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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.10 no.2 Itatiba ago. 2011

 

Motivos da procura por orientação de carreira em adultos: um estudo preliminar

 

Reasons for adults to seek careerguidance: a preliminary study

 

 

Ana Flávia de Oliveira Santos; Lucy Leal Melo-Silva1

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Dificuldades adaptativas ao curso universitário ou ao trabalho levam à necessidade de atenção especializada. Este estudo objetiva investigar os motivos da procura de adultos por orientação profissional e de carreira em um serviço de uma universidade pública. Participaram deste estudo 17 sujeitos (11 mulheres e seis homens) com idade variando entre 20 e 48 anos. Os dados foram obtidos por meio de um questionário do tipo autorrelato. A análise do conteúdo foi feita com base nas respostas às questões selecionadas, referentes às preocupações com a carreira, às expectativas e ao grau de importância dos temas abordados na intervenção. Verificou-se que os participantes apresentaram preocupações predominantemente relativas ao ingresso no ensino superior e às transições de carreira, seguidas de questões referentes à necessidade de mais informação profissional. A sistematização dos dados possibilitou a avaliação das necessidades de atendimento e melhor delineamento das estratégias de intervenção com adultos.

Palavras-chave: orientação de carreira; orientação vocacional; intervenção psicológica; informação ocupacional.


ABSTRACT

Difficulties to adjust to university or work lead to the need for specialized care. This study aimed at investigating the reasons why adults seek career guidance and was done at a vocational guidance service at a state university. Seventeen subjects (11 women and 6 men), who's age varied from 20 to 48 years, participated in this study. Data were obtained from self-report questionnaires. The analysis of the contents was done focusing the following issues: concerns about their career, expectations about the intervention, and the importance they attributed to the issues approached during intervention. It was seen that the participants were mostly concerned with issues relating to their entrance higher education and career transitions, followed by the needs for more occupational information. The results clarified the demands for career guidance and optimizing the design of intervention strategies to attend adults.

Keywords: career guidance; vocational guidance; psychological intervention; occupational information.


 

 

No contexto brasileiro, tradicionalmente os serviços de Orientação Profissional e de Carreira encontram-se voltados aos adolescentes que buscam a inserção, pela primeira vez, em uma carreira universitária, ou seja, objetivam prosseguir nos estudos, destacando o papel de estudante. No entanto, observa-se, também, demanda por parte de jovens adultos e adultos. A alteração no perfil é marcada pela crescente procura de pessoas que apresentam dificuldades adaptativas ao curso universitário de primeira escolha, bem como de adultos já iniciados em uma carreira, revelando a insatisfação com a escolha anteriormente realizada (Silva, 2001).

Se antes a procura se dava quase que exclusivamente por jovens, principalmente concluintes do Ensino Médio, a Orientação Profissional e de Carreira vem ganhando novos "adeptos", em um número crescente, em decorrência da necessidade de mudança na trajetória profissional. Se no passado a mudança poderia sinalizar instabilidade, nas duas últimas décadas indica flexibilidade e capacidade para ampliação de experiências, podendo ser considerada como um aspecto positivo no currículo pessoal (Lima, 2003).

As velozes transformações no mundo do trabalho revelam fronteiras cada vez mais tênues entre as ocupações. Somam-se a isso, ainda, as frequentes mudanças exigidas pela globalização (Barros, 2003). Paradoxalmente, o mundo do trabalho oferece oportunidades, mas ao mesmo tempo se apresenta cada vez mais competitivo, exigente e excludente. As cobranças tornaram-se mais intensas e frequentes (Lima, 2003). Além disso, a exigência do desenvolvimento de competências pessoais e comportamentais, para além do conhecimento técnico, constitui, em conjunto, uma carga emocional de alto potencial de desgaste no profissional (Oliveira, Guimarães & Dela Coleta, 2006).

