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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.11 no.3 Itatiba jul./set. 2012

 

 

Considerações Preliminares à Condução de uma Avaliação Psicológica

 

Preliminary Considerations for Conducting a Psychological Assessment

 

Consideraciones preliminares para la realización de una evaluación psicológica

 

 

Marcelo Tavares1

Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Este texto examina algumas facetas da avaliação psicológica que requerem atenção antes do momento próprio da testagem com as técnicas específicas de exame psicológico no contexto clínico. Como um fenômeno complexo, a avaliação psicológica é o produto de vários fatores convergentes. Enquanto tal, o resultado da avaliação será influenciado pela demanda (explícita ou implícita), pela maneira em que é formulada, pela compreensão que o avaliador adquire dela e pelos objetivos que ele estabelece para a avaliação. Aspectos institucionais podem interferir e afetar o processo. O resultado será influenciado de maneira importante pelo significado que o sujeito atribui à avaliação, pelo seu contexto de vida e pela qualidade da relação entre avaliador e sujeito avaliado. Finalmente, o texto examina a influência de características pessoais do avaliador. Espera-se que o reconhecimento desses fatores possa levar a resultados mais satisfatórios, especialmente se forem tratados em supervisão durante a formação em avaliação psicológica.

Palavras-chave: avaliação psicológica; psicodiagnóstico; técnicas projetivas; entrevista clínica.


ABSTRACT

This paper examines aspects of psychological assessment that require attention before the testing with specific psychological examination techniques in clinical settings. As a complex phenomenon, it is a product of several converging factors. As such, the assessment will be influenced by the demand (explicit or implicit), by its formulation, by the understanding the evaluator makes of it and by the objectives he sets for the evaluation. Institutional aspects can interfere and affect the process. The result will be significantly influenced by the meaning the subject gives to the assessment, by the context of one´s life and by the quality of one´s relationship with the evaluator. Finally, the influence of the evaluator’s personal characteristics is examined. It is expected that the recognition of these factors can lead to more satisfactory results, especially if highlighted in supervision during training in psychological assessment.

Keywords: psychological assessment; psychodiagnosis; projective techniques; clinical interview.


RESUMEN

Este artículo examina aspectos de la evaluación psicológica que requieren atención antes del momento propio de las pruebas con técnicas específicas de evaluación psicológica en el ámbito clínico. Como un fenómeno complejo, ella es producto de varios factores convergentes y será influida por la demanda (explícita o implícita), por su formulación, por la comprensión que el evaluador hace de ella y por los objetivos que establece para la evaluación. Aspectos institucionales pueden interferir y afectar el proceso. El resultado se verá muy influenciado por el significado que el sujeto da a la evaluación, por el contexto de su vida y por la calidad de su relación con el evaluador. Por último, se examina la influencia de las características personales del evaluador. Se espera que el reconocimiento de estos factores pueda conducir a resultados más satisfactorios, sobre todo si son tratados en la supervisión durante el entrenamiento en evaluación psicológica.

Palabras-clave: evaluación psicológica; psicodiagnóstico; técnicas proyectivas; entrevista clínica.


 

 

A avaliação psicológica é um processo complexo e multifacetado. A experiência ensina que o processo de avaliação começa muito antes de o sujeito ser apresentado à primeira situação de avaliação, como uma prancha do TAT, do Rorschach ou a qualquer outro instrumento, projetivo ou não. Esse processo se inicia mesmo antes do primeiro contato, na entrevista inicial, com a pessoa a ser avaliada.

Idealmente, gostaríamos que o resultado de uma avaliação fosse produto apenas da interação entre as características pessoais do sujeito avaliado e as características dos procedimentos de avaliação; no entanto, ele é produto da convergência de vários fatores, muitos deles difíceis de serem estimados ou controlados. Seria um reducionismo tomar a avaliação como resultante apenas da interação entre características do sujeito (visão parcial do sujeito) e características técnicas dos procedimentos (visão parcial da técnica). Esse reducionismo indica a exclusão de outros fatores advindos da complexidade da tarefa, da relação do sujeito com o avaliador, da história e do contexto de vida do sujeito, da relação entre o sujeito e o contexto da avaliação (para quê, para quem), entre tantas outras influências possíveis. Tal reducionismo estaria em contradição com a prática clínica, que visa compreender o sujeito de forma integrada, abrangente, profunda e complexa (Tavares, 2003).

