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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.5 n.1 Porto Alegre jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Escala de satisfação com a experiência acadêmica de estudantes do ensino superior

 

Scale of satisfaction with academic experience of students of higher education

 

 

Ana Lúcia Righi Schleich I, 1; Soely Aparecida Jorge Polydoro II, 2; Acácia Aparecida Angeli dos Santos III, 3

I Faculdade Comunitária de Campinas e Faculdade Politécnica de Jundiaí
II Universidade Estadual de Campinas
III Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo analisar os parâmetros psicométricos da Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA). Os itens iniciais foram baseados na literatura sobre o tema, aplicou-se a versão inicial do instrumento em um estudo piloto com estudantes de ensino superior para verificar sua adequação lingüistica e ainda a análise de conteúdo por especialistas. Em seguida, a versão final do instrumento foi aplicada em uma amostra de 351 estudantes de uma instituição de ensino superior particular do interior paulista. A escala obtida, constituída por 35 itens, apresenta resultados de validade e fidelidade satisfatórios. Valendo-se da análise fatorial exploratória foram encontradas três dimensões, a saber, satisfação com o curso, oportunidade e desenvolvimento e satisfação com a instituição, explicando 47,7% da variância total da escala. Os dados deste estudo podem ser úteis às instituições nas ações diretas com o estudante e na avaliação da eficácia institucional em contextos educativos.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Validade, Universitários.


ABSTRACT

The present study has had as its objective to analyze the psychometric parameters of the Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA). [Scale of Satisfaction with Academic Experience]. The initial items were based on literature on the theme; an initial version of the instrument being applied both on a pilot study with higher education students in order to verify their linguistic adequacy and to the analysis of content by specialists]. After that, the final version of the instrument was applied on a sample of 351 students of a private higher education institution in a Sao Paulo State inland town. Consisting of 35 items, the scale obtained, presents results of satisfactory validity and fidelity. Through an exploratory factorial analysis, three dimensions were found, i.e., satisfaction with the course, with opportunity and development and satisfaction with the institution, explaining 47,7% of the total variance of the scale. The data of this study can be useful to institutions of direct actions with the student and on the validation of institutional efficacy in educational contexts.

Keywords: Psychological assessment, Validity, Undergraduates.


 

 

Introdução

Nos últimos anos observa-se um aumento da população universitária com características bastante heterogêneas como: classe social, gênero, objetivos, expectativas, trajetória acadêmica anterior, faixa etária, situação de trabalho e opção pelo turno, dentre outras. As instituições estão se multiplicando para atender a essa demanda, no entanto, também é preciso que estejam preparadas não só por meio de inovação tecnológica e novos espaços educativos, mas com a busca de maior conhecimento sobre o estudante de ensino superior. Dessa forma, poderão realmente promover, durante o processo de formação, o desenvolvimento cognitivo, vocacional, pessoal, social e cultural de seus alunos.

Nota-se em alguns países, e aqui no Brasil especialmente, o empenho por parte do governo em abrir mais vagas (Pinto, 2004). Porém, ainda falta o mesmo empenho na adequação das instalações, das políticas e dos processos educativos à diversidade de características e de expectativas desta população. Talvez isso ocorra por falta de conhecimento sistematizado sobre o estudante universitário brasileiro. Almeida & Soares (2003) constaram fenômeno similar em Portugal, ou seja, existe uma facilidade de acesso ao ensino superior, mas pouca preocupação em que os estudantes sejam bem sucedidos nesse nível educacional. Assim, verifica-se que as instituições de ensino superior, de modo geral, continuam oferecendo cursos padronizados, com currículos fechados, métodos de ensino ineficazes, instalações mínimas de apenas salas de aula, sem considerar a diversidade de características dos estudantes.

O sucesso aqui referido não deve ser entendido no sentido mais tradicional de desempenho, ou seja, pelas notas obtidas nas avaliações. Deve-se entender o sucesso acadêmico de modo amplo, como toda a experiência vivida pelo estudante no contexto educacional, incluindo seu desempenho cognitivo (raciocínio, conhecimentos, habilidades), afetivo (crenças, valores, atitudes, autoconceito, motivações, satisfação) e social (relações interpessoais), de acordo com a concepção defendida por Almeida, Soares e Ferreira (1999), dentre outros estudiosos do tema.