Diante desse panorama, pode-se considerar como característica dos tempos contemporâneos o agir de forma rápida, tornando-se necessário fazer sempre mais em menos tempo. Tal aceleração dos ciclos de tempo, observada na valorização acentuada pela rapidez e na busca desenfreada por resultados e recompensas cada vez mais imediatas, gera novas demandas para a pessoa no que se refere ao planejamento de sua carreira. É importante notar que as pessoas que buscam orientação profissional, em outras etapas do ciclo vital, não necessariamente decidem pela mudança de carreira, sendo comum a mudança de atividade dentro de uma mesma carreira (Lima, 2003). A carreira pode ser objeto de reflexão em qualquer momento da trajetória, do curso da vida.

Para Super (1980, p. 282), em sua teoria do espaço e curso da vida, "a carreira é definida como a combinação e sequência de papéis desempenhados por uma pessoa durante o curso de sua vida". O conceito de "papel" é compreendido como expectativa de desempenho. Segundo o referido autor, os seis grandes papéis sociais são os de: (1) criança, (2) estudante, (3) homem ou mulher nos tempos livres (leisurite), (4) trabalhador [incluindo o de desempregado], (5) cidadão, (6) realizador de atividades domésticas (homemaker). Outros três foram acrescentados ao longo da extensa produção de Super (1980), os de (7) cônjuge, (8) progenitor e (9) aposentado. Não necessariamente todas as pessoas desempenham todos os papéis, há quem não se case, não tenha filhos ou morra antes da aposentadoria. Outros papéis, menos comuns, podem ser identificados, por exemplo, criminoso, doente mental, religioso, amante. Por sua vez, a sequência também difere. A ordem em que aparecem na literatura se refere às posições tipicamente ocupadas. Assim, a carreira, para Super, consiste em uma constelação de interações, com variação de papéis.

Os papéis não são específicos, portanto, de uma determinada idade. A cada um deles, em determinado momento e estilo de vida, tende a ser atribuído um peso maior ou menor (às vezes nulo), a um ou alguns papéis. Para o jovem, o papel de maior saliência é o de estudante. Evidentemente, que para o homem e a mulher maduros, fase em que se encontram os participantes deste estudo, os papéis de trabalhadores e pais de família ocupam destaque, porém continuam articulando-se com os demais, estruturando a vida e conferindo-lhe significado.

Considera-se relevante, neste estudo, identificar e refletir sobre os papéis proeminentes quando se trata de reorientação de carreira em adultos. Além disso, é importante levar em consideração a motivação do indivíduo quando procura por determinado serviço de carreira. Conforme pontuam Nascimento e Coimbra (2005a), tratando-se da procura por Orientação Profissional, o pedido é o que primeiro informa acerca da situação problemática em consulta psicológica e, uma vez avaliada, torna-se um instrumento para a construção do processo interventivo. Os problemas vivenciados, dos pedidos e das expectativas do orientando, indicam a problemática vivenciada e a disponibilidade para o envolvimento do indivíduo no processo de intervenção.

Pessoas em situação de transição profissional necessitam incremento de sua capacidade de observação e desenvolvimento de habilidades pessoais, como destacam Moura e Menezes (2004). O aprofundamento de questões pessoais se apresenta como fundamental para a população que busca a reorientação (Soares, 2002), no sentido de redirecionamento na carreira, de tomada de novas decisões. Há, pois, a necessidade de se ampliar a visão para aspectos que permeiam a vivência do orientando, variáveis que comunicam as necessidades de auxílio e, no todo, configuram e contextualizam a situação do orientando, no momento da busca por ajuda (Nascimento & Coimbra, 2005b).

Dessa forma, atentar aos pedidos dos orientandos amplia o alcance do espectro da Orientação Profissional, ao ir além do pedido verbalizado, construindo uma atuação responsiva a partir de uma compreensão mais ampliada e integradora do indivíduo em seus múltiplos condicionantes, buscando abordar, na intervenção, os aspectos afetivos, motivacionais, sociais, entre outros, que perpassam toda a dinâmica atual do orientando (Nascimento & Coimbra, 2005a). Tais considerações são relevantes para quem procura serviços de carreira em qualquer etapa do ciclo vital e, portanto, também deve ser avaliado na busca por reorientação da carreira. Essa, por sua vez, pode ocorrer em diferentes momentos na vida do indivíduo – durante o período universitário, no meio da carreira ou na aposentadoria, como já apontava Soares-Lucchiari (1997).