Este texto visa discutir alguns dos principais fatores que interagem com o processo de avaliação psicológica e que devem ser considerados em seu planejamento, visando diminuir o risco de impacto negativo de certas influências e promover o impacto positivo de outras. O foco principal do artigo é o contexto clínico e as técnicas projetivas, embora possa ser generalizado a outros contextos e técnicas.

Talvez o maior impacto no resultado de uma avaliação venha de aspectos relacionados à situação que gera a sua demanda (seja ela explícita ou não). Os objetivos que o avaliador estabelece dependem de sua compreensão dessa demanda, que pode ser limitada pelo que ele apreende e pelo que lhe escapa dela. Também, o resultado será influenciado pelo significado que o sujeito atribui à avaliação, que é em parte derivado de suas fantasias sobre a natureza da demanda e sobre as consequências ou impacto da avaliação em sua vida. Essas fantasias são influenciadas pelas experiências do sujeito com avaliações passadas e pelo lugar que ele atribui ao avaliador, às pessoas e instituições envolvidas.

O resultado será influenciado pela qualidade da relação entre avaliador e o sujeito avaliado, que será mediada pela maneira como o profissional se conduz na entrevista inicial, uma espécie de maestria entre uso da técnica e habilidades interpessoais. Finalmente, mas não menos importante, é preciso considerar as características pessoais do avaliador, que participa da avaliação não apenas com os aspectos formais de sua competência profissional ou de seu conhecimento e habilidade com as técnicas que irá empregar, mas também com as características intrínsecas a sua pessoa, como sexo, idade, habilidades interpessoais e sua visão de mundo e do outro.

Todos esses fatores participam do processo desde o início, exigindo do avaliador a sua atenção. É ao conjunto desses fatores que nos referimos quando afirmamos que a avaliação clínica deve dirigir sua atenção à situação total e não a aspectos fragmentados do desempenho do sujeito em situações particulares. Situação total é um termo que surge com as investigações kleinianas acerca da natureza e do processo de transferência (Hinshelwood, 1992; Joseph, 1985). Com essas investigações, descobre- -se com o que o paciente se identifica e o que projeta em relação à totalidade dos aspectos da relação, e não apenas em relação à pessoa do terapeuta. Ou seja, ao longo do processo, todo e qualquer elemento em torno da situação pode vir a fazer parte das fantasias inconscientes do paciente, e cada um desses elementos pode adquirir relevância, dependendo da natureza da angústia, dos processos de identificação e identificação projetiva na transferência. Esse conceito tem aplicação direta no contexto da avaliação psicológica, já que todo e qualquer elemento na e em torno da avaliação pode ser determinante do comportamento do sujeito e da relação que se estabelece.

A diferença entre a concepção kleiniana e freudiana de transferência é relevante para uma concepção do processo da avaliação psicológica como uma situação total. Klein não via a transferência como um deslocamento no tempo (por mais que tenha sido formada por experiências precoces e ou que tenha determinantes históricos), mas como projeções, ou deslocamentos, da mente do paciente para a mente do analista, de fantasia inconsciente do sujeito avaliado para fantasia inconsciente do avaliador, de subjetividade pessoal para a intersubjetividade vivida na relação aqui-e-agora (Hinshelwood, 1992). É um deslocamento da angústia mediado pela relação. Vemos esse fenômeno na medida em que compreendemos as motivações que determinam o modo de ser do sujeito na avaliação psicológica. Na medida em que diversos aspectos da situação na e em torno da avaliação psicológica participam das fantasias do paciente e do avaliador, deve-se considerar a situação total, para a compreensão desses processos (projetivos e transferenciais), e não apenas aspectos imediatos ou parciais da relação. Esse fenômeno também é relevante para avaliação clínica, pois a totalidade da situação, conforme assimilada pelo sujeito, interage e influencia seu modo particular de responder à situação de avaliação. As variações em seu modo de responder não podem ser reduzidas ao conceito de erro de medida, muito menos ao de viés do avaliador. É comum que aspectos da situação total afetem de forma marcante o curso e o resultado do processo de avaliação. Tais variações, contudo, ainda se referem a modos de ser do sujeito da avaliação, e não torna o processo necessariamente inválido - significa apenas que o fenômeno exige apreciação de sua complexidade para entendimento das motivações do comportamento do sujeito na avaliação.

