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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.3 Porto Alegre dez. 2010

 

 

Validade e consistência interna do Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar – versão estudantes

 

Validity and internal consistency of the School Violence Prevalence Investigation Questionnaire – student version

 

 

Ana Carina Stelko-Pereira1, 2; Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams; Lucas Cordeiro Freitas

Universidade Federal de São Carlos

 

 


Resumo

São poucos os instrumentos brasileiros de avaliação de violência escolar que tiveram suas propriedades psicométricas aferidas. Esta pesquisa consistiu em dois estudos: 1) elaboração e validação do Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar - Versão Estudantes e 2) avaliação da fidedignidade dos itens do instrumento cujas respostas estavam em escala Likert. No estudo 1, participaram 38 alunos de uma escola pública de Curitiba e três pesquisadores da área de violência. O instrumento foi compreensível ao público alvo e 76,6% dos itens obtiveram concordância de três juízes referente ao que mediam. No estudo 2, 668 estudantes de 6º. a 9º. ano de três escolas públicas responderam ao instrumento e percebeu-se que esse foi consistente em avaliar a violência psicológica, violência contra o patrimônio e global, bem como fatores de risco associados (α>0,75). Assim, tal instrumento contribui para diminuir a carência de instrumentos brasileiros para investigação da violência escolar.

Palavras-chave: violência na escola; bullying; avaliação de violência.


Abstract

There are few Brazilian instruments that assess school violence which had their psychometric properties evaluated. This research consisted of two studies: 1) development and validity evaluation of The School Violence Prevalence Investigation Questionnaire – Student Version, and 2) reliability assessment of the items with answers in a Likert scale. In study 1, 38 students of a public school in Curitiba and three researchers in the area of the violence took part. The instrument was clearly understood by the participants and 76,6% of the items reached agreement by researchers. In study 2, 668 6-9 grade students of three schools answered the Questionnaire. It was noted that the instrument was consistent in assessing psychological violence, material violence and global violence, as well as the risk factors associated (α>0,75). In conclusion, this instrument was relevant in terms of reducing the lack of Brazilian instruments pertaining to school violence investigation.

Keywords: school violence; bullying; assessment of violence.


 

 

Introdução

A violência escolar consiste em um problema que envolve os alunos, os funcionários das escolas e os pais de alunos. Não é simples de ser definida, havendo discordância entre autores (Debarbieux, 2002; Furlong & Morrison, 2000). Contudo, segundo Furlong e Morrison (2000), atualmente, a violência escolar é definida como um constructo multifacetado que envolve tanto atos criminosos quanto agressões mais cotidianas na escola, que inibem o desenvolvimento adequado e a aprendizagem, bem como prejudicam o clima escolar, isto é, o contexto em que as relações entre os indivíduos ocorrem. Adicionalmente, Furlong e Morrison (2000) expõem que a violência escolar ocorre no dia a dia da instituição e que condições da própria escola, das relações que se estabelecem entre funcionários e alunos e entre conhecimentos a serem ensinados e alunos são pano de fundo para a violência que ocorre nessa.

Ainda a respeito do termo violência escolar Stelko-Pereira e Williams (no prelo) sugerem uma definição que abrange o que há de comum entre a violência que ocorre no âmbito da escola e em outros contextos e que singulariza o fenômeno a partir do local em que se situa, quais as pessoas envolvidas, quais as ações dessas pessoas e as conseqüências dessas ações. De modo resumido, o conceito de violência escolar para as autoras, incorporaria: (1) situações que ocorrem dentro da estrutura física da escola, mas também no trajeto casa-escola e em festas e visitas escolares, (2) pode ocorrer entre alunos, mas também entre alunos e funcionários, pais de alunos e alunos e pais de alunos e funcionários, (3) pode ser subdividida em violência física, emocional, sexual, patrimonial e negligência ou subdividida em violência direta (física, patrimonial ou sexual) ou violência indireta (emocional), (4) a violência também pode ser institucional, por meio das práticas, regras e normas implícitas da própria instituição, (5) há aspectos mais específicos do problema, recebendo atenção especial, como o bullying, (6) o porte de armas, o tráfico e abuso de drogas lícitas e ilícitas também fazem parte do conceito.

Um conceito imbricado ao termo violência escolar que merece maior destaque é o bullying ou intimidação por pares, o qual segundo Runyon, Kenny, Berry, Deblinger e Browne (2006) está relacionado à situação em que uma criança ou estudante é exposto repetidamente e ao longo do tempo a ações negativas, que podem tanto ser físicas, psicológicas, ou sexuais, por parte de outra(s) criança(s) ou aluno(s), o qual tem intenção de realizar tais ações.

Infelizmente, as situações de violência em escolas brasileiras são freqüentes, segundo diversas pesquisas (Abramovay & Rua, 2002; Codo, 2006; Neto & Saavedra, 2003, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, 2005). Porém, ainda que essas tenham sido relevantes por terem fornecido um panorama da situação de violência escolar, tais estudos apresentam uma importante limitação: não utilizaram instrumentos que tenham sido avaliados em sua qualidade, como o fato de terem preenchido critérios de validade e fidedignidade.

Avaliar acuradamente a violência que ocorre nas escolas é importante para o conhecimento da real dimensão do fenômeno e para que se possam planejar intervenções que diminuíam o problema. Além disso, avaliações precisas e confiáveis, possibilitam comparações de resultados entre escolas, diferentes regiões e épocas, como também podem identificar alunos que estejam em situação de risco, sejam como vítimas de violência escolar ou como autores.

Desse modo, são poucos os instrumentos disponíveis no Brasil que investigam a prevalência de violência escolar. Por meio de uma pesquisa na base de dados Scielo e Lilacs com o descritor “violência”, percebeu-se que foram encontrados artigos do período de 1998 a 2007, porém nenhum descrevia instrumentos validados para avaliação de violência escolar. Adicionalmente, Stelko-Pereira e Williams (submetido) investigaram a produção científica nos programas de pós-graduação stricto-sensu sobre o tema da violência escolar, referente ao período de 1988 a 2006. Foram analisados 203 estudos, muitos dos quais utilizavam questionários para investigação de violência escolar, porém apenas um estudo buscou analisar a validade de um instrumento de avaliação do problema (Charczuk, 2005).

No estudo de Charczuk (2005) foi descrito o Inventário de Indicadores de Violência na Escola (IIVE) e suas propriedades psicométricas (validade e fidedignidade). Tal inventário consiste em três subescalas, divididas em fatores. Uma sub-escala se refere a manifestações de violência na escola, com 32 itens, da qual se inclui os fatores: violências entre alunos (a = 0,82), violência sexual professor/aluno e aluno/professor (a = 0,83), envolvimento de pessoas de fora da escola em situações de violência (a = 0,79), violência verbal entre professor/aluno e aluno/professor (a = 0,75), porte e utilização de armas (a = 0,81) e violências contra o patrimônio (a = 0,73). Uma segunda sub-escala envolve ocorrências pessoais de violência na escola (16 itens), cujos fatores são: violências pessoais envolvendo professores (a = 0,77), violências pessoais envolvendo alunos (a = 0,86) e demais ocorrências pessoais de violência (a = 0,74). A terceira sub-escala engloba os sentimentos dos alunos em relação à ocorrência de violência escolar (9 itens), composta dos fatores sentimentos de segurança (a = 0,76) e sentimentos de insegurança (a = 0,70).

Tal instrumento se compõe de 56 itens, em escala do tipo Likert, na qual o ponto 0 da escala significa “nunca ocorre” e o ponto 5 “sempre ocorre”. Segundo a autora (Charczuk, 2005) novas pesquisas são requeridas a fim de se poder contribuir para a caracterização da violência escolar. O instrumento desenvolvido abordou importantes aspectos do fenômeno, porém foi necessário excluir itens importantes, para manter a qualidade psicométrica do mesmo, como itens referentes ao abuso de drogas e a violência física entre alunoprofessor/ professor-aluno. Além disso, houve correlações moderadas ou baixas entre os fatores (Charczuk, 2005).

