Imediatamente após o seminário sobre as psicoses, no seminário seguinte, chamado As relações de objeto.

Sem entrar nos detalhes de todas as transformações, de todos os tratamentos da tríade até os nós borromeanos, é necessário lembrar o ponto de partida dessa leitura de Freud por Lacan, que começa com "Os complexos familiares", em 1938. Três complexos - desmame, intrusão e Édipo -, que já contêm os três registros que organizam a clínica segundo Lacan. Com efeito, o complexo de desmame é real, o de intrusão é imaginário, e o complexo de Édipo é dito simbólico. Notem que é no segundo, o imaginário, que ele afirma inovar em relação a Freud, a partir de seu estádio do espelho. O estádio do espelho também implica o real, mas abrevio aqui. A tríade torna-se, em Asrelações de objeto, os três modos da falta, que podem muito facilmente ser sobrepostos aos três anteriores - privação (real), frustração (imaginário), castração (simbólico). Uma dimensão estrutural vem mais nitidamente acrescentar-se à do desenvolvimento. Digo acrescentar-se, não substituir - é nisso que Lacan sempre contestará, com Lévi-Strauss e Jakobson, seus compadres do momento, ser chamado "estruturalista". Se a questão fosse estritamente estrutural, como esperar qualquer efeito da psicanálise? O real da privação, cujo modelo permanece sendo o desmame, vai sofrer certa torção, segundo o ponto de vista que será nosso, ou seja, que o consideramos do ponto de vista do desenvolvimento ou o da cura analítica, que segue um percurso inverso e encontrará o real no final, desde que se tenha seguido a via que, partindo do imaginário decifrado segundo a linguagem e sua dimensão simbólica, atinge o real. É por isso que a privação aparecerá no final da corrida. Noto que isso é explícito desde o seminário que vem na sequência, As formações do inconsciente.

Não abandonemos nosso fio condutor. Nos esquemas que ele constrói a partir dessa tríade, o pai real está situado como o agente do complexo de castração, que deve ser entendido como: sem pai real, não há complexo de castração. Em outras palavras, o pai real é necessário para a instauração do complexo de castração, e, quando ele não existe, há foraclusão, psicose. Essa tese não se modificará mais; o seminário sobre Joyce, Osinthoma, retomará isso tal qual. Mas ele não fala muito mais do que isso nesse momento, e precisará de muito tempo para explicar mais o que é esse pai real. O seminário O avesso da psicanálise, em 1970, fornece-nos um comentário mais preciso: "Foi no nível dos agentes que, não sem indicá-lo, fiquei menos explícito" (Lacan, 1969-1970/1992, p. 117).

Na realidade, aqui apenas um agente lhe interessa, o da castração: "(...) a noção do pai real é cientificamente insustentável. Só há um pai, é o espermatozoide, e, até segunda ordem, ninguém jamais pensou em dizer que é filho de um tal espermatozoide" (Lacan, 1969-1970/1992, p. 120).3

Os desenvolvimentos recentes das possibilidades de revisão científica vão, sem dúvida, muito longe, além daquilo que já era possível em 1970, apresentando questões éticas às quais os tempos atuais dedicam-se cada vez mais, por exemplo, acerca do anonimato dos doadores de esperma, mas sem resolver o que quer que seja, ao menos no que diz respeito à designação que a mãe faz do pai:

(...) mas, azar - não é só nas tribos dos arandas que se poderia perguntar quem é realmente o pai na ocasião em que uma mulher fica grávida. Se há uma pergunta que a análise poderia fazer, é justamente esta. Por que em uma psicanálise não haveria de ser o psicanalista - e vez por outra tem-se essa suspeita - o pai real? (Lacan, 1969-1970/1992, p. 120)

A que Lacan acrescenta:

(...) mesmo não sendo ele que o tenha feito, ali, no terreno espermático. Vez por outra temos a suspeita, quando se trata da relação da paciente com, digamos, para ser pudicos, a situação analítica, de que ela finalmente se tornou mãe. Não é preciso ser aranda para fazer perguntas sobre o que vem a ser a função do pai. (Lacan, 1969-1970/1992, p. 120)

Por exemplo, "pode-se muito bem fazer um filho para o marido que seja filho de um outro - mesmo se não se transou com ele -, daquele justamente que se queria que fosse o pai. De todo modo, foi por causa disso que se teve um filho" (Lacan, 1969-1970/1992, p. 120).