1. Conhecendo a demanda: a perspectiva do profissional que solicita a avaliação

A maneira como o pedido de avaliação emerge e como a demanda é formulada é o primeiro fator a ser considerado. Em geral, a demanda por uma avaliação psicológica não parte do próprio sujeito, mas de um profissional que o encaminha (médico, psicólogo, administrador, educador, advogado, sistema jurídico-forense etc.). A maneira como a demanda é formulada para o sujeito da avaliação o afeta e, por consequência, afeta a sua participação no processo de avaliação. Devemos levar em conta que a avaliação já terá sido mencionada ao sujeito antes do primeiro contato com o avaliador, exceto, talvez, nos casos em que o psicoterapeuta propõe uma avaliação como estratégia inicial de um processo de tratamento e se torna simultaneamente demandante e avaliador.

O modo da formulação da demanda também afeta o avaliador - cabe a ele assumir uma postura ativa de antecipar e reconhecer os problemas em potencial para evitar formas de interferência prejudiciais à avaliação. Por exemplo, um diagnóstico pode lhe ter sido antecipado, ou alguma informação pode ser fundamento para certa concepção sobre o sujeito da avaliação. O avaliador deve entender sua posição como um estudioso dessas forças de influência; ele não deve se colocar como objeto delas, ou seja, não deve aceitá-las nem ignorá-las, mas registrá-las e tomá-las de maneira crítica, como material a ser considerado ou questionado no processo.

Sobretudo, é importante reconhecer o papel do avaliador como consultor para o profissional que solicita a avaliação. O sujeito avaliado, muitas vezes, se beneficia do processo de avaliação, mas ele é um cliente indireto do avaliador - o cliente principal geralmente é o profissional que solicita a avaliação. Muitos psicólogos parecem não se sentir confortáveis com essa característica da avaliação, que parece contradizer o senso comum e a lógica clínica. O contato do avaliador com o sujeito avaliado é breve e delimitado. No entanto, o profissional que o encaminha o acompanhará ao longo de algum processo e, por isto, precisa de informações para a tomada de decisões a seu respeito. Em longo prazo, é responsabilidade desse profissional que solicita a avaliação utilizar as conclusões e recomendações do avaliador para benefício direto de seu paciente. Se quem requer a avaliação não se sentir profissionalmente beneficiado nesse processo, dificilmente irá requerer outras avaliações no futuro.

A maneira mais eficaz de evitar dificuldades relativas à demanda é por meio de uma conversa direta com o profissional que faz o encaminhamento, examinando seu ponto de vista e suas questões relativas ao caso, em especial as dúvidas e pontos que ele deseja esclarecer com a avaliação. Algumas vezes, temos que lidar com mais de um profissional, ou com uma equipe multidisciplinar. Nesses casos, a demanda pode ficar ainda mais complexa ou mesmo apresentar elementos contraditórios, razão pela qual pode ser necessário ouvir as diferentes partes. Em primeiro lugar, esse profissional ou essa equipe deverá ter obtido do paciente a permissão para nos passar informações. Nesse momento, essa autorização é de responsabilidade desses profissionais e ainda não é um foco de atenção do avaliador, pois este ainda não tem um contrato de avaliação com o sujeito. O avaliador apenas ouve a demanda, inclusive para poder dizer se é um caso para ser avaliado por ele ou se deve receber outro encaminhamento.

