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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. v.1 n.2 Porto Alegre nov. 2002
ARTIGOS
Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-r): avaliação do ajustamento dos estudantes universitários
The Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-r): assessment of the adjustment of university students
Leandro S. Almeida I; Ana Paula C. Soares I; Joaquim Armando Ferreira II
I Universidade do Minho
II Universidade de Coimbra
RESUMO
O insucesso e a evasão no ensino superior atingem níveis preocupantes na maioria dos países. Importa conhecer as suas causas e implementar as medidas, sobretudo preventivas, que possam diminuir o custo individual, familiar e social de tais situações. No presente trabalho, são apresentados os procedimentos de construção e validação de uma versão reduzida do Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA; Almeida & Ferreira, 1997). A redução substancial do número de itens na versão abreviada da escala (QVA-r; Almeida, Ferreira & Soares, 2001), procura ultrapassar as dificuldades inerentes à administração de uma versão integral do questionário constituída por 170 itens distribuídos por 17 subescalas. A presente versão abreviada é constituída por 60 itens distribuídos por cinco grandes áreas da adaptação acadêmica dos estudantes: pessoal; interpessoal; vocacional; estudo-aprendizagem; e institucional. As qualidades métricas da versão reduzida revelam-se satisfatórias em termos da sua consistência e validade interna.
Palavras-chave: Ajustamento acadêmico, Adaptação à universidade, Realização acadêmica, Ensino superior.
ABSTRACT
The underachievement and dropouts of students in higher education reach preoccupying levels in most developed countries. Therefore, it's important to know their causes and to implement the measures, above all preventive ones, that can reduce the cost individual, familiar and institutional of such situations. This paper presents the construction and procedures of validation of reduced version of Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA, Almeida & Ferreira, 1997). The substantial reduction of the number of items in the abbreviated version of the scale (QVA-r; Almeida, Ferreira & Soares, 2001), tries to overcome the inherent difficulties to the administration of an integral version of the questionnaire, formed by 170 items distributed by 17 subscales. This abbreviated version of QVA is formed by 60 items distributed by five dimensions of students´ adaptation: personal, interpersonal, vocational, study-learning, and institutional. Results show adequate psychometric characteristics on internal consistency and validity.
Keywords: Academic adjustment, College adaptation, Academic achievement, Higher education.
As taxas de insucesso escolar e de evasão no ensino superior têm vindo a aumentar progressivamente na generalidade dos países mais desenvolvi-dos (OCDE, 2001; Ransom, Khoo & Selvaratnam, 1994). Este fenomeno que em Portugal se fez sentir sobretudo na década de 90, reflete um movimento mundial de progressiva generalização deste nível de ensino a camadas mais numerosas e heterogêneas da população. A par de uma procura mais generalizada do ensino superior por jovens que vêem, na obtenção de um diploma de formação superior, um "passaporte" para uma vida profissional mais satisfatória, assistimos também, a um crescente número de jovens que procura este nível pela ausência de outras alternativas condignas de formação ou de exercício profissional. As dificuldades em obter emprego logo após a conclusão dos estudos secundários (patentes nas elevadas taxas de desemprego que se fazem sentir, sobretudo na faixa etária dos jovens adultos - Census, 2001; Eurydice, 2000; MEDGES, 1999), associadas à ausência de outras ofertas educativas (exceto ao nível a formação profissional que, embora possa garantir o prosseguimento de estudos não permite o acesso a níveis acadêmicos mais elevados), induzem os jovens que concluem o ensino secundário a entrar no ensino superior, uma opção muitas vezes alicerçada em projetos vocacionais mal definidos (Soares, 1999). Nesta altura, estão criadas algumas condições para o insucesso, a inadaptação, a insatisfação e o abandono. Infelizmente, outras causas se avolumam na origem do problema, complicando a sua análise e explicação. Nesta altura, torna-se igualmente difícil definir as linhas de atuação que previnam o problema e os custos individuais, familiares e sociais a ele associados.
Os jovens que ingressam na universidade confrontam-se com uma série de desafios pessoais, inter-pessoais, familiares e institucionais que merecem uma análise mais atenta pelas autoridades e serviços acadêmicos com maiores responsabilidades na recepção e apoio aos estudantes. A transição do Ensino Secundário para o Ensino Superior suscita inúmeras expectativas positivas mas também uma série de receios e dificuldades aos jovens (Baker & Schultz, 1992ab; Baker, McNeil & Siryk 1985; Gerdes & Mallinckrodt, 1994; Pancer e cols., 2000; Jackson e cols., 2000; Soares & Almeida, 2001ab; Stern, 1966). Com efeito, coincidindo esta fase do percurso desenvolvimental dos estudantes com a finalização da adolescência e a entrada na vida adulta, os jovens são confrontados com um conjunto de estímulos e desafios bastante significativos na entrada para a Universidade. Referimo-nos, por exemplo, e para muitos destes estudantes, à saída de casa, à separação da família e dos amigos, à saída da sua cidade e às exigências do novo contexto educativo (Astin, 1993; Chickering, 1969; Chickering & Reisser, 1993; Creamer, 1990; Evans, Forney, Guido-Dibrito, 1996; Feldman & Newcomb, 1969; Ferreira & Hood, 1990; Gonçalves & Cruz, 1988; Hood & Ferreira, 1983; Pascarella & Terenzini, 1991; Upcraft & Gardner, 1989; Tinto, 1975, 1982, 1993). De acordo com a literatura na área, mais de metade destes jovens manifestam algum tipo de dificuldades nesta transição educativa (Brooks & Dubois, 1995; Gordan, 1995; Komives, Delworth & Woodard, 1996; Ratingan, 1989; Stone & Archer, 1990), o que explica, aliás, as taxas mais elevadas de insucesso e de abandono nos primeiros anos de frequência universitária e, sobretudo, no primeiro ano.
O problema em apreço, sendo mais recente em Portugal, atingiu rapidamente proporções preocupantes. Por um lado, após a Revolução de Abril (1974), assiste-se em Portugal a um número exponencial de candidatos ao ensino superior (Balsa e cols., 2001; Conceição e cols., 1998; Braga da Cruz e cols., 1995), apenas com uma diminuição nos últimos cinco anos por razões demográficas. Este boom de candidatos fez despoletar um aumento sem paralelo de estabelecimentos de ensino no sector público e privado, a nível do ensino universitário e politécnico (Arroteia, 1996; Crespo, 1993; Gago e cols., 1994; Queiró, 1995). Este incremento foi feito através da criação proliferada de cursos, tendo-se por vezes a nítida sensação de que a quantidade não era acompanhada - antes atrapalhava - a qualidade. Nesta altura, certos cursos e estabelecimentos tornavam-se socialmente mais apetecíveis, acabando o sistema político por instituir a prática de numerus clausus no ingresso ao Ensino Superior Português. Decorre daqui que, anualmente, podemos ter cerca de um terço dos alunos colocados em cursos e/ou estabelecimentos de ensino que não correspondem às suas primeiras opções vocacionais. Nesta altura estão criadas as condições, mais que suficientes, para que um número significativo de jovens entre no ensino superior com fraca vontade de investir e de nele permanecer. Se, nesta altura, a sua entrada foi feita nalguns dos cursos de engenharia e de ciências que, a par de pouco atrativos, incluem no currículo do primeiro ano disciplinas como matemática, álgebra, física e química, então o problema complica-se significativamente (Bessa & Tavares, 2000; Hattum, Vaz & Vasconcelos, 2000; Tavares e cols., 1996).
Os problemas na adaptação e rendimento dos universitários, sobretudo no primeiro ano, são hoje mais sistematicamente analisadas em Portugal e várias universidades avançaram com a criação de serviços de apoio aos alunos do primeiro ano, procurando responder a questões de orientação vocacional, de definição de projetos de carreira associados ao curso, de envolvimento institucional, de apoio tutorial, de promoção da motivação e aprendizagem escolares, ou de facilitação do desenvolvimento psicológico em diferentes áreas (Bastos, 1993; Bastos & Gonçalves, 1996; Gonçalves & Cruz, 1988; Lei-tão & Paixão, 1999; Taveira e cols., 2000).
Nesta linha de preocupações, e procurando-se uma avaliação de despiste (screening) das vivências acadêmicas que mais poderão dificultar a integração e o ajustamento dos estudantes, desenvolvemos em 1997 o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA; Almeida & Ferreira, 1997, 1999; Almeida, Soares & Ferreira, 1999), abarcando um conjunto alargado de dimensões pessoais, relacionais, acadêmicas e institucionais da sua adaptação ao contexto universitário. Na sua versão original, constituída por 170 itens distribuí-dos em 17 dimensões, o QVA levanta algumas dificuldades de utilização. A par do tempo exigido à sua administração (cerca de 30 minutos), registra-se, ainda, alguma tendência dos estudantes para responder ao questionário de uma forma estereotipada e outras tantas dificuldade dos técnicos em lidar com a quantidade de dimensões avaliadas. Face a tais dificuldades, avançamos para a construção e validação de uma ver-são reduzida do QVA, que designamos por Questionário de Vivências Acadêmicas - Versão Reduzida (QVA-r; Almeida, Ferreira & Soares, 2001). Neste artigo, apresentamos os resultados de algumas análises conduzidas tendo em vista a validação desta versão abreviada do questionário.
Método
Participantes
Este estudo considera uma amostra constituída por 1889 do 1º ano da Universidade do Minho (UM), repartidos pelos vários cursos de licenciatura leccionados nesta Universidade (Ciências Naturais e Exactas; Engenharias; Letras e Humanidades; Ciências Sociais e Económicas; Educação Infantil e Formação de Professores). A maioria dos sujeitos pertence ao sexo feminino (59,1%) e apenas 5% dos estudantes refere ter alguma ocupação profissional (full ou part-time).
Instrumento
O Questionário de Vivências Acadêmicas, na sua versão original (QVA; Almeida & Ferreira, 1997), é um instrumento de auto-relato constituído por 170 itens de formato Likert, repartidos por 17 subescalas que procuram avaliar dimensões pessoais, relacionais e institucionais da adaptação dos estudantes ao contexto universitário. Na Tabela 1 descrevemos as 17 dimensões avaliadas na versão integral do QVA, indicando o número de itens que integram cada dimensão e a respectiva consistência interna (alpha de Cronbach).
Os estudos de validação do QVA, revelaram que o instrumento apresenta qualidades psicométricas bastante satisfatórias (cf. Almeida, Soares & Ferreira, 1999, 2000, 2001), tanto de validade interna como concorrente (Almeida e cols., 2000ab; Almeida, Soares, Araújo & VilaChã, 2001; Belo, 1999; Carneiro, 1999; Pires, Almeida & Ferreira, 2000; Rebelo & Lopes, 2001; Santos, 2000; Soares, Almeida & Vasconcelos, 2001).
Resultados
Numa análise fatorial com os 170 itens do QVA, um primeiro fator abarcava 37 itens provenientes das subescalas de Bem-estar psicológico, Bem-estar físico, Auto-confiança, Autonomia e Ansiedade nas situações de avaliação. Estamos, assim, face a itens heterogêneos mas que podemos integrar numa dimensão dita mais pessoal (self) e emocional da adaptação acadêmica. Um segundo fator integra itens associados às relações com os pares, ao estabelecimento de amizade, e intimidade (Relacionamentos com colegas) e ao Envolvimento em atividades extracurriculares (18 itens). Trata-se de um conjunto de itens que podemos agrupar numa dimensão assumida como mais social ou interpessoal da adaptação acadêmica. Um outro grupo de itens aparece reunido num terceiro fator que, face ao seu teor, podemos reportar à Adaptação ao curso e ao Desenvolvimento de carreira (16 itens). Entendemos este terceiro fator como refletindo uma dimensão da adaptação acadêmica reportada ao curso, mas onde emerge claramente a carreira e o projeto vocacional dos estudantes inerentes ao próprio curso, daí a designação escolhida de dimensão vocacional. Um quarto fator aparece ligado a itens reportados, sobretudo, aos Métodos de estudo e à Gestão do tempo (15 itens). De novo, encontramos aqui itens reportados ao curso mas, neste caso concreto, reportados às situações curriculares, ao estudo e à aprendizagem. Finalmente, mesmo havendo outros fatores, um quinto fator integra itens mais diretamente relacionados com a Adaptação à instituição (10 itens). Mais que a adaptação ao curso, os itens aqui reunidos reportam-se à própria instituição, ao seu funcionamento e estruturas, por exemplo. Foram estes os cinco factores escolhidos para a versão reduzida do QVA a validar (QVA-r).
Dimensão pessoal
Na Tabela 2 descrevemos os resultados da análise estatística efetuada com os itens retidos nesta subescala, ou seja, a média e o desvio-padrão das pontuações, o coeficiente de correlação item x total corrigido e o índice alpha da escala se o item fosse eliminado (situando-se o valor de alpha em .87). Refira-se que apenas um fator foi isolado (valor-próprio igual ou superior à unidade), explicando 39.3% da variância (os índices de saturação dos itens estão indicados).
Conforme podemos constatar o coeficiente alpha da escala atinge um valor aceitável para podermos falar numa escala coerente e suscetível de nos permitir uma nota para esta dimensão. Mesmo assim, gostaríamos de afirmar que esta dimensão reúne, face aos resultados da análise fatorial, itens mais reportados ao bem-estar psicológico, bem-estar físico, algumas dimensões do self (autonomia, autoconceito) e aspectos ditos mais emocionais. Esta conjugação de itens permite-nos pensar numa dimensão essencialmente formada por itens asso-ciados às percepções de bem-estar por parte do estudante.
Dimensão interpessoal
Na Tabela 3 apresentamos os resultados da análise dos 13 itens que compõem esta subescala, sendo importante afirmar que os dois fatores isola-dos explicam, respectivamente, 38,3% e 9,2% da variância. Nesta tabela apresentam-se as saturações iguais ou superiores a .35 nesses fatores.
Como podemos observar, os 13 itens repartem-se por dois fatores. O primeiro reúne itens mais centrados no relacionamento com colegas, enquanto o segundo se orienta mais para as competências de relacionamento em situações de maior intimidade ou relações mais significativas. Assim, alguns itens prendem-se com o relacionamento interpessoal com amigos e colegas no quadro do próprio curso ou turma, enquanto outros têm a mais a ver com o estabelecimento de relações mais íntimas e significativas, daí designarmos esta segunda dimensão do QVA-r por dimensão interpessoal. Acrescente-se que o valor de alpha desta subescala com 13 itens se situou em .86.
Dimensão vocacional
Na Tabela 4 apresentamos os resultados referentes à análise dos 13 itens retidos para a avaliação desta terceira dimensão do QVA-r (envolvimento no curso e desenvolvimento vocacional). Acrescente-se que estão indicadas as saturações com valores superiores a .35 nos dois fatores isolados.
Os valores obtidos apontam para um índice bastante elevado da consistência interna desta subescala (alpha de .91), havendo em termos de análise fatorial vários itens saturando simultaneamente os dois fatores isolados. O primeiro fator reúne os itens mais centrados nos projetos vocacionais do estudante (carreira, profissão), enquanto o segundo agrupa os itens mais centrados na satisfação com o curso frequentado. Acrescente-se que estes dois fatores explicam, respectivamente, 49.5% e 7.8% da variância dos 13 itens.
Dimensão estudo-aprendizagem
Na Tabela 5 descrevemos a análise estatística efetuada com os 13 itens que formam esta quarta dimensão do QVA-r. A par dos indicadores da distribuição dos resultados, mencionamos os valores referentes à consistência interna e à estrutura fatorial (saturações com valor igual ou superior a .35).
Os valores obtidos permitem-nos considerar esta quarta dimensão do QVA-r com consistência interna adequada (alpha=.82), havendo a registar, aliás, uma relativa sobreposição dos itens nos dois subfatores isolados. Estes dois fatores explicam, respectivamente, 33.9% e 9.1% da variância dos resultados nos 13 itens selecionados. O primeiro fator está mais relacionado com itens descritivos das competências de estudo, en-quanto o segundo se reporta a situações do quotidiano de trabalho (rotinas de estudo, gestão do tempo, utilização da biblioteca e outros recursos de aprendizagem). Julgamos, pois, tratar-se de uma dimensão dita mais curricular ou de envolvimento nas atividades de índole curricular por parte dos estudantes.
Dimensão institucional
Na Tabela 6, apresentamos os índices estatísticos dos oito itens referentes a esta quinta dimensão (alpha =.71). De referir que o item 40 ("Conheço os serviços existentes...") apresenta uma correlação mais fraca com o conjunto dos demais itens, mesmo assim não foi eliminado pois daí não decorria qualquer aumento na consistência interna desta subescala (julgamos que, tratando-se de alunos do 1º ano, e estando alguns numa fase bastante inicial de entrada na universidade, a resposta a este item poderá não ser tão consistente como seria desejável). Igualmente se verifica que os oito itens se repartem por dois fatores com valor-próprio superior à unidade e explicando 49.3% da variância (34.1 e 15.2, respectivamente). Na tabela indicam-se, apenas, as saturações dos itens iguais ou superiores a .35 nos dois fatores isolados.
Os resultados da análise fatorial revelam que os oito itens se repartem por dois fatores, um primeiro refletindo um interesse geral pela instituição de ensino superior que o estudante freqüenta, enquanto o segundo agrupa os itens mais centrados no conhecimento e na apreciação dos serviços e infra-estruturas da instituição. A diferenciação dos itens por estes dois fatores poderá estar associada ao fato de nestas várias análises tomarmos alunos do 1º ano, ou seja, com um conhecimento menos factual e completo dos serviços e estruturas disponibilizadas aos estudantes. Provavelmente em estudantes dos últimos anos, a apreciação da instituição e o interesse explícito de nela permanecer estarão mais associados às percepções dos estudantes sobre a qualidade de tais serviços e estruturas.
Resultados nas cinco dimensões
Ainda no sentido do estudo da validade interna do QVA-r procedemos, agora, à análise fatorial dos seus 60 itens. Numa primeira análise essencialmente exploratória, emergiram nove fatores com valor-próprio superior à unidade e explicando no seu conjunto 50,2% da variância dos resultados nos itens. No entanto, dado que os primeiros cinco fatores se assumiam claramente como mais relevantes (valor-próprio igual ou superior a 2.0, e explicando no seu conjunto já 41,7% da variância), e dado ainda o nosso objetivo inicial de nos reportarmos às cinco grandes áreas já enunciadas e trabalhadas nas análises precedentes, procedemos a uma nova análise fatorial exploratória dos 60 itens definindo agora, previamente, cinco fatores e explicitando uma rotação varimax. Na Tabela 7 apresentamos os dados mais relevantes dessa análise, mais concretamente as saturações dos itens nos cinco fatores identificados (saturações iguais ou superiores a .35) e o peso explicativo de cada um dos cinco fatores.
Mesmo que se tenha definido previamente um número de fatores coincidente com as dimensões supostamente avaliadas pelo QVA-r, os valores agora obtidos permitem-nos bons indicadores a propósito da validade dos resultados nesta nova versão do questionário. De um modo geral, os itens aparecem essencialmente associados ao respectivo fator ou dimensão, dando a esta a especificidade necessária a uma avaliação diferenciada das cinco dimensões que se pretendeu estarem representadas no QVA-r. Um número bastante reduzido de itens, supostamente integrados numa dimensão, acaba também por saturar outras dimensões, ha-vendo um item da dimensão "institucional" da adaptação que não se identificou com este fator (item que, aliás, já havia levantado alguns problemas na análise da consistência interna desta subescala). Face aos valores globalmente positivos, considerou-se oportuno não proceder a novas mudanças na versão do questionário.
Os itens de cada dimensão acabam por se identificar majoritariamente com a respectiva subescala e, mesmo tratando-se de itens reportados às vivências e adaptação acadêmica dos estudantes, certo que cada uma das cinco dimensões reúne especificidade suficiente para ser considerada numa análise polifacetada ou multidimensional da adaptação acadêmica dos estudantes do primeiro ano. Esta afirmação, no entanto, não pode significar independência das cinco dimensões entre si. Aliás, tendo-se procedido a uma análise fatorial exploratória das cinco dimensões do QVA-r verificou-se a existência de um único fator, explicando 42% da variância. As saturações obtidas sugerem uma relativa independência da dimensão pessoal face às restantes quatro dimensões, sugerindo uma vertente mais do self (maturidade; teoria do desenvolvimento) versus uma vertente mais estritamente académica da adaptação (desafio; teoria do impacto).