Sabe-se que, de forma geral, a educação superior provoca mudanças nos estudantes, tanto em nível pessoal, cognitivo, profissional, afetivo e social. A literatura tem demonstrado que os anos que os estudantes freqüentam a educação superior são acompanhados por um extenso e integrado conjunto de mudanças decorrentes da diversidade de experiências que compõem este processo educacional, sejam atividades acadêmicas como não acadêmicas, obrigatórias ou não obrigatórias (Astin, 1993; Pascarella & Terenzini, 2005).

O ambiente acadêmico tem sido visto como importante para o desenvolvimento do estudante ao oferecer, por um lado, o ensejo de partilha de idéias e experiências e encontro com pessoas (Astin, 1993; Bowen, 1977; Pascarella & Terenzini, 2005). Por outro lado, destaca-se o papel central dos próprios estudantes, já que essa mudança ocorrerá na medida da extensão do seu envolvimento com essas oportunidades. Nesse caso, o desenvolvimento ou mudança não será mera conseqüência do impacto da universidade sobre os estudantes, mas dependerá do envolvimento deles com os recursos oferecidos pela instituição (Astin, 1993).

Estudiosos buscam compreender melhor o processo de interação entre a instituição e os estudantes e as mudanças provocadas a partir desta interação, construindo instrumentos capazes de caracterizar o estudante e averiguar a experiência vivida durante o processo de formação. A satisfação acadêmica está entre as variáveis analisadas por pesquisadores interessados pela área. No entanto, Astin (1993) considera que o número de estudos sobre esse construto é inferior ao que seria necessário dado a sua importância.

As primeiras investigações sobre satisfação acadêmica foram realizadas na década de 60, e originadas de estudos sobre satisfação ocupacional (Betz, Menne, Starr & Klingensmith, 1971). Segundo Benjamin e Hollings (1997), apesar das pesquisas sobre a natureza do construto da satisfação, considera-se que ainda não exista uma definição clara e consistente sobre o construto, havendo ainda pouca elaboração teórica para sua explicação.

As medidas de satisfação abrangem o nível de satisfação do estudante com toda a experiência de formação e também aspectos mais específicos ligados à qualidade do ensino, ao currículo, relacionamento com os professores e colegas, o currículo, a administração, as instalações e recursos da universidade, além da percepção do estudante sobre o ambiente acadêmico e intelectual da instituição (Astin, 1993). Por incluir diferentes áreas da experiência acadêmica do estudante, a satisfação é considerada multidimensional (Soares, Vasconcelos & Almeida, 2002)

Como se vê, a satisfação acadêmica engloba toda a trajetória acadêmica. Ela é considerada como um processo dinâmico por ser afetada pelas características do estudante e, também, por mudar em função da experiência educacional vivida ao longo do curso (Pennington, Zvonkovic & Wilson, 1989). Além disso, as pesquisas têm indicado que a percepção dos estudantes quanto à sua satisfação acadêmica interfere no nível de envolvimento do estudante com a instituição, implicando nas decisões de permanecer ou não na instituição. Ao lado disso, ela aparece ainda como uma das variáveis psicossociais mediadoras da integração social e acadêmica do estudante (Abrahamowicz, 1988; Bean & Bradley, 1986; Karemera, Reuben & Sillah, 2003; Knox, Lindsay & Kolb, 1992; Napoli & Wortman, 1998; Pike, 1991).

Em vários estudos, a investigação da satisfação acadêmica surge como um elemento importante na avaliação da eficácia institucional e dos contextos educativos, possibilitando às instituições reestruturarem sua organização para se adaptarem às necessidades dos estudantes. A mensuração da satisfação acadêmica pode auxiliar no processo de planejamento e na melhoria dos programas e serviços para o estudante, aumentando a eficácia do processo educacional (Betz & cols., 1971; Elliott & Shin, 2002; Knox e cols., 1992; Low, 2000; Martins, 1998). Considerando a importância de se avaliar esse construto buscou-se recuperar na literatura instrumentos que medissem a satisfação acadêmica e alguns deles são descritos a seguir.

