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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471
Aval. psicol. vol.9 no.1 Porto Alegre abr. 2010
Sobre o ensino de avaliação psicológica
About psychological assessment teaching
Ana Paula Porto Noronha1; Lucas Francisco de Carvalho; Fabiano Koich Miguel; Mayra Silva de Souza; Marco Antonio dos Santos
Universidade São Francisco
RESUMO
A formação do psicólogo e a necessidade de avanços nessa área são temas debatidos já há algum tempo. Especificamente em relação à formação em avaliação psicológica, do ponto de vista histórico, podem ser apontados diversos fatos em âmbito nacional e internacional que ajudaram na promoção de ganhos que trouxeram avanços importantes para essa área. Nesse sentido, pode-se afirmar que a década de 1990 representou um marco para o início de um novo período de desenvolvimento na avaliação psicológica no Brasil, ainda que exista muito que fazer para melhorias nessa área. O presente artigo teve como objetivo elucidar questões voltadas à formação em avaliação psicológica, e, para além de levantar essa problemática, pretensiosamente sugerir algumas reflexões. Para tal, são apresentadas reflexões sobre elementos norteadores do ensino de avaliação psicológica no país. Como base foram utilizados textos que são referência nacional e internacional no contexto da avaliação psicológica. Como consideração final para direções futuras ressalta-se a necessidade de discussões e debates na área da avaliação psicológica que não jazam no campo das idéias, mas que se perpetuem para a atuação e prática profissional.
Palavras-chave: Testes psicológicos; Formação profissional; história da psicologia.
ABSTRACT
The formation of psychologists and the need for advances in this area are issues discussed for some time. Specifically regarding the formation in psychological assessment, in a historical point of view, several events can be mentioned, at national and international range, that helped in promoting outcomes that have brought major advances in this area. Accordingly, it can be argued that the 1990s represented a milestone for the start of a new period of development in psychological assessment in Brazil, although there is still much to be improved. This paper aims to clarify matters related to formation in psychological assessment, and, in addition to raising this issue, pretentiously suggests some reflections. To this end, discussions are presented on elements guiding the teaching of psychological evaluation in the country. As basis, texts that are national and international reference in the context of psychological assessment were used. As a final consideration for future directions it is highlighted the need for discussions and debates in the field of psychological assessment that are not only in the field of ideas, but also that perpetuate to the performance and professional practice.
Keywords: Psychological tests; Profesional preparation; Psychology history.
INTRODUÇÃO
Reflexões e revisões acerca da formação do psicólogo estão presentes desde que o primeiro curso foi oficializado no país (Pfromm Neto, 1991). Desta forma, pode-se considerar que tanto a inquietação com a preparação do profissional, quanto a necessidade de melhora na área são questões já declaradas há algum tempo. Mais recentemente, por conta da aprovação das Diretrizes Curriculares para o Curso de Psicologia (Câmara de Educação Superior, 2004), houve uma grande mobilização a respeito da diversidade teórica, metodológica e do campo de atuação do psicólogo.
As Diretrizes enfatizavam que o tripé ensinopesquisa- atuação profissional, por tanto tempo negligenciado, deveria ser destacado e indicado como algo a ser atendido (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, 2005). Este trabalho tem como foco especificamente as questões voltadas à formação em avaliação psicológica, que assim como a psicologia em geral, tem sofrido críticas contundentes nos últimos anos (Hutz & Bandeira, 2003). Nesse sentido, algumas questões são emergentes, tais como, como deve ser formado o psicólogo para atuar na área de avaliação psicológica? Quais conteúdos e métodos devem ser priorizados em sua formação? Em quais momentos do curso esses conteúdos devem ser ministrados? Que preparação deve ter o formador? Espera-se que tais problematizações tenham respostas em um futuro breve. Tem-se a pretensão de abordar algumas delas nas páginas que se seguem.