Se o paciente ainda não foi consultado ou informado sobre o pedido de avaliação, o avaliador pode atuar como um consultor e ajudar o profissional a elaborar o que deverá ser dito ao paciente e como, considerando o direito do paciente de saber os objetivos reais, informar os benefícios esperados e possíveis riscos com a avaliação. Ao fazer o contrato de avaliação, o psicólogo deve ter o cuidado formal de obter permissão, por escrito, para comunicar-se oralmente e para apresentar o relatório ou laudo, especificando os profissionais e/ou instituições que deverão recebê-lo. Isso é geralmente obtido durante ou ao final da entrevista inicial, quando o avaliador conclui que o sujeito aceita e compreende adequadamente o processo e seus objetivos. Documentação adequada evita mal-entendidos que podem gerar ações de pacientes contra o psicólogo.

Em segundo lugar, o avaliador deverá ouvir, dos profissionais que solicitam a avaliação, os elementos de sua demanda. A demanda é, em geral, complexa e multifacetada. Mesmo que não seja sempre possível especificar todos os seus elementos, o avaliador deve estar atento e aberto para perceber as implicações, ramificações e consequências mais importantes da situação específica. A relação terapêutica, a situação conjugal e familiar, as condições de emprego e de trabalho são exemplos de áreas com ramificações potencialmente relevantes para a avaliação.

É importante obter as informações necessárias antes do início da avaliação, pois desejamos evitar a continuidade do contato entre o avaliador e o profissional, a fim de isolar os settings de encaminhamento e de avaliação e minimizar a interferência de um sobre o outro. Ou seja, não é boa estratégia - e é potencialmente danoso - recorrer ao profissional para buscar informações adicionais após o início da avaliação, principalmente nos casos em que este profissional continua em contato com o sujeito que será avaliado, como, por exemplo, numa terapia ou num processo jurídico em andamento. Quando isso não puder ser evitado, é fundamental que o psicólogo não ofereça a quem encaminha nenhum comentário sobre o sujeito ou a avaliação: ele deve restringir-se a colher as informações necessárias de modo objetivo e pontual. Aquilo que o profissional que encaminha faz ou diz ao sujeito sobre a avaliação ou sobre seu contato com o avaliador pode mudar ou afetar substancialmente o processo de avaliação; pode até mesmo torná-lo inviável. Esse tipo de contato continuado pode facilmente tornar-se “um remendo pior que o soneto”. Portanto, devemos nos esforçar para obter as informações necessárias e completas antes do contato direto com o sujeito da avaliação.

Em geral, gostamos de ver a demanda explicitada na forma de uma ou mais perguntas. Eis alguns exemplos: Qual é a configuração dos conflitos principais do paciente? Quais são seus mecanismos de defesa predominantes? Em que situações tendem a ser empregados? Em que nível funciona sua estrutura de personalidade? Qual é a natureza de suas relações objetais? Qual é a sua motivação para o tratamento? Qual é a capacidade de formar uma aliança para o trabalho terapêutico? Que tipos de reações transferenciais podemos antecipar? Como seu nível e estilo de funcionamento cognitivo poderão influenciar ou interferir no processo de psicoterapia? Essa pessoa pode ser considerada candidata à psicoterapia dinâmica breve? Que fatores podem estar dificultando o progresso na relação terapêutica? Que recomendações técnicas podem ser feitas para o trabalho psicoterapêutico com essa pessoa?