Charczuk (2005) foi pioneira quanto à avaliação psicométrica de instrumentos de aferição de violência escolar no contexto brasileiro. Porém, há carência de outros instrumentos brasileiros sobre violência escolar e que incluam investigações de autoria de violência escolar, participação em gangues por alunos e especificando em mais detalhes as situações de violência ocorridas. Assim, na revisão do presente estudo foram analisados estudos sobre violência escolar envolvendo um grande número de participantes e por órgãos reconhecidos internacionalmente como a UNESCO (2005) e o Ministério de Educação e Justiça dos Estados Unidos (United States Departments of Education and Justice, 2006), mesmo que tenham utilizado instrumentos de avaliação de violência escolar em que as características psicométricas não tenham sido mensuradas.

A UNESCO (2005) realizou um estudo de avaliação de violência escolar nas capitais brasileiras, com um instrumento que não estava validado, mas que serve enquanto parâmetro para a construção de questionários, pois a linguagem se mostrou adequada à compreensão dos estudantes e o conteúdo pertinente à violência escolar, no contexto brasileiro. Contudo, ao compará-lo com indicadores de violência utilizados em pesquisas anuais do Ministério de Educação e Justiça dos Estados Unidos (United States Departments of Education and Justice, 2006), percebeu-se que existiam aspectos importantes para a investigação do tema que não constavam no questionário da UNESCO (2005). Tais aspectos eram: (1) As questões no instrumento da UNESCO (2005) eram atemporais, o que dificultava estabelecer precisamente se o respondente havia vivenciado/percebido situações de violência há muito tempo ou recentemente e, também, dificultavam comparações, em pesquisas futuras, a fim de se estabelecer se a violência nas escolas estaria aumentando ou diminuindo; (2) As questões referentes às ameaças eram genéricas. O instrumento original não especificava detalhes sobre as ameaças, por exemplo, ameaça de machucar, ameaça de destruir coisas do outro, ameaça de ignorar o outro, etc.; (3) Não havia questões sobre o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas ilegais por alunos; (4) Havia ausência de perguntas que investigassem a percepção de segurança na escola por parte dos alunos e que avaliassem se ocorria sentimento de medo por estar na escola.

Entretanto, o modo de avaliação de violência escolar utilizado pelo Ministério de Educação e Justiça dos Estados Unidos (2006), também deixava alguns tópicos importantes sem análise, os quais foram abordados no questionário da UNESCO (2005). Estes aspectos foram: (1) não se indagava sobre brincadeiras dos alunos nas quais agressões estavam envolvidas; (2) não se avaliavam as agressões aos alunos por parte de professores e funcionários da escola; (3) não se destacava a questão da discriminação étnica e xingamentos ligados à aparência física.

Tal análise comparativa pode servir como um auxílio para se elaborar um instrumento brasileiro que compreenda as vantagens desses instrumentos, porém avance com relação a evitar as desvantagens percebidas. Diante, portanto, da necessidade de avaliações precisas da ocorrência de violência nas escolas, da carência de instrumentos de investigação de prevalência e que tenham tido suas qualidades psicométricas mensuradas, esta pesquisa criou um instrumento de avaliação de violência escolar, realizando a validade do mesmo e apurando a consistência interna dos itens cujas respostas estavam em escala Likert.

O instrumento (Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar – QIPVE) foi criado de modo a investigar a violência escolar a partir de múltiplos informantes da escola, tendo quatro versões, uma a alunos, outra a professores, a inspetores e, por fim, a diretores/coordenadores pedagógicos. Porém, no presente artigo apenas se aborda a construção e avaliação da versão dos estudantes do QIPVE. Para maior detalhes quanto as outras versões, ver Stelko-Pereira (2009).

Tal questionário foi construído com base nos instrumentos utilizados pela UNESCO (2005) e Ministério de Educação e Justiça dos Estados Unidos (2006), tendo sido tomado cuidado para que não se incorresse nas desvantagens dos instrumentos utilizados por essas organizações, já explicitadas. Não utilizou-se como base o instrumento de Charczuk (2005), havendo as seguintes razões para isso: (1) o instrumento IIVE apenas foi conhecido pelas autoras após a construção do QIPVE, uma vez que pelo fato de não ter sido publicado em revistas científicas e estar apenas descrito em dissertação, o acesso foi dificultado; (2) o instrumento de Charczuk (2005) é composto em sua maior parte por itens referentes a situações de violência que o aluno tenha testemunhado ou sabido a respeito e menos itens referentes a experiências diretas de violência, o que não era o objetivo de investigação do QIPVE; (3) pretendia-se realizar um instrumento que focasse também situações em que o aluno fora autor de violência, o que não é abordado pelo IIVE e, por fim, (4) acredita-se que a investigação de violência sexual na escola mereça um instrumento próprio, com maior quantidade de itens do que apenas os existentes no IIVE (passaram a mão em mim e tiraram minha roupa), com itens que investigassem o consentimento da pessoa ao outro, se houve palavras de cunho sexual, se acariciou, manipulou genitália, mama ou ânus, se houve exposição a atos pornográficos e exibicionismo, se houve ato sexual com ou sem penetração e com ou sem o uso de força física.

Assim, o presente estudo teve como objetivos elaborar e avaliar um instrumento de investigação de prevalência de violência escolar a ser respondido por alunos de 6º a 9º ano, nos quesitos validade e fidedignidade. Para tanto, foram realizados dois estudos: 1) Elaboração e validade de conteúdo do instrumento, 2) Avaliação da fidedignidade dos itens de freqüência do instrumento, isto é, dos itens cujas respostas estavam em escala Likert.

Estudo 1: Elaboração e Validade de Conteúdo do QIPVE – versão estudantes

Objetivo

O estudo 1 buscou criar e validar um instrumento que avaliasse a freqüência de violência escolar, que detalhasse o modo como essa se apresenta e explorasse alguns dos fatores de risco para a violência na escola, a partir da percepção de estudantes.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 38 alunos, sendo 34 do 6º. ano e quatro do 9º. ano de uma escola pública da cidade de Curitiba, localizada em um bairro de baixo poder aquisitivo. Integraram, também, o estudo, três pesquisadores da área de violência, sendo um mestre e dois doutores, vinculados a três universidades públicas distintas.

Recursos Materiais

Canetas, papel sulfite e kits-surpresa (canetas, doces, borrachas, blocos de papel).

Procedimento

Cuidados éticos

O projeto da pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, recebendo aprovação. Além disso, todos os participantes assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido e obtiveram o consentimento por escrito dos pais para integrarem a pesquisa.

Construção do instrumento

Tal versão do questionário foi composta de modo a verificar a violência física, violência psicológica/emocional e violência contra o patrimônio ocorrida na escola, portanto não se incluiu a investigação de violência sexual, seja aquela que ocorre de modo não contínuo quanto aquela existente no fenômeno do bullying. Além disso, não foi investigado em específico o bullying, porém se entende que implicitamente o questionário abordou esse problema, uma vez que ele contém perguntas referentes à quantidade de vezes que um aluno vítima sofreu determinada ação violenta, sendo que uma freqüência repetitiva de ocorrências denotaria vitimização por bullying, conforme já exposto.

Buscou-se criar um instrumento baseado nos instrumentos utilizados pela UNESCO (2005) e Ministério de Educação e Justiça dos Estados Unidos (2006), tentando-se evitar as desvantagens desses. Assim, preferiu-se que os alunos descrevem-se as situações que eles próprios vivenciaram do que descreverem as situações violentas a outros alunos que tenham testemunhado, por se considerar que, assim, poderia se contabilizar com mais fidedignidade as ocorrências mais freqüentes. Desse modo, evitou-se que se supervalorizasse um determinado evento violento, como quando mais de um aluno presencia um mesmo episódio de violência.

Escolha por motivo semelhante foi feita com relação a não abordar o testemunho por alunos de uso de drogas ilegais e/ou bebidas alcoólica e/ou tráfico de drogas e/ou porte de armas na escola ou ao redor dela, apenas sendo questionado ao respondente se ele consumiu drogas ilegais ou bebidas alcoólicas e se traficou ou portou armas. Outro aspecto importante do questionário é que se delimitou o período a que as questões se referiram para os seis meses anteriores ao preenchimento do instrumento, de modo a se poder comparar mudanças no fenômeno da violência ao longo do tempo.

O questionário foi elaborado, também, de modo a verificar outros aspectos além da freqüência de violência na escola, como conteúdos de ameaças e xingamentos, percepção de medidas de segurança por alunos, motivos aparentes para a violência, conseqüências para comportamentos agressivos, identificação dos agressores mais freqüentes (se alunos de mesma série e/ou de série posterior a do aluno e/ou de série anterior e/ou funcionários ou outros), pessoas a quem o aluno recorre quando tem problemas na escola e comportamentos de risco (participação em gangues, consumo de drogas e bebidas alcoólicas, porte de armas).

Além disso, o questionário foi desenvolvido de modo a possibilitar a livre expressão dos respondentes em uma questão aberta, preenchida após terem respondido a todas as perguntas, a fim de coletar informações que as questões fechadas não tivessem contemplado e valorizar a descrição de sentimentos associados à situação de preenchimento do instrumento.

Por fim, o questionário consistiu em:

• 4 questões referentes a características demográficas (data de nascimento, gênero, série e etnia),

• 18 questões fechadas, com escala do tipo Likert (nenhuma vez, 1 ou 2 vezes, 3 ou 4 vezes, 5 ou 6 vezes, 7 vezes ou mais), sendo estas:

- 8 perguntas para avaliar a freqüência com que os alunos foram vítimas de violência psicológica (xingamentos, de ameaças, de exclusão e de rumores), de violência física (agressões físicas), de violência material (roubo e destruição de seus pertences) por parte de alunos. Adicionalmente, havia uma questão que inqueria sobre quantas vezes o respondente teve medo de que alguém pudesse o ferir na escola.

- 7 questões para avaliar a freqüência com que os alunos foram autores de violência psicológica (xingamentos, de ameaças, de exclusão e de rumores), de violência física (agressões físicas) e de violência material (roubo, de destruição de pertences) a outros alunos. Questionava-se, também, quando os alunos destruíram pertences da escola e não apenas de outros alunos.

- 3 questões referentes a comportamentos de risco para ser vítima e/ou autor de violência na escola: abusar de drogas ilegais, abusar de álcool e portar armas.

• 10 questões fechadas, com respostas categóricas em que poderia ser assinalado mais de uma resposta sobre: conteúdo dos xingamentos e ameaças sofridos, motivos percebidos para ter sido vítima, quem foi o ator da violência ao estudante, se haviam funcionários por perto quando foram vítimas e para quem contavam seus problemas.

• 5 questões fechadas, com respostas categóricas em que poderia ser assinalado mais de uma resposta sobre: por quais motivos o aluno foi autor de violência a outro aluno e quais foram as conseqüências dos atos violentos.

• 2 questões fechadas, uma em que se questionava se a escola tinha alguma medida de segurança e as alternativas de resposta eram “sim”, “não” e “não sei” e uma em que se inqueria se o aluno tivesse apanhado se havia ficado com ferimentos.

• Uma questão aberta, em que o respondente poderia escrever sobre qualquer assunto.

Validade de conteúdo

Após a elaboração das questões, foi realizada a análise semântica de todas as versões, a qual segundo Pasquali (1997) consiste em “verificar se os itens dos questionários são inteligíveis para o estrato mais baixo (de habilidade) da população meta...” (p. 96) e “... para evitar deselegância na formulação dos itens, a análise semântica deverá ser feita também com uma amostra mais sofisticada (de maior habilidade) da população meta” (p. 96). Esse autor explicita que uma das maneiras mais eficazes para testar a compreensão dos itens é fazer entrevistas em grupos de três a quatro pessoas, em que se mostram os itens um a um e se pergunta às pessoas do grupo a que eles se referem. A quantidade de grupos a serem realizados depende da adequação dos itens a população alvo, sendo que “itens que com dois grupos de sujeitos não apresentam problemas de compreensão não precisam mais ser ulteriormente checados” (Pasquali, 1997, p. 96).

