SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número1Habilidades intelectuais de crianças com câncer e crianças não portadoras da doençaAvaliação psicológica em crianças e adolescentes em situação de risco índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.5 n.1 Porto Alegre jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Avaliação de alexitimia, neuroticismo e depressão em dependentes de álcool

 

Assessment of alexithymia, neuroticism and depression in alcohol dependents

 

 

Maria José Nunes Maciel 1; Elisa Medici Pizão Yoshida 2

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foram investigados os níveis de alexitimia, neuroticismo e depressão em uma amostra masculina (N=40), composta por um grupo de pacientes ambulatoriais, dependentes de álcool (G1) (N=20) e um de não-dependentes (G2) (N=20), membros da comunidade. A avaliação dos participantes foi realizada com a versão em português da Toronto Alexithymia Scale, a Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo e o Inventário de Depressão de Beck. Os resultados apontaram escores médios significantemente mais elevados de alexitimia, neuroticismo e depressão no G1, comparado a G2. De acordo com medidas de severidade, altos níveis de alexitimia e de depressão mostraram-se associadas aos participantes de G1. Quanto ao neuroticismo, predominou o nível normal de forma semelhante ao G2. Correlações significantes entre neuroticismo e depressão (p<0,001), alexitimia e neuroticismo (p<0,001), e entre alexitimia e depressão (p<0,01) foram interpretadas como evidências de validade concorrente das escalas. Algumas limitações metodológicas foram apontadas.

Palavras-chave: Alcoolismo, Alexitimia, Depressão, Neuroticismo, Validade de critério.


ABSTRACT

The object of this study was to investigate the levels of alexithymia, neuroticism and depression in a male sample (N=40) composed of a group of alcohol dependent outpatiens (G1) (N=20), and one of non-dependents (G2)(N=20), members of the community. The participants' assessment was achieved with the Portuguese version of the Toronto Alexithymia Scale, the Neuroticism/Emotional Adjustment Factorial Scale and the Depression Beck Inventory. Results pointed to significantly higher mean scores of alexithymia, neuroticism and depressions in G1 compared to G2. According to measures of severity, high levels of alexithymia and depression were associated with the G1 participants. Concerning the neuroticism, the normal level predominated similarly to the G2. Significant correlations between neuroticism and depression (p<0,001), alexithymia and neuroticism (p<0,001), as well as between alexithymia and depression (p<0,01) were viewed as evidence of the scales concurrent validity. Some methodological limitations were identified.

Keywords: Alcoholism, Alexithymia, Depression, Neuroticism, Criterion validity.


 

 

Introdução

Muitos estudos têm sido realizados para verificar a participação de aspectos da personalidade e fatores co-mórbidos na dependência do álcool (Ratto & Cordeiro, 2004; Vaillant, 1999). Dentre eles incluem-se alguns distúrbios do processamento cognitivo das emoções, como por exemplo, dificuldade no reconhecimento e na expressão das emoções, como no caso da alexitimia (Sifneos, 1972/1977); rebaixamento do humor, característico dos quadros depressivos (Campbell, 1996); e uma propensão para experiências emocionais negativas, como as associadas ao neuroticismo (Watson & Clark, 1992).

O termo alexitimia foi proposto por Sifneos, em 1972, para descrever a "falta de palavra para emoção" (Sifneos,1972/1977). Ele é composto pelo prefixo grego a, associado a falta/ausência; o radical grego lexis, que significa palavra; e pelo sufixo thymos, que designa emoções. Atualmente, o adjetivo alexitímico é utilizado para pessoas que possuem dificuldades em identificar e descrever seus sentimentos, apresentam estilo cognitivo concreto, interpretam a realidade com base no pensamento operatório e têm vida emocional pobre, com baixa capacidade para fantasiar (Taylor, Bagby & Luminet, 2000; Taylor, Ryan & Bagby, 1985). Originalmente associada aos distúrbios psicossomáticos, a alexitimia tem se mostrado presente em diferentes patologias e, inclusive, na população não clínica. Sua ocorrência é estimada entre 5% e 10% na população não clinica, e chega a atingir 50% em indivíduos com distúrbios psicopatológicos (Pedinielli & Rouan, 1998).

Para explicar sua etiologia várias hipóteses foram levantadas, sem que se tenha atingido um consenso. Em trabalhos de abordagem psicanalítica, ela é tem sido associada a distúrbios de maturação do indivíduo, nos quais a expressão verbal e simbólica dos afetos teria sido substituída por manifestações somáticas que funcionam como canais para descarregar a tensão. A hipótese é a de que o distúrbio, que se apresenta no adulto como uma inabilidade para fantasiar, teve origem na relação mãe-bebê, em decorrência do fracasso deste último em utilizar o fenômeno alucinatório (imaginar de forma alucinatória o que se deseja) na busca de conforto e proteção (Lesser, 1981). Dentro do enfoque cognitivista, defende-se que a alexitimia pode estar associada a fatores sócio-culturais ou ambientais, dentre os quais se destacariam: as formas de educação e criação, o ambiente familiar afetivo, as situações estressantes, a aprendizagem social, entre outras (Pedinielli & Rouan, 1998). E ainda, de uma perspectiva neurológica, Nemiah sugeriu, em 1977, que muitas das características da alexitimia poderiam ser entendidas como resultantes de uma descontinuidade entre as funções do sistema límbico e o neo-cortex. Esta visão caracteriza o "modelo neuropsicológico vertical" que divide o cenário atual com o modelo "transversal" (Pedinielli & Rouan,1998). Este último, primeiramente defendido por Sifneos (1988), propõe que o problema estaria na comunicação inter-hemisférios cerebrais. Isto é, a alexitimia seria a expressão de uma falha de estruturas neuro-anatômicas (especialmente corpo caloso), ou um déficit neurobiológico que interferiria na transferência de informação de um hemisfério para outro, ou ainda resultado de um funcionamento deficitário do hemisfério direito. Sendo que o hemisfério esquerdo é tido como o lugar da linguagem interior e do simbolismo, enquanto que o direito, da fantasia e da representação simbólica. Apesar dos avanços das neurociências, estas hipóteses ainda carecem de maior base empírica, devendo, portanto, ser vistas com reservas (Pedinielli & Rouan,1998).