Lacan apresenta essa explanação como uma tirada. Apesar de tudo, não devemos levar isso a sério, procurando qual lugar pode ser o dele?

A referência primeira ao pai real é, na verdade, o pai da horda primitiva, que vem desde "A agressividade em psicanálise" (Lacan, 1948/1998, p. 117), cujo assassinato, diante da rivalidade entre os irmãos, aparece como "o fundamento da identificação com o Totem paterno". Já Lacan critica "o círculo mítico que a vicia", ao mesmo tempo que reconhece a fecundidade da obra freudiana, "na medida em que ela faz derivar do evento mitológico, isto é, do assassinato do pai, a dimensão subjetiva que lhe dá sentido, a culpa" (Lacan, 1948/1998, pp. 119-120).

Aqui, a identificação é nitidamente distinta da procriação, e coloca a questão do "verdadeiro" pai e a identidade: se parece absurdo que um bororo diga "eu sou uma arara", trata-se, no entanto, de uma operação estritamente equivalente que está em funcionamento quando alguém diz "eu sou médico", com as mesmas dificuldades lógicas, e mais ainda quando se tratará de afirmar "eu sou homem" (Lacan, 1948/1998, p. 118). Se o pai real ainda não é explicitamente mencionado, a tripartição das funções do pai aparece um pouco mais adiante, em "Função e campo de fala e da linguagem", depois de ter evocado os efeitos do descompasso das gerações sobre a identificação simbólica do sujeito "pela qual o primitivo supõe reencarnar o ancestral homônimo" (Lacan, 1953/1998, p. 279).

"De fato, mesmo representada por uma única pessoa, a função paterna concentra em si relações imaginárias e reais, sempre mais ou menos inadequadas à relação simbólica que a constitui essencialmente" (Lacan, 1953/1998, p. 279).

As três funções do pai estão claramente estabelecidas, e a do pai real constitui um paradoxo, por ser a função mais enigmática, apesar de uma definição muito simples, que poderia ser: o pai questionável. Nesse aspecto, o pai do espermatozoide está justamente no registro biológico, inquestionável. Ele se opõe ao pai simbólico: "é no Nome-do-Pai que se deve reconhecer o suporte da função simbólica que, desde o limiar dos tempos históricos, identifica sua pessoa com a figura da lei" (Lacan, 1953/1998, p. 279).

E ao pai imaginário:

Essa concepção permite estabelecer uma distinção clara, na análise de um caso, entre os efeitos inconscientes dessa função e as relações narcísicas, [até mesmo] entre eles e as relações reais que o sujeito mantém com a imagem e a ação da pessoa que a encarna, resultando daí um modo de compreensão que irá repercutir na própria condução das intervenções. (Lacan, 1953/1998, pp. 279-280)

... isto é, a conduta da cura. Os efeitos inconscientes da função são aqueles do Nome-do-Pai simbólico, as relações narcísicas designam o pai no registro imaginário. O "até mesmo" ressalta como, desde sua emergência, o conceito de pai real é problemático.

Nota-se nesse excerto, contudo, o elo entre as relações [relations] ditas "reais" com o imaginário. Essa é uma constante, uma vez que a imago do começo não era apenas "imaginário", tratava-se de um elemento fixado com sua dimensão real. Seguiremos seu rastro com o esquema L, assim como Lacan (1956/1998, p. 58), que pareceria ignorar o real.

 

 

Não é esse o caso, como prova o desenvolvimento desse esquema, quando ele tenta inscrevê-lo na problemática do neurótico. É o esquema R (Lacan, 1958/1998, p. 559) em que vemos esse campo chamado Realidade, aqui o real, a ser construído, avançando no triângulo do imaginário. Mas ainda há outro elemento demonstrativo, quando ele corrige os termos da diagonal imaginária e coloca no lugar de a para outro,i(a), chamado imagem especular, ao mesmo tempo que a função de seu objeto a adquirirá consistência de real. O real está bem inscrito nessa função imaginária da imagem especular. Mas não vemos isso. Ele está escondido no oco da imagem.