Quando o profissional nos apresenta apenas perguntas, como algumas acima, que, apesar de boas, podem ser vagas e genéricas, devemos ajudá-lo a especificar melhor as questões. Se estivermos interessados nos conflitos principais, ou nos mecanismos de defesa, ou na estrutura de personalidade, ou nas relações objetais, ainda podemos explicitar melhor o que desejamos esclarecer. Por exemplo: “Gostaríamos de saber mais sobre a dinâmica (conflitos, defesas, fantasias etc.) nas relações interpessoais dessa paciente, principalmente com figuras masculinas, em situações de confronto, para compreender melhor suas queixas relativas a sentir- -se passiva, submissa e às vezes paralisada na relação com seu parceiro amoroso e em sua atual situação de trabalho, com o seu coordenador.” Uma forma de explicitar melhor a demanda é obtendo informações sobre a queixa que levou à intervenção do profissional, pedindo um relato dos motivos que propiciaram o encaminhamento e também estimulando o profissional para elaborar mais sobre as dúvidas e dificuldades que tem encontrado no contato com seu paciente.

As perguntas acima refletem temas em um contexto psicodinâmico, mas elas não precisam se restringir a ele. Por exemplo, uma paciente pode ser encaminhada pela interconsulta de um hospital geral com a seguinte pergunta: “Como podemos ajudar essa pessoa a reduzir sua ansiedade para que possa seguir as recomendações médicas adequadamente? Queremos compreender principalmente sua ansiedade fóbica em relação ao procedimento cardiológico por cateterismo”. Uma assistente social poderia perguntar: “Qual é a melhor estratégia para se abordar esse paciente para melhorar suas dificuldades no meio familiar?” ou “Que recomendações devem ser feitas a sua família?”. Uma solicitação de avaliação visando à readaptação após uma licença por motivo de saúde mental pode indagar sobre a capacidade laborativa residual: “Essa pessoa está capacitada para o trabalho?” ou “Para que tipo de trabalho essa pessoa está capacitada?” ou ainda, “Como facilitar o retorno ao trabalho?”. O sistema jurídico pode estar interessado em saber a condição psicopatológica de uma pessoa e sua competência para compreender as consequências de seus atos.

Algumas vezes, além da demanda explícita, existem demandas latentes, nem sempre fáceis de serem determinadas. Um terapeuta pode desejar que a avaliação o ajude a lidar com certos aspectos difíceis da terapia sem pronunciá-los adequadamente, ou pode estar experimentando algum tipo de contratransferência ou contrarresistência. Um programa de apoio a pacientes graves em um hospital-dia estava concluindo que um determinado paciente desejava permanecer vinculado apenas para manter os ganhos secundários (privilégios). Julgavam que ele evitava desenvolver-se para manter- se dependente (continuar recebendo benefícios). O fato de uma demanda ser latente não significa que ela seja inadequada; cabe ao psicólogo clínico, na condição de avaliador, por meio de seu modo particular de escuta e de seu julgamento clínico, ajudar o profissional que encaminha a esclarecer as suas expectativas. Quando a demanda latente não parece adequada, ela deve ser reformulada claramente de modo que as necessidades subjacentes a ela possam ser atendidas.

No caso do programa de apoio a pacientes graves, exposto acima, a preocupação, com a falta de progresso terapêutico e com a dependência como possíveis resultantes do desejo de manter os ganhos secundários, conduziu à reformulação da questão em torno de determinar o potencial real do paciente para mudança e para a vida independente. Na existência de potencial, a avaliação deveria sugerir uma estratégia de intervenção para o desenvolvimento dessa habilidade; caso contrário deveria sugerir o tipo de acompanhamento que o paciente deveria receber. Foi avaliado que essa pessoa possuía um déficit cognitivo significativo e que seu medo intenso e persecutório em torno da ideia de independência e risco tinha fundamentos na realidade. Observou-se que esse paciente se sentia protegido e se mostrava adequado em situações estruturadas e não ameaçadoras. Quando confrontado, mesmo apenas em situações hipotéticas (em fantasia ou em simulações) ele regredia rapidamente, seu pensamento se tornava caótico e ele operava em estado de distorção quase psicótica da realidade.