Em face da ausência de evidências conclusivas sobre as origens da alexitimia, assume-se neste trabalho em acordo com outros autores (por ex., Freyberger, 1977; Loas, Otmani, Lecercle & Jouvent, 2000; Taieb e cols., 2002), que existem ao menos dois tipos de alexitimia: primária e secundária. A alexitimia primária, de natureza constitucional, é vista como um fator predisponente ao desenvolvimento de distúrbios psicossomáticos e psiquiátricos, entre os quais se incluem a dependência a substâncias psicoativas. Enquanto que a alexitimia secundária estaria relacionada a um traumatismo ou a mecanismos de defesa, com o uso excessivo da negação e a repressão de afetos. Nestes casos, ela não aparece necessariamente vinculada a uma psicopatologia, mas funciona como uma estratégia de enfrentamento desenvolvida pelo indivíduo frente a uma situação conflituosa e de difícil resolução. Na sua forma primária a alexitimia corresponde a um traço de personalidade, enquanto que a secundária a um estado, devido a sua natureza transitória (Pedinielli & Rouan,1998).

A favor do argumento de que a alexitimia se apresenta como um traço de personalidade nos quadros de dependência, várias pesquisas têm apontado que dependentes de álcool abstinentes apresentam altos níveis de alexitimia, independente do período de abstinência (Haviland, Shaw, Cummings & MacMurray,1988; Loas, Fremaux, Otmani, Lecercle & Delahousse,1997; Mann, Wise, Trinidad & Kohanski,1995; Speranza e cols., 2003). No entanto, no que concerne à relação entre a alexitimia e severidade da dependência de álcool, os resultados são divergentes, sendo encontrados estudos em que são referidas correlações positivas (Cecero & Holmstrom, 1997), e outros, nos quais a correlação não foi significante (Rybakowski & Ziolkowski,1990; Taylor e cols., 1988).

No que se refere à associação entre alexitimia e outras patologias ligadas à dependência de álcool, vale ressaltar que a comorbidade mais encontrada é a depressão. Neste sentido, o interesse prático no estudo das relações entre alexitimia e depressão se aplica tanto para propósitos prognósticos, quanto para o plano terapêutico de ambas (Jornada e cols., 1995).

O primeiro estudo em que uma associação positiva porém moderada entre elas foi notada, foi realizado por Haviland, MacMurray e Cummings (1988), com amostra de dependentes de álcool recentemente abstinentes. Posteriormente, outros estudos corroboraram estas observações (Haviland, Shaw e cols., 1988; Loas e cols.,1997; Mann e cols.,1995). Até o presente, as evidências sugerem que os sintomas depressivos podem surgir no período do beber pesado ou de abstinência, mas tendem a desaparecer espontaneamente em dias ou semanas (Haviland, Shaw e cols, 1988). Por outro lado, há dados de que a supervalorização do quadro depressivo pode conduzir ao uso precoce e desnecessário de antidepressivos, assim como a subvalorização destes pode levar à baixa eficácia do tratamento e aumentar a probabilidade de recaída (Jornada e cols., 1995; Silveira & Jorge, 1999).

Um outro traço de personalidade que se destaca nos estudos sobre a dependência de álcool é o neuroticismo, identificado no processo de recaída em dependentes abstinentes e nos estudos de co-morbidades (Drummond & Phillips, 2002; Fisher, Elias & Ritz, 1998; Roy, 1999). O neuroticismo, ou fator N, de acordo com o modelo teórico dos Cinco Grandes Fatores, corresponde a características individuais para vivenciar de forma mais intensa o desconforto psicológico (aflição, angústia, sofrimento, ansiedade, etc), assim como idéias irreais, respostas de coping não adaptativas, baixa tolerância à frustração, ansiedade, impulsividade, autocrítica e estilos cognitivos e comportamentais que seguem esta tendência (McCrae & John, 1992; Watson & Clark, 1992).

Pessoas com altos escores em neuroticismo tendem a avaliar negativamente o ambiente, a interpretar estímulos ambíguos de forma negativa ou ameaçadora, vêem problemas e crises onde não existem. E indivíduos com baixos escores em neuroticismo tendem a ser mais calmos, relaxados, menos agitados e estáveis. Isto não significa, no entanto, que possuam melhor saúde mental, pois escores altos ou baixos em neuroticismo podem ser indicadores de problemas mentais (Hutz & Nunes, 2001). Há indicações de que em casos de dependência de álcool o neuroticismo se apresenta como um fator preditivo de recaídas na medida em que os indivíduos tendem a experimentar emoções negativas, e, estados negativos podem desencadear recaída em indivíduos dependentes (Fisher e cols.,1998).

Embora haja várias pesquisas na literatura internacional que indiquem que a alexitimia em quadros de dependência de álcool pode estar associada à depressão (por ex.: Fukunishi e cols., 1992; Jornada e cols., 1995) e ao neuroticismo (por ex.: Mann e cols.,1995; McCormick, Dowd, Quirk & Zegarra, 1998), não foi encontrado nenhum estudo nacional em que estas características fossem exploradas junto a este tipo de população. Considerou-se portanto relevante, investigar os níveis de alexitimia, depressão e de neuroticismo de pacientes dependentes de álcool em atendimento ambulatorial, comparados aos de amostra de pessoas da comunidade, sem histórico de dependência. Foi também investigado o grau de associação que estas variáveis apresentam entre si, em cada um dos grupos e na amostra total.

A pesquisa teve caráter exploratório, em que se hipotetizou que o grupo de dependentes de álcool apresentaria níveis superiores de alexitimia, depressão e neuroticismo, em relação ao de não dependentes. No caso das diferenças serem estatisticamente significantes, elas poderiam ser tomadas como indicadores de validade de critério dos instrumentos de avaliação utilizados (método de grupos comparados, Anastasi & Urbina, 2000), uma vez que tanto a Toronto Alexithymia Scale - TAS (Taylor e cols., 1985), utilizada na avaliação da alexitimia, quanto a Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo - EFN (Hutz & Nunes, 2001), empregada para a avaliação de neuroticismo, contavam, por ocasião do início desta pesquisa, apenas com estudos de validação com universitários realizados, respectivamente, por Yoshida (2000) e Nunes (2000). Por outro lado, correlações positivas mas moderadas entre as medidas de alexitimia, depressão e neuroticismo, poderiam ser interpretadas como indicadores de validade concorrente dos instrumentos de avaliação, uma vez que teoricamente estes constructos mantêm relações positivas entre si, sem contudo reduzirem-se uns aos outros.