O instrumento mais antigo relatado na literatura é o College Student Satisfaction Questionnaire - CSSQ, criado por Betz, Klingensmith e Menne (1971), que na época a finalidade era fornecer um instrumento psicometricamente mais eficaz para avaliar a satisfação do estudante e proporcionar informações adicionais em relação aos seus componentes. Foram definidas seis dimensões iniciais da satisfação com base em pesquisas de satisfação com o trabalho e variáveis específicas do ambiente acadêmico, como descrito a seguir.

As dimensões identificadas com base nesse estudo foram: (1) Políticas e Procedimentos, que inclui as regras que afetam as atividades e progressos dos estudantes, como escolha das matérias, uso do tempo livre; (2) Condições de Trabalho, relacionada às condições físicas da vida acadêmica, como limpeza e conforto da residência, adequação das áreas de estudo no campus, qualidade das refeições, infra-estrutura para descanso entre as aulas; (3) Compensação, que se refere à quantidade de investimentos (esforços) necessários para alcançar os resultados acadêmicos, e seu efeito dessa demanda nas realizações de outras necessidades e objetivos; (4) Qualidade da Educação, que engloba as várias condições acadêmicas relacionadas ao desenvolvimento intelectual e vocacional do estudante, como a competência e disponibilidade de ajudar dos professores e funcionários, e a adequação do currículo, método de ensino e tarefas requeridas; (5) Vida Social, que inclui as oportunidades para encontros socialmente relevantes, como namoro, pessoas interessantes e compatíveis, amizades, participação em eventos e atividades sociais informais no campus e (6) Reconhecimento, referente às atitudes e comportamentos do professor e outros estudantes que são indicadores da aceitação do estudante como um indivíduo de valor.

Os resultados das análises estatísticas do instrumento apontaram que a sub-escala Políticas e Procedimentos não se mostrou estável ou apropriada para avaliar a satisfação geral do aluno com a instituição, o que levou à decisão de sua exclusão. O questionário CSSQ passou a ser constituído por cinco escalas com 70 itens, tidas como importantes dimensões da satisfação do estudante (Betz & cols., 1971; DeVore & Handal, 1981).

Outro instrumento é o Student Satisfaction Inventory - SSI, criado pelo Grupo Noel-Levitz, baseado nos princípios da teoria do consumidor. Essa escala tem como finalidade a obtenção de uma avaliação anual que indica o grau de satisfação e o nível de importância que os estudantes atribuem às áreas de sua experiência acadêmica, sugerindo se as instituições estão atendendo suas expectativas.

Existem duas versões do instrumento, uma com 73 itens para instituições de quatro anos e outra com 70 itens para instituições de dois anos. Cada item relata uma experiência no campus que deve ser analisada segundo o nível de importância e de satisfação do estudante. O instrumento é composto por 12 sub-escalas, para cada tipo de instituição, como apresentado a seguir.

A escala total está dividida nas seguintes sub-escalas, a saber: (1) Eficácia do Conselho Acadêmico, que avalia o programa de aconselhamento acadêmico em termos de: conhecimento, competência, acessibilidade do conselheiro, e interesse pelo estudante; (2) Clima do Campus, que analisa as experiências que promovem um senso de orgulho e de pertencer à comunidade acadêmica; 3) Serviço de Apoio, que julga a qualidade dos serviços e programas de suporte ao estudante; 4) Preocupação com o Individual, que aprecia o nível de compromisso da instituição e dos profissionais que trabalham com os estudantes; 5) Eficácia Instrucional, que considera a experiência acadêmica do estudante, o currículo, o compromisso e outros; 6) Recrutamento e Auxílio Financeiro, que verifica a competência dos funcionários e a utilidade dos programas de ajuda financeira; 7) Eficácia na matrícula, que julga os procedimentos associados com o processo de matrícula; 8) Sensibilidade para diversidade da população, que avalia o compromisso da instituição com os grupos específicos de estudantes; 9) Cuidado e Segurança, que estima a segurança da infra-estrutura da instituição e do campus; 10) Qualidade do serviço, que verifica as áreas do campus e serviços para o estudante; 11) Estudante como centro, que analisa a atitude da instituição em relação ao estudante e o senso de valorização; e 12) Serviços Acadêmicos (instituição de dois anos), que leva em conta os serviços utilizados pelo estudante, como biblioteca, laboratórios; ou Vida no Campus (instituição de quatro anos), que identifica os procedimentos e normas do campus e os programas oferecidos pela instituição, como esportes e moradia.