Assim sendo, o presente trabalho objetiva focalizar os dois momentos nos quais se situam os participantes deste estudo: (a) primeira "escolha" que gerou insatisfação e (b) necessidade de tomada de novas decisões, a partir da atitude de repensar as alternativas profissionais. Objetiva, também, investigar os problemas enunciados, os motivos da procura e as expectativas de atendimento, incluindo o grau de importância atribuído aos possíveis temas que poderão ser abordados no atendimento em Orientação Profissional, de pessoas inscritas em um serviço-escola de uma universidade pública.

 

Método

Para a realização deste trabalho, foram utilizados os dados obtidos por meio de um questionário de autorrelato respondido por 17 adultos, sendo 11 mulheres e seis homens, com idades entre 20 e 48 anos, no momento da inscrição para atendimento em um serviço de Orientação Profissional e de Carreira de um curso de Psicologia serviço de uma universidade pública, no qual os usuários que predominantemente buscam o serviço são adolescentes. Por ocasião das inscrições, 24 adultos buscaram o serviço, porém dois foram encaminhados para psicoterapia e cinco desistiram. Os demais (n=17) foram atendidos e constituem os participantes deste estudo.

Especificamente em relação à escolaridade dos participantes, um possuía ensino técnico; oito possuíam ensino médio; quatro possuíam ensino superior incompleto (cursando nível universitário) e quatro possuíam ensino superior completo. Dos inscritos, dez eram solteiros, cinco casados e dois divorciados. Quanto à ocupação no momento, quatro estavam cursando ensino superior (dois cursavam Informática Biomédica, um Física Médica e outro Engenharia Elétrica), outro cursava ensino médio Técnico em Enfermagem. Quatro trabalhavam no comércio, dois desempenhavam atividade de coordenação/supervisão. No grupo, havia ainda um bancário, um professor, um sacristão e um técnico de nível médio. Um estava desempregado e um trabalhava apenas em casa.

Os inscritos, na entrevista de triagem realizada após o preenchimento do questionário, foram informados sobre o atendimento a ser realizado por psicólogos estagiários e deram consentimento para uso dos dados. Assim, cuidados éticos foram tomados tanto na coleta quanto no trato do material analisado, sobretudo no que concerne a não identificação dos participantes. Utilizou-se como critério de inclusão a inscrição de adultos em um ano de atendimento, que apresentaram demanda por auxílio na tomada de decisão de carreira em uma situação de transição e que foram posteriormente atendidos no serviço na modalidade de atendimento em grupo destinado a adultos e jovens adultos (com ensino fundamental, ensino médio concluído e não estavam fazendo o curso pré-vestibular, estudantes universitários e graduados). O critério de exclusão foi ser adolescente, estudante de ensino médio regular estudante de cursinho, em situação de vestibular, população típica do serviço.

Para compor o corpus de análise deste estudo, foram utilizadas as respostas a três questões abertas do referido questionário. As questões abordaram: (a) os problemas e os motivos da procura de Orientação Profissional e de Carreira e (b) as expectativas no que se refere ao tipo de ajuda, bem como às formas de ajuda a serem oferecidas pelo serviço. Adicionalmente, em relação às expectativas quanto ao atendimento em Orientação Profissional e de Carreira, foram utilizados dados de outras questões do questionário, uma aborda as formas de ajuda que poderiam ser oferecidas pelo SOP (c) e a outra se relaciona ao grau de importância atribuído a determinados temas (d), segundo uma escala tipo Likert de cinco pontos (nenhuma, pouca, média, muita ou extrema importância). As preocupações e as expectativas geraram subsídios para o planejamento da intervenção de carreira.

Os itens da questão "d" contêm os seguintes temas: autoconhecimento, informações sobre as profissões, informações sobre o mercado de trabalho, informações sobre a universidade, teste "vocacional", resolução de problemas pessoais, problemas relativos ao estudo, resolução de problemas de relacionamento com as pessoas, resolução de problemas de relacionamento com os pais ou familiares, enfrentamento do vestibular e decisão sobre o futuro. As respostas foram organizadas, primeiramente, a partir de uma leitura flutuante dos dados coletados. A seguir foram destacados os conteúdos presentes em cada uma das questões levantadas. Passou-se, então, a um processo de sistematização dos dados, sendo realizada a categorização em unidades de significação que descreveram os conteúdos relatados.

Para proceder à análise dos dados, as informações foram organizadas em quatro categorias: (a) preocupações com a carreira; (b) expectativas quanto à ajuda; (c) formas de ajuda que poderiam ser oferecidas pelo serviço e (d) grau de importância atribuído aos possíveis temas a serem tratados no atendimento em Orientação Profissional. Em seguida, efetuou-se a determinação da frequência de resposta de cada categoria, de modo a propiciar reflexões interpretativas com base no referencial teóricodesenvolvimentista de Super (1980).

Ainda, apresentou-se a resolução da problemática, após intervenção grupal realizada com os inscritos, que foram divididos em dois grupos, segundo disponibilidade de horário dos integrantes, realizada semanalmente, com duração de uma hora. O objetivo da intervenção proposta foi facilitar o desenvolvimento de estruturação do projeto pessoal da carreira de cada membro do grupo, a partir do levantamento de suas demandas e necessidades, propondo-se um processo dinâmico, pautado em dispositivos e dinâmicas grupais que incitaram reflexões e busca de novas perspectivas, em um processo de troca intrínseco ao movimento grupal, além de entrevistas de follow-up com o intuito de se avaliar o processo realizado com cada integrante.

 

Resultados e Discussão

Os resultados são apresentados e discutidos, a seguir, segundo cada categoria de análise.

Preocupações com a carreira

Os dados apresentados na Tabela 1 apontam que, entre os adultos, há uma maior frequência de preocupações relativas ao rearranjo do planejamento da carreira (7), seguida de preocupações com a definição de um curso superior (6). A primeira se refere ao caso de pessoas que anteriormente fizeram uma escolha, mas que, no momento, buscam validá-la ou necessitam de um redirecionamento na carreira; a segunda está relacionada à situação de uma primeira tomada de decisão quanto à escolha profissional de um curso superior. Trata-se da necessidade de enfrentamento de constantes transições (voluntárias ou involuntárias) que ocorrem na carreira, no trabalho e nas condições de vida.

 

 

Esses dados sugerem que esses adultos, dado o momento de vida em que buscam o atendimento em orientação profissional, trazem a demanda por um tipo diferenciado de intervenção, focado no redirecionamento da carreira e no auxílio na tomada de novas decisões, considerando o curso do ciclo vital. Tais preocupações enunciadas revelam, por sua vez, a natureza da problemática vivenciada pelos adultos, bem como a motivação e a disponibilidade do grupo para o comprometimento com a tarefa de escolha ou processo de revisão das decisões, objetivando refletir sobre e investir no desenvolvimento da carreira no curso da vida. Como destaca Super (1980), os papéis não são específicos de uma determinada idade. Evidentemente que para o homem e a mulher maduros, fase em que se encontram os participantes deste estudo, os papéis de trabalhadores e pais de família ocupam maior destaque, como apontado anteriormente. Porém, observa-se o papel de estudante articulando-se com os demais.

Dessa forma, considerando a integração ao conjunto de papéis que o indivíduo desempenha em sua vida, a carreira deve ser entendida como conector da vida pessoal e do trabalho, compreendendo-se o planejamento da carreira como projeto e gerenciamento da própria vida (Jenschke, 2003). Nesse sentido, a busca por ajuda do especialista em Orientação Profissional e de Carreira no contexto da Psicologia, nesse momento, é esperada. Como o planejamento de carreira deve ser combinado com o projeto geral de vida, a orientação deve dar o suporte necessário para o desenvolvimento de habilidades de planejamento de vida que instrumentalizem as pessoas para lidarem com as constantes mudanças sociais e situações individuais (Jenschke, 2003).

Souza e Lassance (2007) sugerem que a assistência na definição de saliências e tomada de decisões deve conferir o menor grau possível de incongruência entre os diferentes papéis desempenhados, o que influencia em grande medida a necessidade de orientação entre os adultos. Na situação de procura por Orientação Profissional e de Carreira, caso apresentado neste estudo, a questão da problemática profissional e, por conseguinte, do papel de trabalhador, apresenta-se em relevo, às vezes mais, às vezes menos conectado com os demais papéis.

Reconhece-se, pois, a existência de influências recíprocas entre as diferentes escolhas que o indivíduo realiza nos múltiplos contextos e domínios da sua existência. Sendo assim, admite-se que os processos psicológicos subjacentes à mudança em qualquer das vertentes do sistema pessoal são, em geral, similares. No que se refere à escolha profissional, pode-se dizer que ela também seja influenciada pelo funcionamento das dimensões sócio-afetivas, motivacionais e desenvolvimentais do indivíduo (Super, 1980).

Percebe-se assim a necessidade de um serviço que ofereça uma modalidade alternativa de intervenção voltada a essa demanda, uma vez que se observa uma crescente procura por serviços de carreira, com vistas a repensar e colocar em dúvida uma escolha anterior, por parte de pessoas que já iniciaram sua carreira profissional, sejam graduandos ou profissionais, inseridos no mercado de trabalho (Lassance, 2005; Silva, 2001). Dessa forma, há a necessidade de se conhecerem as preocupações, os problemas e as expectativas que o orientando apresenta em relação às características e possibilidades de resolução do modelo de intervenção oferecido, de modo que se avalie a consonância entre os desejos apresentados e o serviço disponibilizado para a realização de um contrato de trabalho, pautado no compartilhamento de interesses e expectativas. A população considerada, dada a etapa de desenvolvimento em que se encontra, requer um serviço especializado, voltado às necessidades de seu ciclo de vida e aos papéis sociais desempenhados, considerando o espaço e o contexto social, cultural e econômico.

Dados obtidos no "Relatório Anual de Informações Sociais", do Ministério do Trabalho e Emprego, mostraram que sete de cada dez brasileiros com curso superior não exercem a profissão para a qual se formaram (Lima, 2003), o que corrobora a necessidade, levantada por este estudo, de um serviço de Orientação Profissional e de Carreira, que ofereça uma modalidade alternativa de intervenção, com vistas ao auxílio a novas tomadas de decisões, de modo que este redirecionamento da carreira profissional se dê de maneira mais autônoma e consciente pelo trabalhador. Segundo Moura e Menezes (2004), a identificação das necessidades e das dificuldades apresentadas pela situação de re-escolha profissional é condição necessária para o alcance do objetivo de orientação a essa população.

Para ilustrar essas preocupações, destacamse as seguintes frases registradas pelos participantes: "Estou prestes a concluir a graduação sem gostar do que faço e não sei o que irei fazer quando concluir"; "Estou insatisfeito com meu perfil profissional e tenho interesse em mudá-lo ou aprimorá-lo para alguma área que eu goste". Esses excertos sugerem, assim como também se deixa vislumbrar a indicação da necessidade da Orientação Profissional e de Carreira, que a primeira "escolha" desses adultos/jovens adultos se mostrou insatisfatória. Indivíduos que reconhecem sua insatisfação pela escolha julgada como "equivocada" apresentam uma carga adicional de tensão advinda da necessidade de uma nova escolha. Em um estudo com o objetivo de identificar dificuldades e necessidades de orientandos insatisfeitos com a opção profissional, Moura e Menezes (2004) encontraram insatisfação generalizada quanto à primeira escolha realizada, dúvida e medo de insatisfação com a nova escolha, sendo este o motivo para recorrerem ao auxílio da Orientação Profissional e de Carreira.

Expectativa quanto ao tipo de ajuda a ser oferecida pelo serviço

Em relação à expectativa quanto ao tipo de ajuda a ser oferecida pelo serviço, destaca-se a necessidade de nova tomada de decisão (10) e, em seguida, autorrealização/autoconhecimento (3), formação profissional (2), informação profissional (1) e decisão sobre vestibular como primeira escolha (1). A análise das expectativas levantadas permite reforçar a questão da reorientação da carreira como aspecto predominante na motivação desses adultos quanto à Orientação Profissional, demonstrando a convergência dos dados nesta direção e a solicitação dos interessados voltada a este foco de atendimento.

Os participantes revelaram tais expectativas por meio de frases como: "Procuro ajuda para ver se realmente é o que eu quero fazer"; "Orientação sobre um redirecionamento profissional, mudar o ramo". A Orientação Profissional e de Carreira para adultos se apresenta, então, como possibilidade de descoberta e segurança quanto à efetividade da re-escolha profissional, sendo a busca pelo serviço uma forma de obter confiança e segurança na tomada de uma nova decisão. Trata-se de apoio em outros momentos do ciclo vital.

No entanto, é importante considerar que, implícita no pedido que primeiro informa a problemática do desejo de resolução por parte do solicitante, muitas vezes se obscurece a necessidade de auxílio em outras questões psicológicas (Nascimento & Coimbra, 2005a). Outros problemas afetivos e emocionais emergem na busca por ajuda, caracterizando a Orientação Profissional e de Carreira como porta de entrada para a Psicoterapia, como apontaram Carvalho (1995) e Santos, Oliveira e Melo-Silva (2009). Ao identificar tais demandas, busca-se junto com o orientando tomar uma decisão sobre a permanência no serviço ou o encaminhamento para atendimento psicoterápico.

Conforme pontuam Melo-Silva, Lassance e Soares (2004), muitas vezes os adultos que procuram pela Orientação Profissional e de Carreira apresentam também questões afetivo-emocionais que dificultam a resolução da escolha da carreira, sua inserção e permanência no trabalho. Considerando esses casos, a orientação apresenta certa convergência com o paradigma clínico.

Por sua vez, Nascimento e Coimbra (2005b) discorrem sobre as dificuldades dos psicólogos na área da Orientação Profissional e de Carreira, cuja formação segmentária muitas vezes não promove a integração das questões vocacionais e não-vocacionais. Constantemente, quando se percebe o predomínio de questões não-vocacionais envolvidas na queixa do cliente, o pedido de orientação, neste domínio, pode revelar a resistência dos clientes à situação de Psicoterapia, antecipando suas implicações emocionais e/ou expectativas terapêuticas em relação à consulta vocacional, conceito utilizado pelos referidos autores, na qual o motivo vocacional os introduz no contexto da consulta psicológica.

Nesse sentido, cabe destacar a complexidade da diferenciação entre aconselhamento (counseling) pessoal e profissional, que se faz didaticamente, mas na prática não seria tão relevante, uma vez que se atua na interface entre a intervenção focal dos aspectos vocacionais e um atendimento psicológico (Melo-Silva & cols., 2004), sobretudo, no contexto de obtenção de dados para fins deste estudo. Ainda que o aconselhamento pessoal e o aconselhamento vocacional apresentem objetivos diferenciados, o pedido realizado pelo cliente deve ser avaliado de modo integral, para que a conduta do orientador não seja omissa ou parcial. E, em caso de identificação de outros aspectos que não estritamente vocacionais, o profissional necessita sensibilizar o orientando para essas áreas de intervenção, favorecendo a ampliação da tomada de consciência dos fatores relacionados à questãoproblema apresentada (Nascimento & Coimbra, 2005a).

Com base nos dados obtidos, infere-se que há um interesse maior por parte dos usuários pelo atendimento no domínio da Orientação Profissional e de Carreira, ainda que outros aspectos se encontrem associados. Dessa forma, problemas aparentemente não relacionados à área profissional devem ser abordados no processo interventivo, de modo a compreender o indivíduo em seu desenvolvimento global, partindo, então, do orientador profissional a valorização desta perspectiva de trabalho e a sensibilização de seus orientandos quanto a outras necessidades de intervenção, que poderão ser atendidas concomitante ou posteriormente. Tal perspectiva pode ser trabalhada, uma vez que o serviço faz parte de uma Clínica Psicológica.

Nessa direção, destaca-se disponibilidade dos adultos marcada por maior abertura a aspectos profissionais, sendo o foco uma abordagem estritamente profissional, muito comum entre as pessoas que procuram consulta em Orientação Profissional e de Carreira. Ressalta-se, contudo, uma abertura à abordagem de questões pessoais da ordem do autoconhecimento, como expectativa de um dentre os aspectos possíveis de serem trabalhados que, numa abordagem integradora do indivíduo, pela compreensão psicodinâmica da Orientação Profissional, constitui um eixo temático de extrema importância para a assunção de uma escolha autônoma e consciente por parte do orientando. Segundo Moura e Menezes (2004), a necessidade de maior conhecimento de si mesmo, por meio da prática da orientação, possibilita uma abordagem mais ampla da situação, bem como maior segurança na tomada de decisão.

Exemplifica-se essa abertura à abordagem de questões pessoais, relativas ao autoconhecimento, por meio das seguintes frases: "Que ela (a Orientação Profissional e de Carreira) abra caminhos, que eu desperte para valores que não consigo identificar em mim"; "Me ajudando a me entender melhor".

Nota-se o baixo índice de expectativa quanto à informação profissional. Conforme Moura e Menezes (2004), pessoas em situação de reescolha encontram-se mais interessadas e voltadas à busca de informações quanto a si próprias do que dirigidas às profissões. Pode-se ainda inferir que as pessoas não conheçam a importância da informação qualificada para a tomada de decisão em qualquer etapa do ciclo vital.

Formas de ajuda que poderiam ser oferecidas pelo SOP

Quanto à forma pela qual será oferecida a ajuda, foram encontrados os seguintes resultados: orientação (6), compartilhamento de experiências (4), intervenção psicológica/consulta (4), aplicação de instrumento de avaliação psicológica (1) e informação profissional (1). Esses dados sugerem uma postura mais passiva dos inscritos no serviço, que apontam a orientação por um profissional qualificado, a partir de intervenção psicológica focada no atendimento, como modalidades de intervenção por meio das quais acreditam ser oferecida a ajuda, como pode ser observado na seguinte frase: "Me ajudando a encontrar respostas e me direcionando nas sessões de atendimento".

Essa atitude sugerida pode indicar demonstração de menor assunção de responsabilidade pessoal e um indicativo de menor dispêndio de esforço pessoal na tarefa (Nascimento & Coimbra, 2005a). No entanto, aparece também o enfoque no diálogo e no compartilhamento de experiências como um recurso a ser utilizado neste processo, como se identifica no seguinte registro: "Ouvindo e ou relatando experiências (...)". Tal consideração aponta para a importância da avaliação do pedido inicial para o delineamento do processo de intervenção.

Grau de importância atribuído aos possíveis temas a serem tratados no atendimento em Orientação Profissional

Para compreender em maior amplitude as expectativas dos adultos, a Tabela 2 mostra o resultado dos assinalamentos a cada item da questão sobre as expectativas quanto ao atendimento no serviço em função do grau de importância. Essa consideração aponta para a necessidade da avaliação do pedido inicial para o delineamento do processo de intervenção, trazendo o indicativo do valor atribuído à troca interpessoal que poderia favorecer o processo de Orientação Profissional e de Carreira.

 

 

Os aspectos apontados com maior frequência como sendo de muita e extrema importância em relação às expectativas quanto ao atendimento em orientação profissional foram: autoconhecimento (14), decidir o futuro (14) e teste vocacional (13). Ainda que o psicólogo/orientador profissional tenha identificado, durante a entrevista de triagem, necessidade de intervenção em problemáticas pessoais, a maioria dos inscritos prioriza a intervenção nas questões de carreira.

Pode-se inferir que tais adultos se encontram com motivação focada na intervenção em Orientação Profissional e de Carreira, mais especificamente voltada ao conhecimento de si e ao desenvolvimento de um projeto de vida. Destaca-se também nessa questão a necessidade de autoconhecimento, reforçando o pensamento de que ele se encontra subjacente ao processo de escolha profissional. Nesse sentido, pode-se pensar no momento de vida desses adultos, que sinaliza para uma vivência de atualização de dúvidas quanto a si e quanto a sua situação atual em relação ao futuro, o que desperta o interesse em reconstruir um projeto de vida calcado no conhecimento de si e na orientação para o futuro. No entanto, persiste a ideia de autodescoberta pautada na aplicação de um teste vocacional. Considerando que a maioria da clientela atendida no serviço é de adolescentes, muitos dos temas abordados no questionário podem não ser aplicados aos questionamentos dos adultos, o que poderia enviesar as respostas.

Resolução da problemática apresentada

Dos 17 participantes, 11 concluíram a intervenção. Deles, seis indicaram ter atingido o objetivo esperado a partir da intervenção realizada e cinco indicaram ter alcançado melhora parcial da problemática inicial. Seis abandonaram a intervenção, sendo que três alegaram incompatibilidade de horário, o que os impediu de dar continuidade ao processo e um indicou ter atingido o objetivo, ainda que não tenha encerrado a intervenção.

 

Considerações Finais

Sistematizar as informações sobre a demanda por um atendimento especializado permite avaliar as possibilidades de encontro entre as expectativas do solicitante e as possibilidades de intervenção do serviço. Assim, o levantamento das questões que permeiam a Orientação Profissional e de Carreira, juntamente com a sistematização das informações e posterior análise, possibilitam identificar os pedidos, problemas e motivos da procura por auxílio por parte de adultos e jovens adultos, favorecendo a avaliação das necessidades de atendimento e um melhor delineamento das estratégias de intervenção. Frequentemente, a Orientação Profissional e de Carreira ajuda pessoas indecisas a avaliarem o seu repertório comportamental e a traduzi-lo em escolhas vocacionais. Quando a pessoa não está preparada para a tomada de decisão de carreira ela necessita um especialista.

No Brasil, predominam as estratégias psicológicas, para auxiliá-la a cristalizar o autoconceito de carreira, o que facilita a autorreflexão e a reestruturação cognitiva em clientes que precisam consolidar e aprofundar seus valores e perspectivas. Tais estratégias, por sua vez, funcionam melhor com clientes que querem aprender mais sobre suas perspectivas subjetivas. Diferenciar um tipo de intervenção do outro é relevante para disponibilizar serviços com objetivos claramente definidos e planejar intervenções que atendam à demanda, considerando os pedidos dos clientes e a decisão técnica do profissional.

Cumpre destacar que este estudo apresenta limitações no que se refere ao número de participantes e às diferenças entre demandas de universitários e adultos inseridos no mercado, cada grupo com suas especificidades e demandas particulares. Novas investigações, com maior número de sujeitos e com controle das variáveis: idade, nível educacional e ocupações, se fazem necessárias. Estudos longitudinais e de avaliação da intervenção também são recomendados, como aponta a literatura (Melo-Silva, 2010), com vistas ao aperfeiçoamento das práticas.

 

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Recebido em setembro de 2010
Reformulado em julho de 2011
Aceito em agosto de 2011

 

 

Sobre as autoras:

Ana Flávia de Oliveira Santos: psicóloga e Mestre pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: ranafolisan@yahoo.com.br
Lucy Leal Melo-Silva: psicóloga, pesquisadora CNPq, professora da Graduação e do Programa de Pós- Graduação em Psicologia do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: lucileal@ffclrp.usp.br


1Endereço para correspondência:
USP/FFCLRP/DP
Av. Bandeirantes, 3.900 – 14040-901 – Bairro Monte Alegre
Ribeirão Preto-SP
E-mail: lucileal@ffclrp.usp.br


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