No que se refere às perspectivas históricas da formação do psicólogo no Brasil, convém destacar que em 1932 foi criado o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas no Rio de Janeiro, sob a alçada do Ministério de Justiça, posteriormente transformado em Instituto de Psicologia, que por sua vez, foi considerada a primeira referência do surgimento da psicologia no país. De acordo com Jacó-Vilela (1999), os objetivos do laboratório eram realizar pesquisas de psicologia geral e aplicada; servir como centro de diagnóstico psicológico, para orientação e seleção profissional; contribuir para a aplicação da psicologia à pedagogia, medicina, técnica judiciária e trabalho industrial; e, formar psicólogos. A esse respeito, é importante observar que a presença da avaliação psicológica, permeando de maneira mais ou menos explícita os objetivos do laboratório, desde os primórdios da psicologia no país, reafirmando a compreensão de que a área serviu como meio divulgador da ciência e da prática psicológica.
Ainda segundo Jacó-Vilela (1999), o periódico Arquivo Brasileiro de Psicologia em 1953, cujo órgão responsável era o Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas, publicou o anteprojeto de lei sobre a formação e a regulamentação da profissão. Nesse documento foram apresentados dados relativos a um levantamento realizado que contabilizou algo em torno de uma centena de pessoas que usavam técnicas de avaliação naquela época. Este foi um dos argumentos utilizados, a fim de se justificar a relevância e propiciar o reconhecimento da profissão no Brasil.
Embora muitos feitos tenham se concretizado após isto, destaca-se a década de 1990, na qual o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e alguns Conselhos Regionais, organizaram reflexões com docentes de psicologia e representantes das instituições formadoras de diferentes regiões do país, com vistas a rever a preparação do psicólogo, que culminaram com a promulgação da Carta de Serra Negra, em 1992. Dentre outros ganhos relevantes, o documento propiciou a definição mais sistematizada de atuações dos psicólogos em contextos que iam além das três grandes áreas clássicas, como por exemplo, a psicologia do trânsito. Destarte, em todas as áreas havia referência às práticas avaliativas.
Nesse mesmo sentido, em um Fórum de Discussão promovido pelo CFP, também com o intuito de repensar a formação, foram identificadas questões relevantes vinculadas à avaliação psicológica. À época, os elementos mais apontados foram os relacionados à má qualidade dos instrumentos utilizados pelos profissionais brasileiros, como a deficiência e carência de fundamentação teórica. Aliado a isto, o pouco conhecimento que os psicólogos tinham sobre os testes foi identificado como uma questão central para discussão (CFP, 1997). Acerca disso, segundo Anastasi e Urbina (2000) a formação profissional deve ser eficiente e garantir uma preparação adequada aos futuros psicológicos, pois se espera que diante da utilização dos testes, os psicológicos tenham competência suficiente para aplicá-los e interpretá-los com adequação, haja vista que a maioria das críticas aos testes não se refere apenas às suas características intrínsecas, mas também ao uso inadequado dos resultados por usuários não qualificados.
Yamamoto (2000), por ocasião da discussão acerca da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), discutiu a relação entre esse documento e a psicologia. As Diretrizes Curriculares deveriam servir para balizar as construções dos currículos. No entanto, também deveria permitir a flexibilidade, de modo que as instituições de ensino superior poderiam ter livre arbítrio para privilegiar áreas do conhecimento e perfis desejados. De acordo com Bastos (2002) as diretrizes enfatizam um núcleo comum de formação, que por sua vez, asseguraria uma formação básica dentre os vários estados brasileiros. Os perfis de formação seriam as características específicas entre os diversos cursos e estaria centrado na vocação ou demandas sociais, regionais e locais. Além disso, o aluno teria mais possibilidades de fazer escolhas relacionadas à sua formação, por meio das ênfases curriculares, ou seja, espaços de aprofundamentos teórico-práticos.
Tal proposta (LDB) enfatiza as habilidades e competências básicas que o aluno deve ter ao final do processo de ensino. Daquelas atreladas à avaliação psicológica, destaca-se, utilizar o método experimental de observação e outros métodos básicos de investigação cientifica; realizar entrevistas; utilizar os recursos da matemática e da estatística para análise e apresentação dos dados e para a preparação de instrumentais para atividades profissionais, de ensino e pesquisa.
Alguns anos antes, Eyde, Moreland e Robertson (1988) afirmaram que o papel dos psicólogos na realização das avaliações é entender o desafio ou a questão a ser respondida; entender o contexto e as pessoas envolvidas; entender o fluxo das informações; refletir sobre os problemas éticos subjacentes; e revisar o construto e os instrumentais. Nesse sentido, e em alguma medida em concordância com elas, a Comissão de Testes do Colégio de Psicólogos COP (2002) afirmam que os psicólogos que elaboram, aplicam, pontuam, interpretam ou usam as técnicas de avaliação, entrevistas ou outros instrumentos, o devem fazer de acordo com objetivos determinados, a partir dos dados existentes e com a pertinência dos recursos avaliativos. Essa mesma Comissão elaborou as diretrizes internacionais para o uso dos testes, com a justificativa de que eles são uma das tecnologias mais importantes no exercício da profissão.
A esse respeito, justiça seja feita a American Psychological Association (APA) que desde 1950 preocupa-se com a formulação de padrões para o desenvolvimento e uso dos testes psicológicos e educacionais. Os Standards for Educational and Psychological Testing, cuja primeira versão data de 1954, e que ganharam a contribuição de outras duas importantes associações, ainda atualmente representam uma importante referência em âmbito estrangeiro e nacional (American Educational Research Association, American Psychological Association & National Council on Measurement in Education, 1999). Como exemplo de conteúdo abordado pela versão mais atual do manual, pode-se citar as responsabilidades de quem usa os testes psicológicos, que apresenta conteúdos similares ao material divulgado pelo COP (2002), este último tendo sido publicado alguns anos depois da última edição dos Standards. Cabe ainda, ressaltar a relevância do documento intitulado Test User Qualifications: A Data-Based Approach to Promoting Good Test Use (1988) para contribuição nessa discussão, que basicamente aponta para dados qualificativos, resultando em um guia do que é esperado pelos profissionais que utilizam testes psicológicos.
Esses documentos, COP, Standards, e Test User Qualifications, são bons exemplos de esforços que refletem tentativas importantes, mais ou menos diretas, de se estabelecer critérios para formação em avaliação psicológica. Apesar disso, alguns autores criticaram a falta de padrões internacionais de atuação na área, embora tivessem reconhecido as tentativas dos órgãos mencionados (Almeida, Pietro, Muñiz & Bartram, 1998). Os autores afirmaram que a competência profissional dos usuários de instrumentos psicológicos não tem sido avaliada; que não há uma determinação comum sobre a formação especifica na área; e, que não são estabelecidos cursos específicos de formação.
No Brasil, algumas iniciativas, semelhantes às citadas anteriormente, também podem ser lembradas. Dentre elas, o trabalho produzido por Wechsler (1999), no qual a autora orienta de maneira didática sobre os cuidados e os requisitos que devem ser atendidos a fim de que os processos avaliativos sejam realizados, ou mais especialmente, com vistas à utilização ética dos testes psicológicos. O guia é direcionado aos testes objetivos e contempla os princípios gerais da avaliação psicológica; o uso dos instrumentos; a seleção, a aplicação, a correção e interpretação deles; e, os princípios de construção dos testes psicológicos.
Ao lado disso, um conjunto de problemas significativos relacionados à construção e utilização de testes psicológicos foram analisados por Noronha (2002). A autora destacou a ausência de pesquisa e a qualidade de instrumentos como indicadores de problemas na área. Para ela, isso se deveu ao fato de, durante muitos anos, os psicólogos brasileiros terem utilizado testes estrangeiros, sem avaliação dos parâmetros psicométricos para a população nacional. Em pesquisa realizada com 214 psicólogos do estado de São Paulo, com o intuito de levantar os problemas mais graves e mais freqüentes no uso dos testes, as respostas foram organizadas em três grandes categorias: as relacionadas a deficiências do próprio instrumento, relacionadas ao uso deles, e relacionada à formação profissional.
Para a solução das deficiências encontrada nos instrumentos, o CFP (2001, 2003) promulgou duas Resoluções que determinavam critérios mínimos para a comercialização e uso dos testes psicológicos. O processo, embora traumático por conta da proibição do uso de alguns instrumentos usados por anos a fio pelos profissionais que se viram impossibilitados de desenvolver a prática costumeira, trouxe muito benefícios à área. O maior número de pesquisas publicadas, o aumento do número de instrumentos disponíveis ao psicólogo, a inauguração de novos laboratórios nas universidades, o fomento das discussões sobre a temática ao longo de todo o Brasil, são alguns dos feitos observados a partir das resoluções citadas (Padilha, Noronha & Fagan, 2007).