 

Método

Participantes

A amostra foi constituída por dois grupos distintos. O primeiro (G1), composto por 20 pacientes ambulatoriais de psiquiatria, do hospital de uma faculdade de medicina na cidade de São Paulo, diagnosticados pelo médico psiquiatra do ambulatório como dependentes de álcool, com base nos critérios da CID-10 (Organização Mundial de Saúde, 1993). Todos os participantes encontravam-se em tratamento por ocasião da coleta dos dados, eram maiores de 18 anos e do sexo masculino. Foram excluídos os que possuíam dependência de outras drogas (excetuando-se o tabaco) e/ou co-morbidade que comprometesse a avaliação, tais como: sintomas psicóticos e suspeita ou existência de comprometimento cerebral decorrente da síndrome de Wernicke-Korsakoff, que afeta profundamente a memória e vem freqüentemente associada a confabulação (Campbell, 1996). O segundo grupo (G2), formado de não dependentes de álcool, foi composto por 20 homens, maiores de 18 anos, participantes de um programa de moradia popular e que trabalhavam na condição de "mutirantes", na Zona Leste de São Paulo. A participação foi voluntária e precedida da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os grupos não diferiram quanto à idade, estado civil, escolaridade e ocupação. As idades médias foram, 43,4 anos (dp =9,68) no G1 e 38,25 (dp=7,6) no G2; com predomínio de casados ou amasiados (respectivamente, 60% e 65%), ensino fundamental (75% e 80%), tendo como ocupação a prestação de serviços (75% e 60%). E mesmo não tendo sido estabelecida uma medida específica para a avaliação da condição sócio-econômica, é possível afirmar que os grupos provêm de ambiente social semelhante e de camada com baixa renda e pequeno poder aquisitivo. Conforme esperado, no entanto, os grupos divergiram quanto à: 1. condição ocupacional - 55% de desempregados no G1, contra 25% no G2; 2. história familiar de dependência do álcool - 55% do G1 referiram ter genitores dependentes e 40%, tios ou primos. Enquanto que no G2, 5% dos genitores e 20% de irmãos eram dependentes de álcool. Quanto à idade de início do uso do álcool, 65% do G1 relataram ter sido entre 11 e 20 anos de idade, 60% estava apenas em tratamento médico no ambulatório, 5% recebia apenas atendimento psicológico e 35%; tratamento médico e psicológico e 60% utilizavam medicamentos anti-depressivos. Por ocasião da coleta de dados, 60% dos pacientes encontravam-se abstinentes entre um e seis meses e os demais há mais de seis meses.

Instrumentos

Toronto Alexithymia Scale (TAS) (Taylor e cols., 1985) - Instrumento de auto-avaliação contendo 26 itens, idealizados para medir o grau de alexitimia, segundo quatro dimensões: Fator 1 - habilidade de identificar e descrever sentimentos e distinguir sentimentos de sensações corporais; Fator 2 - vida de fantasia reduzida (daydreaming); Fator 3 - preferência por focalizar eventos externos em vez de experiências internas; Fator 4 - habilidade para comunicar os sentimentos a outras pessoas. O sujeito deve assinalar a opção mais adequada à sua realidade numa escala tipo Likert de 5 pontos onde: 1 corresponde a discordo inteiramente; 2 discordo; 3 não sei; 4 concordo e 5 concordo plenamente. Os escores totais variam entre 26 e 130, sendo que na versão original para escore igual ou maior que 74 o sujeito é considerado alexitímico e igual ou menor que 62 é considerado não alexitímico (Taylor e cols., 1988). Nada se pode afirmar quando os escores estão entre 63 e 73. Em pesquisa de validação da versão em português da TAS a estrutura fatorial da escala foi reproduzida, tendo-se obtido boa consistência interna (alpha=0,72) e estabilidade no teste e reteste (r=0,72), com amostra de estudantes universitários (Yoshida, 2000). Estes resultados são muito próximos dos obtidos por Rodrigo, Lusiardo e Normey (1989), que fizeram estudo de validade com estudantes universitários uruguaios. Estudos recentes com amostras clínicas (por ex., Pregnolatto, 2005; Regina, 2006; Yoshida, 2006) e não clínicas (por ex., Piccoli, 2005; Silva & Yoshida, 2004; Tombolato, 2004), têm empregado a versão da TAS aqui utilizada, contribuindo com indicadores de sua validade para a população brasileira.

Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo - EFN (Hutz & Nunes, 2001) - É um instrumento de auto-relato, composto por 82 itens, para avaliar Neuroticismo/Estabilidade emocional, segundo quatro fatores: vulnerabilidade (N1), desajustamento psicossocial (N2), ansiedade (N3) e depressão (N4). N1- vulnerabilidade, "é composto por itens que descrevem medo de críticas, insegurança, dependência de pessoas próximas, baixa auto-estima, dificuldade em tomar decisões, etc"; N2-desajustamento psicossocial, contém itens que descrevem comportamentos sexuais de risco ou atípicos, consumo exagerado de álcool, hostilidade com pessoas ou animais, necessidade recorrente de chamar atenção, tendência à manipulação das pessoas, descaso com regras sociais, etc."; N3- ansiedade, contém itens que visam avaliar " transtornos relacionados com ansiedade, irritabilidade, transtornos do sono, impulsividade, sintomas de pânico, mudanças de humor, etc.", "N4- depressão, este fator agrupa itens relacionados com escalas de depressão, ideação suicida e desesperança. Apresenta itens que descrevem pessimismo, sentimentos de solidão, falta de objetivos na vida, etc." (Hutz & Nunes, 2001, p.21). Os escores superiores a 120 indicam alto nível de neuroticismo, inferiores a 80 baixo nível de neuroticismo, enquanto os escores entre 80 e 120 são esperados para a maior parte da população (Hutz & Nunes, 2001). A EFN, desenvolvida no Brasil, já demonstrou boas qualidades psicométricas (precisão e validade) com amostras de universitários (Nunes, 2000).

