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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.3 Porto Alegre dez. 2010

 

 

Alguns instrumentos para se medir a criatividade

 

 

Zélia Maria Freire de Oliveira

Universidade Católica de Brasília

 

 

Alencar, E. M. L. S.; Bruno-Faria, M. F.; Fleith, D. S. (Org.). (2010). Medidas de Criatividade. Porto Alegre: Artmed, 160 p.

Elaborar medidas de criatividade é uma das questões que vem atraindo e desafiando os estudiosos desse constructo complexo, dinâmico e multidimensional e ainda carente de pesquisas, mas que tem se tornado cada vez mais relevante nos tempos atuais, especialmente no contexto educacional e organizacional. É um grande desafio se medir criatividade, pois significa enfrentar um paradoxo ao se tentar construir uma maneira padronizada de se capturar a criatividade humana que foge à padronização. Os autores, pesquisadores do tema, decidiram pela publicação do livro, considerando uma grande demanda de permissão de uso de instrumentos construídos por eles e a escassa literatura no Brasil sobre o assunto. Para os instrumentos apresentados foram explicitados o seu processo de concepção, construção e validação, até a construção da forma atual, constante no decorrer dos capítulos, bem como pesquisas que os utilizaram, o que é de grande valia para a construção de futuros instrumentos.

O primeiro capítulo intitulado A medida da criatividade - possibilidades e desafios apresenta três pontos importantes: um breve histórico dos estudos sobre criatividade, cujo interesse ocorreu a partir da década de 1950, fruto do movimento humanista e do discurso de Guilford ao assumir a Associação Americana de Psicologia em 1950, quando salientou a necessidade urgente de se investir em criatividade para se encontrar novas soluções para os problemas enfrentados pela humanidade; um elenco de instrumentos de medida desenvolvidos no exterior; e as questões técnicas de sua utilização. Existem inúmeras definições para criatividade e diferentes abordagens que a conceitua segundo a sua linha de pensamento e enfoque (pessoa, processo, produto ou contexto). As abordagens teóricas recentes como a Teoria do Investimento em Criatividade, de Sternberg e Lubart (1996), o Modelo Componencial de Amabile (1996) e a Perspectiva de Sistemas de Csikszentmihalyi (1996) apontam diferentes fatores que contribuem para a expressão da criatividade: variáveis pessoais e elementos do contexto social, histórico e cultural, os quais interagem entre si.

Com relação aos instrumentos para medir a criatividade, as autoras enumeram várias vantagens, tais como oferecer dados para avaliação de indivíduos ou grupos, orientando professores no planejamento e na implementação de instrução apropriada; ajudar a remover a criatividade do domínio do misterioso e inacessível; identificar potencialidades criativas, entre outras. Indicam as diferentes modalidades de medida de criatividade classificadas de formas distintas por autores diversos e apontam, entre as medidas mais conhecidas, os testes de pensamento divergente, como os desenvolvidos por Guilford, os Testes Torrance de Pensamento Criativo, que foram adaptados e validados para a cultura brasileira por Wechsler e o Teste de Pensamento Criativo - Produção Divergente, de Urban e Jellen. Outra modalidade de testes é aquela desenvolvida com o objetivo de avaliar traços psicológicos, de personalidade, motivacionais, biográficos, de interesses e estilos de criatividade, como: Group Inventory for Finding Creative Talent (GIFT), Group Inventory for Finding Interests (GIFFI I e II), Preeschool Interest Description (PRIDE), desenvolvidos por Davis, Rimm e Bien; o Survey de Atitude para Criatividade e a Escala de Preferência, de Basadur. Além desses são descritos na literatura diversos inventários e cheklists de atributos de personalidade, o julgamento subjetivo por um grupo de especialistas da criatividade dos indivíduos e o uso de juízes utilizando critérios predeterminados.

As questões técnicas relativas às medidas de criatividade dizem respeito à fidedignidade, à validade e às condições de sua aplicação. Há três abordagens para se medir a fidedignidade: o testereteste, a consistência interna e o uso de formas alternativas. A validade é o aspecto mais importante a ser considerado e se apóia em três questões: o que o teste supõe medir; o que o escore derivado da aplicação de um teste significa; e como o escore de um indivíduo em uma medida se relaciona com outros fatos observáveis. Quanto às condições de aplicação, é necessário controlar alguns fatores, como o tempo disponível, nível de dificuldade das instruções e controle de fatores alheios ao respondente. São realmente aspectos fundamentais na elaboração de um instrumento, mas de difícil realização.

O segundo capítulo apresenta um inventário de barreiras à criatividade pessoal, criado por Eunice M. L. Soriano de Alencar, intitulado Eu seria mais criativo (a) se.... Existem vários procedimentos que inibem a criatividade no contexto educacional e que dificultam o indivíduo aproveitar seu potencial criativo, como o ensino voltado para o passado, ênfase na reprodução e memorização do conhecimento. Além das barreiras de contexto, existem também as culturais, as perceptuais, as emocionais, as intelectuais, as históricas, as biológicas, psicológicas, as de ordem pessoal, as estratégicas e as de valores. São escassos os instrumentos que identificam tais barreiras. Daí a importância do instrumento em questão que vem contribuir para se detectar fatores inibidores da expressão criativa, podendo ser útil tanto para fins de diagnóstico, como em programas de treinamento e desenvolvimento pessoal. Compõe-se de quatro fatores: inibição/timidez, falta de tempo/oportunidade, repressão social e falta de motivação, ao todo 66 itens, sendo apropriado para aplicação em alunos e professores universitários.

