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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.7 n.3 Porto Alegre dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Metodologia observacional para o estudo do brincar na escola

 

Observational metodology to study the play in the school

 

 

Sheila Tatiana Duarte Cordazzo*; Josielly Pinheiro Westphal**; Fernanda Balem Tagliari***; Mauro Luis Vieira****; Ana Maria Faraco de Oliveira*****

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Um protocolo de observação, para registrar o comportamento das crianças durante as brincadeiras, é uma ferramenta de trabalho que pode ser utilizada pelos profissionais da saúde e da educação. O objetivo desta pesquisa é apresentar os passos da construção de uma metodologia observacional para coletar dados de crianças brincando no ambiente escolar. Doze crianças de uma turma do terceiro ano do ensino fundamental participaram da pesquisa. Os resultados auxiliaram na construção de uma metodologia observacional que incluiu a elaboração de um protocolo para orientar os procedimentos dos pesquisadores. Os passos para a elaboração do protocolo envolveram aspectos éticos, com termos de consentimento livre e esclarecido e aprovação de comitê de ética, e metodológicos, com elaboração de procedimentos, busca teórica e definição de categorias. As conclusões apontam que a utilização de um adequado protocolo de observação facilita na codificação dos comportamentos observados conduzindo os pesquisadores a uma discussão mais fidedigna dos resultados.

Palavras-chave: Método, Observação, Brincar.


ABSTRACT

An observation protocol to register the behaviour of children during playtime is a work tool that can be used for health and education professionals. The goal of this paper is to show the steps towards the building of an observational method for collecting data of children playing in the school environment. Twelve children in a class of the third year of basic education participated in this study. The results helped to establish an observational method that demanded the elaboration of a protocol to guide the researchers' procedures. The steps towards the protocol development involved ethical issues, such as free informed term of consent and ethics committee approval, as well as methodological issues, such as elaboration of procedures, theoretical search and definition of categories. The conclusions indicate that the codification of the observed behaviours can be facilitated if using a suitable protocol for the observation, leading the researchers to a more trustworthy results discussion.

Keywords: Method, Observation, Play.


 

 

Introdução

A observação de crianças em situação de brincadeiras livres requer planejamento e sistematização. O planejamento faz-se necessário para definir os comportamentos que serão observados e para prever as possíveis situações dúbias que possam surgir no decorrer da observação. A sistematização auxilia na organização do procedimento, desde a construção de um protocolo de observação até o registro realizado no trabalho de campo.

Todo trabalho em que se utiliza a observação como um instrumento de coleta de dados, seja de pesquisa ou de aplicação, requer do pesquisador uma série de decisões. Deve-se definir quem e o que será observado, onde será feita a coleta dos dados, a freqüência das observações, como serão registrados os dados, etc. Todas estas decisões, embora possam parecer escolhas arbitrárias do observador, são feitas com base em critérios pré-estabelecidos, sendo o objetivo do estudo, ou melhor, o problema a ser investigado o principal critério por ele utilizado (Danna & Matos, 2006).

A observação é um exame minucioso e atento sobre um fenômeno ou parte dele e torna-se uma técnica científica à medida que serve a um objetivo formulado de pesquisa, é sistematicamente planejada, registrada e ligada a proposições gerais (Richardson, 1999). Batista (1996) afirma que pesquisa observacional direta é somente aquela em que o fenômeno é observado sem o auxílio de instrumentos ou de contato físico com o organismo estudado. Cole e Cole (2004) concluíram que os estudos de observação são um marco na pesquisa em crianças e uma fonte fundamental de informações sobre o desenvolvimento infantil.

Uma maneira de reunir informações objetivas sobre as crianças é estudá-las em seu ambiente natural, ou seja, através de observações naturalísticas. Estas observações naturalísticas podem ser contingenciadas a um único contexto ou podem ser empregadas para reunir dados de vários ambientes. Esse último tipo de estratégia de observação é freqüentemente usada para estudar a ecologia de uma criança. As observações naturalísticas permitem o acesso a características do comportamento e de seus fatores determinantes, que de outro modo, seriam impossíveis de serem obtidos (Dessen & Murta, 1997). Além disso, a situação natural, ou de campo, permite o estudo de comportamentos que, por questões éticas, não podem ser produzidos em laboratório (Pepler & Craig, 1995).