 

 

Dessa forma, seguimos nosso fio condutor com o que se podia ver na psicose, e o que está escondido na neurose, do objeto a alucinado presente demais no objeto da pulsão, a libido freudiana, isto é, um real que o sintoma neurótico tem a função de ocultar.

Mas não nos enganemos; esse real no oco da referência da imagem necessita, para ser percebido, do simbólico:

Esse real de que estou falando, o discurso analítico é a conta certa para nos lembrar que o acesso a ele é o simbólico. Não acessamos o referido real senão no e através do impossível que somente o simbólico define. Volto ao nível da História natural, de Plínio. Não vejo o que diferencia o unicórnio de qualquer outro animal, este perfeitamente existente na ordem natural. A perspectiva que interroga o real em certa direção ordena-nos a enunciar as coisas dessa maneira. (Lacan, 1971-1972/2012, p. 136)

Gostaria de acrescentar algo a esse real no cerne da imagem com relação àquilo que diz respeito ao corpo e ao real. Quando Lacan constrói o narcisismo, a imagem do corpo, ele faz notar que essa imagem está no plano. É isso que autoriza o olhar, o imaginário diz respeito a um corpo plano. E ele acrescenta que o sexo masculino, o órgão fálico, sai do plano e deve ser considerado como que efetuando um furo na imagem. É um real cuja ordem de linguagem não sabe o que fazer, ou, antes, com a qual ele terá de se virar.

A tríade a seguir no ensino de Lacan, e que é apenas uma extensão da anterior, é a do seminário A identificação. Existem, com efeito, três modos de identificação correspondentes a uma resposta às três faltas constitutivas do ser falante. Elas são emprestadas de Freud, evidentemente: há a identificação com o pai, real; a identificação com o traço unário, sintoma, portanto, simbólico; e a chamada identificação histérica, do desejo com o desejo, imaginária. Não são três identificações, mas o conjunto que constitui a identificação.

Proponho, como termo para esta sessão de hoje, a formulação da identificação tripla, tal como Freud adianta. Se há um Outro real, ele não está senão no próprio nó, e é por isso que não há Outro do Outro. Identifiquem-se com o Imaginário desse Outro real, e terão então a identificação do histérico com o desejo do Outro - o que ocorre no ponto central. Identifiquem-se com o simbólico do Outro real, terão então a identificação (...) do traço unário. Identifiquem-se com o real do Outro real, obterão aquilo que indiquei como Nome-do-Pai, em que Freud designa aquilo que a identificação tem a ver com o amor. (Lacan, 1974-1975)

Essa versão mais tardia dos três modos de identificação mostra muito claramente essa função do real, na medida em que é necessário deduzi-la logicamente, uma vez que o Nome-do-Pai não é observável.

Mas, continuemos sem transição com uma das definições do real que é mais familiar para vocês, a de que não há relação [rapport] sexual. Qual a relação [relation] disso com o exposto anteriormente?

Para entender isso, preciso fazer um desvio por meio da lógica. E ver que se tratava de um dado presente desde o início. A realidade é aquela que vemos, a que imaginamos, portanto, dado que é a imagem com a qual temos de lidar. O real, por outro lado, é aquilo que se vê, mas que pode ser deduzido, ser demonstrado como verdadeiro. A referência às pequenas letras da matemática é onipresente, a tudo o que segue uma ordem lógica. A ciência, evidentemente, que descobre outra realidade além daquela que se revela eminentemente enganadora. Descartes, Newton, Pascal, matemáticos, Frege, Gödel etc. servirão à homologia da relação [rapport] com o real com o que, decerto, não é uma ciência, mas que não existiria sem a ciência, a psicanálise. Ou seja, aquilo que comanda o que vemos na experiência.

Em suma, devemos ter ferramentas apropriadas para decifrar o real. A teoria, com suas pequenas letras, pode permitir ler a realidade.

É justamente nisso que se baseia o que Lacan chama de dizer de Freud. Repito aqui o que lembrei há pouco:

O dizer de Freud infere-se da lógica que toma como fonte o dito do inconsciente. É na medida em que Freud descobriu esse dito que ele ex-siste. Restituir esse dizer é necessário para o discurso constituir-se da análise (é nisso que ajudo), a partir da experiência em que confirma-se a existência dele. (Lacan, 1972/2003, pp. 453-454)

Poder-se-á fazer notar o tipo de duplo sentido dessa restituição, a que Lacan faz, por um lado, por meio de sua explicação, ela própria oriunda da experiência analítica - aquilo em que "ele ajuda" - e, por outro lado, aquela que ele declara como tendo de ser encontrada em cada análise.