Inventário de Depressão de Beck (BDI) (Cunha, 2001) - O inventário é composto por 21 itens, cada um com quatro alternativas que refletem graus crescentes de intensidade da depressão, com escores de 0 a 3. O escore total, obtido a partir da somatória das respostas de cada questão, pode indicar um dos seguintes níveis de intensidade da depressão, conforme normas da versão em português: mínimo 0-11; leve 12-19; moderado 20-35; grave 36-63. A adequação da versão brasileira do BDI para uso clínico foi evidenciada em estudos de validade apresentados no manual do instrumento (Cunha, 2001). De acordo com ele, escores totais moderados ou grave pressupõem indícios de uma depressão clínica. No grupo de dependentes de álcool (N= 276) da amostra normativa, o escore médio foi 16,59 e o dp=9,42 (p.57).

Procedimento

A aplicação dos instrumentos, nos dois grupos, foi realizada pela primeira autora, de forma individualizada. A seqüência da apresentação dos testes foi alterada a cada aplicação para evitar possíveis efeitos relativos à ordem. Em relação ao G1, a coleta se deu numa das salas do hospital, no mesmo dia da consulta (médica ou psicológica) do participante. E ao entrar em contato com cada um a pesquisadora certificou-se das condições gerais do participante para a realização das atividades propostas. A coleta de dados do G2 se deu numa sala da associação que gerencia os mutirões. Devido à baixa escolaridade da população, optou-se pela aplicação assistida para todos os participantes (leitura dos itens pelo avaliador), tendo-se disponibilizado uma segunda folha/caderno de aplicação de cada instrumento, assim como uma legenda com o formato das respostas exigidas, para que pudessem acompanhar a leitura. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da faculdade de medicina em que se coletou os dados de G1.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta as médias, desvios padrão, valores mínimos e máximos dos escores totais e parciais dos três instrumentos de avaliação utilizados, assim como valores de t para amostras independentes, que fornecem evidências das diferenças entre as médias dos escores dos dois grupos. De acordo com os valores de t relativos aos escores médios da TAS, EFN e BDI, o grupo de dependentes (G1) apresentou escores médios significantemente mais elevados de alexitimia (t=3,59), neuroticismo (t=3,20) e depressão (t=3,27), quando comparado aos de não dependentes (G2) (p<0,002). Quanto aos escores parciais, também foram observadas diferenças significantes nos fatores F1(t=3,34) e F2 (t=2,01) da TAS (respectivamente, p<0,002 e p<0,05) e nos três primeiros componentes da EFN: N1 (t=3,14), N2 (t=4,23) (ambos, p<0,002) e N3 (t=2,48) (p<0,01).

 

 

Uma outra análise dos perfis dos grupos considerou os níveis de severidade de alexitimia, neuroticismo e depressão. Tomou-se como referência, respectivamente, os pontos de corte empregados em pesquisas internacionais com a TAS (Taylor e cols, 1988), a faixa de normalidade observada para a população brasileira para a EFN (Hutz & Nunes, 2001) e os níveis de intensidade da depressão para a população brasileira do BDI (Cunha, 2001; Tabela 2).

Na TAS, 75% dos participantes do G1 apresentaram escores maiores ou iguais a 74, enquanto que no G2, apenas 35%. No G2 a categoria com maior concentração foi a faixa entre 63 e 73 (40%), considerada não conclusiva quanto ao diagnóstico de alexitimia. E em relação à faixa de não alexitímicos (=62), apenas 5% do G1, contra 25% do G2, foram ali incluídos. Um teste de qui-quadrado de independência com correção de Yates (para compensar o efeito das baixas freqüências esperadas, Harris, 1995), indicou a associação de níveis mais elevados de alexitímia entre os participantes de G1, [X2 (2, N= 40) = 6,94, p<0,05].

 

 

1- Categorias criadas a partir dos pontos de corte referidos por Taylor e cols. (1988).
2- Categorias criadas a partir do manual de validação da escala (Hutz & Nunes, 2001)
3- Categorias criadas de acordo com os níveis de depressão: mínimo (0-11), leve(12-19), moderada (20-35) e grave (36-63) (Cunha, 2001).

Em relação à EFN (Tabela 2), 40% do G1 obtiveram escores altos em neuroticismo (acima de 120) e nenhum participante abaixo de 80. E no G2, apenas 15% tiveram escores maiores que 120, e 10% ficaram abaixo de 80. Todavia, em ambos os grupos predominaram escores dentro da faixa considerada normal, respectivamente, 60% e 75%, de acordo com os critérios de validação do instrumento para a população brasileira e que consiste no intervalo de 80 a 120 (Hutz & Nunes, 2001). Corroborando esta observação, um teste de qui-quadrado de independência das amostras divididas apenas em duas categorias, neuroticismo (escore >120) e não neuroticismo (escore = 120), não permite dizer que os dependentes de álcool apresentam níveis mais elevados de neuroticismo [X2 (1,N=40)=2,00, p>010]. Observe-se que o recurso de combinar as categorias para o cálculo do qui-quadrado teve como finalidade viabilizar o emprego desta prova, uma vez que havia freqüência zero na célula G1/<80 e mais de uma freqüência esperada inferior a 3, motivos que desaconselham o emprego desta prova (Harris, 1995), mesmo com a correção de Yates, utilizada com a TAS. É preciso observar, no entanto, que este recurso é feito à custa de perda de informações das variáveis.

Quanto ao BDI (Tabela 2), 15% do G1 apresentaram índice grave de depressão e 30% moderada, enquanto que no G2 prevaleceu o nível mínimo (65%), seguido do leve (20%). Ademais, no G2, nenhum participante teve escore equivalente ao grau de depressão grave. Isto é, conforme esta categorização houve uma tendência do G1 a apresentar índices mais severos de depressão do que os do G2. A prova de qui-quadrado de independência, com a combinação das categorias moderada e grave em função das freqüências insuficientes, confirma a associação entre maior severidade da depressão e a dependência do álcool [X2 (2,N=40)=10,58, p<0,01].

