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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. v.7 n.2 Porto Alegre ago. 2008
ARTIGOS
Avaliação da consciência da morfologia derivacional: fidedignidade e validade
Morfological awareness evaluation: Reliability and validity
Márcia Elia da Mota *; Rhaisa Gontijo **; Stella Mansur-Lisboa ***; Rafaela Olive ***; Danielle Silva ***; Jaqueline Dias ***; Nádia Delgado ***; Ricardo Kamisaki ***
Universidade Federal de Juiz de Fora
RESUMO
Estudos recentes mostram que a habilidade de refletir sobre os morfemas que compõem as palavras está associada ao sucesso no reconhecimento e compreensão de palavras, na leitura, e na escrita. Porém, a qualidade das tarefas empregadas para avaliar a consciência morfológica raramente é avaliada. Esse estudo teve como objetivo avaliar a qualidade psicométrica de seis tarefas utilizadas para medir a consciência morfológica de crianças no português do Brasil. Adotou-se o método das metades e da consistência interna (alfa de Cronbach). Este coeficiente indica a consistência interna do teste, ou seja, quanto menos variabilidade um mesmo item produz, menos erros ele provoca, indicando assim a precisão do teste. A amostra do estudo constituiu de setenta e uma crianças, sendo 29 crianças alunas do 3º período (classe de alfabetização), 19 crianças alunas da 1ª série e 23 da 2ª série do ensino fundamental. Os resultados mostram que três das tarefas apresentam bons critérios de fidedignidade. Essas tarefas também apresentaram correlações positivas e significativas entre si, sugerindo que apresentam boa validade.
Palavras-chave: Consciência morfológica, Avaliação metalingüística, Desenvolvimento metalingüístico.
ABSTRACT
Recent studies show that the ability to reflect upon the morphemes is related to the success on recognizing and comprehend words, reading comprehension and spelling. However, the quality of the tasks used to evaluate morphological awareness is seldom tested. This study had the objective of evaluate the psicometric quality of six tasks that are used to measure morphological awareness in Brazilian Portuguese. The method of the halves and internal consistency (alpha Cronbach) were adopted. This coefficient gives the internal consistency of the items of the task, the less variability a item shows, the less erros it produces, indicating task consistency. The participants in this study were 71 children, 29 were from first grade (literacy class), 19 from second grade e 23 from third grade of Primary School. The results show that three of the task had good reliability scores. These same tests presented positive statistic significant coefficients of correlation, suggesting that they had good validity.
Keywords: Morphological awareness, Metalinguistic evaluation, Metalinguistic development.
Introdução
Nos últimos 30 anos as pesquisas na área de alfabetização se voltaram para o papel que as habilidades metalingüísticas exercem como facilitadoras da aquisição da língua escrita. Dentre as habilidades metalingüísticas a melhor investigada é a consciência fonológica (Barrera & Maluf, 2003; Bradley & Bryant, 1985; Capovilla & Capovilla, 2000; Cardoso-Martins, 1997; Guimarães, 2003; Plaza & Cohen, 2004; Rego & Bryant, 1993; Tunmer, 1990). Contudo, recentemente as atenções têm sido voltadas para o desenvolvimento de outra habilidade metalingüística: a consciência morfológica. A consciência morfológica está associada ao sucesso na leitura, escrita e no reconhecimento de palavras (Carlisle, 1988, 1995, 1996, 2000; Deacon & Kirby, 2004; Nagy, Abbot & Berninger, 2006)
Consciência morfológica é a habilidade de refletir sobre os morfemas que compõem a fala (Carlisle, 1995). Morfemas são as menores unidades de significado de uma palavra. Tanto a consciência morfológica quanto a consciência fonológica podem contribuir para a alfabetização porque a escrita combina dois tipos de princípios: o princípio fonográfico e o semiográfico. O primeiro envolve estabelecer como unidades gráficas, os grafemas ou letras, correspondem aos sons que compõem a fala. Essa correspondência pode ser ao nível dos fonemas ou sílabas. O segundo princípio, o semiográfico, envolve estabelecer como os grafemas representam significados (Marec-Breton & Gombert, 2004). O processamento morfológico está mais fortemente associado ao princípio semiográfico, ao passo que o processamento fonológico está mais fortemente associado ao princípio fonográfico.