O próximo capítulo apresenta um instrumento para avaliação do clima para a criatividade em sala de aula, de autoria de Denise de S. Fleith, denominado Minha sala de aula. O ambiente tem um papel fundamental na estimulação do potencial criativo, sobretudo o escolar. Não basta estimular as pessoas a pensarem criativamente, sendo necessário criar condições no ambiente que favoreçam a criatividade. Entre as várias características de um clima de sala de aula favorável à criatividade estão: oferecer oportunidades de escolhas, desenvolver a habilidade de pensar em termos de possibilidades, aceitar diferentes ideias, focalizar os interesses do aluno e encorajar a sua autoestima. O instrumento em questão é aplicável às crianças de 3ª. e 4ª. séries, compõe-se de 22 itens (versão final), distribuídos em cinco fatores: suporte da professora à expressão de ideias do aluno, autopercepção do aluno com relação à criatividade, interesse do aluno pela aprendizagem, autonomia do aluno, estímulo da professora à produção de ideias do aluno. Os fatores medidos pelo instrumento avaliam comportamentos do professor favoráveis à expressão criativa discente e as características do aluno associadas à criatividade.

A seguir, está o Inventário de práticas docentes para a criatividade na educação superior, elaborado por Eunice M. L. Soriano de Alencar e Denise de S. Fleith. O ensino superior tem sido alvo de críticas por não incentivar o pensamento criativo e independente, prevalecendo uma cultura de aprendizagem abaixo das possibilidades ilimitadas do potencial criativo do ser humano. Entretanto, é importante ressaltar que as universidades são repositórios de pesquisa e conhecimento, possuindo grande potencial para inovar. O instrumento é útil para fins de pesquisa e diagnóstico de condutas docentes que possam favorecer o desenvolvimento e a expressão das habilidades criativas de estudantes universitários. O instrumento possui 37 itens distribuídos em quatro fatores: incentivo a novas ideias, clima para expressão de ideias, avaliação e metodologia de ensino e interesse pela aprendizagem do aluno.

O quinto capítulo, escrito por Cleyton Hércules Gontijo e Denise de S. Fleith, apresenta o instrumento criado por eles, denominado Avaliação da criatividade em matemática, baseado em pesquisa realizada com alunos de ensino médio. Saber calcular, medir, raciocinar argumentar, tratar informações estatisticamente são habilidades matemáticas importantes para o exercício da cidadania. Incluir a criatividade no trabalho pedagógico da matemática pode colaborar para a superação dos problemas em sua aprendizagem e quebrar barreiras, possibilitando ao professor e aos alunos uma nova dinâmica no processo ensinoaprendizagem em matemática. O instrumento compõe-se de seis itens, cujas respostas devem ser julgadas segundo critérios de fluência, flexibilidade e originalidade.

No sexto capítulo estão Indicadores de clima para a criatividade no ambiente de trabalho, de autoria de Maria de Fátima Bruno-Faria, cujo objetivo é identificar estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho. É importante que as organizações invistam em ações destinadas à inovação em estratégias que estimulem as pessoas a serem criativas no ambiente de trabalho, pois a criatividade é a base da inovação. O instrumento deve ser respondido por empregados em diferentes níveis e funções na organização, para que se obtenham diferentes perspectivas. É composto por 97 itens referentes a estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho. Os relativos a estímulos se agrupam em oito fatores: ambiente físico adequado, clima social favorável entre colegas de trabalho, incentivo a ideias novas, liberdade de ação, atividades desafiantes, salário e benefícios adequados, ações da chefia e da organização em apoio a ideias novas e disponibilidade de recursos materiais. Os itens relativos a barreiras à criatividade no ambiente de trabalho formam quatro fatores: bloqueio da chefia imediata, excesso de serviços e escassez de tempo, resistência a ideias novas e problemas organizacionais. Esse instrumento encontra-se em processo de reformulação, não obstante ser de boa qualidade psicométrica, podendo ser utilizado tal como está.

O último capítulo, de autoria de Melissa Machado Moraes e Suzana Maria Valle Lima, trata de Estratégias para criar no trabalho, que facilitam a identificação, compreensão de problemas no trabalho; a preparação para resolução desses problemas; o surgimento da ideia ou solução procurada; e a verificação da validade e utilidade da idéia proposta e seu aprimoramento. As autoras partiram de analogia com estratégias de aprendizagem para constituírem as estratégias organizacionais, envolvendo aspectos cognitivos, comportamentais e autorregulação. São 63 itens distribuídos em cinco fatores (pensamento flexível, imaginação e introspecção, controle emocional, leitura inspiradora interação e analogia) e mais sete itens referentes à autoeficácia.

O livro reflete o esforço de alguns pesquisadores brasileiros em criatividade, sobretudo em compartilhar os instrumentos por eles desenvolvidos, num tema ainda carente de pesquisas. É essencialmente recomendado para alunos de Psicologia e Ciências da Educação, para professores que querem tornar criativa a sua prática educacional e que buscam desenvolver o potencial de criatividade inerente a todas as pessoas e ainda para as gerências nas organizações. Como os instrumentos se restringem a determinado público, espera-se que o livro, com sua leitura fácil, possa suscitar o surgimento de outros instrumentos para avaliação da criatividade de crianças e adultos, nas instituições de educação e nas organizações, possibilitando o aflorar de cidadãos criativos que busquem soluções aos inúmeros problemas da contemporaneidade.

 

 

Sobre a autora

Zélia Maria Freire de Oliveira: Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília, Doutoranda pela mesma universidade. Seu tema de pesquisa é criatividade na educação, sobretudo na formação e atuação do professor.

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