Na estimativa do grau de associação entre as medidas foram empregados coeficientes de correlação de Pearson (r), prova bicaudal (Tabela 3). Na amostra total obteve-se bons níveis de correlação entre a TAS e a EFN (0,58) e entre a EFN e o BDI (0,72) e correlação modesta, ainda que significante, entre a TAS e o BDI (0,41). No G1, houve boa associação entre a EFN e o BDI (p<0,001), mas correlações fracas e não significantes entre a TAS e a EFN, assim como entre a TAS e o BDI (p > 0,20). No G2 também a associação foi significante entre a EFN e o BDI (p<0,001) e um pouco mais modesta, porém significante, entre a TAS e a EFN (p<0,05). No entanto, como no G1, a associação no G2 foi muito fraca entre a TAS e o BDI (p>0,20).

 

 

Discussão

Conforme o esperado, os dependentes de álcool apresentaram escores médios totais de alexitimia, depressão e neuroticismo, superiores aos de não dependentes (Tabela 1). Em relação à alexitimia, esta diferença foi devida sobretudo a duas dimensões: dificuldade de descrever sentimentos e sensações corporais (F1) e vida de fantasia reduzida (daydreaming) (F2). Quanto à tendência a focalizar eventos externos (F3) e à habilidade de expressar e de compreender os sentimentos e as emoções (F4), as duas populações não apresentariam diferenças entre si.

A dimensão F1 é efetivamente a mais característica da alexitimia quando avaliada pela TAS. Nas pesquisas de validação de versões desta escala em diferentes idiomas, este fator tem sido representado praticamente pelo mesmo conjunto de itens e tem o maior percentual de contribuição para as respectivas variâncias. Por exemplo, na versão em inglês contribuiu com 12,3% da variância (Taylor e cols., 1985), em espanhol com 16,3% (Rodrigo, Lusiardo & Normey, 1989), em português com 17,92% (Yoshida, 2000), entre outras. Ou seja, a dificuldade de descrever sentimentos e sensações corporais é a dimensão mais relevante do constructo alexitimia, e especificamente na população de dependentes de álcool apresenta-se como uma característica marcante.

Quanto aos resultados de F2, que indicam que dependentes de álcool apresentariam déficit significantemente superior ao de não dependentes na capacidade de fantasiar, estão alinhados com os de Haviland, Shaw e colaboradores (1988), que em pesquisa de validação da TAS com pacientes internados devido ao abuso de múltiplas substâncias (N= 125), em especial o álcool (65,6% da amostra tiveram diagnóstico de dependência primária de álcool e 31,2% abuso primário de álcool), chegaram a uma solução de três fatores, dentre os quais o F2 contribuiu com 9,87% da variância, revelando-se uma medida válida para esta população. Apesar destas evidências, é preciso destacar que esta dimensão da TAS tem sido questionada na literatura devido ao fato de ter demonstrado baixas correlações item-total com a escala total e se correlacionar negativamente com o F1 em diferentes pesquisas realizadas (por ex., Taylor e cols., 1985). Tendo sido este um dos motivos que levaram seus autores a proporem sua supressão na nova versão da escala, a TAS-20 (Bagby, Parker, & Taylor, 1994). Frente, portanto, à falta de consenso na literatura sobre a validade desta dimensão para a avaliação de alexitimia, recomenda-se cautela na interpretação dos conteúdos por ela avaliados.

A diferença não significante de F3 entre os dois grupos (Tabela 1), também está de acordo com os resultados de Haviland, Shaw e colaboradores (1988) que indicaram que este fator não discrimina pacientes com dependência de substâncias psicoativas ou álcool de grupos controle. Este argumento foi ratificado por Speranza e colaboradores (2003), ao afirmarem que o pensamento centrado em eventos externos, "não representa uma dimensão interessante da alexitimia e não se correlaciona com nenhuma patologia psiquiátrica" (Speranza e cols., 2003, p. IS72). Vale notar ainda, que a despeito de existirem algumas diferenças na composição dos itens do F3 entre as versões da TAS utilizada na presente pesquisa e a de Haviland, Shaw e colaboradores (1988) e Speranza e colaboradores (2003) (respectivamente, TAS-26 e TAS-20), os resultados apontam no mesmo sentido.

Quanto ao F4 (Tabela 1), em que também não foram observadas diferenças entre os dois grupos, cogita-se que estaria medindo habilidades influenciadas por variáveis do meio sócio-cultural dos participantes, que no presente estudo é muito semelhante para ambos os grupos. Esta suposição encontra-se respaldada na observação de Taylor, Bagby e Luminet (2000) de que ao lado do pensamento externamente orientado (F3), a dificuldade de descrever os sentimentos a outros (F4 da versão atual e F2 da TAS-20) parece refletir o componente da alexitimia identificado com o "pensamento operatório", um estilo cognitivo, provavelmente, muito influenciado pela cultura. Ressalve-se ainda, que os resultados também estão em conformidade com os encontrados por Haviland, Shaw e colaboradores (1988), na medida em que na extração dos fatores, o quarto fator não ficou evidente, levando aqueles autores a proporem uma solução de três fatores para a TAS na avaliação de alexitimia de dependentes de drogas assim como de álcool.

Os resultados corroboram portanto as observações da literatura que apontam para a associação entre alexitimia e alcoolismo (Haviland, Shaw e cols., 1988; Loas e cols.,1997; Man e cols., 1995; Speranza e cols, 2003), o que tem, conforme referido na introdução, levado alguns autores a sugerirem que se trata provavelmente de um traço de personalidade que predisporia o sujeito à dependência de substâncias psicoativas em geral, e, especificamente ao álcool (Loas e cols., 2000; Taieb e cols., 2002). Por outro lado, no que respeita à validade de critério da TAS, a diferença entre os escores médios totais dos grupos sugere sua sensibilidade aos níveis de alexitimia de cada grupo, determinada especialmente pela maior probabilidade de escores mais elevados nos dois primeiros fatores entre os dependentes de álcool.

Em relação à medida de neuroticismo, os dois grupos se diferenciaram quanto aos escores gerais da EFN e quanto às dimensões N1 (vulnerabilidade), N2 (desajustamento psicossocial) e N3 (ansiedade) (Tabela 1), corroborando a expectativa de que os dependentes de álcool tenderiam a apresentar níveis mais elevados de neuroticismo. No entanto, na dimensão N4 (Depressão), que "agrupa itens relacionados com escalas de depressão, ideação suicida e desesperança" (Hutz & Nunes, 2001, p. 21), não foram verificadas diferenças, contrariamente a evidências de que a depressão se encontra comumente associada a quadros de dependência de álcool (Jornada e cols., 1995; Ratto & Cordeiro, 2004; Silveira & Jorge, 1999; Vaillant, 1999).