Vale ressaltar que a interpretação dos dados coletados possibilita o conhecimento das áreas fortes, definidas como acima da média em importância e satisfação (alta importância e alta satisfação). Além disso, aponta também as que precisam de mudança, definidas como acima da média em importância e abaixo da média em satisfação (alta importância e baixa satisfação) (Group Noel-Levitz, 2003).

A Escala de Satisfação Acadêmica - construída por Martins (1998) / Universidade do Porto-Portugal, propõe-se a colaborar com o estudo da satisfação acadêmica dos estudantes portugueses. A escala é constituída por 20 itens, em formato de resposta tipo Likert de cinco pontos, abrangendo cinco dimensões: (1) Pertinência das disciplinas para a formação; (2) Possibilidade de promoção do desenvolvimento; (3) Características da docência; (4) Características físicas de organização e recursos; e (5) Preparação para o exercício da profissão. Essas dimensões estão agrupadas em três fatores, tais como: (a) Aplicabilidade, relacionado com as disciplinas e a preparação para o exercício da profissão; (b) Formação, referente às características da docência e da instituição; c) Possibilidade de desenvolvimento, pertinente à realização das atividades e desenvolvimento do espírito crítico e de cooperação. Na análise fatorial com rotação varimax, apenas os itens com saturação acima de 0,40 foram considerados, confirmando a existência dos três fatores já referidos, cujo coeficiente de alpha de Cronbach foi de 0,85.

Outro instrumento também desenvolvido em Portugal é o Questionário de Satisfação Acadêmica (QSA), construído por Soares, Vasconcelos e Almeida (2002) na Universidade do Minho. Trata-se de um questionário de auto-relato que procura avaliar o grau de satisfação dos estudantes associado a diversos aspectos da sua experiência universitária, descrito a seguir.

O questionário possui 13 itens, estruturados no formato de resposta Likert de cinco pontos. Esses itens buscam avaliar três dimensões da satisfação dos alunos, a saber: (1) Social, que engloba a qualidade das relações estabelecidas com as pessoas dentro e fora do contexto universitário; (2) Institucional, que analisa a infra-estrutura, equipamentos e serviços disponíveis na instituição; e (3) Curricular, que aprecia as atividades e características do curso no qual os alunos estão inscritos.

A análise fatorial com rotação varimax identificou três fatores, que explicaram 51% da variância dos resultados nos itens: Fator I, Satisfação com o curso, que mede o grau de satisfação dos estudantes em relação às atividades e organização do curso, bem como o investimento pessoal no curso e a qualidade das relações com os professores; o coeficiente alpha de Cronbach foi de 0,75; Fator II, Satisfação Institucional, que avalia o grau de satisfação dos estudantes em relação à infra-estrutura, serviços e equipamentos disponíveis na instituição, as atividades extracurriculares oferecidas e a qualidade das relações com os funcionários; o coeficiente alpha de Cronbach foi de 0,63; e Fator III, Satisfação sócio-relacional, que analisa o grau de satisfação dos estudantes em relação à vida acadêmica, a qualidade das relações com os colegas do seu curso e de outros bem como com seus familiares e outras pessoas significativas; o coeficiente alpha de Cronbach foi de 0,65. O instrumento, apesar de apresentar coeficientes de alpha relativamente baixos, é recomendado pelos autores na investigação da satisfação acadêmica de estudantes do ensino superior em Portugal.