Os estudos observacionais fundamentam a possibilidade de descrição e compreensão do funcionamento do espaço natural, além da identificação de comportamentos que podem ser categorizados, revelando detalhes da interação pessoa-ambiente (Pellegrini, 1996). Porém, é preciso considerar que o efeito intrusivo do pesquisador pode enviesar este tipo de pesquisa, além de não ter como controlar todos os comportamentos observados, comprometendo a validade interna de um estudo (Dessen & Murta, 1997). Cole e Cole (2004) afirmam que o principal problema da observação naturalística é o fato de ela raramente permitir aos pesquisadores estabelecer a existência de relações causais entre os fenômenos, uma vez que nem todas as variáveis podem ser isoladas no ambiente natural do objeto de estudo. Contudo, essa desvantagem não compromete os trabalhos e estudos em que a observação naturalística é pautada por um suporte teórico e metodológico.

Este artigo objetiva apresentar os passos da construção de uma metodologia observacional para coletar dados de crianças brincando no ambiente escolar. A construção dessa metodologia observacional resulta em um protocolo de observação que auxilia os pesquisadores na codificação e no registro dos comportamentos. O protocolo resultante deste trabalho visa auxiliar, especificamente, na observação de crianças em situação de brincadeiras livres no ambiente escolar. A metodologia observacional aqui proposta pode auxiliar também na observação de outros fenômenos relacionados ao desenvolvimento infantil.

Foi realizada uma busca teórica em três bases de dados científicas com o intuito de verificar o que já foi publicado a respeito da construção e sistematização de metodologias observacionais. Foi consultada uma base internacional, a PsycInfo (base de dados on-line da American Psychological Association - APA) e duas bases de dados nacionais, a IndexPsi do Conselho Federal de Psicologia/PUC - Campinas, e a Scielo Brasil. As palavras chaves utilizadas, buscadas no campo referente ao assunto, foram: metodologia observacional e observação. Nas três bases de dados on-line foram encontrados apenas dois artigos que se referiam a construção de uma metodologia observacional. Tal resultado aponta para as lacunas existentes na área e a necessidade de uma maior discussão a respeito do tema, uma vez que, de acordo com Kreppner (2001), a pesquisa observacional, nas últimas décadas, tem adquirido significativa importância nas áreas do desenvolvimento infantil.

O primeiro artigo encontrado nas bases de dados on-line foi o de Biasoli Alves e cols (1999) que traz os passos da criação de uma metodologia para observar crianças em situação de rua. O trabalho de Biasoli Alves e cols (1999) descreve de forma sistematizada e detalhada a organização dos passos para a construção de uma metodologia que conduz os pesquisadores durante um trabalho de observação. Embora o estudo de Biasoli Alves e cols (1999) ser específico para a observação de crianças em situação de rua, seus critérios metodológicos podem ser também utilizados na observação de outras situações e ambientes.

O outro artigo encontrado foi o de Kreppner (2001) que trata da maneira de produzir dados no estudo de interação social. Os dados trazidos por Kreppner (2001) se referem especificamente à construção e escolha de categorias de observação, as diversas formas de elaborar os registros e traz uma discussão sobre as dificuldades e barreiras que os observadores encontram em seus estudos. O trabalho de Kreppner (2001) auxilia pesquisadores nas tomadas de decisões sobre as condições metodológicas a serem utilizadas nas pesquisas observacionais.

Ambos os estudos encontrados trazem ricas informações sobre as escolhas que os pesquisadores devem fazer em seus trabalhos observacionais. Os critérios utilizados por Biasoli Alves e cols (1999) e Kreppner (2001) para a construção de metodologias observacionais são relevantes e auxiliaram também na construção da metodologia aqui proposta.

O brincar na escola

A brincadeira no contexto escolar é uma técnica que auxilia professores e profissionais da psicologia a estimular o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças (Vygotsky, 1991; Bomtempo, 1997; Bichara, 2001; Baptista da Silva, 2003). Com o título de ludoeducação, Dohme (2002) descreve o brincar na escola como uma técnica em que são postos em prática os conceitos do construtivismo e da aprendizagem por meio da participação ativa do aluno de forma divertida e prazerosa. E, de acordo com Queiroz, Maciel e Branco (2006), a brincadeira também favorece o desenvolvimento da autonomia, da criatividade e da responsabilidade das crianças quanto as suas próprias ações. As autoras ainda afirmam a necessidade de os pais e profissionais construírem ambientes que incentivem o brincar, uma vez que a brincadeira influencia positivamente o desenvolvimento infantil e compartilha os significados culturais de uma sociedade.

A brincadeira é uma atividade muito presente na infância e se caracteriza como um dos principais processos em que são desenvolvidas as capacidades e potencialidades da criança. Pelo brincar as crianças testam suas habilidades, exercitam suas potencialidades e lidam com situações de interação social, elaboração de estratégias e resolução de conflitos. Além disso, a brincadeira também é uma relação com a atividade cultural do indivíduo (Brougère, 1998). Carvalho e Pedrosa (2007) afirmam que o grupo de brincadeira é um espaço propício para a transmissão da cultura. Ao brincarem com os conceitos e valores culturais as crianças estão em processo de questionamento e reconstrução da cultura. As escolas que utilizam a brincadeira no contexto escolar indicam que seus educadores entendem as crianças como cidadãs, ou seja, sujeitos históricos e sociopolíticos, que participam e transformam a sociedade em que vivem (Carvalho, Alves & Gomes, 2005).

Os momentos de brincadeiras livres no ambiente escolar fornecem para os professores e profissionais da saúde condições para conhecerem o ritmo de cada criança. As necessidades infantis e os níveis de desenvolvimento de cada indivíduo também são expostos nessas atividades. Queiroz e cols (2006) afirmam que os professores devem proporcionar momentos de brincadeiras livres para seus alunos. As autoras ainda enfatizam a importância de os professores não participarem da brincadeira, mas apenas observarem, pois desta forma irão conhecer melhor as características e peculiaridades de cada criança. Com base em tais afirmações se constata a necessidade de um protocolo que auxilie os professores e profissionais da saúde a observarem as crianças de forma sistematizada, organizada e fidedigna. A construção do protocolo de observação foi baseada em dados fornecidos pela literatura e por um estudo piloto realizado propriamente para este fim.

 

Método

Com o objetivo de buscar os parâmetros para a criação de uma metodologia observacional e a conseqüente formulação de um protocolo de observação, foi realizado um estudo piloto. Os dados fornecidos pelo estudo piloto auxiliaram na construção do protocolo de observação final, nos procedimentos de observação e na categorização dos comportamentos que devem ser observados.

Participantes

Participaram deste estudo 12 crianças (7 meninos e 5 meninas) provenientes de uma escola da rede privada de ensino. A escola está situada no município de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, e atende crianças provenientes de famílias de origem sócio econômica diversificada. As crianças da amostra pertenciam ao terceiro ano do ensino fundamental e foram escolhidas aleatoriamente, por meio de sorteio. A média de idade das crianças no início das observações era de 7,6 anos, com desvio padrão de 0,4 anos.

Instrumentos

Para a realização deste estudo foram disponibilizados, para os participantes, diferentes brinquedos: quebra-cabeça, dominó, blocos de construção, jogo da memória, jogos didáticos, damas, trilha, dominó, jogo de percurso, batalha naval, fantoches, bonecos, bambolê, balões, tiro ao alvo, boliche, iô-iô, corda e piões.

O instrumento utilizado pelos pesquisadores foi um formulário prévio de observações. Neste formulário constavam as categorias iniciais que deveriam ser observadas. As categorias se referiam a: a) os parceiros de brincadeira, b) o brinquedo utilizado e c) o tipo de brincadeira da criança focal observada. Quanto aos parceiros de brincadeira eram observadas características referentes ao número e sexo. Quanto ao brinquedo era registrado se a criança estava utilizando algum no momento da observação e qual era. No que se refere ao tipo de brincadeira, era registrado como a criança estava utilizando o brinquedo, se utilizava a proposta do brinquedo, com as regras e procedimentos de utilização pré-estabelecidas pelo objeto, ou se utilizava outra modalidade de brincadeira, como faz-de-conta e brincadeira turbulenta.

O faz-de-conta foi caracterizado como uma situação imaginária criada pela criança e que poderia envolver a representação de papéis (mamãe, papai, professora, super-herói, bombeiro, etc.). "O faz-de-conta implica a representação de um objeto por outro, a atribuição de novos significados a vários objetos" (Bomtempo, 1996). O brincar turbulento era o tipo de atividade que envolvia pular, correr, saltar, empurrar, puxar, perseguir e/ou lutar. Ocorria quando a criança exibia movimentos bruscos e vigorosos, porém manifestando expressão facial hilariante, ao mesmo tempo, em que o oponente, atacado, não demonstrava nenhuma expressão de ressentimento (Moraes, 2001). No formulário de observação também constava um espaço onde eram registrados outros comportamentos das crianças, diferentes das categorias pré-estabelecidas.

Procedimentos

O primeiro procedimento utilizado foi uma reunião com a coordenação da escola e pais das crianças que seriam observadas. Nesta reunião foi assinado o termo de consentimento livre e esclarecido da escola e dos pais das crianças. O projeto também obteve a aprovação do comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Após a conclusão dos procedimentos éticos foi escolhida a sala onde as crianças brincariam.