A avaliação da consciência morfológica se torna então uma questão teórica-metodológica importante. Se pudermos mostrar, como foi feito com a consciência fonológica, uma relação causal entre essa habilidade e a alfabetização, pode se pensar que práticas de ensino que desenvolvam essa habilidade podem ajudar as crianças com dificuldade na aquisição da leitura escrita. Além, disso do ponto de vista clínico precisaríamos investigar se um déficit no processamento morfológico seria uma das causas das dificuldades específicas de leitura e escrita.
Todavia, ao falarmos de consciência morfológica não estamos falando de um conceito unitário. Existem duas grandes classes de morfemas, as raízes e os afixos. A raiz pode ser definida como o núcleo mínimo de uma construção morfológica. Os afixos podem ser de dois tipos: prefixos ou sufixos. Os morfemas também podem ser classificados como flexões que, determinam o gênero e número das palavras; e o gênero, número e o tempo dos verbos, e as derivações, que por sua vez, podem ser prefixos (ex., "refazer") ou sufixos (ex., "leiteiro"), e têm a função de formar novas palavras (Laroca, 2005).
As flexões têm um caráter morfossintático e possuem uma estabilidade semântica, ao passo que as derivações tratam da estrutura das palavras, neste caso pode haver extensões do sentido destas palavras (Laroca, 2005). Morfologia derivacional se refere à formação das palavras a partir de processos que envolvem as derivações. Morfologia flexional se refere aos processos de formação de palavras que envolvem as flexões.
Existe alguma evidência de que as crianças reagem diferentemente à morfologia derivacional e a flexional (Carlisle, 1995). Por exemplo, Deacon e Bryant (2005) deram a crianças de cinco a oito anos de idade um teste, no qual as crianças tinham que escrever palavras com um morfema e palavras com dois morfemas. Metade das palavras de dois morfemas era de palavras derivadas e a outra metade eram palavras flexionadas. As palavras tinham o mesmo som final. Os resultados deste estudo mostraram que as crianças escreviam corretamente os sons finais das palavras mais vezes quando eram morfemas do que quando não eram, mas a análise do tipo de morfema escrito mostrou que este resultado era verdadeiro apenas para as flexões.
Os autores concluíram que a diferença encontrada na escrita dos dois tipos de morfemas possivelmente ocorria, porque no caso da morfologia derivacional, há uma mudança na classe gramatical das palavras morfologicamente complexas, o que não ocorre com a morfologia flexional. Assim, seria mais fácil para as crianças entender as relações morfêmicas nas flexões do que nas derivações. Por exemplo, as palavras "marcar" e "marcaram" são ambas verbos. Porém, palavras como "belo" (adjetivo) e "beleza" (substantivo) tem funções diferentes na frase.
No caso da morfologia derivacional, não há regras claras de como formar as palavras; no entanto, conhecer a relação entre a raiz e a palavra derivada pode ajudar o leitor a compreender o significado da palavra e saber como pronunciá-la, e ao escritor decidir sobre grafias ambíguas. Assim, a palavra "laranjeira" é escrita com "j" e não "g" porque vem da palavra "laranja", informação que o escritor pode utilizar. O leitor pode se beneficiar também, pois pode inferir que a palavra significa a "árvore que dá a laranja" (Luft, 1999).
Alguns autores argumentam que o processamento da morfologia derivacional começa tarde no desenvolvimento. No estudo de Deacon e Bryant (2005) as crianças estavam no início da alfabetização. Colé, Marec-Breton, Royer e Gombert (2003) estudaram a relação entre o processamento da morfologia derivacional e a escrita no francês. Os resultados de Colé et al. (2003) mostraram que desde os estágios iniciais da alfabetização a morfologia derivacional contribui para a leitura. Os autores deram a crianças nos anos iniciais da aprendizagem da leitura, tinham que ler quatro grupos de palavras: palavras morfologicamente complexas (ex., ' banheiro' - 'banho'+'eiro'); palavras com seqüência de letras semelhante, mas morfologicamente simples (ex., 'dinheiro'); pseudopalavras morfologicamente complexas (ex., 'ninheiro' - 'ninho'+'eiro'); pseudopalavras não sufixadas (ex., 'binheiro').