Ele pode deduzir esse dizer graças ao mito do pai morto de Totem e tabu, e que traduz nesse "não há relação sexual", que define aquilo que sustenta a operação analítica freudiana.

Parece-me difícil ignorar o que muitas vezes é confundido com o real de Lacan: o trauma, as efrações de qualquer tipo, o abuso sexual. Eles sempre comportam uma dimensão do corpo que não é nem sua imagem, nem seu uso na língua. É um real. Mas, aparentemente, ele vem em contradição com tudo aquilo que foi enunciado até aqui sobre o real de Lacan, o qual, por sua vez, é fundamentalmente deduzido.

Mas, entre as definições que ele dá, há o real como impossível. Entrevê-se aqui sua razão, que o traumatismo surpreende o sujeito como uma pura contingência, e aparece fora de sentido. É, portanto, de fato, impossível de ser apreendido. Esse é o sentido da leitura que Freud faz da neurose traumática. Para abordar isso, tomemos a chamada síndrome de Estocolmo, bem conhecida, em que o refém, tomado ao acaso na rua, chega a assumir a causa de seu carrasco. Por quê? Porque ele não encontrou motivo e porque, na verdade, não há. Mas o falasser [parlêtre] é feito de tal forma que deve encontrar uma razão para tudo o que acontece consigo. Ele não foi preso por acaso e deve ter sido escolhido, e adota a causa de seu carcereiro.

Que relação há entre esse real impossível e as pequenas letras da demonstração matemática, o real deduzido pelo cálculo?

Evocamos anteriormente o encontro com o real e o desencadeamento da psicose. Mas todo mundo encontra o real, quer o chamemos de traumatismo ou não, seja ele sexual ou não, a diferença está na resposta que cada um dá como explicação para esse encontro impossível. A análise chama essa resposta de sintoma. Ora, o que constitui o real do encontro é propriamente impossível de dizer; é essa, aliás, a razão por que se recorre ao sintoma. Ele só pode ser deduzido contanto que se contorne a questão no decorrer da própria cura. O mal-entendido recai sobre o fato de que Lacan afirma que se deve ocupar com o sentido e não com a significação, desde que essa significação o registre - o sentido, não a significação. O sentido visa ao real, mas não podemos abster-nos da significação. Mesmo que seja um engodo, um engodo é necessário para abordar o real em causa.

Resposta muito parcial a uma grande questão.

 

Referências bibliográficas

Lacan, J. (1974-1975). O seminário, livro 22: RSI. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1985). O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1955-1956)        [ Links ]

Lacan, J. (1992). O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-1970)        [ Links ]

Lacan, J. (1998). A agressividade em psicanálise. In J. Lacan. Escritos (pp. 104- -126). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1948)        [ Links ]

Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In J. Lacan. Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1953)        [ Links ]

Lacan, J. (1998). O seminário sobre A carta roubada. In J. Lacan. Escritos (pp. 13--66). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1956)        [ Links ]

Lacan, J. (1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In J. Lacan. Escritos (pp. 537-590). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1958)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). O aturdito. In J. Lacan. Outros escritos (pp. 448-497). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1972)        [ Links ]

Lacan, J. (2012). O seminário, livro XIX: ...ou pior. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1971-1972)        [ Links ]

 

 

Recebido: 30/04/2019
Aprovado: 30/04/2019

 

 

1 Conferência proferida em São Paulo, em 10 de novembro de 2018, durante o XIX Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL), Brasil.
2 "... existe um fenômeno, é que tudo o que é foracluído - verworfen -, na ordem simbólica, reaparece no real. Sobre isso, o texto de Freud é sem ambiguidade".
[N.E.] Aqui, a citação é traduzida de acordo com o texto original do autor da presente conferência.
3 Notemos que Woody Allen, em sua última sketch de Tout ce que vous avez voulu savoir sur le sexe sans avoir jamais osé le demander, faz figurar o espermatozoide como encarnando o pai, mas é para obter um efeito cômico, o que confirma o ponto de vista de Lacan.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons