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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.8 n.2 São Paulo dez. 2007
ARTIGOS
Habilidades do psicoterapeuta segundo supervisores: diferentes perspectivas
Abilities of the psychotherapist according to supervisors: different theories
Habilidades del psicoterapeuta según supervisores: diferentes perspectivas
Fernanda Andrade de Freitas *; Ana Paula Porto Noronha **
Universidade São Francisco
RESUMO
Diversas habilidades são necessárias para a atuação do psicólogo nos vários contextos profissionais. O objetivo desse estudo foi investigar as habilidades consideradas mais e menos importantes para os alunos-terapeutas, segundo os supervisores de diferentes perspectivas teóricas. Participaram 10 supervisores, das Abordagens Centrada na Pessoa (ACP), Psicanálise e Comportamental-Cognitiva (ACC). O instrumento de coleta de dados continha 17 habilidades, e solicitava-se aos supervisores que as organizassem de acordo com sua importância. Os supervisores da ACC e os da ACP priorizaram oito habilidades enquanto os da Psicanálise, 13. O grupo de supervisores da Psicanálise foi o que obteve maior concordância. Apenas a habilidade "ter produção científica" foi apontada pela maioria dos supervisores como a menos importante. Percebe-se que as habilidades priorizadas pelos supervisores podem servir de norteadores para que eles obtenham uma avaliação mais objetiva, com base em critérios bem delineados.
Palavras-chave: Formação do psicólogo, Supervisão, Psicologia clínica.
ABSTRACT
Several abilities are necessary to the practice of the psychologist especially in the clinical context. The aim of this study was to investigate the most and the least important abilities of the students as psychotherapists according to supervisors on the basis of different theories. Participated 10 supervisors from psychotherapy theories from client-centered psychotherapy (CCP), from psychoanalysis and from cognitive-behavioral therapy (CBT). The inventory was related to 17 abilities, and the supervisors were asked to organize them according to the importance of the ability. The CBT and the CCP supervisors emphasized eight abilities meanwhile the supervisors of the psychoanalysis emphasized 13 abilities. Psychoanalysis supervisors' group obtained more concordance. The least important ability by most of them was t "having scientific production". It was concluded that the inventory emphasized abilities which can guide the supervisors to obtain more objective assessment based on well delineated criterion.
Keywords: Psychologist graduation, Supervision, Clinical psychology.
RESUMEN
Son necesarias diversas habilidades para la actuación el psicólogo en los diferentes contextos profesionales. El objetivo de este estudio fue investigar las habilidades consideradas más y menos importantes para los alumnos-terapeutas según los supervisores de diferentes perspectivas teóricas. Participaron 10 supervisores de las líneas teóricas Centrada en la Persona (ACP), Psicoanálisis y Comportamental-Cognitiva (ACC). El instrumento de cosecha de los datos contenía 17 habilidades, siendo solicitado a los supervisores que las organizasen de acuerdo con su importancia. Los supervisores de ACC y los de ACP priorizaron ocho habilidades, mientras que los de psicoanálisis priorizaron 13. El grupo de supervisores del psicoanálisis fue el que obtuvo la mayor concordancia. Apenas la habilidad "tener producción científica" fue señalada por la mayoría de los supervisores como la menos importante. Se percibe que las habilidades priorizadas por los supervisores pueden servir como referencia para que ellos obtengan una evaluación más objetiva, con base en criterios bien delineados.
Palabras clave: Formación del psicólogo, Supervisión, Psicología clínica.
Introdução
A formação dos psicólogos tem requerido atenção especial dos especialistas da área, sobretudo no que se refere à formação em psicoterapia, visto que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a definição das diretrizes curriculares no país ampliaram a discussão sobre a definição da formação específica. Os pesquisadores da área de psicoterapia demarcaram critérios em busca da melhor definição de "psicoterapia", a fim de diferenciá-la de outras terapias, descrevendo as variáveis com as quais ela opera, as técnicas que utiliza, sua epistemologia e as capacidades e proficiências de um psicoterapeuta. De acordo com Hanns (2004), uma das justificativas para essa reflexão se dá em razão das mais de 500 psicoterapias já catalogadas.
A discussão retratada por Barreto, Monteiro, Caiado, Santos Filho e Lopes (1999) e Bock (1999), para o estabelecimento das melhores condições para uma formação adequada, sugere a necessidade de uma formação generalista, plural, interdisciplinar, científica e comprometida com a sociedade. Ao lado disso, Bock (1999) ressaltou a necessidade de formar alunos que desenvolvam suas possibilidades de percepção do óbvio e da inquietação, de tal sorte que suas atitudes sejam refletidas, pautadas na ética profissional e estabelecidas a partir da integração prática-teórica.
Com base nos pressupostos da psicoterapia comportamental-cognitiva, Campos (1995) elencou uma série de procedimentos para serem adotados pelo supervisor a fim de minimizar as variáveis que possam influenciar negativamente o processo de ensino-aprendizagem como, discutir com os alunos o seu desempenho, o tipo de registro de sessão, a necessidade de observação do supervisionado por outros alunos e o nível mínimo de habilidades que cada sujeito deverá apresentar ao final do estágio para ser considerado aprovado. De acordo com o autor, as habilidades clínicas são necessárias para que o processo de ensino-aprendizagem seja efetivo.
Alguns autores têm se dedicado ao tema, qual seja, determinar as habilidades mais importantes no desenvolvimento das tarefas de terapeuta. Agüirre e cols. (2000), Rangé, Guilhardi, Kerbauy, Falcone e Ingberman (1998) entendem que o papel do supervisor não é somente o de avaliar o aluno, e sim acompanhar o progresso dos alunos como terapeutas. Ao lado disso, Agüirre e cols. (2000) e Távora (2002) defenderam que se deve auxiliar o desenvolvimento das habilidades do aluno, acolhendo-o, orientando-o e auxiliando-o a compreender os aspectos latentes e manifestos, bem como compreender a relação que estabelece com o cliente e o vínculo que se forma com o supervisor. Vale ressaltar que os supervisores não são os únicos responsáveis pela preparação dos alunos, que eles contam também com a atuação de todo o corpo docente e com a dedicação do próprio aluno na aquisição de suas habilidades. No que se refere à questão, Moura (1999) pontua que
(...) o desenvolvimento de tais habilidades deve ser visto como um processo que deve ser iniciado logo no início da formação, pois o aluno traz habilidades em seu repertório pessoal que precisam ser aprimoradas juntamente com a aquisição de conhecimentos teóricos (p. 32).
Para o incremento das habilidades de um profissional competente, o estágio, na concepção de Rodrigues (2000), favorece o elo entre a teoria e a prática, permitindo ao aluno vivenciar as diversas áreas de atuação da psicologia e adquirir flexibilidade perceptiva e comportamental. Ao lado disso, Sant'Ana (1999) discutiu a formação do psicoterapeuta independentemente da perspectiva teórica, e concluiu que o aluno-terapeuta deve saber captar, compreender e perceber as dificuldades do cliente, assim como minimizá-las ou saná-las. A autora atesta que três itens são indispensáveis à preparação do psicoterapeuta, a saber, os aspectos teóricos que correspondem ao modelo teórico utilizado; os procedimentos terapêuticos e modelos metodológicos e as habilidades interpessoais, que consistem na sensibilidade ou empatia, na racionalidade, ou seja, levantar hipóteses da causa, determinar queixa, não deixar se influenciar pelas crenças irrelevantes, e o autoconhecimento, compreender aspectos inerentes a si próprio e saber se comportar. Em acréscimo há a habilidade técnica, vez que é necessário saber aplicar as técnicas de acordo com as necessidades do cliente.
As habilidades denominadas interpessoais são consideradas por Sant'Ana (1999) base para formação de psicoterapeutas competentes. Essa opinião é corroborada por Magalhães e Murta (2003), que rea-lizaram um trabalho com o objetivo de desenvolver as habilidades sociais de alunos de Psicologia durante o seu processo acadêmico. Para esse trabalho, foram realizados 10 atendimentos com a duração de 90 minutos cada, tendo como formas de abordagem durante os atendimentos, conversas sobre emoções, práticas parentais e auto-estima, defesa dos direitos interpessoais por meio da assertividade, entre outros. Vale lembrar que as habilidades sociais foram avaliadas de acordo com o Inventário de Habilidades Sociais, e o processo psicoterapêutico, por meio de Checklist de comportamentos Clinicamente Relevantes, no início e no final da intervenção. Constatou-se alta ocorrência de habilidades sociais e de comportamentos clinicamente relevantes nos alunos que participaram do programa.
Mello e cols. (2003), com o objetivo de aumentar o repertório de habilidades sociais e conseqüentemente o aumento da competência social e profissional dos alunos do curso de Psicologia, aplicaram em alunos dos dois primeiros anos o Inventário de Habilidades Sociais, para identificar déficits e recursos em habilidades sociais. Essa avaliação demonstrou que 55% dos alunos apresentaram déficits no quesito auto-exposição a pessoas desconhecidas e/ou situações novas, e 56% apresentou dificuldades em controlar a própria agressividade. A partir disso, foi elaborado e implementado um programa de intervenção, com duração de quatro meses, em encontros semanais. Ao final da intervenção, os alunos eram avaliados novamente, para averiguar se houve desenvolvimento das habilidades em relação ao enfrentamento das situações de risco, conversação e desenvoltura social, auto-exposição a pessoas desconhecidas e a situações novas. Notou-se alta correlação entre o repertório de habilidades sociais e o sucesso acadêmico, revelando melhor aproveitamento acadêmico por parte dos alunos.
A fim de descrever um modelo de supervisão clínica na formação do estudante de psicologia, Távora (2002) objetivou a promoção do crescimento pessoal e técnico dos terapeutas iniciantes, sob a perspectiva do Psicodrama e da Abordagem Centrada na Pessoa. Os alunos que optaram pelo estágio em psicologia clínica submeteram-se a um treinamento regular de um ano, com quarenta sessões de supervisão em grupo, de três horas cada, nas quais foram realizadas apresentações e/ou dramatizações dos casos. Os supervisores utilizaram técnicas psicodramáticas para promover a reflexão do aluno sobre suas habilidades, limitações, auto-imagem, relações dentro do grupo e evolução do seu processo de crescimento pessoal.
Tendo em vista a relevância das habilidades desenvolvidas durante a formação acadêmica, como enfatizada por diferentes estudos (Agüirre & cols.. 2000; Barreto & cols. 1999; Bock, 1999; Magalhães & Murta, 2003; Mello & cols. 2003; Rangé & cols. 1998; Sant'ana, 1999; Távora, 2002), faz-se necessário refletir sobre quais habilidades são imprescindíveis para a formação acadêmica, mais especificamente, no contexto clínico dos futuros profissionais. Nesse sentido, Schaap e cols. (conforme citado por Rangé & cols. 1998) descreveram alguns comportamentos indispensáveis para o terapeuta no processo de psicoterapia, tais como: empatia; aceitação; interesse genuíno; calor humano e compreensão; seguidos de apoio; aprovação; confirmação; reforçamento; diretividade; controle da organização; andamento das sessões; questionamentos de informações relevantes; clarificação e estruturação no que se refere ao processo de psicoterapia; interpretação; confrontação; crítica das discrepâncias no comportamento e no discurso do cliente.
Na mesma direção, Yukimitsu (1999) destacou determinados comportamentos, como empatia, autenticidade e cordialidade, como habilidades relevantes para o aluno, na medida em que ajudam o futuro profissional a reduzir a ansiedade, a superar sua alta expectativa, facilitando sua boa interação com o cliente. Rangé e cols. (1998), baseados num checklist, descreveram as habilidades terapêuticas, e outras condutas mais específicas para o tratamento cognitivo, com vistas a verificar comportamentos esperados dos alunos por meio de 65 questões. Essas questões podem servir como guia para o supervisor verificar o acréscimo de habilidades terapêuticas, dos supervisionados. Campos (1995) e Yukimitsu (1999) consideraram a atenção, o interesse e a compreensão, o estabelecimento do contrato terapêutico e o uso de habilidades sociais como os fatores que promovem um relacionamento terapêutico adequado.
Em outra perspectiva teórica, Agüirre e cols. (2000) sugeriram que os supervisores acompanhem o desenvolvimento dos alunos e observem a formação da atitude clínica deles, entendida como a "possibilidade de colocar-se no papel profissional de um determinado enquadramento, mantendo uma empatia com o cliente (...) e caracterizando essa uma experiência como subjetiva e objetivada na relação com o cliente" (p. 53-54). Para os autores são elementos importantes para a avaliação do aluno-terapeuta: fazer psicoterapia; conhecer a teoria; conter a ansiedade, preservar os limites da própria identidade no contato com o outro; compreender o papel de psicólogo e apropriar-se dele; respeitar o enquadramento da supervisão e os atendimentos, ou seja, o contrato de trabalho estabelecido entre aluno-supervisor e aluno-cliente, no que se refere ao horário, lugar, objetivos, tarefas e papéis.
Para ilustrar um processo de avaliação de terapeutas, Campos (1995) explorou os critérios utilizados pelos supervisores para avaliar seus supervisionados. Os diferentes grupos de supervisores, cognitivos-comportamentais (N=6) e psicodinâmicos (N=12), ressaltaram a importância das habilidades clínicas. Outros critérios também apontados com maior freqüência pelos supervisores cognitivos-comportamentais foram competência, observação da sessão, raciocínio clínico, formação teórica e assiduidade. Para o outro grupo, os critérios citados com maior freqüência foram burocracia, competência, raciocínio clínico, observação da sessão, interesse, desempenho, autocrítica, habilidade de interação entre teoria e prática, ética e assiduidade.
O estudo de Williams, Judge, Hill e Hoffman (1997) retratou o amadurecimento de sete alunos durante seu período de formação. O objetivo foi avaliar as percepções dos alunos-terapeutas, dos clientes e dos supervisores, no que se refere às reações dos alunos durante a terapia e as estratégias que eles usaram para gerenciar suas reações, operacionalizadas por meio de alguns instrumentos desenvolvidos pelos próprios autores e outros pertencentes à literatura científica. Os instrumentos utilizados foram o Inventário de Aconselhamento da Auto-estima (Cousenling Self-Estimate Inventory), o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (State-Trait Anxiety Inventory), Inventário dos Fatores Contratransferência (Countertransference Factors Inventory) e o Relato dos Supervisores (Supervisor's Report).
Os resultados deste estudo indicaram que, à medida que a ansiedade diminuía, aumentava a habilidade de gerenciamento da contratransferência e as habilidades terapêuticas. De acordo com a análise qualitativa das respostas dos alunos-terapeutas, os autores puderam categorizar alguns tipos de respostas, entre elas os sentimentos e as reações durante as sessões, as estratégias de gerenciamento, a dificuldade em gerenciar os sentimentos e as reações.
Em síntese, o ensino das habilidades clínicas não pode ser deixado apenas para a parte final da formação, no estágio supervisionado. Elas devem ser desenvolvidas ao longo do processo de formação, "já que o aluno traz habilidades em seu repertório pessoal que precisam ser aprimoradas juntamente com a aquisição de conhecimentos teóricos" (Moura, 1999, p. 32). Considerando o exposto, este estudo visou investigar as habilidades consideradas mais e menos importantes pelos supervisores em relação aos seus alunos enquanto terapeutas e supervisionados.
Método
Participantes
Participaram dessa pesquisa dez supervisores, dos quais 20% (N= 2) do gênero masculino e 80% (N= 8) do gênero feminino, que ministravam a disciplina Estágio Supervisionado em Psicoterapia em uma Universidade particular do interior de São Paulo. No que se refere às perspectivas teóricas: 20% (N= 2) eram da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), 40% (N= 4), da Psicanalítica e 40% (N= 4) da Comportamental-Cognitiva.
Instrumento e Procedimento
Para esta pesquisa um instrumento foi elaborado contendo 17 habilidades, quais sejam, (1) ser estudioso, (2) colocar-se no lugar do outro, (3) fazer terapia pessoal, (4) agir de maneira inteligente, (5) ser comprometido com as tarefas propostas, (6) ser participativo nas supervisões, (7) possuir habilidades sociais para lidar com o cliente, (8) ter postura ética, (9) não ser dogmático, (10) respeitar os aspectos teóricos e metodológicos presentes na perspectiva escolhida, (11) ter produção científica, (12) possuir observação apurada dos comportamentos do cliente, (13) ser pontual às sessões e às supervisões, (14) pesquisar a teoria para compreender a prática, (15) apresentar interesse pelo cliente, (16) ter raciocínio clínico e (17) ter dedicação à prática clínica.
A construção dos itens se deu a partir de trabalhos de autores que descreveram as habilidades relevantes para a formação do psicólogo como psicoterapeuta, a saber, Rangé e cols. (1998), Moura (1999), Agüirre e cols. (2000). Na elaboração do instrumento houve a preocupação em descrever as habilidades cuidadosamente, a fim de dirimir a ambigüidade nas interpretações. Esse instrumento foi entregue a cada supervisor para que respondesse individualmente. O mesmo foi devolvido pelos supervisores, no prazo máximo de 30 dias, às pesquisadoras.