A sala escolhida continha medidas aproximadas de 9 metros de comprimento por 6 metros de largura. Os brinquedos eram dispostos em cima de carteiras e estas colocadas ao lado das paredes. O espaço central era livre e as crianças podiam ocupá-lo da forma que quisessem. As crianças eram observadas em sessões de brincadeira livre durante 30 minutos, duas vezes por semana. Foram utilizadas as técnicas de observação do sujeito focal e a do registro do comportamento com amostragem de tempo. Cada criança foi observada durante 10 momentos alternados, de 10 segundos cada, em cada sessão.

 

Resultados

Tomando como referência os dados do estudo piloto e da literatura da área foi construído um protocolo para observar crianças em situação de brincadeira livre. Para a construção de uma metodologia observacional, e posterior elaboração de um protocolo de observação da criança em situação de brincadeira livre, foram considerados aspectos éticos e metodológicos de estudo. Os itens descritos desta parte em diante se encontram no tempo futuro porque representam as indicações e instruções para os procedimentos de observação. O protocolo de observação aqui descrito tem o objetivo de orientar os pesquisadores em suas ações e decisões.

Aspectos éticos

O primeiro critério ético exigido para observar crianças no ambiente escolar deve ser a autorização da escola, e dos pais das crianças alvo do estudo. Para tanto, recomenda-se realizar uma reunião com os profissionais da escola e pais das crianças. Nesta reunião devem ser expostos os objetivos do estudo e todos os procedimentos que serão realizados no decorrer deste. A obtenção de um termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos responsáveis pelas crianças é parte fundamental da pesquisa com seres humanos. Sem a permissão da instituição e dos responsáveis pelas crianças, nenhum procedimento poderá ser realizado. Outra questão ética fundamental para a realização do estudo é a submissão e aprovação do projeto por um Comitê de ética em pesquisa com seres humanos.

Aspectos metodológicos

Quanto aos aspectos metodológicos, devem ser seguidos os seguintes passos: 1) estudo piloto, 2) definição dos procedimentos de observação, 3) tipo de registro e definição do formulário de observação, 4) definição das categorias, 5) teste de confiabilidade.

1) Estudo piloto

A realização de um estudo piloto se faz necessária porque cada amostra estudada contém características que são peculiares ao contexto, cultura e/ou localização histórico-geográfica. Um estudo piloto fornece aos pesquisadores os parâmetros necessários para a observação e prevenção de alguns problemas que poderão surgir nas observações futuras (Kreppner, 2001). Durante o estudo piloto também deve ser realizado o treinamento dos observadores e o teste de concordância entre observadores.

2) Procedimentos de observação

As observações devem ser realizadas na brinquedoteca da escola. Não havendo esse espaço na instituição se sugere que uma sala, com medidas mínimas de 5 x 8 metros, seja previamente preparada com brinquedos. Os brinquedos utilizados pelas crianças devem ser selecionados de acordo com os critérios da ICCP (Michelet, 1998). Para tanto, tendo como critério a idade das crianças, devem ser escolhidas três famílias de brinquedos para a realização do trabalho: brinquedos para atividades físicas; brinquedos para atividades intelectuais; e brinquedos para relações sociais.

O observador presente deve evitar estabelecer contatos com as crianças para que não influencie nas suas formas de brincar. Com o intuito de evitar que as crianças recorram aos observadores, para fazerem perguntas sobre a utilização dos brinquedos, ao lado de cada brinquedo deve existir uma ficha informativa com as regras dos jogos e formas de brincar sugeridas pelos fabricantes dos brinquedos.

Doze crianças de idade escolar (entre 6 e 10 anos de idade e que já dominam a leitura) devem ser selecionadas, por sorteio, para participarem das sessões de brincadeira livre. As crianças devem ser instruídas a brincarem livremente, porém, devem seguir as regras que a instituição de ensino estabelece quanto a evitar excesso de barulho e tumultos. Para colaborar com as regras da instituição as crianças devem ser instruídas para que brinquem com um brinquedo de cada vez e que guardem um brinquedo antes de começar a utilizar outro. Estas instruções devem ser dadas para todas as crianças no primeiro dia de brincadeiras. As crianças devem ser observadas nas sessões de brincadeira livre durante 30 minutos, 2 vezes por semana.

3) Tipo de registro e definição do formulário de observação

O estudo piloto realizado mostrou que observações com um tempo de 10 segundos não são eficientes, uma vez que as crianças podem manifestar muitos comportamentos diferentes neste intervalo de tempo. Tendo isto em vista, sugere-se que cada criança seja observada em intervalos alternados de 05 segundos. Também sugere-se utilizar as técnicas de observação do sujeito focal e a do registro do comportamento com amostragem de tempo. Cada criança, portanto, deve ser observada durante 20 momentos alternados, de 05 segundos cada, em cada sessão. Cada sessão deve ter 2 observadores. Cada observador será responsável por registrar os comportamentos de 5 a 6 crianças. Os registros devem ser feitos em um formulário de observação (Anexo 1). O observador deve possuir um formulário para cada criança em cada sessão. Nesse formulário serão registrados os comportamentos referentes às interações sociais, aos brinquedos utilizados e as atividades executadas pelas crianças.

4) Descrição das categorias

As categorias escolhidas para o estudo piloto se mostraram insuficientes. Através dos dados obtidos nesse estudo piloto e em buscas teóricas, as categorias foram reelaboradas e ampliadas. Com base nesses procedimentos, sugere-se, então, que sejam observadas as categorias, organizadas e agrupadas em três núcleos principais: a) interação social, b) tipo de brinquedo e c) tipo de atividade. As categorias que seguem explicitam e definem, em cada um destes núcleos, o comportamento a ser observado em cada criança.

a) Quanto à interação:

Amparados nos estudos de Parten (1933) Carvalho, Alves e Gomes (2005) e Lordelo e Carvalho (2006) foram selecionados três comportamentos no que se refere à interação social: não ocorrência de interação social - que pode ser de forma solitária ou paralela; e a ocorrência de interação - que é definida como atividade de grupo. No caso da interação social o grupo que interage com a criança focal deve ser registrado. O número e o sexo dos parceiros envolvidos na brincadeira também deve ser um dado considerado.

Na não-interação solitária a criança brinca ou exerce qualquer atividade sozinha e independentemente, fica longe das outras crianças, concentrada no que faz, sem dar atenção ao que as outras crianças estão fazendo. Alguns exemplos podem ser: a criança focal está brincando sozinha com os bonecos, ou, a criança focal está caminhando pela sala. A não-interação paralela ocorre quando duas ou mais crianças brincam ou exercem outras atividades, cada uma com sua brincadeira, sem que uma intervenha na brincadeira da outra. Para ser categorizada como não-interação paralela a criança focal deve estar no máximo a um metro de distância de outra criança. Nesta categoria as crianças olham e analisam as ações umas das outras, assim como podem mudar a forma em que brincam a partir destas observações. Por exemplo: Uma criança pode estar montando blocos de construção enquanto observa outra criança também montar blocos de construção. Na interação em grupo a criança brinca com outras crianças, conversa sobre temas comuns da atividade e pode trocar brinquedos. Na interação em grupo a ação de uma criança complementa a outra, como em uma brincadeira em que as crianças imitam personagens.

b) Quanto aos brinquedos:

Os brinquedos foram classificados em três subcategorias, cognitivos, sociais e motores. Esta subcategorização seguiu as normas de classificação de brinquedos proposta pela International Council for Children's Play - ICCP, descrita por Michelet (1998).

Os brinquedos cognitivos são aqueles que pertencem às famílias de brinquedos para atividades intelectuais e criativas propostos pela ICCP. A criança precisa estar manipulando ou interagindo de qualquer forma com quaisquer uns dos seguintes brinquedos: quebra-cabeça, dominó, blocos de construção, jogo da memória, jogos didáticos, damas e trilha. Os brinquedos sociais são aqueles que pertencem às famílias de brinquedos para relações sociais proposta pela ICCP. A criança precisa estar manipulando ou interagindo de qualquer forma com quaisquer uns dos seguintes brinquedos: dominó, jogo de percurso, batalha naval, damas, trilha, fantoches, bonecos. São considerados brinquedos motores aqueles que pertencem às famílias de brinquedos para atividades físicas proposta pela ICCP. A criança precisa estar manipulando ou interagindo de qualquer forma com quaisquer uns dos seguintes brinquedos: Bambolê, balões, tiro ao alvo, boliche, iô-iô, corda, piões.

c) Quanto ao tipo de atividade:

No que se refere à atividade executada pela criança focal foram definidas primeiramente duas grandes categorias: a brincadeira e a não- brincadeira. Estas duas categorias foram divididas em subcategorias que apontam os comportamentos específicos da criança focal.

A brincadeira foi definida como qualquer atividade estruturada, desempenhada pela criança, que gera prazer, que possui um fim em si mesma e que pode ter regras implícitas ou explícitas (Rubin, 1989; Vygotsky, 1991; Bomtempo, 1997; Brougère, 1998; Baptista da Silva, 2003). O comportamento de brincar foi ainda dividido em subcategorias que expressam: brincadeira construtiva, faz-de-conta, jogos de regras e brincadeira turbulenta. Além dessas subcategorias também deve ser registrado se a criança está utilizando o brinquedo de acordo com a proposta do objeto ou não.

A brincadeira construtiva é aquela que, como diz o próprio nome, envolve uma construção. É a manipulação de objetos com o objetivo de criar algo. Por exemplo: a criança está criando um prédio com os blocos de construção, ou está construindo uma estrada com os dominós. O faz-de-conta é a representação do imaginário. Uma situação imaginária criada pela criança e que pode envolver a representação de papéis (mamãe, papai, professora, super-herói, bombeiro, etc.). "O faz-de-conta implica a representação de um objeto por outro, a atribuição de novos significados a vários objetos" (Bomtempo, 1996).

Os jogos de regras são caracterizados pela existência de um conjunto de regras impostas e aprovadas pelo grupo, sendo que sua violação é geralmente penalizada. As regras podem ser pré-estabelecidas pelos fabricantes do objeto ou negociadas entre as crianças. Estes jogos promovem a competição entre os indivíduos. A brincadeira turbulenta é o tipo de atividade que envolve pular, correr, saltar, empurrar, puxar, perseguir e/ou lutar. Ocorre quando a criança exibe movimentos bruscos e vigorosos, porém manifestando expressão facial hilariante, ao mesmo tempo, em que o oponente, atacado, não demonstra nenhuma expressão de ressentimento. (Moraes, 2001). Na categoria condizente à atividade proposta pelo objeto a criança deve estar seguindo a proposta de brincadeira que o fabricante do objeto sugere, com suas regras e procedimentos. Neste caso a criança pode estar não apenas brincando, mas também montando ou desmontando o brinquedo de acordo com as instruções sugeridas pelo fabricante do objeto.

A não-brincadeira é caracterizada como toda e qualquer atividade que não se enquadra na definição de brincadeira proposta neste trabalho. As subcategorias que compõem esta atividade estão baseadas nos estudos observacionais de Rubin (1989) e de Moraes (2001) e são: comportamento desocupado, observação, exploração, conversação e agressão.

O comportamento desocupado é caracterizado quando a criança não está engajada em nenhum tipo de atividade. A criança está parada e sem foco ou intenção para qualquer atividade. Por exemplo, a criança está sentada, parada, com olhar vago. O comportamento é definido como de observação quando a criança não está brincando, mas mantém o olhar focado em alguma coisa. A criança é um mero espectador. Ela pode conversar com outras crianças e fazer comentários sobre a brincadeira, mas não é um participante ativo da atividade. Neste tipo de atividade a criança também pode estar caminhando pela sala olhando os objetos ou as outras crianças brincando.

A categoria de exploração é definida como uma atividade em que a criança mantém o olhar focado em algum brinquedo e o manipula ou lê as instruções do objeto. A criança que está explorando tem o intuito de verificar as características e a funcionalidade dos brinquedos, porém não está brincando ativamente. Conversação é definida quando a criança está envolvida em algum tipo de atividade verbal com outra pessoa. Este comportamento é codificado quando há a ausência de brinquedos ou de atividade lúdica e quando duas ou mais crianças estão se comunicando.

O comportamento de agressão é definido como um comportamento que inclui qualquer tipo de ameaça física ou verbal à outra pessoa. Reações que indiquem situações de brigas ou de desentendimentos entre duas ou mais crianças. A voz de uma ou mais crianças está elevada ou expressa hostilidade ou emoção negativa e há a indicação ou a evidência de uma ameaça física, como bater, agarrar, puxar, empurrar, etc. Não existem sorrisos. Também existe a categoria de transição. Que é definida como um comportamento que é codificado quando uma criança está deixando uma atividade e iniciando outra. Esta categoria não deve ser codificada como brincadeira ou não brincadeira. Pode ocorrer a transição para qualquer tipo de atividade. O observador também deve anotar a atividade encerrada e a iniciada pela criança.

Podem existir confusões e indefinições entre algumas categorias, uma vez que o brincar não é uma atividade estática. É, geralmente, dinâmico e permite à criança experimentar vários tipos de interações sociais, de brinquedos e de atividades ao mesmo tempo. Isto pode gerar dificuldades na identificação de categorias do brincar para o observador. Assim, com o intuito de facilitar a identificação da categoria ou o tipo de brincadeira sendo observada foram descritas algumas dicas para discriminar comportamentos que mesclam duas ou mais categorias.