Apesar das palavras no estudo de Colé e cols (2003) terem as mesmas características fonológicas e número de letras, as crianças cometeram menos erros lendo as palavras morfologicamente complexas do que as palavras simples. Estes resultados indicam um efeito facilitador da estrutura morfológica no reconhecimento de palavras, mesmo quando os morfemas poderiam ser lidos pela aplicação de regras de correspondência letra-som.
No Português os estudos sobre esse assunto são mais escassos e não costumam focar a morfologia derivacional especificamente. Correa (2004; 2005), por exemplo, apresentou uma boa revisão da literatura sobre as tarefas que avaliam o desenvolvimento da morfossintaxe. A questão da separação dos aspectos morfológicos dos aspectos sintáticos em tarefas que avaliam a habilidade de refletir sobre a morfologia da língua é levantada pela autora. O processamento da morfologia flexional envolve o processamento sintático e de certa forma o semântico o que torna difícil separar esses dois aspectos (Correa, 2005; Gombert, 1992; Mota, 1996).
A princípio pode-se pensar que o processamento da morfologia derivacional incorreria no processamento semântico, com pouca influência da sintaxe. Assim, os problemas metodológicos já citados não seriam pertinentes à exploração da consciência da morfologia derivacional. Porém, Correa (no prelo) argumenta que a divisão entre morfologia derivacional e flexional é didática, pois em ambos os casos aspectos sintáticos estão em jogo. Por exemplo, quando uma palavra muda de classe gramatical, no caso já apresentado acima "belo" e "beleza", há mudanças sintáticas.
Não está no escopo desse trabalho investigar essa questão. Nosso ponto de partida é os estudos, já citados, que investigaram o desenvolvimento da consciência da morfologia derivacional e flexional. Esses estudos mostram que esses dois tipos de morfema parecem ser processados de forma diferente pelas crianças. De forma que resolvemos focar em um aspecto somente: as tarefas apresentadas nesse trabalho foram delineadas para avaliar o desenvolvimento da morfologia derivacional especificamente.
O objetivo principal desse estudo é enfrentar o problema freqüente com os estudos que investigam as habilidades metalingüísticas: o de que não é feita uma avaliação das características psicométricas das tarefas utilizadas. Lacuna que tentamos responder nesse estudo. Este coeficiente indica a consistência interna do teste, ou seja, quanto menos variabilidade um mesmo item produz, menos erros ele provoca, indicando assim a precisão do teste. Testes com baixa consistência interna podem trazer resultados não confiáveis. Seis tarefas adaptadas para avaliação da consciência da morfológica derivacional no português do Brasil, utilizadas no estudo de Mota e cols. (em preparação), foram avaliadas quanto à fidedignidade dos itens e a validade das tarefas.
Método
Participantes
A amostra do estudo constituiu de setenta e uma crianças, sendo 29 crianças alunas do 3º período (classe de alfabetização), 19 crianças alunas da 1ª série e 23 da 2ª série do ensino fundamental de escolas particulares, situadas na região urbana de Juiz de Fora. A média de idade das crianças foi de 77 meses (d.p 77,1) para o 3º período, 87 meses (d.p 3,9) para 1ª série, e 98 meses (d.p 4,5) para 2ª série. Todas as crianças matriculadas nas três séries foram convidadas a participar da pesquisa através de uma carta convite. A inclusão da criança no estudo dependeu da autorização do responsável através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos
1) Tarefas de consciência morfológica
A) Tarefas de Decisão Morfo-Semântica - raiz (uma variação de Besse, Vidigal de Paula & Gombert, 2005 em comunicação pessoal). Inicialmente delineada para crianças mais velhas do que as que participaram deste estudo, o que levou à necessidade de simplificar a tarefa original. Assim, foi criada uma variação da mesma visando investigar o conhecimento da raiz das palavras, visto que a criança tinha que decidir qual palavra era da mesma família que a palavra alvo. Utilizamos o termo variação e não adaptação, pois se tratou de uma modificação da tarefa e não uma adaptação da mesma para o contexto deste estudo.
Os pares de palavra foram escolhidos em razão do número de letras e da freqüência de ocorrência na escrita, todas elas extraídas da tabela para primeira série proposta por Pinheiro (1996). Como não há índices de familiaridade para o português as palavras foram pareadas por freqüência para garantir minimamente um equilíbrio na familiaridade das palavras. A lista de palavras consistia de dez grupos de três palavras envolvendo prefixos (Ex: Tornar - Retorna - Resolve) e dez grupos de palavra envolvendo sufixos (Ex. Pinta - Tambor - Pintor). As crianças poderiam obter um total de 10 pontos nessa análise.