A análise mais detida dos itens mostra que alguns deles referem-se à desesperança em relação ao futuro (itens 56 e 73), tédio com a vida sem emoções (item 77), vida ruim (item 06), falta de objetivos na vida (item 32), todos indicadores que podem estar associados a depressão, mas também se mostram presentes em pessoas que enfrentam contextos sócio-econômicos muito adversos e condição de vida precária, como é também o caso dos participantes do G2, mutirantes, provenientes de estratos carentes da população.

Outro ponto que merece atenção, diz respeito aos escores médios totais e parciais da EFN (Tabela 1) que ficaram muito aquém dos da amostra masculina da pesquisa de validação do instrumento constituída de universitários (Nunes, 2000). Ali, os escores médios foram respectivamente, 247,26 para o fator N(escore total); 75,67 em N1; 25,71 em N2; 64,12 em N3 e 44,73 em N4. Acredita-se que isto se deva a algumas das características do próprio instrumento e que tornaram difícil sua aplicação nesta população. Dentre elas há o fato de que vários participantes dos dois grupos apresentaram dificuldades em compreender os enunciados de alguns itens da EFN tais como, por exemplo: 5 [Quando falo comigo mesmo, é como se houvesse outra pessoa dentro de mim, discutindo e argumentando comigo],16 [Sinto que posso ter uma doença grave, mesmo que os médicos não encontrem nada de errado comigo], 33 [Às vezes sinto que estou pensando muito rapidamente, sobre mais de uma coisa ao mesmo tempo, como se estivesse assistindo a vários programas de TV simultaneamente] e 53 [Prefiro me distrair com atividades em que eu tenha pouco ou nenhum contato com outras pessoas]. Além disto, o significado do termo "incomuns" (item 59) foi muito questionado [Gosto de envolvimentos sexuais incomuns]. E nos de enunciados mais longos houve necessidade de lê-los várias vezes, principalmente no G1. Os participantes demonstraram ainda pouca sensibilidade aos sete pontos da escala Likert, escolhendo na maioria das vezes as respostas das extremidades, dificuldade esta que não foi observada no BDI.

O número de questões da escala também foi comentado por vários participantes. Ou seja, apesar dos resultados indicarem diferenças significantes entre os grupos que podem ser tomadas como indicadores de validade da EFN em populações com perfil semelhante aos dos participantes desta pesquisa, é possível que algumas adaptações se façam necessárias. Basicamente, as modificações seriam no sentido de simplificar o instrumento com a diminuição do total de itens, modificação da estrutura das frases (em tamanho e complexidade) e diminuição da escala de respostas. O mesmo se aplica à TAS, embora as dificuldades apresentadas pelos grupos tenham sido de menor intensidade e concentradas em dois itens: 11 [Para mim não é suficiente que as coisas sejam feitas. Eu preciso saber por quê e como elas funcionam] e 19 [Prefiro deixar as coisas acontecerem em vez de entender por que elas acontecem daquele jeito].

A análise das variáveis segundo os níveis de severidade permitiu uma melhor compreensão do perfil das amostras (Tabela 2). Em relação à alexitimia, tomando-se como base os pontos de corte usualmente utilizados na literatura, 75% do G1 seriam considerados alexitímicos (³74), enquanto que apenas 35% do G2 se enquadrariam nesta categoria. E na categoria de não alexitímicos (= 62) a ordem é inversa. Isto é, 25% dos não dependentes e apenas 5% dos dependentes. Ainda que a relação em cada categoria esteja de acordo com o esperado, o percentual de 75% de alexitímicos no G1 é bastante elevado se comparado a outros estudos com dependentes de álcool, como o indica, por exemplo, a revisão efetuada por Taieb e colaboradores (2002). De acordo com ela, os percentuais de alexitimia entre dependentes de álcool giram em torno de 40 a 60%, sendo mais freqüente em torno de 50% quando se utiliza a TAS. Apenas em um estudo polonês (Rybakowski, Ziolowski, Zasadzka, & Brzezinski, citado por Taieb e cols., 2002), o percentual foi de 78%, mas a avaliação da alexitimia foi feita com o Schalling Sifneos Personality Scale (SSPS), instrumento cujas qualidades psicométricas já foram questionadas (Taylor e cols., 2000).

O escore médio na TAS de G1 (m=78,65, dp= 8)(Tabela 1) não foi apenas mais alto do que o de G2, (m=69,15), mas foi o mais alto dentre outras amostras masculinas brasileiras em que a mesma versão TAS foi utilizada. Por exemplo, de universitários (m=62,08, dp=10,19) (Yoshida, 2000) e (m=67,34,dp=8,85) (Silva & Yoshida, 2004); de pacientes com insuficiência renal crônica (m=75,55, dp = 5,80) (Pregnolatto, 2005); pacientes internados em hospital geral com diferentes patologia médicas (m= 71,83, dp=9,35) (Yoshida, 2006) e estudantes de nível técnico (m=64, dp=9,18) (Piccoli, 2005). Quanto ao escore médio da TAS de G2 (m=69,15, dp=8,68) ficou próximo dos universitários avaliados por Silva e Yoshida (2004) e abaixo dos pacientes de clínica médica do estudo de Yoshida (2006). Ou seja, os níveis de alexitimia entre dependentes de álcool são bastante elevados e devem portanto merecer a atenção dos profissionais que trabalham com este tipo de população.

Quanto ao neuroticismo, apesar de 40% dos participantes de G1 terem escores maiores que 120 contra apenas 15% de G2, em ambos os grupos predominaram os com escores dentro da faixa considerada normal, respectivamente 60% e 75% (Tabela 2). Acredita-se que as dificuldades enfrentadas pelos participantes para responder à EFN (nº de itens, complexidade dos itens, vocabulário desconhecido, likert de sete pontos) tenham contribuído para estes resultados. Por outro lado, a aparente contradição com as análises anteriores (envolvendo os escores médios) deve-se provavelmente à redução dos dados a apenas três categorias de severidade (>120; <80; 80 a 120) e a apenas duas no cálculo do qui-quadrado (neuroticismo vs. não neuroticismo), o que implica, conforme referido, em perda de informações. De toda forma, pesquisas futuras, deverão verificar possíveis interferências de fatores sócio-culturais sobre os resultados da EFN.