A revisão dos instrumentos existentes possibilitou a identificação de uma gama de aspectos que cada um deles se propõe a avaliar, julgando-os relacionados ao construto satisfação acadêmica. Devido à importância atribuída pelos estudiosos à análise desse construto, à falta de coerência observada na revisão da literatura sobre o tema, bem como a constatação da inexistência de um instrumento brasileiro que o abordasse, este estudo foi proposto com o objetivo de verificar as propriedades psicométricas (validade e precisão) de uma escala avaliação da satisfação com a experiência acadêmica de estudantes do ensino superior.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo uma amostra de conveniência constituída por 351 estudantes de ensino superior de uma instituição privada do interior do estado de São Paulo, dos cursos de Administração (com habilitação em Comércio Exterior, em Turismo e em Análise de Sistemas), Ciência da Computação e Comunicação (Jornalismo e Publicidade e Propaganda), todos oferecidos no período noturno.

Dos estudantes 54,4% eram do sexo feminino e 45,6% do sexo masculino, com idade mínima de 16 anos e máxima de 47 anos, com média de 24,43 anos e desvio padrão de 6,07 anos. A distribuição dos participantes por faixa etária possibilitou verificar que a maioria dos alunos encontrava-se na faixa etária de 16 a 21 anos (39,5%), seguidos daqueles com idade a partir de 26 anos (32%), e posteriormente daqueles que se encontravam entre os 22 e 25 anos (28,5%).

Observa-se que, do total, 96,5% revelaram intenção de continuar o curso, 84% exerciam atividade remunerada, e 64,4% trabalhavam em tempo integral. O número de horas semanais trabalhadas variou entre 6 e 72 horas, com média de 41,89 horas e desvio padrão de 8,67 horas.

Constatou-se que a maioria dos estudantes freqüentava os cursos de Administração (com habilitação em Comércio Exterior, em Turismo e em Análise de Sistemas) com 59,1%, seguidos pelos cursos de Comunicação (Jornalismo e Publicidade e propaganda) com 25,5% e posteriormente pelo curso de Ciência da Computação (15,5%). Quanto à série, foi observado que 57,9% estavam no primeiro semestre do curso, 6,3% freqüentavam o terceiro semestre e 35,8% estavam concluindo o período.

Instrumento

Trata-se de uma escala de auto-relato que investiga a satisfação do estudante de ensino superior. Abrange uma variedade de aspectos relacionados ao curso, à instituição e às oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, bem como os aspectos relacionais envolvidos no contexto acadêmico.

Em um primeiro momento, diante das qualidades psicométricas do Questionário de Satisfação Acadêmica (QSA) de Soares, Vasconcelos e Almeida (2002) e da proximidade lingüística com o português brasileiro, optou-se por adaptar a escala. Após autorização dos autores, foi realizado um estudo piloto com 51 estudantes de uma instituição privada de educação superior para verificar a adequação das adaptações realizadas, quanto à língua e quanto à estrutura. Foi utilizado um conjunto de material contendo o Questionário de Satisfação Acadêmica-adaptado (QSA-a), questionário-sócio demográfico e roteiro para colher a opinião dos estudantes sobre o instrumento. O QSA-a foi avaliado por 27,4% dos estudantes como tendo algum tipo de problema. Entre eles, foram citadas dificuldades na organização ou compreensão das instruções, dos itens e das alternativas de respostas. Foi sugerida a inclusão de outros aspectos da vida acadêmica (acesso físico da faculdade, valor do curso, acomodações, ruídos, estrutura física da faculdade, oportunidade de expressão cultural, participação em diretório, assiduidade, organização e higiene da sala de aula) e ainda que outros itens fossem enfatizados (professores, tesouraria, biblioteca, laboratório de informática) (Schleich & Polydoro, 2005).