B) Tarefa de Decisão Morfo-semântica (Besse & cols., 2005)
Nesta tarefa a criança tinha que decidir se uma palavra era construída da mesma forma que as outras. A lista de palavras consistia de 12 grupos de três palavras envolvendo prefixos (Ex. Cansar - Descanso - Desmaio) e 12 grupos de palavra envolvendo sufixos (Ex. Leite - Ligeira - Leiteira). As crianças poderiam ter um total de 12 pontos nessa tarefa.
C) Tarefa de Associação Morfo-Semântica (Nagy, Berninger & Abbot, 2006).
Nesta tarefa a criança tinha que decidir se duas palavras eram da mesma família ou de famílias diferentes. Onze pares de palavras foram criados, seis pares pertenciam à mesma família (Ex. banho-banheiro) e cinco eram de famílias diferentes (Ex. chique-chiqueiro). Todas as palavras partilhavam do mesmo som inicial, de maneira que diferenças no desempenho não poderiam ser atribuídas à semelhança fonológica, mas ao conhecimento da relação morfo-semântica das palavras. As crianças podiam ter um total de onze pontos.
2) Tarefa de Analogia Gramatical (adaptada de Nunes, Bindman & Bryant, 1997)
A tarefa inicial de Nunes, Bindman e Byant (1997) foi adaptada, considerando a especificidade da morfologia derivacional do português. Sob essa perspectiva, foram criados dez itens, a partir dos quais a criança devia produzir uma palavra morfologicamente complexa a partir de uma palavra alvo, aplicando a mesma relação de derivação de um par previamente dado. O total de pontos possíveis era 10.
Procedimento
As crianças foram avaliadas individualmente em três sessões de 20 a 30 minutos. Nas Tarefas de Decisão Morfo-semântica - raiz (uma variação de Besse, Vidigal de Paula & Gombert, em comunicação pessoal) era dada a seguinte instrução: "algumas palavrinhas são da mesma família do que outras. Por exemplo, a palavra 'conta' e a palavra ´reconta' são da mesma família. Já a palavra ´bola' e ´rebola` não são da mesma família. Eu vou falar para você uma palavra e depois vou falar mais outras duas e você vai me dizer qual das duas é da mesma família da primeira". Por fim, realizava-se um exemplo com a criança: "a palavra 'gela' é da mesma família que ´congela` ou ´conversa'?" Caso a criança errasse, explicava-se a forma correta, e se acertasse iniciava-se a tarefa. Depois do exemplo, iniciava-se a aplicação da tarefa, mesmo que a criança não conseguisse acertá-lo.
A seguir, aplicava-se a Tarefa de Decisão Morfo-semântica (Besse, Vidigal de Paula & Gombert, em comunicação pessoal), dando-se a seguinte explicação à criança: "em português há palavras que são da mesma família, como, por exemplo, ´descobrir' e ´cobrir', ou seja, ´descobrir' vem de ´cobrir'. Acrescenta-se uma pequena coisa no início para fazer uma outra palavra. Outro exemplo é o caso de ´desfazer' e ´fazer', onde acrescenta o ´des' no início de ´fazer'. Porém, há palavras que também se iniciam por "des", mas não vem de outra palavra. Depois dessas considerações, voltava-se a pedir para a criança "então qual a palavrinha que é feita da mesma maneira que ´descobrir`? É ´deslizar` ou é ´desfazer`?". Se a criança respondesse corretamente, iniciava-se a tarefa; do contrário, oferecia-se a forma correta explicando a razão. Depois do exemplo iniciava-se a aplicação da tarefa mesmo que a criança não conseguisse acertá-lo.
Ainda na mesma sessão era aplicada a Tarefa de Associação Morfo-Semântica (Nagy, Berninger & Abbot, 2006) fornecendo-se a seguinte explicação: "a palavra ´bola` e a palavra ´bolinha` são da mesma família. Já a palavra ´bolo` e ´bolinha` não". Depois, um exemplo era feito junto com a criança: "a palavra bola é da mesma família que boleiro?". Respondendo de maneira esperada, começava-se a atividade e caso a resposta estivesse incorreta, dizia-se a palavra correta e apresentava-se novamente a explicação do exemplo. Também neste caso, depois do exemplo, iniciava-se a testagem, mesmo que a criança não obtivesse nenhum acerto.
Por último, aplicava-se a Tarefa de Analogia Gramatical (adaptada de Nunes, Bindman & Bryant, 1997) com a instrução de que muitas palavras poderiam ser relacionadas. A aplicadora apresentava um par de palavras relacionadas e pedia à criança que depois de ouvir uma palavra que ela criasse uma outra palavra relacionada como no exemplo. A tarefa era iniciada sempre pelo exemplo: "pedra-pedreiro; leite- ?" e assim, sucessivamente, eram pronunciadas as demais palavras-alvo.
Resultados
Os coeficientes de fidedignidade foram avaliados utilizando dois critérios para cada teste: alpha de Cronbach e o método das metades. Para a tarefa de decisão morfo-semântica os coeficientes foram: alfa de Cronbach = 0,40, para os prefixos e para os sufixos alfa de Cronbach = 0,56. Aplicando o método das metades os coeficientes foram: Guttman = 0,5 e Spearman-Brown = 0,5 para os prefixos; e Guttman = 0,57 e Spearman-Brown = 0,57 para os sufixos. Nesta tarefa, os coeficientes indicam uma média fidedignidade. Necessitando alterar ou substituir alguns itens. Todos os índices obtidos nesta tarefa estão abaixo do mínimo desejável, conforme proposto por Pasquali (1999), que é de 0,70.
Para a tarefa de decisão morfo-semântica com a raiz os coeficientes foram: alfa de Cronbach = 0,71, Guttman = 0,75 e Spearman-Brown = 0,75 para os prefixos, e alfa de Cronbach = 0,71, Guttman = 0,73 e Spearman-Brown = 0,74 para os sufixos. Assim, nesta tarefa, os índices de fidedignidade são bons, indicando a aprovação dos itens.
A tarefa de associação morfo-semântica produziu um valor de alfa de Cronbach = 0,38, Spearman-Brown = 0,51 e Guttman = .0,50. Esses coeficientes são baixos indicando a necessidade de rever os itens.
Para tarefa de analogia o coeficiente alpha de Cronbach foi 0,64, Speramn-Brown = 0,69 e Guttman = 0,69, indicando bons índices de fidedignidade e a aprovação dos itens. Todos os índices obtidos nesta tarefa estão abaixo do mínimo desejável, conforme proposto por Pasquali (1999), que é de 0,70. Porém como os valores se aproximam de 0,70, essa tarefa também pode ser considerada validada.
Validade
Uma maneira de se medir a validade de uma tarefa que mede um construto é verificar as correlações entre essa nova tarefa e outras tarefas que meçam o mesmo construto (Howell, 1998; Pasquali, 1999). Entendemos que a simples análise de correlação entre os sub-testes de uma prova não é indicador de evidência de validade. Porém, correlações de Spearman foram realizadas entre as seis tarefas que mediram a consciência morfológica nesse estudo para se explorar a associação entre os testes. As três tarefas que obtiveram índices de fidedignidade mais altos: decisão morfo-semântica baseada na raiz itens prefixados e a de itens sufixados e a tarefa de analogia gramatical correlacionaram de forma significativa e positiva entre si. A Tabela 1 mostra os coeficientes de correlação para essas tarefas.
A tarefa de associação morfo-semântica também correlacionou de forma significativa e positiva com a tarefa de analogia (r = 0,3, p < 0,01 ) e com a decisão morfo-semântica baseada na raiz itens sufixados (r = 0,26; p < 0,05).
A tarefa de decisão morfo-semântica de Besse, Vidigal de Paula e Gombert (comunicação pessoal, 2005) baseada no prefixo apresentou correlações negativas e estatisticamente significativas com a raiz prefixo (r = -0,26; p < 0,05) e com a associação morfo-semântica (r = -0,26; p < 0,05), e a tarefa de decisão morfo-semântica de Besse, Vidigal de Paula e Gombert focada nos sufixos correlações negativas e significativas estatisticamente com a tarefa de associação morfo-semântica baseada na raiz prefixo (r = -0,36; p < 0,05) e com a raiz sufixo (r = -0,28; p< 0,05 ). Correlações significativas e negativas também foram encontradas entre a tarefa de decisão morfo-semântica com itens prefixados de Besse, Vidigal de Paula e Gombert e a decisão morfo-semântica baseada na raiz com itens prefixados (r = 0,24; p < 0,05). De um modo geral as correlações entre as variáveis são consideradas fracas (abaixo de 0,40).
Discussão
Segundo Baptista e Dias (2007), as qualidades psicométricas dos testes devem ser sempre avaliadas. Quanto mais informações sobre tais propriedades, maior será a credibilidade dos mesmos. Os estudos que investigam as habilidades metalingüísticas dificilmente avaliam as características psicométricas das tarefas utilizadas, o que pode ser considerado como uma fraqueza desse tipo de estudo.
No presente trabalho, avaliamos a fidedignidade de seis tarefas de consciência morfológica utilizando os métodos de consistência interna (alfa de Cronbach) e das metades (Guttman e Spearman-Browm). Os resultados mostram que três dos seis testes (analogia gramatical, decisão morfo-semântica com base na raiz itens sufixados e com itens prefixados) apresentam coeficientes maiores de 0.6. Esses resultados indicam que essas tarefas apresentam boa consistência interna.
Os resultados que apresentam consistência interna menor que 0,6 necessitam serem revistos. Este é o caso particular da tarefa de decisão morfo-semântica criada por Besse, Vidigal de Paula e Gombert (em comunicação privada, 2005) e de associação morfo-semântica que apresentaram índices de fidedignidade médios e baixos. Itens dessa tarefa precisam ser alterados, substituídos ou mesmo eliminados, pois não tem fidedignidade. Estudos futuros devem ter como objetivo ajustar essas medidas, uma vez que do ponto de vista da avaliação da consciência morfológica essas tarefas parecem uma interessante forma de avaliar um conhecimento explícito sobre os morfemas e a construções das palavras no português.
As tarefas de Besse, Vidigal de Paula (2005, em comunicação particular) apresentaram correlações negativas e significativas com algumas das outras medidas de consciência morfológica avaliadas. Estes resultados são inesperados e não podemos explicá-los.
Segundo Pasquali (1999 ) o número de itens para avaliação da consistência interna das tarefas deve ser idealmente de cerca de 20. Porém, para o autor dependendo do construto sendo estudado este número pode chegar a meia dúzia. No caso das tarefas apresentadas nesse estudo o número de itens variou entre 10 e 12 por tarefa. Considerando a natureza do construto sendo avaliado, e que a idade para quem se destinam essas tarefas não permitiria a utilização de testes muito longos, consideramos o número de itens nas tarefas adequados.
De um modo geral as tarefas que apresentaram maior índice de fidedignidade apresentaram correlações positivas e significativas. Porém, apenas correlações simples foram realizadas e de um modo geral a magnitude das correlações encontradas foram fracas. Não sendo possível que se faça afirmações sobre a validade das tarefas. Além disso, uma outra limitação desse estudo foi o de que por ser pequena a amostra não permitiu a utilização de outras análises estatísticas que pudessem investigar a validade dos testes.
Em conclusão as tarefas de decisão morfo-semântica com base na raiz, tanto a dos itens prefixados quanto a dos itens prefixados, e a tarefa de analogia apresentam boas qualidades psicométricas relacionadas aos tipos de fidedignidade estudados. Embora os resultados não tenham sido tão claros quanto à tarefa de associação morfo-semântica, essas quatro tarefas parecem ser adequadas para avaliação da consciência morfológica em crianças do ensino fundamental.
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Endereço para correspondência
E-mail: mmotapsi@terra.com.br
Recebido em Setembro de 2007
Reformulado em Fevereiro de 2008
Aceito em Abril de 2008
Sobre os autores:
* Márcia Elia da Mota: professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutora em psicologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra), e mestre em Métodos de Pesquisa em Psicologia pela Universidade de Reading (Inglaterra).
** Ricardo Kamizaki: professor adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor e mestre em Psicobiologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
*** Rhaisa Gontijo, Stella Mansur-Lisboa, Rafaela Olive, Danielle Silva, Jaqueline Dias, Nádia Delgado: bolsistas de Iniciação Científica do projeto "Consciência Morfológica e Alfabetização: Um Estudo Longitudinal", do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Juiz de Fora.