No que respeita à associação entre dependência de álcool e intensidade da depressão, 45% dos participantes de G1 ficaram entre intensidade moderada (30%) e grave (15%) do BDI, e, inversamente, 65% do G2 apresentaram grau mínimo e nenhum depressão grave (Tabela 2). Esta distribuição evidencia a tendência fartamente registrada na literatura de associação entre quadros de alcoolismo e depressão (por ex., Jornada e cols, 1995; Ratto & Cordeiro, 2004; Silveira & Jorge, 1999; Vaillant, 1999). Observe-se ainda que os participantes de G1 tiveram índices superiores de depressão no BDI (Tabela, 1), a despeito de 60% estarem tomando medicação anti-depressiva por ocasião da avaliação. Ademais, os escores médios de G1 (m=21,25, dp= 12,71) foram superiores aos dos dependentes de álcool que integraram a amostra de pacientes psiquiátricos das normas do BDI (m=16,59, dp= 9,42) (Cunha, 2001, p. 57). Ou seja, mesmo abstinentes os participantes de G1 continuavam apresentando índices preocupantes de depressão.

Conforme o esperado, foram encontradas associações positivas e moderadas para a amostra total entre, a TAS e a EFN, a EFN e o BDI e ainda mais modesta entre a TAS e o BDI (Tabela 3). Dada a influência do tamanho da amostra sobre os coeficientes de correlação, a fraca associação da TAS com o BDI refletiu-se de forma mais intensa sobre as correlações da amostra dividida em grupos. Por outro lado, os coeficientes de correlação dos dois grupos foram bastante semelhantes entre si, para cada par de instrumento, sugerindo que a dependência ao álcool não teria contribuído para modificar o grau de associação entre, alexitimia e neuroticismo, alexitimia e depressão e entre neuroticismo e depressão. E neste sentido, os coeficientes de correlação da amostra total podem ser interpretados como indicadores de validade concorrente dos instrumentos utilizados, posto que estariam refletindo características mais amplas de estratos da população com perfil sócio-demográfico semelhante aos dos participantes desta pesquisa. Estas ilações demandam todavia, a realização de novas pesquisas, envolvendo amostras maiores e com participantes do sexo feminino, para ampliar a possibilidade de generalização dos resultados. Pesquisas futuras deverão envolver ainda maior controle de variáveis, tais como, severidade da dependência, uso de outras substâncias psicoativas, entre outras.

 

Referências

Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.        [ Links ]

Bagby, R. M., Parker, J. D. A., & Taylor, G. J. (1994). The Twenty-Item Toronto Alexithymia Scale-I. Item Selection and cross-validation of the factor structure. Journal of Psychosomatic Research, 38 (1), 23-12.        [ Links ]

Campbell, R. J. (1996). Psychiatric Dictionary (7ª ed.). NewYork: Oxford Universtiy Press.        [ Links ]

Cecero, J. J., & Holmstrom, R.W. (1997). Alexithymia and affect pathology among adult male alcoholics. Journal of Clinical Psychology, 53 (3), 201-208.        [ Links ]

Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Drummond, D. C., & Phillips, T. S. (2002). Alcohol urges in alcohol-dependent drinkers: further validation of the Alcohol Urges Questionnaire in an untreated community clinical population. Addiction, 97,1465-1472.        [ Links ]

Fisher, L. A., Elias, J. W., & Ritz, K. (1998). Predicting relapse to substance abuse as function of personality dimensions. Alcohol Clinical and Experimental Research, 22 (5), 1041-1047.        [ Links ]

Freyberger, H. (1977). Supportive psychotherapeutic techniques in primary and secundary alexithymia. Psychotherapy and Psychosomatics, 28, 337-342.        [ Links ]

Fukunishi, I., Ichikawa, M., Ichikawa, T., Matsuzawa, K., Fujimura, K., Tabe, T., Iida, Y., & Saito, S. (1992). Alexithymia and depression in families with alcoholics. Psychopathology, 25, 326-330.        [ Links ]

Haviland, M. G., MacMurray, J. P., & Cummings, M. A. (1988). The relationship between alexithymia and depressive symptoms in sample of newly abstinet alcoholic inpatients. Psychoterapy and Psychosomatics, 49, 37-40.        [ Links ]

Haviland, M.G., Shaw, D.G, Cummings, M. A., & MacMurray, J. P. (1988). Alexithymia: subscales and relationship to depression. Psychoterapy and Psychosomatics, 50, 164-170.        [ Links ]

Harris, M. B. (1995). Basic statistics for behavioral science research. Boston: Allyn & Bacon.        [ Links ]

Hutz, C. S., & Nunes, C. H. S. S. (2001). Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/ Neuroticismo - EFN. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Jornada, L. K., Muller, M. C. M., Nascimento, C. A. M., Noal, M. H. O., Plein, F. A. S., & Zadra, C. N.(1995). Depressão em alcoolistas hospitalizados. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 44 (12), 625-629.        [ Links ]

Lesser, I. M. (1981). A review of the alexithymia concept. Psychosomatic Medicine, 43 (6), 531-542.        [ Links ]

Loas, G., Fremaux, D., Otmani, O., Lecercle, C., & Delahousse J. (1997). Is alexithymia a negative factor maintaining abstinence? A follow-up study. Comprehensive Psychiatry, 38 (5), 296-299.        [ Links ]

Loas, G., Otmani, O., Lecercle, C., & Jouvent, R. (2000). Relationship between the emotional and cognitive components of alexithymia and dependence in alcoholics. Psychiatry Research, 96, 63-74.        [ Links ]

Mann, L. S., Wise, T. N., Trinidad, A., & Kohanski, R. (1995). Alexithymia, affect recognition, and the five factors of personality in substance abusers. Perceptual and Motor Skills, 81, 35-40.        [ Links ]

McCormick, R. A, Dowd, E.T., Quirk, S., & Zegarra, R.H. (1998). The relationship of NEO-PI Performance to coping styles, patterns of use, and triggers for use among substance abusers. Addictive Behaviors, 23 (4), 497-507.        [ Links ]