Baseando-se nos dados obtidos no estudo piloto e considerando a literatura na área, foram realizadas alterações no instrumento e incluídos novos itens ao questionário para torná-lo mais eficaz na avaliação da satisfação acadêmica. Esta nova versão que passou a ser nomeada como Escala de Satisfação Acadêmica (ESA), foi apresentada a uma amostra do grupo que participou do estudo piloto e a um grupo de doutorandos da área da educação que lidam, direta ou indiretamente, com estudantes universitários. Nesse momento ainda surgiram dúvidas no entendimento da redação de alguns itens e foi recomendada a inclusão de outros aspectos não abordados, levando à proposição de um novo instrumento, a Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA). Este instrumento foi composto por 40 itens em uma escala tipo Likert de cinco pontos, cuja gradação variava entre os extremos: (1) Nada satisfeito e (5) Totalmente satisfeito.

Como dito, a escala foi construída com base na literatura (Astin, 1993; Betz & cols., 1971; Group Noel-Levitz, 2003; Low, 2000; Martins, 1998; Soares & cols., 2002), procurando incluir aspectos importantes para a compreensão de como os estudantes percebem sua satisfação em relação à experiência acadêmica. Foram consideradas cinco dimensões conceituais: pessoal, interpessoal, carreira, estudo/curso e institucional, conforme descrição a seguir.

Pessoal. Envolve a satisfação com o investimento na própria formação, reconhecimento por parte do professor que indica a aceitação do estudante como um indivíduo de valor, possibilidade de promoção do desenvolvimento integral (5 itens).

Interpessoal. Abrange a qualidade das relações estabelecidas com os membros do contexto universitário e fora dele, a qualidade da relação informal com os professores e colegas do curso que freqüenta e de outros cursos (4 itens).

Carreira. Engloba as condições para o desenvolvimento da carreira do estudante, preparação para o ingresso no mundo do trabalho e para a vida profissional (2 itens).

Estudo/curso. Refere-se à satisfação com o curso, atividades e características inerentes à organização do curso, atividades extracurriculares, políticas e procedimentos que afetam as atividades e progressos dos estudantes (escolha de matérias, uso do tempo livre), competência e vontade de ajudar dos professores e colegas, adequação do currículo, método de ensino e tarefas requeridas, pertinência da disciplina para a formação (13 itens).

Institucional. Diz respeito à infra-estrutura, equipamentos, serviços disponíveis na instituição, limpeza e conforto das instalações, qualidade das refeições, as competências e vontade de ajudar dos funcionários e administradores, clima do campus, segurança, biblioteca, laboratórios (16 itens).

Procedimento

Após a obtenção de autorização por parte da instituição que sediaria a coleta, foram apresentados os objetivos do trabalho aos estudantes e obtida a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido de cada participante. Foi realizada uma aplicação coletiva do material durante uma aula do curso, com maior freqüência de alunos.

Para a análise dos dados foi utilizado o programa estatístico informatizado SPSS (12.0). A confiabilidade da digitação dos dados foi testada inicialmente a partir de uma inspeção visual da planilha e realização de análises descritivas. Em seguida escolheu-se aleatoriamente 20% dos casos para a conferência. Foram considerados para análise os instrumentos com 90% de respostas nos itens. Atendido este critério, as respostas em branco foram substituídas pela média da pontuação de respostas que o próprio participante apresentou nos demais itens.

 

Resultados e discussão

O propósito da análise dos dados foi investigar a qualidade psicométrica da escala. Para buscar evidências de validade relacionadas à estrutura interna da escala foi efetuada a Análise Fatorial Exploratória dos itens. Sua consistência interna foi avaliada utilizando-se o cálculo do alpha de Cronbach. Para os cálculos foram consideradas as médias em cada dimensão e no total da Escala, obtidas a partir das pontuações atribuídas a cada item em relação ao número de itens componentes, gerando uma resposta que poderia variar de 1 a 5 pontos, sendo o menor valor associado à menor satisfação e o maior valor, à maior satisfação.

A análise fatorial por extração de fatores principais com rotação varimax verificou a existência de três fatores com eigenvalues acima de 0,30, os itens com carga fatorial abaixo desse valor foram excluídos. Sendo assim, o item 11 (Relação com os colegas de outros cursos da instituição) foi excluído por não apresentar carga fatorial em nenhum dos fatores, e os itens 13 (Adequação entre as tarefas solicitadas e os objetivos do curso), 20 (Normas institucionais - regras e prazos), 26 (Condições para alimentação disponíveis na instituição) e 39 (Clima institucional - atmosfera) foram excluídos por carregarem em dois fatores simultaneamente.