Com isto, pode-se afirmar que a área de avaliação psicológica no Brasil tem sofrido mudanças profícuas nos últimos anos. Assim sendo, não parece ousado afirmar que claramente a década de 1990 foi o marco do início de um novo período de desenvolvimento. No entanto, por certo, os avanços não são suficientes, haja vista a grande quantidade de psicólogos que afirma não realizar avaliação psicológica, apesar de estarem inseridos em campos de trabalho que demandem conhecimentos nessa área (Padilha, Noronha & Fagan, 2007). Além disso, há que se considerar também o número alto de processos éticos, cujos teores perpassam a avaliação psicológica (Conselho Regional de Psicologia, 2008).
Escrever sobre avaliação psicológica pode gerar certo constrangimento quanto à natureza do discurso, uma vez que, freqüentemente, o problema discutido é a formação, e os debatedores, os próprios formadores, com visões diferentes sobre o que é e como deve ser realizado o ensino sobre avaliação psicológica. Uns focalizam o ensino nas técnicas de aplicação e avaliação (contagem de pontos), outros priorizam os estudos de validade, precisão e normatização dos instrumentos. A crítica desinformada a todo e qualquer tipo de uso de testes psicológicos e a atuação de profissionais que os utilizam mecanicamente vinha causando um certo constrangimento, sem que, no entanto, se apresentasse alguma alternativa para a situação (Sisto, Sbardelini & Primi, 2001).
Nesse âmbito, torna-se evidente que as instituições de ensino superior devem possibilitar aos alunos no processo formativo, o desenvolvimento de habilidades e competências tanto para a atuação profissional generalista quanto, especificamente, para a realização da avaliação psicológica. No entanto, mesmo diante dos achados de Hays e Wellard (1998), em âmbito estrangeiro, que enfatizam a necessidade dos alunos recém-formados darem continuidade aos estudos para atuar com avaliação psicológica, no Brasil a formação do profissional nos cursos de graduação nessa área tem se mostrado insuficiente, superficial e inconsistente na medida em que se apresenta fundamentada, muitas vezes, no propósito único de aplicar e avaliar testes sem o uso de uma análise crítica e mais apurada.
A falha na relação entre formação profissional, prática, e conhecimento sobre avaliação psicológica, é denunciada por Lawson (1999). Para ele, embora haja incremento no conhecimento, por conta do avanço das pesquisas, há também a demora da disseminação destas informações, bem como da incorporação disto por parte dos psicólogos que estão na prática. Para os psicólogos que defendem a avaliação psicológica e as práticas profissionais com excelência, esta falha é de grande porte, especialmente quando a imprecisão das ações psicológicas tende a trazer implicações definitivas na vida de pessoas (Noronha e cols, 2002, ).
Noronha e cols. (2002) enfatizam que, para além das limitações presentes nas técnicas de avaliação psicológica, a problemática central da área é a má formação profissional. Assim, a solução para práticas sem qualidade na área seria o incremento da preparação do psicólogo. Os autores deste estudo propõem que, minimamente, deveriam ser abordados em cursos de psicologia, os seguintes conteúdos: teoria de medida e psicometria; avaliação da inteligência; avaliação da personalidade e; práticas de integração de resultados e de elaboração de documentos psicológicos. Isto posto, o presente artigo destina-se a fazer um exercício de reflexão sobre possíveis encaminhamentos para uma formação mais consistente na avaliação psicológica, com o intuito de promover o avanço da área.
Considerações sobre o ensino de avaliação psicológica
De acordo com o que foi apresentado até o momento, pode-se verificar que há uma questão relevante em relação à formação profissional na área de avaliação psicológica. Um dos fatores que contribui para essa dificuldade na formação é a falta de sistematização sobre o que seria essencial para uma formação adequada especificamente nessa área da psicologia. Em decorrência da má formação, conforme Alchieri e Bandeira (2002), Hutz e Bandeira (2003), Noronha e cols. (2002), dentre outros, o uso dos testes psicológicos, e o processo de avaliação psicológica como um todo, é muitas vezes inadequado, o que certamente afeta a credibilidade em relação à prática no Brasil.
O profissional que trabalha com avaliação psicológica, e mais especificamente com testes psicológicos, deve apresentar determinadas competências para o exercício adequado na área. As 12 competências propostas pelo COP (2002), consideradas como pré-requisitos mínimos na prática profissional, são: evitar erros ao formular os resultados que são produtos do processo de avaliação; não rotular as pessoas com termos específicos; assegurar segurança do material utilizado no processo (sigilo profissional); fornecer instruções necessárias ao avaliado; garantir condições ótimas dos procedimentos; evitar que o avaliado seja treinado nos testes e técnicas utilizadas; fornecer devolutiva para o avaliado em sessão adequada; não fazer cópias do material que será utilizado; evitar o uso de material não oficial que podem comprometer a padronização dos procedimentos; estabelecer boa relação com avaliados; não responder dúvidas passando informações além do necessário; e, considerar as idiossincrasias do avaliado.
Para que essas competências mínimas sejam atingidas é necessário que as disciplinas de avaliação dos cursos de formação profissional apresentem conteúdos, infra-estrutura, e métodos de ensino adequados e suficientes. No que diz respeito ao conteúdo, em acréscimo ao proposto por Noronha e cols (2002), podem ser destacados aqueles que devem ser apresentados em disciplinas ao longo do curso, tais como elementos do processo de avaliação; noções fundamentais de psicometria (abrangendo a estatística, aplicada à prática do psicólogo); informação e conhecimento de técnicas e exames psicológicos, bem como seus aspectos legais; ética do uso das técnicas e testes; análise crítica de materiais relacionados à área (como, por exemplo, manuais e artigos); conhecimento teórico-prático de pesquisa cientifica; e, confecção de laudos e relatórios.
As publicações internacionais (COP, Test User Qualifications: A Data-Based Approach to Promoting Good Test Use e Standards for Educational and Psychological Testing) dedicam grande parte de seus compêndios à ética profissional. Vale a pena ressaltar que os pontos destacados em ética, não raramente, tratam de questões que permeiam também outros conteúdos. Assim, basicamente cinco grandes áreas são consideradas. A primeira delas se refere à própria atuação do psicólogo, que diz respeito a seguir os padrões éticos estabelecidos pelo código de ética profissional, assegurar que colegas de profissão também sigam os preceitos éticos, respeitar a política de uso dos instrumentos (que tipos de profissionais podem utilizar), manter-se atualizado quanto aos debates da área e zelar para que a apresentação pública da avaliação psicológica seja feita de maneira positiva e construtiva.
A segunda grande área pode ser considerada como competência na prática da avaliação. Nesse sentido, são englobadas práticas como conhecer os conceitos científicos que embasam as técnicas e testes disponíveis, como validade, precisão, padronização, etc. Para isso, um conhecimento mínimo de pesquisa deve ser necessário. Um terceiro preceito ético diz respeito à responsabilidade no uso de instrumentos e técnicas de avaliação. Entre os procedimentos recomendados, encontra-se informar os avaliados dos princípios éticos que regem a avaliação, especialmente por meio de um contrato claro e explicitado antes do início do processo, tomando o cuidado de explanar o propósito daquela avaliação. Junto disso, respeitar a sensibilidade das pessoas avaliadas durante a execução e prestar atenção a possíveis conseqüências do processo, evitando danos ao sujeito.
Os princípios relacionados aos resultados são a quarta grande área, e dizem respeito principalmente à comunicação dos resultados do processo de avaliação, que deve satisfazer uma preocupação e desejo do avaliado. Deve ser tomada a devida cautela durante a interpretação ou relação das pontuações com os grupos normativos. No momento da comunicação dos resultados, deve-se explicar o sigilo e, se for o caso, informar quem mais terá direito àqueles dados. É necessário assegurar, também, a quantidade de informações que cada participante do processo tem direito.
Por fim, a quinta área refere-se à segurança do material utilizado na avaliação. Os princípios dizem respeito desde o cuidado com os direitos autorais, o respeito pela integridade e correta utilização do teste, passando pelo cuidado de usar recursos para garantir o sigilo do participante (como iniciais em vez do nome completo), até o depósito seguro do material segundo instruções de arquivamento na legislação profissional.
Ainda no que respeita ao conteúdo, além dos preceitos éticos, para a adequada formação profissional, o ensino de avaliação psicológica deve contemplar nove etapas. A primeira diz respeito ao conhecimento da utilidade do instrumento, ou seja, o profissional deve saber quando aquele procedimento se torna útil, e se ele se encaixa nas necessidades de seu cliente e no contexto de avaliação. Como conhecimento adicional, deve pesar as vantagens e desvantagens da utilização de um teste e sempre utilizar o máximo possível de outras fontes de informações.
A segunda etapa diz respeito ao levantamento de instrumentos adequados para o processo. O levantamento de informações a respeito dos testes inclui a representatividade do teste, suas características psicométricas, para qual população e qual contexto ele é indicado, e até aspectos práticos como o material necessário e tempo de aplicação. O conhecimento dos instrumentos levantados constitui a terceira etapa, e acompanha a anterior. Dentre as competências necessárias, está conhecer os construtos que podem ser avaliados pelo instrumento (e a relevância do construto para o processo), a existência de dados suficientes para embasar uma interpretação, a clareza das instruções e a adaptação do teste para a língua em que será utilizado. Nessa etapa, também devem ser levantados procedimentos alternativos para a avaliação, caso seja necessário.
A quarta etapa engloba os preparativos para aplicação. Nesse momento, o profissional deve ter propriedade do funcionamento do teste, sendo capaz de informar claramente sua finalidade e procedimentos. Junto disso, deve-se preparar o local de avaliação, material, termos de consentimento, entre outros. Possíveis problemas na avaliação devem ser previstos nesse momento e soluções devem ser preparadas. A etapa seguinte diz respeito à adequada aplicação dos instrumentos. As instruções nesse sentido incluem boa relação com os avaliados, buscar reduzir as ansiedades do testando e eliminar fontes de distração, transmitir as informações de maneira clara e padronizada, evitando privilegiar certos sujeitos, supervisionar a aplicação, não deixando os sujeitos sem suporte ou assistência.
A pontuação é a sexta etapa, e diz respeito a cotar adequadamente o teste utilizado. Para isso, é necessário seguir fielmente a padronização, utilizar as tabelas corretas, de maneira a evitar erros de medida. Segue-se a isso a interpretação, que é a relação dos resultados com a teoria que embasa o instrumento. Os cuidados nessa etapa são para utilização das normas adequadas e outras informações (como idade, gênero ou escolaridade). Nesse momento o psicólogo deve evitar interpretações que favoreçam a criação de estereótipos.
Após essas etapas, tem-se a comunicação dos resultados. A competência nessa área encontra-se na identificação de quem tem direito a receber os resultados, e a quantidade de informação que pode ser disponibilizada. Devem ser elaborados informes orais e escritos, num nível técnico que seja adequado para o leitor. O sigilo deve ser retomado e deve-se esclarecer que os resultados de um teste são apenas uma fonte de informação, sendo que outras devem ser utilizadas. Após a comunicação, sugere-se uma etapa de adequação dos instrumentos, no sentido de acompanhar os possíveis impactos da avaliação, e reavaliação da utilidade do teste. O COP (2002) chega a sugerir que os psicólogos deveriam ajudar a manter as informações dos testes atualizadas, fornecendo seus dados aos pesquisadores, para novas análises, com o devido consentimento dos avaliados.
Ao lado disso, para que a preparação do profissional para a atuação em avaliação psicológica, alguns atributos relacionados à infra-estrutura das instituições dos cursos de formação em psicologia devem ser respeitados.Como apontam Alchieri e Bandeira (2002), estão entre as queixas mais freqüentes de professores de graduação na área de avaliação psicológica, a falta de investimento em pesquisas, e o escasso acervo de material. Na tentativa de solucionar tais queixas, pode-se considerar a existência de determinadas instalações tais como testotecas e laboratórios que contenham computadores em número suficiente. Além disso, a grade curricular dos cursos deve oferecer um rol suficiente de disciplinas que abordem os temas mais relevantes em avaliação psicológica, sendo que neste caso o bom senso é fator determinante, de modo que se tenha clareza que um semestre com 64 horas/aula não é suficiente para que o aluno aprenda avaliação psicológica.
