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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.7 n.2 Porto Alegre ago. 2008

 

ARTIGOS

 

Inteligência, escolarização e idade: normas por idade ou série escolar?

 

Intelligence, schooling and age: norms by age or grades?

 

 

Leandro S. AlmeidaI, *; Gina LemosII, **; M. Adelina GuisandeIII, ***; Ricardo Primi IV, ****

I Universidade do Minho, Portugal
II Universidade de Évora, Portugal
III Universidade de Santiago de Compostela, Espanha
IV Universidade São Francisco, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Ainda que haja controvérsias com a definição e a medida da inteligência (número e estrutura da organização), as investigações apontam que o desenvolvimento cognitivo está associado com a idade e a escolaridade, embora não se saiba exatamente qual a influência única de cada uma dessas variáveis. Da resposta a esta pergunta decorre uma implicação prática no tipo de normas que os testes de inteligência apresentam na infância e na adolescência. Neste estudo analisaram-se os dados de uma amostra representativa de alunos portugueses (7a e a 9ª série) na Bateria de Provas de Raciocínio sugerindo-se que a série escolar tem um maior impacto no desempenho, ao mesmo tempo que o impacto da idade não é linear Assim, parece mais adequado tomar a série escolar que a idade dos alunos na fase da adolescência na elaboração de normas de grupo em testes de inteligência.

Palavras-chave: Inteligência, Teoria Gf-Gc, Normas, Escolarização, Idade.


ABSTRACT

Even the controversy on intelligence definition and assessment, namely concerning the number and organization of aptitudes, the research points out a cognitive development in function of subjects´ age and schooling. Our question is: which factor (age or school grade) contributes more for the intellectual ability development? Towards this answer there is a practical decision to take about the norms on intelligence tests during childhood and adolescence (organized by age or by academic level). In this study we consider a representative sample of students from 7th to 9th grades and their scores on Reasoning Tests Battery (Almeida, 2003). Results suggest that school grade has a higher impact than age on individual performances differentiation, as well as a non linear impact of the age. So, this study shows that it will be more appropriate to consider the school grade than age in adolescence phase to produce group norms in order individual performances analysis.

Keywords: Intelligence, Gf-Gc theory, Norms, Schooling, Age.


 

 

Introdução

Permanecendo alguma controvérsia em torno do conceito e da estrutura da inteligência (Almeida, 1994; Bowman, Markham, & Roberts, 2002), podemos reconhecer, com relativa facilidade, que algumas mudanças nas habilidades intelectuais dos indivíduos ocorrem ao longo do seu ciclo de vida, em particular na infância e na adolescência (Ceci, 1991, Cliffordson, & Gustafsson, 2008). De entre as abordagens teóricas da inteligência, interessa-nos aqui particularmente a abordagem psicométrica, quer porque fortemente associada aos instrumentos usados internacionalmente para a sua avaliação, quer porque assume como objetivo particular de estudo a própria estrutura da inteligência. Com efeito, um dos alvos privilegiados da psicometria no estudo da inteligência tem sido a identificação dos fatores explicativos da habilidade intelectual e do desempenho cognitivo, por exemplo o número e âmbito de tais fatores, e a estrutura organizativa dos fatores identificados (Almeida, 1988; Primi, 1996, 2002b, 2006), ainda que menos informativa sobre o desenvolvimento das estruturas cognitivas ao longo da infância e adolescência.