Concluiu-se que a fragilidade de sua estrutura de personalidade era tal que provavelmente precisaria de um contexto de apoio por muito tempo, senão ao longo de boa parte de sua vida. Com esse resultado, a equipe terapêutica mudou sua atitude em relação ao paciente: tornou-se mais receptiva e tolerante e estabeleceu um programa de tratamento mais adequado a seus limites. A demanda latente, inadequada, de forçar a alta do paciente, foi substituída pela necessidade subjacente a ela, que, ao ser atendida, ofereceu uma estratégia de tratamento do paciente e criou melhores condições de trabalho para a equipe.

Nem sempre a demanda latente vem do profissional. Por exemplo, um pai pode esperar que a avaliação lhe dê melhores condições de controle de um filho adolescente. Ao explorar a demanda, o psicólogo deve estar atento às expectativas conflitantes ou irrealistas, principalmente entre o sujeito da avaliação e outras pessoas envolvidas. Quando existem conflitos dessa ordem, o psicólogo deve, no mínimo, poder reconhecê-los, avaliar suas possíveis consequências e saber como lidar com esses elementos na avaliação. Tais questões poderão ser integradas na devolutiva e no relatório, quando pertinentes.

Geralmente, cria-se uma expectativa acerca do retorno que o psicólogo dará. É esperado ou temido que esse retorno tenha um grande impacto (positivo ou negativo) na vida do sujeito avaliado. O avaliador deverá dar uma devolução dos resultados a ele, geralmente verbal, e outra para o profissional que solicita a avaliação, geralmente na forma de relatório escrito. O conhecimento e a habilidade do avaliador tem, de fato, grande potencial para influenciar; as dificuldades e inabilidades também. A inabilidade pode levar até mesmo à desconfiança, medo ou fantasias persecutórias por parte do sujeito avaliado e de seus familiares. Muitas vezes a natureza da avaliação psicológica já é, por si, persecutória. Por isso, o psicólogo deve estar seguro de que está abordando a situação de modo adequado, observando a qualidade do rapport, com tato na escolha e no uso das técnicas necessárias para avaliar as questões pertinentes. Ele deve ter uma ideia, com base em elementos de realidade, das possíveis consequências de sua interação com pessoas. Ele deve ter em mente as possíveis consequências das informações que fornecerá e antecipar como, por quem e pare quê essas informações serão utilizadas.

Quando não é devidamente explicitada, a demanda latente pode se tornar um dos problemas mais sérios em uma avaliação. Contudo, uma demanda bem explicitada é um dos instrumentos mais facilitadores do processo de avaliação, da formulação de uma devolutiva e da elaboração do relatório. Um dos aspectos importantes é avaliar o preparo de quem solicita a avaliação para utilizar a informação que será fornecida a partir dos procedimentos empregados. A linguagem do relatório deverá ser adequada à demanda explicitada, ao contexto da demanda e aos profissionais que irão ter acesso aos resultados da avaliação. Um relatório que não pode ser compreendido por quem o solicita perde o seu valor, o que pode levar alguns profissionais a desistirem de solicitar novas avaliações.

Outro motivo pelo qual alguns psicólogos, entre outros profissionais, não solicitam mais avaliações psicológicas parece ligado ao fato de não saberem que tipo de pergunta pode ser adequadamente respondido e, portanto, formulado. Ou seja, não sabem que benefícios podem ser esperados da avaliação. Ao investir algum tempo esclarecendo o que pode ser esperado de seu trabalho, o avaliador se poupará de maior transtorno e até mesmo constrangimento ao apresentar o seu relatório. Ao avaliar a demanda, ele está construindo um canal de comunicação com o profissional e está demonstrando seu interesse, compromisso e seriedade com os quais desenvolve o seu trabalho.

Um psicoterapeuta uma vez disse, em relação a um processo de avaliação: “Obrigou-me até a prestar mais atenção a certas coisas”. E com relação à antecipação do setting transferencial, induzido pela dinâmica familiar de um paciente com transtorno de personalidade e déficit cognitivo disse, referindo-se a sentir-se mais preparado para lidar com a situação antecipada: “Aconteceu do jeito que foi previsto”. É importante garantir que a avaliação traga benefícios para o profissional, por facilitar o seu trabalho com seus pacientes e resultar em um ganho real para ambos. O benefício, portanto, é direto para o profissional, indireto para seu paciente, ou seja, o benefício para o paciente é mediado pelo benefício ao profissional que o encaminhou.