Após a retirada dos itens citados, uma nova análise fatorial foi realizada com rotação varimax com eigenvalues acima de 0,40, confirmando a existência de três fatores: 1) Satisfação com o Curso, com 13 itens; 2) Oportunidade de Desenvolvimento, com 10 itens; 3) Satisfação com a Instituição, com 12 itens. Dessa forma, a escala final ficou com 35 itens, distribuídos em três fatores, explicando 47,7% da variância total da escala. Vale ressaltar que o item 5 foi mantido, mesmo sem ter alcançado a carga fatorial mínima, por ter se entendido que a literatura na área enfatiza a importância da relação entre colegas, sendo que nesta amostra pode não ter alcançado a carga desejada tendo em vista a característica de alunos do noturno e muitos deles viajantes, que só chegam para a instituição no horário específico das aulas.

Obteve-se um coeficiente alpha de Cronbach de 0,94, indicando uma boa consistência interna de seus itens na avaliação da satisfação com a experiência acadêmica. Com relação às subescalas, os alphas obtidos foram 0,90 para a Satisfação com o curso e 0,87 para as demais dimensões, a saber, Oportunidade de desenvolvimento e Satisfação com a instituição. Na Tabela 1 são apresentadas as dimensões que compõem a versão final do instrumento, a Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA).

Os três fatores observados podem ser comparados às dimensões da Escala de Satisfação Acadêmica (Martins, 1998) e do Questionário de Satisfação Acadêmica (QSA: Soares, Vasconcelos & Almeida, 2002). Ambos os instrumentos também tiveram seus itens agrupados em três dimensões, sendo que as dimensões 'Satisfação com o curso' e 'Satisfação com a instituição' assemelham-se aos fatores observados na escala de Soares e cols. (2002), incluindo, no entanto, as questões relacionais. A dimensão "Oportunidade de desenvolvimento" também foi um dos fatores destacados na Escala de Martins (1998), porém, no estudo aqui relatado houve uma maior amplitude dos componentes associados ao desenvolvimento pessoal e profissional. Vale ressaltar que essas diferenças podem estar ligadas ao maior número de itens e diversidade de situações incluídas na ESEA.

 

 

Nota-se uma composição multidimensional da satisfação acadêmica, o que permite aprofundar o conhecimento sobre a satisfação do estudante, considerando-a em diferentes aspectos da experiência acadêmica. Os fatores obtidos na análise fatorial são coerentes internamente do ponto de vista conceitual e em relação às pesquisas na área, reforçando seu valor na descrição do fenômeno. Considera-se que os achados satisfatórios, tanto nas dimensões, como em relação a cada item.

Os resultados obtidos demonstram a relevância da inclusão da maior variedade de aspectos da experiência acadêmica ao investigar a satisfação do estudante. Tal amplitude possibilita, ainda, um maior conhecimento acerca dos fatores envolvidos no processo de formação na educação superior.

Uma informação relevante para se verificar a evidência baseada na estrutura interna do instrumento é a correlação de cada subescala com a escala total. Para analisar a relação entre as dimensões da ESEA foi realizada a correlação de Pearson, e conforme observado na Tabela 2, as dimensões da ESEA apresentaram-se positiva e significativamente correlacionadas.

 

 

As dimensões com menor concordância foram 'Satisfação com o curso' e 'Satisfação com a instituição', e com maior concordância, 'Satisfação com o curso' e 'Oportunidade de desenvolvimento'. Este dado sugere que, para os participantes do estudo, a satisfação acadêmica com o curso pode ter um peso substancial na percepção do valor da experiência acadêmica. O que, conforme Astin (1993) afeta seu investimento de tempo e energia em sua formação e, como conseqüência, as mudanças e desenvolvimento observados.

