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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.3 n.1 Porto Alegre jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Refinamento de um instrumento para avaliar responsividade e exigência parental percebidas na adolescência

 

Improvement of an instrument to assess perceived parental responsiveness and demandingness in adolescence

 

 

Marco Antônio Pereira Teixeira I; Marúcia Patta Bardagi II; William Barbosa Gomes II

I Universidade Federal de Santa Maria/RS
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi refinar um instrumento para avaliação das dimensões de exigência e responsividade parentais percebidas entre adolescentes. Itens de uma versão inicial do instrumento foram modificados, com o intuito de enriquecer o conteúdo das escalas e melhorar sua fidedignidade. Inicialmente, um conjunto de 33 itens foi aplicado a 550 adolescentes (50,5% mulheres) com média de idade de 16,6 anos. Análises de componentes principais indicaram claramente a existência de duas componentes mais relevantes, correspondendo às dimensões de exigência e responsividade. Os índices alpha de Cronbach observados na versão final do instrumento, com 24 itens, foram entre 0,78 e 0,92. Estes resultados mostram a validade de construto e a excelente consistência interna do instrumento, que pode ser utilizado em pesquisas futuras e outros contextos. Diferenças observadas entre os sexos e na percepção de responsividade e exigência em relação a pais e mães são também discutidas ao final do estudo.

Palavras-chave: Responsividade parental, Exigência parental, Adolescência.


ABSTRACT

The purpose of this study was to improve an instrument to assess perceived parental demandingness and responsiveness in adolescents. An earlier version of the instrument had some of its items modified to improve the content and the reliability of the scales. First, a pool of 33 items was applied to 550 adolescents (50,5% women) with mean age of 16,6 years. Principal components analysis clearly showed the existence of two main components, correspondig to the dimensions of demandingness and responsiveness. Reliability indexes (Cronbach's alpha) observed for the final version with 24 items were between .78 and .92. These results indicate that the new instrument has construct validity and good internal consistency, and can be used in future research and other contexts. Gender differences and differences between perceived paternal and maternal demandingness and responsiveness that were observed are also discussed.

Keywords: Parental responsiveness, Parental demandingness, Adolescence.


 

 

A preocupação com estudos que avaliem o impacto das interações sobre o desenvolvimento (tanto normativo quanto patológico) dos diferentes integrantes do grupo familiar tem aumentado entre as áreas da Psicologia, especialmente no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, que enfatiza as relações entre os padrões de interação familiar e o desenvolvimento dos filhos (Steinberg, 2000; Tubman & Lerner, 1994). Segundo Way e Rossmann (1996), a preocupação com estes aspectos ocorre pois a família é o lugar privilegiado em que as crianças aprendem a interpretar a realidade e construir sua identidade, e os padrões de relacionamento no dia-a-dia seriam os legados mais significativos, tanto positivos quanto negativos, que os pais deixam aos filhos.

Dentre as inúmeras formas de entendimento das relações que se estabelecem entre pais e filhos, destaca-se o trabalho de Diana Baumrind acerca dos tipos de controle parental (1967, 1971, 1991, 1997). Essa abordagem, que tem influências sociológicas e comportamentais, baseou-se, para a criação de uma tipologia das práticas parentais de socialização, na tipologia sociológica das lideranças de grupo feitas por White e Lippitt (1967) que estabelece três tipos principais de liderança (democrática, autoritária e laissez-faire) e suas conseqüências sobre o desenvolvimento dos grupos. A descrição das práticas parentais em termos de padrões globais e razoavelmente estáveis de comportamento foi feita por Baumrind tomando os pais como tipos especiais de liderança.

A autora interessava-se em estudar como os diferentes padrões de controle parental poderiam afetar o desenvolvimento dos filhos. Para isso, utilizou uma amostra de crianças pré-escolares e seus pais em um estudo longitudinal (iniciado em 1959), abrangendo três etapas do desenvolvimento: período pré-escolar, com pais de filhos de 4 a 5 anos; período escolar infantil, com pais de filhos com 9 anos; e adolescência inicial, com pais de filhos entre 13 e 15 anos de idade. Como resultado do estudo, ela descreve três tipos de controle parental. Os tipos (chamados posteriormente de estilos) de controle encontrados por Baumrind (1967, 1971), bastante semelhantes aos tipos de liderança descritos por White e Lippitt (1967), foram denominados de autoritário, autoritativo1 e permissivo. De forma geral, o estilo é o contexto dentro do qual operam os esforços dos pais para socializar os filhos de acordo com suas crenças e valores (Darling & Steinberg, 1993), podendo ser entendido, ainda, como o clima emocional que perpassa as atitudes dos pais, cujo efeito é o de alterar a eficácia de práticas disciplinares específicas, além de influenciar a abertura ou predisposição dos filhos à socialização (Costa, Teixeira & Gomes, 2000).