Resultados e discussão
Para a análise quantitativa, os itens foram organizados numa planilha do SPSS (Statistics Program Sciences Sociais) e ordenados de acordo com a importância atribuída a cada supervisor de modo que os dados pudessem ser submetidos à análise descritiva. Em uma compreensão qualitativa, as habilidades foram categorizadas com base nas abordagens dos supervisores, para uma análise de suas ocorrências (Bardin, Pinheiro & Reto, 1977).
O instrumento contém habilidades que versam a respeito da postura do aluno tanto como supervisionado quanto como terapeuta. Os itens (1), (5), (6), (8), (13), (14) e (16) dizem respeito à postura do aluno enquanto supervisionado, e os itens (2), (3), (4), (7), (9), (10), (11), (12), (13), (15), e (17) dizem respeito às habilidades do aluno enquanto terapeuta. Apenas uma habilidade, o item (13) poderia ser incluído nos dois conjuntos de itens descritos.
As habilidades foram ordenadas de acordo com a importância dada pelos supervisores e, a partir disso, elas foram organizadas de acordo com as suas perspectivas teóricas. O critério para decidir quantas habilidades eles consideraram importantes foi a média do total de 17 habilidades contidas no instrumento, ou seja, M=8,5. A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas em relação às habilidades ordenadas, segundo os supervisores da Comportamental Cognitiva. Pode-se observar que as habilidades necessárias à formação de um terapeuta segundo esses supervisores são possuir postura ética, possuir observação apurada dos comportamentos do cliente, apresentar interesse pelo cliente, respeitar os aspectos teóricos e metodológicos presentes na abordagem escolhida, pesquisar a teoria para compreender a prática, ser estudioso, ter raciocínio clínico, possuir habilidades sociais para lidar com o cliente e agir de maneira inteligente. No total são identificadas pelos supervisores da Comportamental Cognitiva nove habilidades.
Na Tabela 2 as habilidades foram organizadas segundo os supervisores de perspectiva Psicanalítica. Segundo eles, as habilidades mais importantes para a formação do aluno, no que diz respeito à sua formação enquanto terapeuta, são: fazer terapia pessoal, ter postura ética, apresentar interesse pelo cliente, ter raciocínio clínico, pesquisar a teoria para compreender a prática, ser participativo nas supervisões, ser pontual às sessões e às supervisões, ser comprometido com as tarefas propostas, possuir observação apurada dos comportamentos do cliente, ter dedicação à prática clínica. Entre as 17 habilidades descritas no instrumento, dez foram consideradas por esses supervisores como imprescindíveis à formação do aluno enquanto terapeuta.
Para os supervisores de Abordagem Centrada na Pessoa, as habilidades mais importantes foram colocar-se no lugar do cliente, apresentar interesse por ele, ter postura ética, fazer terapia pessoa, ter raciocínio clínico e dedicação à prática clínica, pesquisar a teoria para compreender a prática. Apenas sete das 17 habilidades foram organizadas segundo o grau de importância.
Ao verificar a Tabela 4, é possível estabelecer uma comparação das habilidades consideradas mais e menos importantes entre os diferentes grupos de supervisores. No que diz respeito às habilidades consideradas mais importantes, os supervisores da psicanálise (AP) e os da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) concordaram em relação a cinco habilidades. Entre os supervisores da ACC e da ACP concordaram em relação a quatro habilidades. Já os da AP e da ACC concordaram em relação a quatro habilidades. Vale ressaltar que para essa organização, o grau de importância estabelecido pelos supervisores não foi considerado e sim as duas categorias: mais e menos importantes. De um modo geral, todos os supervisores consideram como a mais importante o "apresentar interesse pelo cliente", "ter raciocínio clínico" e "pesquisar a teoria para compreender a prática".
Em relação às habilidades consideradas menos importantes, os supervisores da psicanálise (AP) e os da Abordagem Centrada na pessoa (ACP) concordaram em relação a seis delas. Entre os supervisores da ACC e a ACP houve concordância em relação a cinco. Já, entre os supervisores da AP e a ACC houve concordância três habilidades foram comuns. No que se refere às habilidades consideradas menos importantes pelos supervisores, é interessante notar que os diferentes grupos de supervisores convergiram para duas habilidades, quais sejam, "não ser dogmático" e "ter produção científica".