Quanto aos tipos de interação social, a não interação solitária difere da não interação paralela pelo fato de a criança ficar concentrada apenas no brinquedo que está manipulando sem dirigir o olhar e sem manter qualquer tipo de comunicação com outras crianças. Já na brincadeira paralela, embora cada criança esteja envolvida com o seu brinquedo uma, ou ambas, está atenta a atividade da outra. A brincadeira paralela envolve duas crianças brincando próximas (1 metro de distância) crianças brincando mais distantes do que 1metro uma da outra estão geralmente envolvidas em atividades solitárias. A não interação paralela difere da interação grupo principalmente quando as crianças brincam juntas apenas observando a brincadeira uma da outra, sem trocar brinquedos nem dar opiniões sobre a brincadeira da outra criança. Já quando há comunicação e influência, assim como trocas de brinquedos, a interação deve ser caracterizada como grupo.

No que se refere aos tipos de brinquedos, existem 3 tipos que pertencem a mais de uma categoria, ou seja, que são definidos como cognitivos e sociais conjuntamente. É o caso dos seguintes brinquedos: dominó, damas e trilha. Se a criança estiver manipulando, brincando ou interagindo de qualquer maneira com quaisquer uns desses brinquedos eles devem ser registrados nas duas categorias em que se encontram, cognitiva e social.

Os tipos de brincadeiras e de atividades também podem gerar situações dúbias. A brincadeira de faz-de-conta se diferencia da brincadeira construtiva principalmente pelo conteúdo expresso na brincadeira. A criança pode estar montando uma casinha com os blocos de construção para então ser a mamãe, ou montando uma arma com os blocos para ser um policial. Nestes casos, quando a brincadeira envolve uma fantasia, ou a representação de algum papel social por parte da criança deve se registrar no protocolo em ambos os campos, faz-de-conta e construtiva. Contudo, se a criança estiver construindo um prédio pelo simples prazer de construir, sem uma história ou uma dramatização envolvendo a construção deve ser registrada apenas brincadeira construtiva.

Quando as crianças se utilizam de alguns objetos, como a bola do boliche para jogar futebol ou outros tipos de jogos, pode ocorrer confusões em definir a brincadeira como turbulenta ou de regras. Se o jogo da criança envolver empurrões e golpes, registrar como turbulenta. Porém, se a brincadeira não envolver nenhum indício de luta e seguir regras aceitas pelo grupo registrar como jogo de regras. Também pode haver dificuldades em definir se uma brincadeira é turbulenta ou de faz-de-conta, uma vez que o brincar turbulento pode estar acompanhado de situações imaginárias. Se a criança fantasia um papel imaginário e verbaliza ser um lutador, um super-herói, um policial, um bandido, etc., devem-se registrar em ambas as categorias, turbulenta e faz-de-conta. Registra-se apenas brincadeira turbulenta aquela em que o pesquisador não observa nenhum indício de fantasia ou de interpretação de papéis.

A diferença existente entre brincadeira turbulenta e agressão é muito tênue e pode confundir os pesquisadores. Para tanto, deve ser tomado como ponto de referência como a principal diferença existente entre brincadeira turbulenta e agressão a expressão da face das crianças. As crianças envolvidas em brincadeira turbulenta têm o sorriso na face ou a expressão de contentamento. Quando estão envolvidas em agressão, a face não apresenta sorrisos.

5) Confiabilidade

Para garantir a confiabilidade dos dados observados deve ser realizado o teste de concordância entre os observadores. Kreppner (2001) afirma que este é um critério amplamente utilizado para avaliar a qualidade das classificações realizadas pelos observadores. Tal procedimento se faz necessário para garantir um grau mínimo de acordo entre os observadores no que se refere ao uso de um conjunto de categorias predefinidas (Kreppner, 2001). Para verificar a concordância entre os pesquisadores, durante o estudo piloto os observadores devem registrar os comportamentos das mesmas crianças ao mesmo tempo. Seguindo os relatos de Fagundes (1999) deve ser considerado como confiável um índice de concordância entre os observadores acima de 70%.

A partir dos resultados aqui expostos, foi construído o protocolo de observação, especificando-se todos os passos e procedimentos necessários para observar crianças em situações de brincadeiras livres no contexto escolar. A Figura 1 sintetiza e explana todos os passos necessários para a construção de uma metodologia observacional. Embora a Figura 1 esteja relacionada à observação da brincadeira livre, os passos descritos podem ser usados na construção de protocolos que objetivam observar outros fenômenos também.

 

 

Discussão e conclusões

Os dados obtidos através do estudo piloto auxiliaram na construção de uma metodologia observacional que conduziu à elaboração sistematizada do protocolo de observação. O estudo piloto indicou que outras categorias, além das descritas no formulário prévio de observação, deveriam ser acrescentadas. Modificações nos procedimentos também foram realizadas tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelos observadores durante o estudo empírico. Tais dificuldades apontam para a complexidade do comportamento observado e para a necessidade de um controle mais rígido das categorias e procedimentos de observação do brincar. Com base nos resultados obtidos no presente estudo foi construído o protocolo de observação com a descrição detalhada e sistematizada dos procedimentos e categorias utilizadas para observar as crianças brincando na escola.

A pesquisa observacional de crianças em situação de brincadeira livre através do protocolo aqui proposto traz reflexões teóricas e metodológicas sobre o estudo do desenvolvimento infantil. Ao observar a criança em seu próprio ambiente, os profissionais têm acesso direto aos comportamentos e às características do desenvolvimento infantil (Pepler & Craig, 1995; Batista, 1996; Dessen & Murta, 1997). Pela observação naturalística da criança brincando os professores e outros profissionais da educação podem não somente conhecer as características dos comportamentos das crianças, mas acima de tudo, planejar intervenções baseadas nas observações realizadas. Tais intervenções devem ter o objetivo de promover o bem-estar das crianças e favorecer subsídios para um desenvolvimento saudável.

Observar as crianças brincando no contexto escolar pode auxiliar os profissionais da educação e da saúde a conhecerem e a compreenderem as características do desenvolvimento infantil. De acordo com Kreppner (2001) e Cole e Cole (2004) é pela observação que muitos dados sobre o desenvolvimento infantil são explorados e desvendados. O conhecimento das peculiaridades do desenvolvimento das crianças fornece subsídios e recursos para que os profissionais da educação e da saúde possam atuar na estimulação do desenvolvimento infantil (Vygotsky, 1991; Bomtempo, 1997 & Bichara, 2001). Ao estimular o desenvolvimento e os seus inúmeros aspectos, a aprendizagem também será positivamente atingida (Bomtempo, 1996; Baptista da Silva, 2003). Como foi descrito por Dohme (2002), a proposta da ludoeducação é uma ferramenta que fornece subsídios para os profissionais trabalharem com as crianças seguindo as necessidades e motivações infantis. A proposta da ludoeducação, descrita por Dohme (2002), é ampla e diversificada, mas também defende, assim como Queiroz e cols (2006), a brincadeira livre no ambiente escolar como um espaço de aprendizagem e de desenvolvimento.

Não apenas as características do desenvolvimento infantil, mas também as peculiaridades da cultura das crianças podem ser observadas pelo brincar (Brougère, 1998). Uma observação minuciosa e sistematizada do brincar das crianças no contexto escolar fornece dados essenciais que auxiliam os pesquisadores a compreenderem os processos de apropriação e transmissão da cultura (Carvalho & Pedrosa, 2007). Os momentos de brincadeira livre das crianças são espaços propícios para serem observadas as características culturais das crianças e seus respectivos processos de troca e elaboração.

A observação tem as suas limitações e desvantagens, como a dificuldade de neutralidade do pesquisador e sua influência intrusiva (Pellegrini,1996; Danna & Matos, 2006). Porém, a aplicação de um protocolo, conforme apontado também por Biasoli Alves e cols (1999). contribui para aumentar a confiabilidade dos registros realizados pelos pesquisadores. A utilização do protocolo de observação contribui para com o rigor científico da pesquisa, que é necessário e imprescindível para que os dados sejam confiáveis e que sua análise seja o mais próximo e fiel à realidade encontrada. A aplicação do protocolo também auxilia os observadores nas questões dúbias em relação aos comportamentos que devem ser observados. Tais como as dificuldades em diferenciar o brincar turbulento da agressão, ou a atividade paralela da grupal, etc.

O estudo do desenvolvimento infantil exige também o conhecimento dos contextos nos quais as crianças estão inseridas. Como o ambiente influencia decisivamente nos comportamentos infantis, se faz necessário estudar a criança e o seu desenvolvimento no meio em que ela interage (Pellegrini, 1996; Brougère, 1998). A utilização do protocolo de observação de crianças em situação de brincadeiras livres na escola facilita o registro e a posterior análise dos dados. Outro aspecto positivo que deve ser apontado na utilização do protocolo é o favorecimento de uma discussão mais apurada entre os pesquisadores e a possibilidade de abertura de novas possibilidades de pesquisas e estudos na área do desenvolvimento infantil.

 

Referências

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Recebido em Novembro de 2007
Reformulado em Julho de 2008
Aceito em Novembro de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Sheila Tatiana Duarte Cordazzo: Psicóloga, Doutora em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis.
** Josielly Pinheiro Westphal: Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis.
*** Fernanda Balem Tagliari: Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis.
**** Mauro Luís Vieira: Professor Doutor do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis.
***** Ana Maria Faraco de Oliveira: Professora Doutora do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis.

 

 

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