A partir de estudos com análise fatorial, Spearman (1927) concebeu o conceito de fator geral de inteligência ou fator g, assumindo-o como determinante do nível de desempenho atingido em qualquer teste ou situação envolvendo a habilidade cognitiva. Este fator, estando implicado na realização de qualquer tarefa cognitiva, terá o seu grau de influência condicionado pela natureza cognitiva das mesmas tarefas. Por exemplo, a sua presença e influência é maior em testes de analogias e matrizes (inferência e aplicação de relações entre elementos) do que em testes de vocabulário ou de cálculo numérico. Esta situação abriu a possibilidade de alguns autores virem a defender uma inteligência mais fluida (Gf) e uma inteligência mais cristalizada (Gc), veja-se a "Teoria da Inteligência Fluida e Cristalizada" (Cattell, 1963) Em termos conceituais Gf é teorizada como uma inteligência mais associada ao raciocínio e à resolução de problemas novos, isto é, à capacidade de formar relações entre idéias (desde concretas às mais abstratas) e organizar a informação nova (o que se aproxima do próprio fator g) e mais estreitamente dependente de fatores de índole biológica (maturação, envelhecimento, etc..), e Gc aparecerá mais ligada às habilidades desenvolvidas fruto de Gf, mas também da experiência, do investimento e das aprendizagens dos indivíduos, ou seja, associada à extensão e profundidade dos conhecimentos acumulados a partir das interações particulares da pessoa com seu ambiente cultural formal e informal (Almeida, 1988; Cattell, 1971). Assim, g ou Gf podem assumir-se como fatores associados a processos mais gerais influentes na aprendizagem de novos conteúdos independentemente de seu conteúdo, enquanto Gc está mais associado ao conteúdo das tarefas e informações adquiridas e estariam em níveis mais baixos de generalização e sofrendo a influência dos primeiros (Ackerman, 1996, Almeida, 1988; Phelps, McGrew, Knopik, & Ford, 2005; Primi & Almeida, 2002,). Resumindo, a inteligência fluida localizar-se-ia no extremo adaptativo, estando relacionada à capacidade de apreender uma configuração não familiar e reorganizá-la para satisfazer alguma exigência (raciocínio), enquanto a inteligência cristalizada estaria colocada no outro extremo associado aos conhecimentos adquiridos pelo indivíduo, correspondendo às capacidades específicas, aprendidas e praticadas pelo indivíduo, ou seja, fortemente condicionadas pela aprendizagem e treino (Almeida, 1988; McGrew, 1997 Primi, 2002a, Primi, 2002c).

Mais recentemente, Carroll (1993) apresentou um trabalho compreensivo dos muitos estudos fatoriais publicados sobre inteligência. Com base nesta análise, o autor propõe a "Teoria dos Três Estratos da Inteligência" sugerindo níveis fatoriais hierarquizados de acordo com a maior e menor generalização dos fatores identificados. Se o fator g assume o estrato mais generalizado, num segundo estrato teríamos as habilidades intelectuais de largo espectro como a inteligência fluida, cristalizada, processos de aprendizagem e memória, percepção visual, percepção auditiva, recuperação de informação, velocidade cognitiva e velocidade de processamento e tomada de decisão; por último, um estrato com algumas dezenas de fatores decorrentes das especificidades comuns aos diferentes testes utilizados nesses estudos, como o apelo ao cálculo ou à linguagem (Primi & Almeida, 2002, Primi, 2002b, Primi, 2003). Numa aproximação entre a teoria Gf-Gc e a teoria dos três estratos, podemos falar na teoria de Cattell-Horn-Carroll (CHC) das habilidades cognitivas (Carroll, 1997), bastante aceite no seio da psicometria atual (McGrew, 1999).

No seio da teoria Gf-Gc ou da teoria CHC podemos pensar que, ao longo do desenvolvimento cognitivo da infância até ao final da adolescência, se partirá de uma capacidade mais básica e geral (tipo g ou Gf) para as habilidades cognitivas diferenciadas (tipo Gc e outras aptidões), jogando aqui um papel importante a experiência, a aprendizagem e a motivação dos sujeitos. De acordo com Ackerman (1996), Gf tem o seu pico de desenvolvimento no final da adolescência, mantendo-se estabilizada por alguns poucos anos e começando a partir daí a declinar, principalmente nos aspectos relacionados com a velocidade de processamento; Gc desenvolve-se com as aprendizagens e a experiência, prolongando o seu desenvolvimento pela idade adulta e permanecendo estável por um período mais longo de tempo que Gf, podendo apresentar algum declínio a partir de idades já bastante avançadas (terceira idade). McGrew e Evans (2002), numa análise dos resultados na bateria de Woodcock Johnson III (WJ-III) tomando a idade dos sujeitos, verificaram que nas provas relacionadas com Gf (séries numéricas, matrizes, raciocínio sequencial, formação de conceitos) se encontrava um aumento significativo dos resultados entre os 6 e os 16 anos, atingindo o máximo pelos 21 anos e um declínio a partir dos 26 anos. Por outro lado, as provas do WJ-III relacionadas com Gc (vocabulário, compreensão verbal, informação geral) apresentavam um pico de desempenho numa idade mais avançada em relação às outras provas, ou seja, já a meio da idade adulta (35-40 anos).

Na análise destas curvas de desempenho, vários autores referem um impacto diferencial da escolarização nas diferentes aptidões cognitivas (Almeida, 1986; Cattell, 1971; McGrew & Evans, 2002). Stelzl, Merz, Eulers e Remer (1995), utilizando a prova de fator g de Cattell (Culture Fair Intelligence Test) e a WISC, comparando crianças de 6 e 10 anos, verificaram um forte impacto da escolarização no desempenho dos testes, inclusive nos mais ligados à inteligência fluida.

Estes resultados diferenciados nas habilidades cognitivas com a idade e a escolarização dos sujeitos serviu de mote a este artigo. Olhando às normas nas provas de inteligência geralmente elas são calculadas, e assim usadas pelos profissionais, de acordo com a idade dos sujeitos. Com efeito, na infância e na adolescência, vários dos testes enfatizam mais a idade que a escolarização, sugerindo aliás a partir dos 16-18 anos dados normativos para uma idade única (adultos). Se no caso da infância essa opção nos parece bastante mais justificável, a partir da adolescência poderá fazer mais sentido ter as normas elaboradas de acordo com o nível de escolarização.

De fato em função da alta correlação entre idade e escolariade a escolha entre uma delas na normatização de testes pode parece ser um tanto quanto arbitrária, entretanto, cada uma reflete aspectos diferentes do desenvolvimento cognitivo, embora muito associados e de difícil separação (Cliffordson, & Gustafsson, 2008, Primi, Couto, Almeida, & Guisande 2008). A idade, especialmente na infância, acompanha o desenvolvimento maturacional e, portanto, sua associação com as habilidades cognitivas, é tida como uma estimação da influência dos fatores biológicos do desenvolvimento na inteligência. Já a escolaridade é uma variável associada à estimulação escolar formal e, portanto, sua associação com a escolaridade é tida como estimação de fatores ambientais. Entretanto, como o aumento da escolaridade acompanha e é condicionado à idade é difícil separar a influência única no desenvolvimento cognitivo que cada uma pode potencialmente refletir.

Mais presumível é conceber que o desenvolvimento cognitivo maturacional, isto é, decorrente do crescimento biológico, é acompanhado por um conjunto de estimulações sistemáticas desenvolvidas na escola e os dois fatores operam conjuntamente e influenciam de maneira interativa o desenvolvimento cognitivo. Assim ao analisarmos a associação da escolaridade ou idade com a inteligência estamos apurando a influência simultânea do crescimento biológico (idade) acompanhado de estimulação escolar.

Nosso argumento a favor do uso da escolaridade na confecção de normas na adolescência assenta-se no fato de que, nessa altura, a escolaridade é um indicativo também da idade mas aquela acompanhada de estimulação escolar formal. Na infância a associação de idade e inteligência tem uma magnitude mais forte em razão da maturação cerebral que tem sua influência mais marcante nesse período. Mas na adolescência, momento em que o desenvolvimento neurológico atingiu o ápice, a escolaridade, que reflete idade acompanhada de avanço de intervenção escolar formal estaria mais associada ao desenvolvimento cognitivo pois refletiria esse crescimento acompanhado de influências acumuladas do ambiente que vai se tornando progressivamente mais importante com o passar do tempo.

Este artigo procura, assim, apreciar em que medida os resultados de adolescentes num conjunto de provas de raciocínio se diferenciam em função da idade e da série escolar. Antecipando a importância destas duas variáveis, interessa nessa altura conhecer qual das duas poderá ter mais impacto na realização e se esse impacto difere em função do tipo de conteúdo em que as provas de raciocínio assentam. A idéia é que, em função da importância maior de uma ou outra variável, então as normas deveriam tomá-la em consideração.

 

Método

Participantes

Os dados decorrem do estudo normativo da Bateria de Provas de Raciocínio (Almeida & Lemos, 2005), respeitando a amostra constituída os critérios de representatividade (quota de referência nacional de 5.5%) e aleatoridade. A estratificação da amostra tomou em consideração a zona do país (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, e Sul), as especificidades do meio em que as escolas se inserem (meio urbano e meio rural), a série escolar (da 7ª à 9ª série) e o gênero. Assim, este estudo toma uma amostra de 1835 alunos repartidos de forma equilibrada pelas 7ª, 8ª e 9ª série escolar.

Instrumento

Este estudo considera os resultados dos alunos na Bateria de Provas de Raciocínio (versão BPR7/9; Almeida, 2003). A BPR7/9 inclui cinco provas, todas avaliando as habilidades de raciocínio em termos de inferência e de aplicação de relações, mas diferenciando-se em termos do conteúdo dos itens que integram as mesmas provas: Prova RA ou de raciocínio abstrato (analogias com figuras sem qualquer significado aparente), Prova RN ou de raciocínio numérico (sequências lineares ou alternadas de números), Prova RV ou de raciocínio verbal (analogias tomando as relações entre palavras), Prova RM ou de raciocínio mecânico (resolução de problemas abarcando conhecimentos básicos de física e mecânica), e Prova RE ou de raciocínio espacial (formada por séries de cubos em movimento linear ou alternado). Todas as provas têm um tempo limite para a sua realização, ao mesmo tempo que apresentam alternativas de resposta para escolha dos sujeitos (com exceção da Prova RN em que os alunos devem escrever os dois números que completam a sequência).

A fidedignidade dos resultados tende a situar-se acima de 0,75, registando-se coeficientes mais baixos na Prova RM (apenas de 0,63) associados à maior heterogeneidade das situações presentes ao longo dos seus itens. Os resultados da análise fatorial exploratória em componentes principais revela a existência de um único fator com valor-próprio igual ou superior à unidade, e respondendo por 55% da variância dos resultados, sugerindo a maior importância dos processos cognitivos de raciocínio comuns às cinco provas do que do conteúdo dos respectivos itens.

Procedimentos

A bateria foi aplicada coletivamente, em contexto de turma, em tempos letivos cedidos pelos professores. Os alunos foram informados dos objetivos do estudo e da confidencialidade dos dados, bem como da importância da sua participação numa investigação deste gênero, reforçando o seu papel na representação de outros colegas da mesma série, da mesma escola e, numa perspectiva mais alargada, dos alunos da sua zona do País. Não surgiram dificuldades na aplicação das provas e na sua compreensão pelos alunos, na medida em que as instruções, todas elas transcritas nos respectivos cadernos, integravam exemplos esclarecedores do tipo de atividade a realizar em cada prova. O resultado de cada prova corresponde ao número de itens corretamente respondidos. No caso da Prova RN, o resultado corresponde ao número de itens corretamente respondidos quando ambos os números coincidem no seu valor e na sua posição correta, sendo atribuído metade da cotação quando o sujeito indica corretamente os valores invertendo a sua posição na sequência.

 

Resultados

Na Tabela 1 apresentam-se as médias e os desvios-padrão dos resultados nas provas e na nota global da bateria em função da série escolar. Pela sua análise, e como seria expectável, podemos verificar uma evolução da realização cognitiva média na BPR7/9 à medida que se avança nas séries de escolaridade consideradas. De salientar que, nas provas com conteúdos mais acadêmicos (RA, RN e RV), o aumento no desempenho médio é tendencialmente mais acentuado na passagem da 7ª para a 8ª série do que desta última para a 9ª série de escolaridade. Nas outras duas provas (RM e RE) o aumento ocorre dentro de um padrão similar da 7ª para a 8ª série, e da 8ª para a 9ª série escolar.

Para uma análise do significado estatístico destas flutuações realizamos uma análise de variância multivariada (F-Manova). Os valores obtidos sugerem uma diferença estatisticamente significativa em função da escolaridade em todas as provas e na nota Global da bateria: RA [F(2, 1834) = 14,037, p < 0,05, Np2 = .015]; RN [F(2, 1834) = 24,779, p < 0,001, Np2 = 0,026]; RV [F(2, 1834) = 39,273, p < 0,001, Np2 = 0,041]; RM [F(2, 1834) = 77,744, p < .001, Np2 = 0,078]; RE [F(2, 1834) = 24,779, p < 0,001, Np2 = 0,026] e Global [F(2, 1834) = 68,654, p < 0,001, Np2 = 0,070]. Face às diferenças estatisticamente significativas observadas nos indicadores cognitivos considerados, avançamos para o teste dos respectivos contrastes (procedimento scheffe). Os valores indicam diferenças estatisticamente significativas em todas as provas quando comparamos quer o grupo dos alunos da 7ª série com os alunos da 8ª série (RA: diferença de médias = -0,634, p < 0,01; RN: diferença de médias = -0,975, p < 0,001; RV: diferença de médias = -1,282, p < 0,001; RM: diferença de médias = -1,129, p < 0, 001; RE: diferença de médias = -1,059, p < .001; Global: diferença de médias = -1,117, p < 0,001), quer os alunos da 7ª série e os alunos da 9ª série (RA: diferença de médias = -0,962, p < 0,001; RN: diferença de médias = -1,464, p < 0,001; RV: diferença de médias = -1,823, p < 0,001; RM: diferença de médias = -2,176, p < 0,001; RE: diferença de médias = -2,133, p < 0,001; Global: diferença de médias = -1,892, p < 0,001). Também se verificaram diferenças estatisticamente significativas a favor dos alunos da 9ª série comparando com o grupo da 8ª série, em todas as provas, a excepção de RA e RN (RV: diferença de médias = 0,542, p < 0,05; RM: diferença de médias = 1,047, p < 0,001; RE: diferença de médias = 1,074, p < 0,001; Global: diferença de médias = 0,774, p < 0,001).

 

 

Tomando agora a idade dos alunos, apresentam-se na Tabela 2 as médias e os desvios-padrão dos resultados nas provas e na nota global da bateria. Observando os valores descritos no quadro, regista-se, na maioria das situações, um aumento no nível médio de realização cognitiva em todas as provas até os 14 anos, verificando-se uma importante diminuição no resultado médio das provas a partir dessa idade, a exceção da prova RM onde os valores médios se mantêm constantes.

Para uma análise estatística das diferenças na pontuação nas provas da BPR7/9 segundo a idade dos alunos, realizamos uma análise multivariada (F-Manova). As diferenças mostram-se altamente significativas em todas as provas e na nota Global da bateria: RA [F(4, 1829) = 6,700, p < 0,001, Np2 = 0,014]; RN [F(4, 1829) = 2,883, p < 0,05, Np2 = 0,006]; RV [F(4, 1829) = 9,235, p < 0,001, Np2 = 0,020]; RM [F(4, 1829) = 18,231, p < 0,001, Np2 = 0,038]; RE [F(4, 1829) = 2,742, p < 0,05, Np2 = .006] e Global [F(4, 1829) = 6,509, p < 0,001, Np2 = .014]. Os contrastes posteriores confirmam justamente esta diferença, à exceção dos resultados na prova RE onde estes contrastes não alcançaram significação estatística entre qualquer dos agrupamentos de idade. Assim, na prova RA os valores obtidos indicam diferenças estatisticamente significativas quando comparamos o grupo de 14 anos, quer com o de 15

anos (diferença de médias = 0,919, p < .01), quer com o grupo de 16 anos (diferença de médias = 1,353, p < 0,01), sendo os valores em ambos os casos favoráveis aos alunos mais novos (14 anos). De acrescentar que, embora os alunos de 14 anos suplantem a realização dos alunos de 12 anos, tal diferença não se apresenta estatisticamente significativa. Mais relevante ainda, face aos objetivos do presente artigo, é que os alunos de 12 anos suplantam a realização, de forma estatisticamente significativa (diferença de médias = -1,136, p < 0,05), dos alunos de 16 anos, tornando bastante instável a associação entre idade e níveis de desempenho nesta prova. Na prova RV, observam-se que as médias mais baixas ocorrem no grupo de 16 anos em comparação com o grupo de alunos de 12 anos (diferença de médias = -1,395, p < 0,05), 13 anos (diferença de médias = -1,683, p < 0,01) e 14 anos (diferença de médias = -2,118, p < .001). Este último agrupamento também se diferencia do grupo de alunos de 15 anos (diferença de médias = 0,944, p < .05). Na prova RM os valores obtidos indicam diferenças estatisticamente significativas quando se compara quer o grupo dos alunos mais novos com todos os outros agrupamentos (13 anos: diferença de médias = -0,934, p < 0,01; 14 anos: diferença de médias = -1,671, p < 0,001; 15 anos: diferença de médias = -1,716, p < 0,001; ?16 anos: diferença de médias = -1,510, p < 0,01), quer o grupo de 13 anos com o de 14 anos (diferença de médias = -0,738, p < 0,01) e o de 15 anos (diferença de médias = -0,782, p < .05). Em todas estas situações envolvendo a prova RM as diferenças são favoráveis aos alunos mais velhos. Na prova RN as diferenças só alcançaram significação estatística entre o grupo de 14 anos e o de 16 anos (diferença de médias = 1,186, p < 0,05), sendo favorável aos alunos mais novos. Finalmente, na nota Global a média mais alta ocorre no grupo de 14 anos em comparação com as idades extremas (12 anos: diferença de médias = -0,755, p < 0,01; e 16 anos: diferença de médias = 1,210, p < 0,01), suplantando os alunos de 14 anos quer os colegas de 12 anos quer de 16 anos.

 

 

Complementarmente a estas análises multivariadas, na Tabela 3 apresentamos uma análise da regressão (procedimento stepwise), avaliando o impacto das variáveis idade e série escolar na variância do rendimento na nota global da BPR7/9.

Conforme podemos observar na Tabela 3, as duas variáveis independentes entram no modelo explicativo do rendimento na nota global da BPR7/9 de uma maneira similar, explicando em ambos os casos cerca de 7% da variância. Contudo, e apesar da semelhança nas percentagens de variância explicada por ambas as variáveis, é importante salientar que, por um lado, a série escolar entra no modelo em primeiro lugar na explicação do rendimento cognitivo, e, por outro, devemos ter em conta o sinal negativo dos coeficientes beta referentes à idade, e que já atrás aludimos referindo que o seu efeito não é linear. Assim, tendencialmente as médias sobem na passagem dos 12 para os 14 anos, mas descem quando passamos dos 14 para os 16 anos. Esta oscilação prejudica tomarmos o impacto da idade sem considerarmos a série escolar dos alunos, pois é certo que alunos mais velhos acabam por ser alunos repetentes e, como tal, tendencialmente com piores desempenhos nas provas cognitivas.

 

 

Discussão e Conclusões

Centrando-nos na questão central deste artigo sobre o sentido das escalas e testes de inteligência continuarem a recorrer à idade e não à escolaridade na fixação das normas de interpretação dos resultados, podemos afirmar que os resultados obtidos apontam um efeito mais significativo da série escolar na diferenciação dos desempenhos conforme hipotetizado inicialmente. De fato, seja no resultado combinando as cinco provas, seja em cada uma delas separadamente, os valores obtidos de F sugerem um maior impacto da série escolar face à idade na diferenciação cognitiva dos alunos. Por outro lado, as oscilações nas médias dos resultados parece mais coerente tomando o escalonamento dos alunos por série escolar sucessiva do que por idades. Com efeito, em várias provas os alunos mais velhos apresentam piores desempenhos (sobretudo a partir dos 14 anos), o que compromete a uma relação direta positiva da idade com o desempenho nas provas cognitivas sem considerarmos a série escolar em que se encontram. Resultados similares foram encontrados por Primi, Couto, Almeida e Guisande (2008) em alunos brasileiros.

Numa pequena amplitude de anos de escolaridade os alunos mais velhos tendem a ser alunos repetentes sendo certo que a reprovação escolar se pode encontrar relacionada com a as suas habilidades cognitivas e vice versa com a pouca permeabilidade à estimulação escolar. Por um lado o desenvolvimento cognitivo mais lento pode ter dificultado os processos de aprendizagem sobretudo de conteúdos mais abstratos e complexos dependentes da inteligência fluida (Phelps, e cols 2005 Primi & Almeida, 2002, Primi, 2002b, Primi, 2003). Por outro lado os alunos repetentes por diversos motivos podem ter estado pouco permeáveis às estimulações escolares comprometendo seu desenvolvimento cognitivo e escolar em termos de desempenho acadêmico (McGrew & Evans, 2002; Cliffordson, & Gustafsson, 2008; Stelzl e cols 1995)

Assim sendo, estando nos nossos dias generalizada a frequência da escola até ao final da adolescência e havendo hoje maior sensibilidade por parte dos psicólogos ao desenvolvimento da habilidade cognitiva dos sujeitos, poderá fazer mais sentido tomar uma variável mais diretamente relacionada com o processo de estimulação formal, experiência dos sujeitos e aprendizagem na fixação das normas de interpretação dos desempenhos individuais. Reconhecendo uma relativa influência da escolarização (Stelzl e cols 1995; Cliffordson, & Gustafsson, 2008) em particular e da experiência cultural em geral nas habilidades cognitivas parece-nos mais justo utilizar parâmetros que sejam fixados a partir da escolaridade implicando na comparação normativa de um aluno com seus pares em condições similares de estimulação formal para a estimação do nível habilidade cognitiva.

Talvez a partir do início da adolescência, face à escolarização, a idade perca alguma da sua importância relativa, situação que tendencialmente se reforça em idades mais avançadas (aliás nalgumas escalas e testes de inteligência se agrupam numa idade adulta os sujeitos com idades superiores a 16 ou a 18 anos). Julgamos ainda que a própria série escolar, na medida em que reflete o grau de aprendizagem e educação formal, pode perder tendencialmente, com o passar dos anos, também a sua importância pois sabemos que, ao contrário de alguns anos atrás, os sistemas educativos têm introduzido mecanismos que diminuem de forma muito substancial as retenções escolares. Mesmo assim, sendo as taxas de retenção escolar em Portugal na ordem dos 10-15% dos alunos, parece-nos que, melhor que a idade, a série escolar garante maior coerência interpretativa na análise individual dos desempenhos face a normas de grupo.

 

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Endereço para correspondência
Universidade São Francisco
Rua Alexandre Rodruigues Barbosa, 45 - CEP 13251-900, Itatiba-SP
E-mail: rprimi@uol.com.br

Recebido em Fevereiro de 2008
Reformulado em Maio de 2008
Aceito em Junho de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Leandro S. Almeida: Doutor em Psicologia, Psicologia da Educação. Professor catedrático no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. E-mail: leandro@iep.uminho.pt
** Gina Lemos: Doutora em Psicologia, Departamento de Psicologia, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Portugal.
*** M. Adelina Guisande: Doutora em Psicologia Evolutiva e da Educação, Universidade de Santiago de Compostela. Atualmente é investigadora Isidro Parga Pondal (Xunta de Galicia, Espanha) na Universidade de Santiago de Compostela. E-mail: peade@usc.es
**** Ricardo Primi: Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. Coordenador do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE). Professor do Mestrado e Doutorado em Avaliação Psicológica da Universidade São Francisco.

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