Por último, no que diz respeito aos métodos de ensino dos professores de graduação, é necessário que diferentes estratégias e técnicas sejam utilizadas por esses profissionais. Algumas delas podem ser destacadas, tais como aulas práticas que utilizam os conceitos teóricos aprendidos em sala de aula; aulas em laboratório tanto para aprendizagem do processo de avaliação psicológica quanto para o uso de computadores para pesquisa e outros recursos; treinamento de aplicação real de testes e dinâmicas; estudos de caso; e elaboração de documentos psicológicos. Além disso, e com igual ou maior importância, está a preparação do docente para ministrar as disciplinas da área. O que se espera deste docente é a formação na área, a experiência profissional e a constante atualização por meio de leitura de artigos e de participação em eventos científicos.
Pode-se verificar, a partir da reflexão sobre os três eixos da formação profissional em avaliação psicológica (conteúdo, infra-estrutura, e métodos de ensino) que maior ênfase foi dada ao conteúdo em detrimento dos outros dois. Essa desigualdade é resultante da escassez de trabalhos que abordem essas questões, o que justifica o desenvolvimento de diretrizes e propostas norteadoras na área de avaliação psicológica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram apresentadas algumas reflexões sobre elementos norteadores do ensino de avaliação psicológica. Para tanto, foram utilizados como base, textos que são referência nacional e internacional no contexto da avaliação, quais sejam, COP, Test User Qualifications: A Data-Based Approach to Promoting Good Test Use e Standards for Educational and Psychological Testing.
Não se teve a pretensão de elaborar diretrizes ou ainda, de substituir as existentes. No entanto, sabe-se que as diretrizes têm como finalidade melhorar a qualidade do processo de avaliação psicológica, bem como informar os profissionais sobre as boas práticas com instrumentos. Desse modo, os trabalhos mencionados sugeriram o que deve ser esperado de um profissional competente e o que deve ser ensinado a ele nas disciplinas de avaliação psicológica com o intuito de auxiliá-lo a tornar-se competente.
Sob esta perspectiva, o objetivo do presente estudo foi elucidar questões voltadas à formação em avaliação psicológica, e, para além de levantar essa problemática, pretensiosamente sugerir algumas reflexões. Pode-se verificar que o debate dessas questões não é recente, e algumas intervenções já foram realizadas, ainda que experimentalmente por alguns docentes. Contudo, ainda há muito que ser feito.
Parece claro que os cursos de formação em psicologia não são capazes de abranger todo conhecimento necessário para os profissionais que trabalham com a avaliação psicológica, e nem se esperava que isto acontecesse. No entanto, faz-se emergente que os profissionais que estão na prática compreendam a necessidade de se manterem atualizados e de investirem nas respectivas capacitações, e que os docentes tornem-se mais responsáveis pelas formações que proporcionam.
Adicionalmente, faz-se necessário instaurar a cultura do consumo de leitura de periódicos nacionais e estrangeiros. Tal como revisitado pelas Leis de Diretrizes e Bases, o tripé ensino-pesquisaatuação profissional deve ser respeitado, de modo que os novos achados obtidos por meio das investigações científicas sejam revertidos para o ensino e para a prática. Assim, a literatura mais atualizada não seria negligenciada ou restrita à academia, mas seria compartilhada com os que exercem a psicologia. Para tanto, o psicólogo deve ler. Sim, o que parece obviedade não o é. Há profissionais que saem das Universidades acreditando que já possuem o substrato básico para exercer a profissão. E assim se mantém, ao longo de 30 anos de exercício profissional. Incrementar a formação implica mudar a concepção que se tem dela. Assim, o psicólogo deve se conceber com coresponsável pela qualidade da aquisição de seu know how.
Por fim, cabe ressaltar que o presente texto não esgota as inúmeras possibilidades de propostas para a formação do psicólogo, na área de avaliação. Mas ressalta a necessidade de discussões e debates na área que não jazam no campo das idéias, mas que se perpetuem para a atuação e prática profissional.
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Recebido em outubro de 2009
1ª Reformulação dezembro de 2009
Aprovado em janeiro de 2010
SOBRE OS AUTORES:
Ana Paula Porto Noronha: Psicóloga. Doutora em Psicologia Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Lucas Francisco de Carvalho: Psicólogo. Doutorando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP.Fabiano Koich Miguel:Psicólogo. Doutorando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP.
Mayra Souza:Psicóloga. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista CAPES.
Marco Antonio dos Santos:Psicólogo. Doutorando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco.
1Contato:
Email: ana.noronha@saofrancisco.edu.br