Além dos dados psicométricos apropriados, vale apontar que a ESEA é de fácil compreensão e aplicação, individual ou coletiva. Pode ser respondida em um reduzido período de tempo (de 10 a 20 minutos) e permite a obtenção de um amplo conjunto de informações sobre a percepção de satisfação do estudante quanto à diversidade de aspectos relacionados à experiência de formação.

 

Considerações finais

O aumento da população estudantil no Brasil e sua heterogeneidade justificam estudos que descrevam as experiências acadêmicas e as percepções desta população sobre sua formação. Nesta pesquisa foi abordada a avaliação da satisfação dos estudantes de ensino superior em relação a aspectos do contexto acadêmico. A falta de instrumentos nacionais devidamente validados para a avaliação da satisfação acadêmica justificou o desenvolvimento deste estudo.

Conhecer as satisfações ou insatisfações dos estudantes auxilia a elevar o entendimento do impacto do ensino superior no seu desenvolvimento integral, já que o desencontro entre a diversidade de expectativas dos estudantes e o que realmente a instituição oferece, pode gerar baixo desempenho, reduzida integração, insucesso e até mesmo o abandono do curso. Assim, também é extremamente útil para a gestão, o estabelecimento de normas, o planejamento dos cursos e das estratégias de intervenção, para o desenvolvimento de programas e serviços e para a ação dos docentes de forma que conduzam à promoção do sucesso dos estudantes e melhor qualidade de formação.

A escala utilizada nesta pesquisa apresentou qualidades psicométricas apropriadas, apresentando evidência de validade de construto e bons coeficientes de consistência interna. Portanto, pode ser utilizada para fins de pesquisa, de gestão e de intervenção. Os resultados obtidos com sua aplicação fornecem pistas que podem direcionar as ações de planejamento, intervenção e investimento por parte das instituições no sentido de promover o desenvolvimento integral dos estudantes. Como se vê, os dados obtidos, além de utilizados para uma ação direta com o estudante, podem compor a avaliação da eficácia institucional e dos contextos educativos.

Faz-se relevante, no entanto, destacar que devido à complexidade do construto da satisfação acadêmica, pesquisas com amostras mais amplas e de diferentes instituições seria recomendável. Acrescenta-se ainda a necessidade da exploração desse construto com outras variáveis às quais possa estar relacionado, para que outras ilações pudessem ser feitas. Uma proposta já sinalizada por alguns estudiosos do tema (Elliott & Shin, 2002; Group Noel-Levitz, 2003; Low, 2000) seria analisar a satisfação a partir da relação entre as expectativas ou nível de importância atribuída pelo estudante aos diferentes aspectos da vida acadêmica.

Mesmo com as limitações apontadas, espera-se que este estudo, ao apresentar um instrumento com boa qualidade, seja útil para que se dê prosseguimento a novas pesquisas. Dessa forma poderá ser ampliado o conhecimento sobre dos fenômenos que possam estar relacionados com a medida da satisfação acadêmica.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Av. Nossa Senhora de Fátima, 805, apto T-141 - Taquaral
13076-903 Campinas-SP

Recebido em março de 2006
Reformulado em maio de 2006
Aprovado em julho de 2006

 

 

Sobre as autoras:

1 Ana Lúcia Righi Schleich: Psicóloga. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, área de Psicologia Educacional. Docente nos cursos de graduação da FACCAMP e da AESA - Faculdade Politécnica de Jundiaí. Atua como psicóloga em serviço de atendimento ao estudante da AESA - Faculdade Comunitária de Campinas - unidade 2. E-mail: anaschleich@hotmail.com.
2 Soely Aparecida Jorge Polydoro: Psicóloga. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, área de Psicologia Educacional. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu e da graduação na Faculdade de Educação da Unicamp. Membro do Grupo de Pesquisa: Psicologia e Educação Superior (PES) da Faculdade de Educação da Unicamp. E-mail: polydoro@unicamp.br.
3 Acácia Aparecida Angeli dos Santos: Psicóloga. Doutora em Psicologia Educacional e Desenvolvimento Humano pela USP. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu e da graduação em Psicologia na Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade do CNPq. E-mail: acaciasantos@terra.com.br.

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