McCrae, R. R., & John, O. P. (1992). An introduction to the Five-Factor Model and its applications. Journal of Personality, 60, 175-216.        [ Links ]

Nemiah, J. C. (1977). Alexithymia: Theorical considerations. Psychotherapy and Psychosomatics, 28, 199-206.        [ Links ]

Nunes, C. H. S. S. (2000). A construção de um instrumento de medida para o fator neuroticismo/estabilidade emocional dentro do modelo de personalidade dos cinco grandes fatores. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. RS (disponível para download no site www.psicologia.ufrgs.br/laboratório/).        [ Links ]

Organização Mundial de Saúde (1993). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10: Descrições Clínicas e Diagnósticas ( D. Caetano, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.        [ Links ]

Pedinielli, J. L., & Rouan, G. (1998). Concept d'alexithymie et son intérêt en psichosomatique. Encycopédie Médico-Chirurgicale , 20, 370-400.        [ Links ]

Piccoli, A. P. B. (2005). Qualidade de vida e alexitimia em estudantes de cursos técnicos. Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.        [ Links ]

Pregnolatto, A. P. F. (2005). Alexitimia e sintomas psicopatológicos em pacientes submetidos a hemodiálise. Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.        [ Links ]

Ratto, L, & Cordeiro, D. C. (2004). Principais co-morbidades psiquiátricas na dependência química. Em N. B. Figlie, S. Bordin & R. Laranjeira (Org.), Aconselhamento em dependência química (pp.167-186). São Paulo: Roca.        [ Links ]

Regina, M. C. O. (2006). Alexitimia, ansiedade e depressão em portadores de glaucoma. Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.        [ Links ]

Rodrigo, G., Lusiardo, M., & Normey, L. (1989). Alexithymia: reliability and validity of the spanish version of the Toronto Alexithymia Scale. Psychotherapy and Psychosomatics,51, 162-168.        [ Links ]

Roy, A. (1999). Neuroticism and depression in alcoholics. Journal of Affective Disorders, 52, 243-245.        [ Links ]

Rybakowski, J., & Ziolkowski M. (1990). Clinical and biochemical heterogeneity of alcoholism: the role of family history and alexithymia. Drug and Alcohol Dependence, 27, 73-77.        [ Links ]

Sifneos, P. E. (1977). Psychothèrapie brève et crise émotionnelle (G. Hougardy e D. Luminet, Trads.). Bruxelas: Pierre Mardaga. (original publicado em 1972).        [ Links ]

Sifneos, P. E. (1988). Alexithymia and its relationship to hemispheric specialization affect and creativity. Psychiatry Clinics of North America,11, 287-292.        [ Links ]

Silva, F. R. C. S., & Yoshida, E. M. P. (2004). Validade Simultânea da Escala de Avaliação de Sintomas-40/EAS-40 com estudantes universitários. Em Anais do IX Encontro de Iniciação Científica PUC-Campinas (p.103). Campinas:         [ Links ] PUC-Campinas.

Silveira, D. X., & Jorge, M. R.(1999). Co-morbidade psiquiátrica em dependentes de substâncias psicoativas: resultados preliminares. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21 (3), 145-151.        [ Links ]

Speranza, M., Stéphan, P., Corcos, M., Loas, G., Taieb, O., Guilbaud, O., Perez-Diaz, F., Venisse, J. L., Bizouard, P., Halfon, O., & Jeammet, P. (2003). Étude des liens entre l'alexithymie, l'expérience dépressive et la dépendance interpersonnelle chez des sujets addictifs. Annales de Médecine Interne, 154, 1S65-1S75.        [ Links ]

Taieb, O., Corcos, M., Loas, G., Speranza, M., Guilbaud, O., Perez-Diaz, F., Halfon, O., Lang, F., Bizouard, P., Venisse, J. L., Flament, M., & Jeammet, P. (2002). Alexithymie et dépendance à l'alcool. Annales d'e Médecine Interne, 153 (3), 1S51-1S60.        [ Links ]

Taylor, G. J., Bagby, R. M., & Luminet, O. (2000). Assessment of alexithymia:self-report and observer-rated measures. Em, J.D.A. Parker, & R. Bar-On (Eds.), The handbook of emotional intelligence, (pp.301-319). São Francisco, CA: Jossey Bass.        [ Links ]

Taylor, G. J., Bagby, R. M., Ryan, D. P., Parker, J. D., Doody, K. F., & Keefe, P. (1988). Criterion validity of the Toronto Alexithymia Scale. Psychosomatic Medicine, 50, 500-509.        [ Links ]

Taylor, G. J., Ryan, D., & Bagby, R. M. (1985). Toward the development of a new self-report Alexithymia Scale. Psychotherapy and Psychosomatics, 44, 191-199.        [ Links ]

Tombolato, M. C. (2004). Qualidade de vida e saúde mental do estudante universitário trabalhador. Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.        [ Links ]

Vaillant, G.E. (1999). A história natural do alcoolismo revisitada (B. S. C. Cunha & J. A. L. Santos, Trad.). Porto Alegre. Artes Médicas Sul.        [ Links ]

Watson, D., & Clark, L. A. (1992). On traits and temperament: general and specific factors of emtional experience and their relation to the Five-Factor Model. Journal of Personality, 60 (2), 441-476.        [ Links ]

Yoshida, E. M. P. (2000). Toronto Alexthymia Scale-TAS: precisão e validade da versão em português. Psicologia: Teoria e Prática , 2 (1), 59-74.        [ Links ]

Yoshida, E. M. P. (2006). Validade da versão em português da Toronto Alexithymia Scale-TAS para população clínica. (manuscrito submetido para publicação).        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
R. Adolfo Albino Silva, 193
08420-580 SP
Tel.: +55-11 2294-1249

Recebido em abril de 2006
Reformulado em junho de 2006
Aprovado em julho de 2006

Este trabalho está baseado na dissertação de mestrado da primeira autora, realizada no Programa de Pós Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005), sob a orientação da segunda autora.

 

 

Sobre as autoras:

1 Maria José Nunes Maciel: Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Campinas, psicóloga clínica. E-mail: maciel_psi@msn.com
2 Elisa Medici Pizão Yoshida: Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, professora no Programa de Pós Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP. E-mail: eyoshida.tln@terra.com.br

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons