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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.6 n.1 Porto Alegre jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Avaliando linguagem receptiva via Teste Token: Versão tradicional versus computadorizada

 

Evaluating receptive language via Token Test: Computerized versus traditional versions

 

 

Elizeu Coutinho de Macedo I, *; Lyzandre dos Santos Firmo**; Marcelo DuduchiII, ***; Fernando Cézar CapovillaIII, ****

I Universidade Presbiteriana Mackenzie
II Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
III Departamento de Psicologia Experimental do Instituo de Psicologia da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Instrumentos padronizados de avaliação permitem detecção de atraso de linguagem e intervenção precoce para prevenir o fracasso escolar. Este estudo compara o desempenho de pré-escolares nas versões tradicional e computadorizada do Teste Token, correlaciona as pontuações nas duas versões e descreve a evolução do vocabulário receptivo em função da idade e da série escolar. Noventa crianças, de 4 a 6 anos de idade, do Ensino Infantil de uma escola particular da cidade de São Paulo foram avaliadas nas duas versões do teste. ANOVAS unifatoriais revelaram crescimento significativo da pontuação nas duas versões como função da idade. Houve também correlação positiva significativa entre as versões. Tais resultados sugerem a validade da versão computadorizada do Teste Token para avaliação de vocabulário receptivo em pré-escolares e detecção precoce de dificuldades de aprendizagem relacionadas a vocabulário pobre.

Palavras-chave: Linguagem, Compreensão, Teste Token, Neuropsicologia.


ABSTRACT

Standardized tests permit early detection of language delay, and early intervention aimed at preventing school failure. The present study compared preschooler's performance under two Token Test versions (traditional versus computerized ones). It assessed the correlation between them and described the evolution of receptive vocabulary as function of age and preschool level. Ninety preschoolers from 4 to 6 years of age of a private São Paulo city school were subjected to the two test versions. Unifatorial ANOVAs revealed significant increase of test scores as a function of age for both versions. In addition, a significant positive correlation was found between scores from both versions. Such results suggests that the computerized Token Test may be valid for preschooler's receptive language assessment and early detection of learning problems related to poor receptive vocabulary.

Keywords: Language, Comprehension, Token Test, Neuropsychology.


 

 

Introdução

A neuropsicologia é uma disciplina que estu-da as relações entre cognição e atividade do sistema nervoso, tanto em condições normais quanto pato-lógicas. De acordo com Lezak (2004), a neuropsi-cologia é uma ciência aplicada voltada para as ma-nifestações comportamentais e disfunções cerebrais e conta com o auxílio da avaliação de determinadas manifestações do indivíduo para a investigação do funcionamento cerebral. Desta forma, a avaliação ocupa um lugar central na Neuropsicologia.

Lezak (2004) indica que nos Estados Unidos os profissionais da educação e saúde têm a disposi-ção mais de 435 técnicas e instrumentos destinados à avaliação neuropsicológica e normatizados para aquela população. No Brasil, existem poucos ins-trumentos destinados aos neuropsicólogos que te-nham sido normatizados e padronizados, e que este-jam disponíveis para este fim. Alchieri (2004) mos-tra que atualmente são comercializados 178 testes psicológicos no Brasil. No entanto, poucos destes instrumentos foram desenvolvidos com a finalidade de serem usados na avaliação neuropsicológica. Entre os principais testes que podem ser usados para este fim, com dados normativos e padroniza-dos, destacam-se: Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5), a Escala de Maturidade Mental Columbia, o Wisc III, o Wais III, as Figuras Complexas de Rey, o Teste Gestáltico Viso-Motor de Bender e as Matrizes Coloridas de Raven. Desta maneira, há uma carência de instrumentos para avaliar funções cognitivas específicas.

Entre os trabalhos realizados para o desenvolvimento e adaptação de instrumentos neu-ropsicológicos para a população brasileira desta-cam-se o Mini Exame de Estado Mental (Brucki, Nitrini e Caramelli, 2003), o Boston Diagnostic Aphasia Examination (Mansur, Radanovic & Ta-quemori, 2005), e a bateria neuropsicológica CE-RAD (Bertolucci, 2001). Frente a esse panorama, são escassos os instrumentos para avaliar, por e-xemplo, o nível de compreensão de linguagem com dados normativos.

Um teste que permite avaliar a compreensão da linguagem em crianças e adultos é o Teste To-ken. Este teste foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a compreensão por meio de comandos ver-bais. O teste foi originalmente desenvolvido por De Renzi e Vignolo (1962). A versão original consiste em um conjunto de 20 peças diferentes a partir da combinação de duas formas geométricas (círculo e retângulo), dois tamanhos diferentes (pequeno e grande) e cinco cores distintas (branco, azul, verde, amarelo e vermelho). O teste avalia a capacidade de compreensão verbal a partir da apresentação de uma série de comandos, com diferentes graus de com-plexidade e que envolvem a manipulação das peças. Os comandos são classificados como sendo de bai-xa complexidade quando envolvem um único co-mando (ex., "Toque o círculo amarelo") e de alta complexidade quando envolve dois comandos (ex., "Toque o quadrado branco pequeno e o quadrado vermelho grande"). O teste é composto por um total de 62 comandos. A versão original foi modificada e atualmente a versão mais utilizada é a de Di Simoni (1978). Nessa versão, os itens foram reduzidos, passando para 40 comandos, sem que houvesse prejuízo na qualidade da avaliação e possibilitando sua aplicação em apenas 10 minutos (Strauss, Sherman e Spreen, 2006). Tais mudanças contribuí-ram para aumentar ainda mais a difusão desse teste como instrumento para avaliar linguagem em crian-ças. Em comparação com outras provas, o Teste Token apresenta como vantagens não apenas a ra-pidez e facilidade de aplicação mas também, a men-suração do desenvolvimento lingüístico em relação à idade e ao nível escolar. Versões computadoriza-das do Teste Token podem ainda apresentar mais vantagens do que as versões tradicionais.

Lezak (2004) defende o uso de programas computadorizados e versões computadorizadas de testes na avaliação neuropsicológica. Dentro desta perspectiva, diferentes versões computadorizadas de testes foram criadas no Brasil. Dentre os testes psicométricos tradicionais, foram computadoriza-dos por Capovilla, Capovilla, Macedo e Duduchi (2000) os seguintes: 1) Teste de Vocabulário por Imagens Peabody; 2) Teste de Maturidade para Leitura; 3) Teste de Prontidão para Leitura; 4) Re-versal Test; 5) Teste Token para adultos e para cri-anças; 6) Teste Boston para Diagnóstico Diferencial das Afasias; 7) Teste Boston de Nomeação; 8) Es-cala de Maturidade Mental Colúmbia. Outros e-xemplos de instrumentos computadorizados de avaliação neuropsicológica incluem a Mindstreams Computerized Cognitive Test Battery (Dwolatzky e colaboradores, 2003), a Neurobehavioral Evaluati-on System-3 (NES3) Computer-Assisted Battery (White & colaboradores, 2003), a ECO Computeri-zed Cognitive Battery (Merrick, Secker, Fright & Melding, 2004), e a Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (Luciana & Nelson, 2002).

A versão computadorizada do Teste Token leva vantagem sobre a versão tradicional, pois re-gistra com mais precisão as respostas do avaliando, bem como o tempo consumido, podendo ser rapi-damente configurado para apresentar os comandos verbalmente, escritos ou ainda em outras línguas.

Capovilla, Thiers e Macedo (2002) conduzi-ram o primeiro estudo com pré-escolares brasileiros de uma escola particular usando a versão computa-dorizada do Teste Token e correlacionando com o desempenho nos seguintes testes: Escala de Maturi-dade Mental Columbia, Teste de Figuras Invertidas, Teste de Maturidade para Leitura, Teste de Pronti-dão de Leitura e o Teste de Vocabulário por Ima-gens Peabody. Os resultados revelaram que os tes-tes computadorizados discriminaram entre as suces-sivas séries pré-escolares da mesma forma que as versões tradicionais, em uma população de pré-escolares com desenvolvimento normal. Além dis-so, os autores encontraram correlações altas entre a versão tradicional e a computadorizada. No entanto, não foram derivadas fórmulas de correspondência de pontuação entre as duas versões.

O presente estudo teve por finalidade avaliar a linguagem receptiva em crianças pré-escolares por meio do Teste Token computadorizado, compa-rar as pontuações dos pré-escolares nas versões tradicional e computadorizada do Teste Token, e derivar fórmulas de conversão para estimar a pon-tuação na versão tradicional a partir da aplicação da computadorizada.

 

Método

Participantes

Foram avaliadas 90 crianças das três séries do Ensino Infantil de uma escola particular do município de São Paulo com idade variando de 4 a 6 anos. A amostra foi composta de: 30 crianças do Infantil 1 (15 meninos e 15 meninas) com idade média de 4 anos; 30 do Infantil 2 (17 meninos e 13 meninas) com idade média de 5 anos e 30 do Infantil 3 (18 meninos e 12 meninas) com idade média de 6 anos.

Material

Foi usada a versão computadorizada do Teste Token (Macedo, Capovilla, Charin, & Duduchi, 1998) desenvolvida a partir da versão de Di Simoni (1978). Ele é composto de 40 itens, divididos em 4 partes com 10 itens cada. As partes 1 e 2 envolvem apenas um comando (Comando1). Já as partes 3 e 4 envolvem 2 comandos (Comando2), sendo que o sujeito deve selecionar o primeiro comando (2a) e, em seguida, o segundo comando (2b). As 4 partes apresentam um grau crescente de complexidade. Na parte 1 os comandos são formados por duas informações (ex., "toque o Círculo Vermelho); na parte 2 por três informações (ex., "toque o Quadrado Amarelo Pequeno"); na parte 3, quatro informações (ex., "toque o Círculo Amarelo e o Quadrado Vermelho"); e na parte 4 são seis informações (ex., "toque o Quadrado Azul Pequeno e o Círculo Verde Grande"). Após ouvirem um item, os sujeitos selecionavam as figuras que considerassem corretas. Após selecionar uma figura aparecia uma moldura em torno do objeto e um botão com a seta de "seguir".

A versão computadorizada possui ainda um módulo de varredura que ilumina seqüencialmente cada uma das figuras, o que permite avaliar a linguagem receptiva de pessoas com severos impedimentos motores e incapacitadas de apontar ou manipular objetos. Outra vantagem da versão computadorizada é a possibilidade de registrar todas as respostas do avaliando, bem como o tempo consumido em responder. Além disso, essa versão pode ser configurada rapidamente para apresentar os comandos verbais, escritos ou em outros idiomas.

A versão computadorizada foi aplicada por meio de computadores ligados em rede, equipados com Windows XP e monitores de 17 polegadas. Cada criança tinha à disposição fone de ouvido, de modo que somente ela ouvia a mensagem solicitada, não ouvindo as mensagens das demais crianças.

Procedimento

Foi encaminhado o termo de consentimento livre e esclarecido aos pais, sendo avaliadas apenas as crianças devidamente autorizadas. Foram realizadas duas sessões de aplicação, separadas por uma semana. Na primeira avaliação, a primeira metade das crianças foi submetida à versão tradicional, e a segunda metade, à versão computadorizada. Na segunda avaliação, uma semana depois, a primeira metade foi submetida à versão computadorizada, e a segunda metade, à tradicional.

As avaliações com a versão tradicional foram feitas individualmente em uma sala de aula disponível. Todas as avaliações foram conduzidas pelo mesmo avaliador. Nessa avaliação, o avaliador cuidou para manter constantes, durante as instruções, a intensidade, o timbre, o sotaque e a entonação da voz. A versão computadorizada foi aplicada coletivamente no laboratório de informática do ensino fundamental. Esse laboratório dispunha de 50 computadores, e as crianças sentavam-se lado a lado, mas sem qualquer possibilidade de inspecionar o que a vizinha estava fazendo. As instruções foram dadas coletivamente. Depois das instruções, as professoras colocavam os fones de ouvido em cada uma das crianças, o que dava início à avaliação. Caso a criança necessitasse de alguma ajuda, ela levantava o braço até que uma das professoras pudesse atendê-la.

Ao término do teste, era disponibilizado o acesso a jogos computadorizados da própria escola a fim de que aquelas que terminassem antes não interferissem no desempenho das demais. Quando todas as crianças terminavam, o examinador gravava os arquivos com os resultados e os transferia para disquetes para proceder às análises.

 

Resultados

Foram conduzidas análises de variância com o objetivo de comparar o desempenho na versão tradicional e na computadorizada. Análise dos resultados, a partir do Teste t de medidas pareadas, indicaram que, em média, as crianças acertaram 9 itens a mais na versão tradicional que na computadorizada, t = 11,908; p = 0,000. Não foram observadas diferenças significativas no tempo para a realização completa do teste nas duas versões.

Análise de variância (ANOVA) do efeito da idade sobre o escore no Teste Token revelou efeito significativo tanto para a versão tradicional, F (2, 89) = 12,418, p = 0,000, quanto para a computadorizada, F (2, 89) = 8,011, p = 0,001. Análises de comparação por pares Fisher LSD mostraram que crianças mais novas, isto é, de 4 anos de idade acertaram menos que as mais velhas nas duas versões, e não houve diferença entre as crianças de 5 e 6 anos de idade. A Figura 1 representa o efeito da idade sobre a pontuação obtida nas versões tradicional e computadorizada.

 

 

Embora tenha sido observada discrepância na pontuação entre as duas versões, análise de regressão do escore na versão tradicional como função da pontuação na computadorizada revelou correlação positiva (r = 0,655, r2 = 0,429; p<0,000) entre as duas versões. A Figura 2 representa o correlograma, com reta de regressão e intervalo de confiança, entre os desempenhos nas versões tradicionais e computadorizadas do Teste Token.

A fim de poder estimar a pontuação na versão tradicional a partir da versão computadorizada, análise de regressão logística foi conduzida e equação de regressão derivada. Assim, a equação de regressão que permite estimar o valor da pontuação na versão tradicional a partir da computadorizada pode ser assim descrita:

Pontos_Tradicional = 19,546 + 0,557 X Pontos_Computadorizada.

Onde: Pontos_Tradicional é o valor do escore estimado na versão tradicional. Pontos_Computadorizada é o valor do escore obtido na versão computadorizada.

Desta forma, a aplicação da equação nos resultados de uma criança que acertasse 25 itens na versão computadorizada seria equivalente a uma que obtivesse 33 acertos (19,546 + 0,557 X 25) na versão tradicional.

A fim de analisar o efeito do número de comandos solicitados, os itens foram divididos em três partes: Comando1 formada pelos itens de 1 a 20; Comando2a formada pelo primeiro comando dos itens 21 a 40 e Comando2b formada pelos segundo comando dos itens 21 a 40. Análise de variância (teste t) de medidas pareadas para a pontuação na versão tradicional indica que o número de respostas corretas para Comando1 foi significativamente maior que para Comando2a, (t = 7,790, p = 0,000); e Comando2b (t = 7,890; p = 0,000). Dados similares foram obtidos na versão computadorizada, sendo o número de itens corretos para Comando1 superior ao número de itens corretos para Comando2a, t = 15,747, p = 0,000, e Comando 2b, t = 13,182, p = 0,000. O número de acertos foi maior na versão tradicional para Comando1, t = 6,014, p = 0,000, Comando2a, t = 13,502; p = 0,000, e Comando2b, t = 10,952, p = 0,000. A Figura 3 ilustra o número médio de itens corretos para todos os participantes em função do número e posição das ordens solicitadas.

 

 

 

 

Análise da pontuação na versão computadorizada indica alta similaridade com a da versão tradicional. Assim, os itens da Parte 1 que contêm informação sobre a forma e a cor das fichas foram os que produziram os maiores escores, seguidos dos itens da Parte 2. Apenas os itens "toque o Quadrado Verde Pequeno" e "toque o Quadrado Branco Grande" da Parte 2 foram mais difíceis que alguns itens da Parte 3. Os itens das Partes 3 e 4 foram os mais difíceis.

Não foram observadas diferenças entre os sexos no desempenho geral do testes. Ou seja, análise de variância a partir do Teste t para medidas independentes revelou que tanto a pontuação quanto o tempo foram iguais entre meninos e meninas nas duas versões do teste.

 

Discussão

Não foram encontradas diferenças significativas entre meninos e meninas para nenhuma das duas versões. Embora as meninas acertassem mais que os meninos, não foram observadas diferenças significativas. Vários estudos vêm tentando distinguir as performances entre os gêneros, incluindo as habilidades lingüísticas. Hedges e Nowel (1995), por exemplo, analisaram seis diferentes estudos conduzidos nos Estados Unidos ao longo dos últimos 34 anos. Os autores constataram que, apesar de as mulheres terem mantido respostas mais consistentes do que os homens ao longo dos anos, a diferença entre a maioria das habilidades testadas não foi significativa. Exceções foram observadas nas provas de compreensão escrita, velocidade perceptual e memória associativa. Nessas foi constatado melhor desempenho das mulheres. No entanto, Kimura e Harshiman (1984) relatam que as mulheres tendem a ir melhor que os homens em provas que avaliaram a velocidade perceptual, fluência verbal, coordenação motora e aritmética mental. É possível que a ausência de efeito de sexo nos testes esteja relacionada com o fato de terem sido avaliados apenas o vocabulário receptivo e a compreensão verbal. Assim sendo, a aplicação de outras provas poderia ter produzido maior poder discriminativo entre os sexos.

A pontuação na versão informatizada foi inferior à obtida na versão tradicional. Tal discrepância pode ser explicada por fatores como: 1) a complexidade da resposta, que é maior na versão computadorizada; 2) a qualidade acústica das instruções, que é menor na versão computadorizada; 3) a restrição à modalidade auditiva para acesso às instruções, com ausência de acesso à leitura orofacial na versão computadorizada; 4) a proximidade do avaliador, que é menor na versão computadorizada; 5) a ausência de pistas indiretas sugestivas de desempenho oferecidas pelo avaliador, que ocorre na versão computadorizada.

Como as versões computadorizadas requerem do avaliando o manejo de dispositivos de acionamento como mouses para poder responder, essas versões acabam demandando funções práxicas mais complexas que o simples apontar. Embora a qualidade de digitalização da voz tenha melhorado de forma marcante nos últimos anos, possibilitando a criação de arquivos com grande definição e alta taxa de compressão, essa qualidade ainda é inferior à da voz humana ao vivo. Além disso, como a mensagem digitalizada é apresentada automaticamente, o avaliando pode não prestar atenção ao início da mensagem, o que resulta na perda de informação. Nestes casos, a criança terá de usar processos inferenciais mais sofisticados para tentar reconstruir o significado de uma mensagem que foi parcialmente processada, ou seja, processamento do tipo top-down como proposto pelo modelo interativo (Eysenck & Keane, 1994). A condução de novos estudos em que a criança possa solicitar a repetição da apresentação da mensagem ouvida pode lançar luz sobre as dificuldades encontradas no processamento de informações apresentadas pelo computador.