Para a análise semântica do QIPVE da versão dos estudantes, foram convidados todos os alunos de uma turma de 6º. ano e de uma turma de 9º. ano, sendo explicado que os que trouxessem o Termo de Consentimento Livre Esclarecido assinado concorreriam a kits-surpresa. Tal medida foi utilizada de modo a motivá-los a participar. Foram, então, selecionados por sorteio quatro alunos de cada turma, dentre os que trouxeram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido assinado. Após tal seleção, foram formados dois grupos de quatro alunos cada. Tal análise com cada grupo de alunos demorou cerca de uma hora para se realizar.

Após essa etapa de análise, realizou-se a análise de conteúdo do questionário. Essa análise, segundo Pasquali (1997), compreende encaminhar as definições dos fatores que se pretende analisar com o instrumento e os itens do mesmo para peritos da área. Esses peritos, individualmente, ajuízam se os itens estão se referindo ou não a aquilo que se pretende avaliar com o instrumento.

Para realizar essa etapa, a versão do questionário foi encaminhada a pesquisadores da área de violência de diferentes universidades, com titulação mínima de mestres, a fim de se avaliar a adequação do conteúdo dos mesmos ao tema a ser investigado, consistindo essa etapa na validade de conteúdo. Foram convidados a participar três pesquisadores para avaliar a versão dos estudantes por meio do preenchimento de um protocolo. Por fim, foi feita a aplicação do questionário versão alunos a uma classe de 30 estudantes para se verificar a possibilidade de aplicação do instrumento em contexto de sala de aula.

 

Resultados e Discussão

Ao se aplicar a versão dos alunos nos pequenos grupos, percebeu-se que, para os alunos de 6ª ano, uma das dificuldades era realizar a leitura dos itens, pois dois deles não dominavam completamente a leitura. Tal fato é preocupante uma vez que sugere a inadequação do ensino que tais alunos receberam, sendo que pelo currículo brasileiro já deviam estar alfabetizados. Portanto, notou-se que para os alunos dessa série se fez necessário que a pesquisadora realizasse a leitura em voz alta e, assim, as questões se mostraram compreensíveis, não sendo necessárias muitas modificações. Tal ocorrência alude para a necessidade de que questionários e escalas a serem aplicados a alunos, mesmo os de 6ª série, prevejam a possibilidade de muitos estudantes não compreenderem as questões por dificuldades na leitura, sendo aconselhável a leitura em voz alta pelo aplicador.

Os alunos também fizeram sugestões para o questionário. Alguns exemplos de sugestões foram quanto à forma do teste, de modo que existisse mais espaço entre uma questão e outra e se incluísse nos conteúdos dos xingamentos a opção “a familiares”. Já os alunos de 9ª série não apresentaram dificuldades na leitura do questionário e mencionaram a necessidade de que se indagasse quantas vezes foram xingados por semana e não referente ao período de seis meses, como as outras questões indagam, o que foi acatado. Notou-se, também, de acordo com os comentários dos estudantes, que esses gostaram de dar opiniões a respeito do instrumento.

Já os pesquisadores especialistas da área sugeriram pequenas modificações na linguagem do QIPVE, tanto quanto aspectos medidos pelas perguntas quanto a própria formulação das questões. Tais sugestões foram avaliadas pelos pesquisadores, sendo, no geral, acatadas.

Após a realização das alterações consideradas necessárias, calculou-se a porcentagem de itens da versão do estudante do QIPVE que obtiveram concordância total de três juízes referente ao que mediam, sendo esta de 76,6%. A porcentagem dos itens que obteve concordância de apenas dois juízes foi de 23,4%. Portanto, percebeu-se que não houve itens em que três avaliadores tivessem discordado a respeito do que as questões mediam.

Estudo 2: Fidedignidade do Instrumento QIPVE

Objetivo

O estudo 2 buscou analisar a consistência interna dos itens cujas respostas estavam em escala Likert, não permitindo marcar mais de uma alternativa de resposta, agrupados com base em sua proximidade semântica e de conteúdo.

 

Método

Participantes

Do estudo 2, participaram 668 estudantes de 6ª a 9ª ano de três escolas estaduais de Curitiba, cujos pais assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que essas se diferenciavam de acordo com o status sócio-econômico e taxa de homicídio do bairro em que se localizavam.

Recursos Materiais

Canetas, bolas de futebol ou vôlei e folhas de aplicação do Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar.

Instrumento

O Questionário de Investigação de Prevalência de Violência Escolar foi elaborado e está descrito em detalhes no Estudo 1. Resumidamente, tal instrumento possui 40 questões, podendo ser aplicado individualmente ou coletivamente, como a vários alunos em uma mesma sala. O questionário mede a freqüência de violência na escola, quais os conteúdos de ameaças e xingamentos mais recorrentes, a percepção da existência de medidas de segurança por alunos, os motivos aparentes para a violência entre alunos, as conseqüências impostas pela escola a comportamentos agressivos dos alunos, a identificação de quais são os agressores mais freqüentes, as pessoas a quem o aluno recorre quando tem problemas na escola e se apresenta comportamentos de risco. Adicionalmente, consta no questionário uma questão aberta de modo a possibilitar a livre expressão dos respondentes, a qual é preenchida posteriormente a todas as outras perguntas. Por fim, o instrumento avalia a freqüência com que o aluno foi vítima e/ou autor de violência na escola nas dimensões: violência física (2 questões), violência psicológica (8 questões) e violência material (5 questões).

Procedimento de coleta de dados:

Para a coleta de dados, foram sorteadas três turmas por série, sendo as séries da 6ª a 9ª. Quando a turma não continha no mínimo 20 alunos, sorteou-se mais uma turma da mesma série. Portanto, convidouse a participar cerca de 50% dos alunos de Ensino Fundamental em cada escola.

Após seleção aleatória das turmas, a primeira autora explicou o projeto à sala de aula das turmas escolhidas, durante o período escolar, bem como seus objetivos e o questionário a ser respondido pelos alunos. Essa explicação durou no máximo oito minutos. Em seguida, foi entregue aos alunos o Termo de Consentimento a ser assinado pelos pais ou responsáveis que permitiam ou recusavam a participação de seus filhos.

Para maximizar a devolução dos Termos de Consentimento, a primeira autora recolheu, durante três dias letivos consecutivos, as autorizações e para os alunos que houvessem perdido o Termo de Consentimento se entregava uma nova folha, como também se relembrava aos que não tivessem trazido para que a trouxessem. Outra medida para aumentar a taxa de devolução foi realizar sorteios de 39 bolas de vôlei ou de futebol entre os alunos que trouxessem os termos assinados, mesmo que os pais não tivessem consentido. Assim, sorteou-se uma bola por turma participante e o aluno sorteado escolhia entre uma bola de vôlei ou de futebol. Os alunos, cujos pais autorizaram a participação dos filhos também assinaram um termo concordando com a participação.

Análise de dados:

Os dados coletados com o questionário foram digitados em um banco de dados do programa SPSS para a verificação da fidedignidade do instrumento. Foi realizada a análise da consistência interna das 18 questões fechadas elaboradas no estudo 1 cujas respostas estavam dispostas em escala tipo Likert de opção única, por meio do coeficiente Alfa de Cronbach. Para a realização dessa análise, os itens foram agrupados de acordo com a sua proximidade semântica e com o respaldo teórico da área. Ressaltase que o agrupamento dos itens não foi realizado por meio de uma análise fatorial exploratória, pois eram poucos os itens de freqüência do instrumento dispostos em escalas Likert, limitando a realização desse tipo de análise.

 

Resultados e Discussão

Inicialmente, os itens de freqüência do instrumento foram agrupados em quatro dimensões ou sub-escalas para a verificação da sua consistência interna: Violência Psicológica, Violência Física, Violência Material e Fator de risco para a Violência. O somatório de todos os itens das quatro subescalas resultou na Escala Global de Violência, que também teve sua consistência interna examinada. A Tabela 1 apresenta o valor do Coeficiente Alfa de Cronbach para a escala global e as quatro subescalas de violência.