Em um estudo posterior, Maccoby e Martin (1983) analisaram os estilos parentais em termos do cruzamento das dimensões exigência e responsividade. Nessa análise, foram propostos quatro estilos parentais, nos quais os autores mantiveram os padrões autoritário e autoritativo descritos por Baumrind (1967, 1971), e transformaram o antigo padrão permissivo em dois novos padrões: indulgente e negligente, referentes a distintos graus de responsividade. Esta classificação de Maccoby e Martin (1983) é a mais utilizada na literatura de práticas parentais, descrevendo quatro estilos de criação dos filhos: autoritativo (níveis altos de exigência e responsividade), autoritário (nível alto de exigência e baixo de responsividade), indulgente (nível alto de responsividade e baixo de exigência) e negligente (níveis baixos de exigência e responsividade).

A dimensão exigência (demandingness) diz respeito ao controle do comportamento e ao estabelecimento de metas e padrões de conduta e inclui todas as atitudes dos pais que buscam de alguma forma controlar o comportamento dos filhos, impondo-lhes limites e estabelecendo regras. Refere-se, ainda, aos comportamentos de supervisão, monitoramento, cobrança e disciplina consistente e contingente por parte dos pais (Baumrind, 1997). A dimensão responsividade (responsiveness), cujo termo origina-se na perspectiva etológica e diz respeito à sincronicidade entre o comportamento de filhos e de cuidadores, está relacionada à capacidade dos pais em serem contingentes ao atender às necessidades e às particularidades dos filhos (Darling & Steinberg, 1993) e refere-se àquelas atitudes compreensivas que os pais têm para com os filhos e que visam, através do apoio emocional e da bi-direcionalidade na comunicação, favorecer o desenvolvimento da autonomia e da auto-afirmação (Costa, Teixeira & Gomes, 2000). Comunicação, reciprocidade, afetividade e aquiescência são, portanto, características de uma parentalidade responsiva (Baumrind, 1997).

De forma geral, a exigência (controle), isoladamente, está relacionada ao desenvolvimento de indivíduos competentes, com altos escores em medidas de desempenho e obediência e baixos escores em problemas de comportamento (Baumrind, 1991). Filhos de pais autoritativos e autoritários, estilos marcados pela alta exigência, costumam apresentar es-tas características (Lamborn, Mounts, Steinberg & Dornbusch, 1991; Glasgow, Dornbusch, Troyer, Steinberg & Ritter, 1997). No entanto, a exigência pode estar relacionada, também, a indivíduos preocupados e inseguros quanto ao próprio desempenho (Pacheco, 1999; Parish & McCluskey, 1992), com menores índices de auto-estima, e maior presença de sintomatologia psicológica.

A dimensão responsividade, por outro lado, estaria relacionada a melhores índices de bem-estar psicológico, auto-estima, autoconfiança (Aunola, Sttatin & Nurmi, 2000; Parish & McCluskey, 1992) e ao desenvolvimento de atribuição de causalidade interna (Aunola, Sttatin & Nurmi, 2000). Estas características aparecem nos filhos de pais autoritativos e também indulgentes, que apresentam altos níveis de responsividade (Aunola, Sttatin & Nurmi, 2000; Glasgow & cols., 1997; Lamborn & cols., 1991). Uma criação negligente, marcada pelos baixos índices tanto em exigência quanto em responsividade, falharia tanto em estabelecer condições para o desenvolvimento de competências acadêmicas e sociais quanto bons níveis de bem-estar psicológico nos filhos (Aunola, Sttatin & Nurmi, 2000; Glasgow & cols., 1997; Lamborn & cols., 1991; Maccoby & Martin, 1983; Shucksmith, Hendry & Glendinning, 1995).

Os estudos relativos a diferenças de sexo na caracterização do comportamento parental são bastante numerosos e apontam que pai e mãe costumam exercer diferentes papéis e ter impactos diferentes sobre filhos ou filhas. Comumente, meninos e meninas descrevem a mãe como uma referência de responsividade, compreensão e aceitação e descrevem o pai como mais julgador e menos disponível à discussão de sentimentos, dúvidas e problemas (Noller, 1994). Paulson e Sputa (1996) apontaram que os filhos tendem a perceber as mães como mais responsivas e também mais exigentes do que os pais; estes são percebidos como menos envolvidos na cri-ação dos filhos. As meninas tendem a perceber índices mais elevados de responsividade e exigência paterna e materna. Segundo Costa, Teixeira e Gomes (2000), é possível que as meninas reconheçam mais as influências parentais do que os meninos, o que acaba se refletindo nos resultados dos estudos. Além disso, as autodescrições dos pais e as descrições dos pais pelos filhos também costumam diferir (Cohen & Rice, 1997; McBride-Chang & Chang, 1998; Shek, 1998; Smetana, 1995). Os filhos tendem a ver mãe e pai como menos exigentes e menos responsivos do que os próprios pais se descrevem. De forma geral, os filhos tendem a relatar uma percepção mais negativa dos pais do que os próprios pais o fazem, e essas discrepâncias entre as percepções de pais e filhos tendem a ser maiores em períodos de grande mudança, como a adolescência.

A abordagem dos estilos parentais tornou-se uma das mais utilizadas formas de investigação acerca das interações socializadoras na família e sua influência sobre os filhos ao longo do tempo. Por ser uma abordagem objetiva, parcimoniosa e centrada em aspectos principais como o controle (exigência) e o afeto (responsividade) disponibilizados pelos pais, possibilita fácil operacionalização e já produziu resultados importantes na pesquisa em psicologia do desenvolvimento. Embora Baumrind (1967, 1971) tenha desenvolvido sua tipologia de estilos parentais para analisar as práticas socializadoras na família durante a infância, a análise dos estilos parentais tem sido amplamente utilizada para o estudo das ligações entre os padrões de interação familiar e o funciona-mento do adolescente e do adulto jovem (Lamborn & cols., 1991; Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts & Dornbusch, 1994). O aperfeiçoamento dos instrumentos de medida e a ampliação dos aspectos avaliados (especialmente questões de transgeracionalidade e estudos comparativos entre pais e filhos) podem tornar a abordagem mais conhecida e influente na pesquisa nacional sobre interações familiares.

Nesse sentido, a criação e utilização de instrumentos de auto-relato para investigar a percepção dos filhos acerca dos comportamentos parentais, especificamente, possibilitam que sejam realizados estudos com filhos adolescentes e estudos comparativos entre as percepções de pais e filhos sobre as práticas de socialização. Alguns dos estudos mais importantes desenvolvidos na área de estilos parentais utilizaram amostras de adolescentes, como os de Smetana (1995), Paulson e Sputa (1996) e aqueles realizados por Steinberg e seus colaboradores (1991, 1994). No Brasil, embora essa abordagem seja ainda incipiente como instrumento para avaliar interações familiares, já existe um conjunto de estudos que permite confirmar os resultados encontrados em amostras internacionais e que demonstra serem os estilos parentais um aspecto importante para o desenvolvimento dos filhos. Estes estudos nacionais também se utilizaram, prioritariamente, de amostras adolescentes (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; Pacheco, 1999; Reppold, 2001).

Mesmo sem a intenção de classificar tipo-logicamente os comportamentos parentais em estilos definidos, a identificação dos níveis de exigência e responsividade parentais disponibilizadas constitui-se em importante elemento para o diagnóstico e o planejamento de intervenções com pais e filhos. Um primeiro esforço de mensuração das variáveis responsividade e exigência parentais com uma amostra de adolescentes brasileiros foi empreendido há alguns anos, com resultados muito positivos (Costa, Teixeira & Gomes, 2000). No entanto, as escalas utilizadas nessa pesquisa, adaptadas de um estudo norte-americano (Lamborn & cols., 1991), mostraram-se um tanto limitadas em sua abrangência de conteúdo, especialmente a escala de exigência. Esta contava com apenas seis itens, abrangendo três áreas de possível controle parental: saídas à noite, atividades no tempo livre e monitoração da localização do adolescente quando fora da escola. Além disso, os itens de ambas as escalas haviam sido apenas adaptados do inglês, sem a preocupação de incluir peculiaridades específicas à nossa cultura (embora um item original tenha sido eliminado por nitidamente não ser aplicável à realidade brasileira de classe média). Uma outra característica do instrumento original (e que foi mantida na versão brasileira) foi o formato de resposta aos itens em um sistema Likert de três pontos, com diferentes opções de respostas para alguns itens. Tal característica tornou a apresentação visual e a compreensão do instrumento muito complexa, além de permitir uma variabilidade de respostas reduzida (em função de existirem apenas três opções de resposta).

Em virtude das limitações apontadas acima, e do reconhecimento da necessidade e importância de dispormos de instrumentos que avaliem as dimensões de responsividade e exigência parentais na adolescência de maneira adequada, este estudo apresenta um refinamento do instrumento de Costa, Teixeira e Gomes (2000), de forma a torná-lo mais abrangente em seu conteúdo e dotá-lo de um sistema de respostas mais simples e que permita uma maior variabilidade nos dados obtidos.

 

Método

Participantes

A amostra utilizada neste estudo foi com-posta por 550 adolescentes (50,5% mulheres), com idades entre 14 e 19 anos (M= 16,6; d.p.= 1,07), provenientes de três cidades gaúchas. Todos os participantes eram estudantes de ensino fundamental ou médio, e em sua maioria responderam ao instrumento referindo-se ao comporta-mento do pai e da mãe biológicos. Foram incluídos nesta amostra apenas os participantes cujos questionários estavam completos nas variáveis relevantes ao estudo, ou seja, que responderam a todas as informações relativas à responsividade e à exigência de pai e mãe e indicaram sexo e idade.

Elaboração do instrumento

Os pontos de partida para a elaboração do instrumento foram as escalas de responsividade e exigência já testadas anteriormente em uma amostra brasileira (Costa, Teixeira & Gomes, 2000), adaptadas do estudo norte-americano de Lamborn e colaboradores (1991). Conforme apontado anteriormente, esta primeira versão apresentava pouca abrangência de conteúdo nos itens, além de ter um sistema de respostas Likert de apenas três pontos, restringindo a variabilidade das respostas. Assim, o primeiro passo adotado para o refina-mento do instrumento foi a criação de novos itens que incluíssem outros tipos de atitudes ou comportamentos parentais em relação aos filhos que fossem compatíveis com as definições teóricas de responsividade e exigência. O conteúdo dos itens gerados nesta etapa baseou-se em relatos verbais obtidos junto a adolescentes em um estudo qualitativo anterior (Costa, Teixeira & Gomes, 1998), no qual pediu-se aos jovens que descrevessem o modo como seus pais buscavam lhes educar através de exemplos concretos de situações cotidianas. As novas sentenças foram elaboradas de forma a serem respondidas através de uma escala Likert de cinco pontos, indicando (separadamente para pai e mãe) a intensidade ou freqüência das atitudes e comportamentos descritos nas frases. A maioria dos itens que compuseram o instrumento anterior (Costa, Teixeira & Gomes, 2000) foi mantida nesta nova versão, embora com algumas modificações para se adequarem ao novo sistema de respostas. Dessa forma, produziu-se um instrumento com 15 itens para a escala de exigência e 18 itens para a escala de responsividade.

Na forma impressa do instrumento utilizado, as frases foram apresentadas em seqüência (primeiro as 15 de exigência e depois as 18 de responsividade), e os jovens foram orientados a responder cada item em relação à mãe e ao pai (biológicos ou não). A instrução impressa específica e a chave de respostas utilizadas são apresentadas no Anexo A, onde constam também os itens da versão final das escalas.

Este instrumento foi utilizado em dois estudos prévios (Bardagi, 2002; Tasch, 2001) que, a partir de análises referentes à estrutura fatorial e à consistência interna das escalas, concluíram que se tratava de um instrumento válido e fidedigno, embora tenham também sugerido a exclusão de alguns itens. Em função disso, optou-se por realizar uma nova análise dos dados, juntando as amostras dos dois estudos citados anteriormente, a fim de depurar o instrumento e indicar os itens mais apropriados para mensurar as dimensões de responsividade e exigência parental. Estas análises e os resultados dela decorrentes constituem o foco de interesse do presente artigo.

Inicialmente, procedeu-se a uma análise de componentes principais dos 33 itens, considerando-se o escore combinado de pais e mães, com o intuito de verificar empiricamente se era possível identificar e interpretar as duas dimensões previstas teoricamente, além de obter indícios que sugerissem a eliminação de itens pouco apropriados. A análise revelou a existência de dois componentes principais (pelo scree plot) que foram retidos e submetidos à rotação oblíqua, uma vez que, teoricamente, espera-se que as dimensões de exigência e responsividade estejam relacionadas entre si. Os componentes identificados corresponderam às expectativas teóricas e apenas quatro itens não alcançaram carga componencial igual ou superior a 0,40 no componente previsto, três deles relacionados à exigência e um relacionado à responsividade. Nenhum dos itens restantes teve carga igual ou superior a 0,30 no componente ao qual não estava semanticamente relacionado. Assim, optou-se por eliminar estes quatro itens do conjunto, restando 12 itens para exigência e 17 para responsividade. A fim de que as escalas não ficassem com tamanhos desiguais, optou-se por eliminar mais 5 itens relacionados à responsividade. Os critérios utilizados para a exclusão desses itens foram a redundância de conteúdo com outros itens do conjunto e as correlações item-restante observadas, assim como as contribuições de cada item à consistência interna da escala. Obteve-se, assim, um conjunto final constituído por 24 itens, 12 relacionados à exigência e 12 à responsividade. Estes itens foram então submetidos a novas análises, que constituem os resultados finais deste estudo, apresentados a seguir.

 

Resultados

Verificação da estrutura bidimensional

Uma vez que a literatura sugere que as atitudes e práticas educativas parentais em relação aos filhos podem ser reduzidas às dimensões de exigência e responsividade (Maccoby & Martin, 1983), procedeu-se a análises de componentes principais com o objetivo de verificar se, empiricamente, emergiriam as duas dimensões previstas a partir dos 24 itens selecionados. As análises foram realizadas tanto para as respostas combinadas de pais e mães, quanto para as respostas relativas aos pais e às mães isoladamente. O conjunto dos dados mostrou-se adequado para as três análises empreendidas (índices Kaiser-Meyser-Olkin superiores a 0,90 e testes de esfericidade de Bartlett com p<0,001). Embora as análises iniciais tenham indicado quatro (no caso dos itens combinados e dos itens referentes aos pais) e cinco (no caso dos itens referentes às mães) componentes com eigenvalues maiores do que um, o scree plot sugeriu a retenção de apenas dois componentes para rotação nos três casos. Uma rotação oblíqua foi empregada, pois se espera que as dimensões de exigência e responsividade apresentem correlação entre si.

A Tabela 1 traz os resultados obtidos com as análises de componentes principais. Observa-se que, nos três casos (itens combinados, itens de pais e itens de mães) as duas dimensões previstas emergiram empiricamente e os itens apresentaram cargas elevadas somente no componente esperado. No primeiro componente apresentaram cargas altas os itens relativos à responsividade (os 12 últimos) e no segundo os itens relativos à exigência (os 12 primeiros).

 

 

Análise da consistência interna das escalas

A Tabela 2 apresenta as análises de consistência interna (alphas de Cronbach) e as correlações item-total corrigidas máxima e mínima para cada uma das escalas. Como é possível observar, os alphas obtidos são adequados, pois apenas um deles é inferior a 0,80 (caso da escala de exigência materna percebida) e ainda assim é muito próximo desse valor (0,78). Estes resultados indicam que os itens referentes à exigência e à responsividade podem ser somados para compor escores dessas duas dimensões.

 

 

Correlações entre as escalas

As correlações observadas entre as escalas consideradas nesse estudo são exibidas na Tabela 3. Os escores de cada escala, utilizados no cômputo das correlações, foram obtidos através da soma dos itens pertinentes a cada uma delas. Observa-se que, de um modo geral e de acordo com o esperado, quase todas as variáveis estão correlacionadas positiva-mente, à exceção das variáveis exigência de mãe e responsividade de pai. Deve-se ressaltar, contudo, que as correlações obtidas entre exigência e responsividade (para pais, mães e combinada) não são elevadas (entre 0,19 e 0,31).

 

 

Médias de responsividade e exigência percebidas de acordo com o sexo

A Tabela 4 apresenta as medianas, médias e desvios-padrão observados para as variáveis de exigência (de pais, mães e combinada) e responsividade (de pais, mães e combinada) de acordo com o sexo dos respondentes, e também os resultados para a amostra total (combinando homens e mulheres)2. Os escores representam a soma dos itens que compõem cada escala. No caso dos escores combinados, foram somados os itens referentes a pais e mães, duplicando assim a amplitude de resultados possíveis na escala.

 

 

Para verificar a existência de diferenças significativas entre os sexos nas variáveis exigência e responsividade percebidas em relação a pais e mães, foram realizadas duas análises de variância 2 x 2 com medidas repetidas, uma para exigência e outra para responsividade. Neste delineamento, foram considerados os fatores sexo e progenitor (pai e mãe), tendo sido tomada como medida repetida em cada análise a responsividade ou a exigência medida em relação a pais e mães. Deve-se ressaltar que as variáveis em questão não apresentaram os requisitos usualmente requeridos de distribuição normal e homogeneidade de variâncias para tal tipo de análise. Por isso, testes não-paramétricos foram realizados posteriormente às análises de variância (testando as mesmas hipóteses), uma vez que estes testes são usualmente mais conservadores do que os paramétricos e não possuem restrições ligadas à distribuição ou variabilidade dos dados. Os resultados obtidos foram equivalentes em termos da significância estatística dos resultados (foi considerado o critério de p<0,05). Sendo assim, decidiu-se apresentar os resultados das análises de variância, exibidos na Ta-bela 5. Como se pode verificar, houve interações significativas entre os fatores sexo e progenitor tanto para exigência quanto para responsividade, o que exigiu análises mais pormenorizadas realizadas através de testes a posteriori de Tukey.

 

 

Com relação à exigência parental, estas análises mostraram que os escores de exigência atribuídos às mães foram significativamente superiores aos escores atribuídos aos pais, tanto entre os homens (p<0,01) quanto entre as mulheres (p<0,01). Já a comparação entre os sexos revelou que as mulheres indicaram níveis de exigência percebida mais altos do que os homens, tanto em relação às mães quanto aos pais (p< 0,01). Contudo, a existência de uma interação significativa entre os fatores sexo e progenitor nos indica que a magnitude destes efeitos não deve ser igual para ambos os sexos. De fato, uma inspeção das médias obtidas sugere que a diferença entre os sexos é maior quando se trata da exigência materna do que da paterna, ou seja, as mães parecem ter níveis de exigência mais diferenciados entre filhas e filhos do que os pais (de acordo com a percepção dos adolescentes).

Para a variável responsividade parental observaram-se diferenças significativas entre os níveis de responsividade de pais e mães, sendo os escores atribuídos à responsividade das mães mais elevados do que os escores atribuídos aos pais, para ambos os sexos (p<0,01). Por sua vez, as comparações entre homens e mulheres mostraram uma diferença significativa para a variável responsividade da mãe, com as mulheres obtendo escores mais altos do que os homens (p<0,05). Para a responsividade do pai não foi observada diferença estatisticamente significativa (p<0,15).

Foram ainda realizadas duas comparações de médias para verificar a possível existência de diferenças entre os sexos para as variáveis exigência e responsividade combinadas (testes t para amostras independentes). Estas análises revelaram uma diferença estatisticamente significativa para exigência (t (548) = 3,98; p<0,01), mas não para responsividade (t (548) = 0,04; p<0,97), sendo que o escore médio de exigência combinada percebida das mulheres foi mais alto do que o dos homens.

 

Discussão

O objetivo primordial desta pesquisa foi refinar um instrumento para avaliar as dimensões de exigência e responsividade parentais percebidas na adolescência. Partindo de uma versão anterior do instrumento (Costa, Teixeira & Gomes, 2000), alguns itens foram acrescidos e outros modificados, sendo o conjunto final selecionado através de critérios semânticos e estatísticos. As análises empreendidas buscaram verificar essencialmente a estrutura de componentes principais subjacente aos itens e as propriedades psicométricas das escalas construídas, tendo os resultados se mostrado altamente satisfatórios.

As análises de componentes principais indica-ram, de modo bastante claro, a existência de duas componentes mais relevantes que correspondem às dimensões teóricas de exigência e responsividade. Deve-se ressaltar, ainda, a clareza da solução encontrada em termos das cargas componenciais dos itens selecionados, sugerindo a pertinência dos indicadores comportamentais e de atitudes utilizados nas frases que compõem as duas escalas. Além disso, a grande semelhança entre as soluções obtidas para os itens referentes a pais e mães e itens combinados indica que estes seriam itens com conteúdos apropriados tanto à avaliação das mães quanto dos pais.

Com relação à consistência interna das escalas os resultados também se mostraram excelentes. Os índices alpha de Cronbach obtidos (entre 0,78 e 0,93) assim como os valores de correlação item-restante corrigidos observados (de 0,30 a 0,75) indicam que as escalas propostas são internamente consistentes e, dessa forma, são ferramentas fidedignas para a avaliação da exigência e da responsividade parental em adolescentes.

Quando comparado à versão anterior de Costa, Teixeira e Gomes (2000), verifica-se que o instrumento aqui apresentado possui algumas características diferenciadas que o tornam mais adequado para avaliar as dimensões propostas. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar o enriquecimento de conteúdo das escalas através da inclusão de novos itens construídos a partir de relatos dos próprios adolescentes. Embora tal procedimento tenha modificado o conteúdo original das escalas (especialmente no caso da escala de exigência), as análises de componentes principais mostraram que as dimensões de exigência e responsividade (conforme operacionalizadas através dos novos itens) são nitidamente distintas entre si e coerentemente interpretáveis. Em segundo lugar, os índices de consistência interna obtidos nesta nova versão foram quase todos superiores aos da versão anterior (apenas um foi igual). Ainda, a inclusão de itens novos na escala de exigência (a original tinha apenas seis) parece ter tornado esta escala mais distinta da escala de responsividade em seu conteúdo, o que é sugerido pelos baixos níveis de correlação entre as mesmas (entre 0,19 e 0,31; na versão anterior, os valores ficaram entre 0,47 e 0,59). Embora haja a expectativa teórica de que exigência e responsividade estejam positivamente relacionadas (afinal, monitoração e controle brandos são também demonstrações de interesse e cuidado para com os filhos), do ponto de vista da mensuração quanto mais distintas estas medidas forem entre si melhor, pois isso permitirá interpretações menos ambíguas dos efeitos diferenciados dessas duas variáveis em futuros estudos.

Os resultados obtidos nas comparações dos níveis de exigência e responsividade atribuídos a pais e mães seguiram um padrão já observado em outros estudos (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; Honess, Charman, Cicognani, Zani, Xerri, Jackson & Bosma, 1997; Paulson & Sputa, 1996), ou seja, as mães foram percebidas como mais responsivas e exigentes do que os pais, tanto pelas filhas quanto pelos filhos. Esses resultados podem estar confirmando uma maior proximidade da mãe com os filhos, apontada em estudos anteriores (Baumrind, 1991; Claes, 1998; Russell, 1997), nos quais as mães aparecem como bastante envolvidas na educação e desenvolvimento dos filhos, suplantando em muitos aspectos a participação paterna. As percepções de meninos e meninas quanto ao comportamento parental trouxeram, também, algumas diferenças interessantes. As meninas perceberam maiores níveis de exigência materna e paterna e maior responsividade materna do que os meninos. Esses dados são congruentes com as pesquisas anteriores que apontam que os pais (especialmente as mães) tendem a ser mais responsivos e exigentes com as meninas (Baumrind, 1991; Noller, 1994) e que as meninas seriam, de forma geral, mais sensíveis e teriam maior poder de discriminação na percepção e descrição das interações familiares (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; Paulson & Sputa, 1996).

Verificou-se, ainda, neste estudo, que a diferença entre os sexos para a variável exigência percebida foi mais evidente no caso da exigência materna do que no da paterna, um efeito não observado na pesquisa de Costa, Teixeira e Gomes (2000). É possível que o refinamento do instrumento o tenha tornado mais sensível às diferenças existentes entre pais e mães no que se refere à exigência, o que pode ter se refletido nos resultados. Isso sugere que a nova versão do instrumento é de fato superior à versão mais antiga, pois possibilita uma avaliação mais acurada da variável de interesse. Os dados indicando menor exigência e responsividade maternas na percepção dos meninos podem apontar eventuais dificuldades que as mães encontram para lidar com os filhos homens na adolescência. Essas dificuldades podem gerar menor envolvimento materno percebido em geral, caracterizando as mães como negligentes na percepção dos meninos (Conrade & Ho, 2001).

Além disso, este resultado nos coloca algumas questões para reflexão: estariam as mães, mais do que os pais, socializando distintamente meninos e meninas através de seus comportamentos de monitoração e controle? Essa diferença seria maior na adolescência do que em outros momentos do desenvolvimento dos filhos? Quais seriam os possíveis efeitos disso na construção dos papéis de gênero e da própria identidade dos adolescentes? Estes são alguns tópicos interessantes que poderiam ser focalizados por futuras pesquisas, especialmente de caráter longitudinal, com o objetivo de avaliar mudanças na percepção do comportamento parental ao longo do tempo. Ainda, estudos comparativos entre pais e filhos podem fornecer indícios da congruência ou discrepância existente entre as intenções do comportamento parental e o efeito percebido pelos filhos. Além disso, mostra-se muito importante investigar a influência do comportamento parental sobre os filhos adolescentes tanto em medidas de desempenho quanto de ajustamento psicológico.

Em síntese, o instrumento disponibilizado neste estudo, para investigação de responsividade e exigência parentais percebidas, mostrou-se válido e com bons índices de consistência interna, estando, assim, indicado para uso em futuras pesquisas ou para avaliação das interações familiares em outros contextos, como a clínica ou a escola. Espera-se que o interesse pelo estudo dessas interações a partir da perspectiva das dimensões do comportamento parental (às quais podem ser acrescentadas outras, como a intrusividade, por exemplo) ou dos estilos parentais possa ser aumentado e gerar no-vos estudos e novos instrumentos a partir destes resultados.

 

Referências

Aunola, K., Sttatin, H. & Nurmi, J. (2000). Parenting styles and adolescents' achievement strategies. Journal of Adolescence, 23, 205-222.        [ Links ]

Bardagi, M. P. (2002). Os estilos parentais e sua relação com a indecisão profissional, ansiedade e depressão dos filhos adolescentes. Dissertação de mestrado não publicada. Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Rua Floriano Peixoto, 1750 sala 309
97015-372 Santa Maria - RS
E-mail: mapteixeira@yahoo.com.br

Recebido em 25/9/2003
Aceito 10/1/2004

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq pelo apoio à pesquisa. Agradecem também ao Prof. Claudio S. Hutz por sugestões e apoio à pesquisa.

 

 

1 Embora não conste nos dicionários brasileiros, o termo autoritativo é amplamente utilizado na literatura para traduzir o termo original authoritative. Alguns autores traduzem o termo original como autorizado (Newcombe, 1999), com autoridade (Gottman & Declaire, 1996), ou assertivo (Mangabeira, Pedrosa, Camino & Costa, 2001). Na ausência de um termo nacional de consenso para descrever o padrão que combina altos níveis de controle e também de afetividade, neste estudo foi mantida a utilização do termo traduzido autoritativo para descrevê-lo.
2 Caso haja interesse em estabelecer o estilo parental, tanto de pai ou de mãe quanto combinado, é possível classificar os escores de exigência e responsividade como altos ou baixos a partir das medianas, como realizado em outros estudos (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; Pacheco, 1999). Mesmo não favorecendo a criação de grupos típicos de cada estilo, o uso da mediana diminui a exclusão de casos. Lamborn e colaboradores (1991) não encontraram, contudo, diferenças entre os resultados de grupos divididos a partir de tercis ou a partir da mediana. Devem ser desconsiderados, para análise dos estilos parentais, aqueles casos cujos escores sejam idênticos aos valores das medianas em responsividade materna, paterna e combinada e exigência materna, paterna e combinada.

 

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