Além da qualidade do som, as mensagens gravadas apresentadas ao computador privam o avaliando de acesso a informações contextuais, como aquelas advindas da leitura orofacial. Nesse caso, o desempenho tenderia ser melhor se, em vez da exibição de uma mensagem gravada, fosse disponibilizado um vídeo em que aparecesse a imagem do instrutor. A elevada importância da leitura orofacial foi demonstrada por McGurk e MacDonald (1976). Esses autores prepararam um vídeo de alguém repetindo "ba" várias vezes, mas mudaram o canal do som de tal maneira que havia uma voz dizendo "ga" repetidamente em sincronia com o movimento dos lábios. Frente a essa discrepância entre input visual e auditivo, os avaliandos relataram ouvir "da" em vez de "ga" ou "ba", o que representa quase que literalmente uma fusão da informação visual e auditiva. Esse estudo mostra o caráter interativo das várias informações visual e auditiva na percepção da fala.

Quando a apresentação das instruções e a coleta das respostas são feitas pelo computador e não pelo avaliador, obtém-se uma maior padronização das condições de aplicação, o que contribui para a maior estabilidade dos achados.

Além disso, obtém-se, também, a possibilidade de aferição automática dos resultados, o que contribui substancialmente para reduzir os custos. Ainda assim, esse modo computadorizado de avaliação acaba impondo uma maior distância entre o avaliando e o avaliador, o que tende a tornar a dar um tom mais impessoal e eventualmente frio ao processo de avaliação. Isso pode reduzir o envolvimento na tarefa por parte do avaliando. Além disso, esse maior distanciamento pode inibir a iniciativa da criança de fazer perguntas para aumentar sua compreensão da tarefa. Por fim, essa relativa impessoalidade pode prejudicar diferencialmente crianças para quem a relação pessoal é mais importante.

A necessidade de adequar a forma de aplicação do teste a cada criança foi ilustrada pelo estudo de Salvatore, Strait e Brookshire (1978). Comparando a forma de apresentação do Teste Token por avaliadores experientes (i.e., com mais de 100 aplicações de teste) e inexperientes, o estudo mostrou que examinadores experientes, frente à ocorrência de erros pelos avaliandos, tendem a aumentar o intervalo entre as pausas. Esse estudo revelou que essa estratégia dos avaliadores experientes tende a enviesar favoravelmente a estimativa de desempenho de pacientes afásicos, que tendem a responder de modo significativamente melhor quando examinados por avaliadores experientes do que quando avaliados por avaliadores inexperientes.

Embora o desempenho nas versões computadorizadas tenha sido inferior ao da tradicional, foram observadas correlações positivas entre as duas formas de aplicação. Assim, crianças com bom desempenho na versão tradicional tenderam a repetir o mesmo resultado na versão computadorizada. Além disso, a versão computadorizada demandou menos tempo de aplicação, tabulação de dados e aferição de resultados. Como descrito, a inclusão da possibilidade de repetição da mensagem emitida pode fazer com que o desempenho na versão computadorizada seja ainda mais parecido com o da versão tradicional.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: elizeumacedo@uol.com.br
Apoio: MackPesquisa e CNPq

Recebido em Agosto de 2006
Reformulado em Fevereiro de 2007
Aceito em Março de 2007

 

 

Sobre os autores:

* Elizeu Coutinho de Macedo: psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Mackenzie. Pes-quisador do CNPq e Mackpesquisa.
** Lyzandre dos Santos Firmo: lingüísta, mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
*** Marcelo Duduchi: tecnólogo em Processamento de Dados, Mestre em Neurociências do Comportamento e Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, Professor da FATEC-SP.
**** Fernando César Capovilla: professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituo de Psicologia, Universidade de São Paulo. Psicólogo, PhD em Psicologia Experimental pela Temple University. Livre-docente da Universidade de São Paulo. Pesquisador do CNPq.

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