 

 

Os indicadores de consistência interna dos itens de freqüência do instrumento variaram de α=0,61 a a=0,95, como indicado na Tabela 1. De acordo com Bisquerra, Sarriera e Martinez (2004), os valores de consistência interna da escala global (α=0,95) e das subescalas de Violência Psicológica (α=0,93), Violência Material (α= 0,76) e Fator de risco (α=0,95) podem ser considerados adequados e altos, com exceção da subescala de Violência Física (α= 0,61), cujo valor esteve abaixo do esperado (0,75). É possível que a subescala violência física tivesse tido valor de a <0,75, porque envolvia poucos itens.

Os coeficientes acima de 0,75 para a escala global e a maioria das subescalas indicaram que os itens de freqüência do instrumento foram consistentes para avaliar diferentes aspectos da violência. Esses resultados forneceram um indicador de confiabilidade ou fidedignidade ao instrumento estudado, com base na homogeneidade dos seus itens. Não foi possível comparar pontualmente os dados de fidedignidade do QIPVE com os do instrumento brasileiro IIVE (Charczuk, 2005), uma vez que suas subescalas não são equivalentes e que os dois instrumentos avaliam diferentes dimensões da violência.

 

Considerações Finais

O instrumento QIPVE-versão estudantes é capaz de avaliar situações de violência escolar em que os alunos participam enquanto vítimas e enquanto autores de acordo com a validade de conteúdo e consistência interna dos 18 itens cujas respostas estavam em escala Likert. Contudo, reconhecendo-se como uma limitação do instrumento, seria importante incorporar mais itens a cada subscala, principalmente a referente à violência física de modo que se pudesse compor além de uma escala global de violência, uma escala de vitimização e outra de autoria. Dessa forma, com o aumento no número de itens, seria possível realizar outros estudos e análises, verificando-se, por exemplo, o agrupamento dos itens do instrumento por meio da análise fatorial exploratória.

Além disso, poderiam ser realizadas outras etapas da validação desse instrumento, além da validade de conteúdo, tais como: validade de constructo e de critério, para que esse pudesse ser mais amplamente utilizado. Adicionalmente, seria interessante criar uma versão informatizada do mesmo, a qual já está sendo desenvolvida, que agrupassem as respostas de vários questionários, facilitando a análise das informações coletadas, principalmente, se esse for aplicado em escolas com cunho objetivo único de intervenção. Finalmente, o instrumento contribui para que se supere a carência de instrumentos brasileiros de investigação de violência escolar, uma vez que esses são imprescindíveis para a avaliação de intervenções que busquem diminuir e evitar a violência nas escolas.

 

Referências

Abramovay, M., & Rua, M. das G. (2002). Violência nas escolas. Brasília: UNESCO no Brasil.         [ Links ]

Bisquerra, R., Sarriera, J.C.; & Martinez, F. (2004). Introdução à estatística: Enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Charczuk, S. B. (2005). Elaboração e avaliação das qualidades psicométricas do inventário de indicadores de violência na escola. Dissertação não publicada, Curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde, da Universidade Vale do Rio dos Sinos. Porto Alegre, RS.         [ Links ]

Codo, W. (Org.). (2006). Educação: Carinho e Trabalho (4th ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Debarbieux, E. (2002). “Violências nas escolas”: divergências sobre palavras e um desafio político. Em E. Debarbieux, & C. Blaya (Orgs.), Violência nas escolas e políticas públicas (pp. 59-87). Brasília: UNESCO.         [ Links ]

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Recebido em novembro de 2009
1ª Reformulação em maio de 2010
2ª reformulação em julho de 2010.
Aceito em agosto de 2010

 

 

Sobre os autores:

Ana Carina Stelko-Pereira: graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos e Doutoranda em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. Bolsista FAPESP.
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams:doutora em Psicologia Experimental (USP), Mestre em Psicologia (Universidade de Manitoba, Canadá), Professora Titular do Departamento de Psicologia da UFSCAR e Coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV).
Lucas Cordeiro Freitas:graduado em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Mestre e Doutorando em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Bolsista FAPESP.

1Contatos:
Email: anastelko@gmail.com, williams@power.ufscar.br, lucascscf@yahoo.com.br
2Esse estudo é parte da dissertação de mestrado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos da primeira autora, a qual contou com o apoio da FAPESP por meio de concessão de bolsa.

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