Finalmente, procurou-se analisar os resulta-dos no QVA-r tomando como referência critérios externos associados ao rendimento acadêmico e às opções vocacionais dos alunos (validade externa dos dados). Mais concretamente, tratando-se de alunos recentemente chegados à Universidade, correlacionamos as cinco dimensões do QVA-r com a média de entrada dos estudantes no curso do ensino superior que atualmente freqüentam (média que considera o rendimento escolar dos alunos nos 10º, 11º e 12º anos do ensino secundário e na/ s prova/s específica/s da área científica do curso em que se encontram). Do mesmo modo, tomamos também nesta análise a opção em que o aluno escolheu o curso e a universidade que freqüenta (a política de numerus clausus em Portugal faz com que alguns alunos frequentem cursos e estabelecimentos de ensino que não correspondem às suas primeiras opções de escolha). Neste caso concreto, os estudantes poderiam escolher uma de quatro alternativas: o curso/universidade corresponde à sua 1ª escolha, 2ª escolha, 3ª escolha, ou 4ª ou ordem superior de escolha. Na Tabela 8 estão indicados os coeficientes de correlação obtidos.
O sentido das correlações, mesmo que com valores moderados, estão de acordo com a aproximação entre dimensões do QVA-r e o critério ex-terno usado. Por exemplo, a dimensão vocacional, fortemente marcada pelo curso escolhido e pelo aproveitamento acadêmico, aparece moderadamente correlacionada com a nota de candidatura e com a opção de escolha do seu curso (esta, logicamente, em sentido inverso). Importa, também, atender à ausência de correlações com significado estatístico nas dimensões pessoal e interpessoal, o que se compreende face à diversidade de significado da informação a cruzar, o que já não ocorre tomando a relação entre dimensão estudo e a nota de candidatura ou entre a dimensão institucional e a opção da Universidade. Também aqui, os alunos que optaram pela Universidade do Minho em 3ª ou 4ª opção apresentam maiores dificuldades na sua adaptação acadêmica na dimensão mais institucional, como seria de esperar.
Conclusão
Pretendeu-se com este estudo construir, validar e apresentar uma versão reduzida do QVA, ou seja, o QVA-r. Esta versão reduzida avalia cinco grandes áreas da adaptação acadêmica. Tais áreas, suficientemente importantes na análise da qualidade da adaptação e do rendimento acadêmicos dos estudantes universitários, sobretudo os do 1º ano, cobrem as variáveis mais pessoais do estudante, o seu envolvimento no curso e projeto vocacional, o seu relacionamento interpessoal, o seu envolvimento no estudo ou aprendizagem, assim como a satisfação com a instituição que freqüenta e as suas atividades extracurriculares.
As análises estatísticas conduzidas, ao nível da consistência interna dos itens de cada subescala agora formada, bem como da sua estrutura fatorial (validade interna), permitiram valores adequados à sua utilização para uma descrição dos índices de ajustamento dos estudantes nos seus primeiros tempos na Universidade. As correlações calculadas mostram, também, uma relação diferenciada das várias dimensões avaliadas e alguns critérios externos referentes ao rendimento e ao grau de correspondência entre escolhas vocacionais e curso/ estabelecimento freqüentado.
Julgamos que as cinco grandes áreas isoladas (pessoal, interpessoal, vocacional, estudo, e institucional) representam alguns dos domínios que, seguramente, melhor descrevem a adaptação acadêmica, servindo por isso mesmo os objetivos de quem pretenda investigar e intervir tomando como referência os níveis e a qualidade dessa adaptação em estudantes ingressados na universidade. A versão original do QVA, mais longa, poderá ser usada quando se justifique uma informação mais diferenciada sobre algum aspecto específico dessa adaptação, sobretudo face às 17 dimensões aí representadas. Julgamos que, para efeitos de primeiro despiste e para um primeiro nível de organização de apoios aos estudantes, esta versão reduzida poderá ser suficiente. Os custos requeridos pela aplicação da versão inicial com 170 itens deverão, pois, ser ponderados de acordo com os objetivos da avaliação e o grau de pormenor da informação que se pretende obter.
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Endereço para correspondência
E-mail: leandro@iep.uminho.pt
Recebido: 03/12/2001
Aceito: 05/06/2002