Esta última foi apontada por todos os supervisores como a menos importante para a formação do terapeuta. Com base nos desvios-padrão (DP) das tabelas, é possível verificar que a maior parte dos supervisores da AP e ACP concordou quase unanimemente que essa habilidade é a menos importante, ao contrário do ACC, cujo DP pode revelar que alguns desses supervisores avaliaram outras características como a menos importante.
Considerações finais
De forma geral, os autores referenciados nesse trabalho entendem que determinadas habilidades são imprescindíveis para a formação do aluno enquanto terapeuta, embora não haja concordância entre eles em relação a algumas habilidades. Nesse sentido, Serra (2004) argumenta que é relevante o desenvolvimento das habilidades dos alunos, visto que na atuação do terapeuta algumas variáveis pessoais podem influenciar. Reconhecendo essa necessidade, Távora (2002), Magalhães e Murta (2003) e Mello e cols. (2003) desenvolveram projetos com o intuito de desenvolver as habilidades na atuação prática dos alunos estagiários.
Em razão da quantidade de habilidades descritas pelos autores, essa pesquisa teve o interesse de averiguar quais são consideradas relevantes para a formação do aluno. Por isso, houve a necessidade de categorizar essas habilidades para que os supervisores pudessem organizá-las. Vale ressaltar que entre os três grupos, os supervisores da Perspectiva Psicanalítica elencaram o maior número de habilidades importantes. Os outros grupos, compostos pelos supervisores da Comportamental Cognitiva (ACC) e da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), apresentaram um menor número de habilidades consideradas importantes, sendo nove e sete, respectivamente.
Pesquisadores da área reforçam a necessidade da utilização de critérios bem delineados para avaliar os alunos no seu período de formação (Campos, 1995), pois é necessário refletir sobre quais as capacidades e proficiências são esperadas de um psicoterapeuta (Hanns, 2004). Os resultados indicaram que a maior parte dos supervisores considerou a habilidade do aluno "produzir cientificamente" como a menos importante para a sua formação, independentemente das perspectivas. Esse dado pode ser compreendido devido à pouca relevância que profissionais inseridos no contexto acadêmico atribuem a ela. Nesse sentido, pode-se entender que o item "ter produção científica", não implica o sucesso dos alunos como terapeutas, mas oferece a eles mais "ferramentas" para que possam ter uma postura mais perspicaz, pois ele se atualiza em determinados assuntos, aprimora o desenvolvimento da escrita mais objetiva, percebe a importância da pesquisa e aprimora a sua atuação profissional (Campos, 2001; Rudio, 1999).
A habilidade "possuir habilidades sociais para lidar com o cliente" foi apontada como a mais importante apenas pelo grupo dos supervisores da ACC. Sendo esta tão priorizada no contexto acadêmico, principalmente no que se refere ao seu desenvolvimento para a prática dos alunos, pois estudos demonstram que alunos com maior nível de habilidades sociais apresentam alta correlação com o sucesso acadêmico (Magalhães & Murta, 2003; Mello & cols. 2003).
As habilidades mencionadas anteriormente podem servir como norteadoras para os supervisores de estágio de psicoterapia, podendo desenvolver uma avaliação mais objetiva, mas, para isso é necessário que os alunos saibam quais são os critérios avaliados, podendo encontrar vias que o auxiliem no desenvolvimento de suas habilidades.
Tendo em vista essas informações, esse estudo não teve a pretensão de esgotar o que se encontra na literatura, visto que a sua amostra foi pouca representativa assim como o instrumento, não oferecia uma definição mais detalhada para alguns itens, podendo comprometer a escolha deles por parte dos supervisores. Diante disso, reconhece a necessidade de ampliar a amostra deste estudo como também esclarecer melhor alguns dos seus itens, além de aprimorar a instrução do instrumento.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: ferfreitas@ig.com.br
Recebido em: julho/2007
Revisado em: agosto/2007
Aprovado em: novembro/2007
Sobre as autoras:
* Fernanda Andrade de Freitas é mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco. Docente do curso de Psicologia, da Universidade São Francisco.
** Ana Paula Porto Noronha é doutora em Psicologia: ciência e profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.