Não parece ser possível enfatizar menos esse ponto. Um psicoterapeuta encaminhou para avaliação uma paciente que estava em terapia havia algum tempo, mas que, apesar de sua participação ser aparentemente motivada, não apresentava melhoras. O avaliador descuidou-se de investigar a demanda e apresentou um relatório “padrão”, para o qual recebeu o seguinte comentário do terapeuta: “Isso, eu já sabia”. Faltou ao avaliador a informação adequada sobre a demanda específica para essa avaliação. Não compreendendo seu papel de consultor para outro profissional, e não investindo nessa relação, também perdeu a possibilidade de perceber qualquer demanda latente ou não claramente formulada.

Então, a regra básica, acima de tudo, é que não devemos pressupor que sabemos o que o outro profissional espera do nosso trabalho. Muitas vezes, ele não tem informações adequadas sobre o que podemos oferecer. Dadas as diferenças na formação profissional entre os psicólogos e a falta de informação de profissionais de áreas afins, é comum que a pessoa que solicita a avaliação não saiba exatamente como funcionam tais procedimentos, em que situações podem ser empregados, quais são as suas utilidades e limitações, e como tirar melhor proveito da situação. Por exemplo: é comum limitar- -se, em relação à avaliação cognitiva, à solicitação do fornecimento de quocientes de inteligência. Poucos sabem que podem solicitar a descrição de um perfil cognitivo, que avalie interações entre habilidades específicas e delas com características da personalidade e do meio ambiente, o que ampliaria significativamente o entendimento dinâmico do funcionamento do sujeito em seu contexto. Outro exemplo: quem encaminha pode sugerir um instrumento que não é a melhor forma de avaliar o que se espera ou que é insuficiente para a complexidade da demanda e que, por isto, deverá ser substituído ou complementado com outros instrumentos além dos que pensava. Portanto, é também importante especificar ou esclarecer o que um determinado método ou procedimento de avaliação não pode fazer. Em síntese, ao explorar a demanda, podemos melhor planejar a avaliação e fornecer uma análise dirigida a seus aspectos mais relevantes.

1.1 A demanda, o demandante e a seleção de procedimentos de avaliação

Há uma relação direta entre a análise da demanda e a escolha dos instrumentos diagnósticos. Eles devem ser escolhidos de acordo com aquilo que se deseja saber. Existem instrumentos variados, por exemplo, o Rorschach (Exner, 1993, 2003; Weiner, 2000; Meyer, Viglione, Mihura, Erard & Erdberg, 2011), as escalas e inventários de personalidade (Cunha, 2000a), as entrevistas clínicas de livre estruturação (Tavares, 2000a) ou estruturadas (Tavares, 2000b), entre tantos outros. Cada um tem um domínio de validade adequado para a avaliação de certas características ou quadros psicopatológicos, parâmetros de personalidade ou de aspectos interacionais (ver discussão sobre validade clínica em Tavares, 2003).

Por exemplo, o TAT não é um procedimento ideal para responder se uma pessoa é esquizofrênica ou não, embora possa permitir algumas inferências sobre conflitos e fantasias (delírios) nos processos de ideação e na qualidade do julgamento, sobre os mecanismos de defesa mais primitivos, ou sobre a imaturidade nas relações objetais (Bellak & Abrams, 1996). Os inventários de personalidade (como o MMPI-2, o IFP, o 16 PF) podem ajudar a responder essa pergunta, ainda com limitações que tornam o diagnóstico inconclusivo, ou seja, não permitem uma conclusão diferencial (Cunha, 2000a). O Rorschach tem excelentes indicadores de alterações da percepção, do pensamento e da linguagem comuns nos transtornos psicóticos. Esses indicadores compõem o Índice de Esquizofrenia ou o Perceptual Thinking Index do Método de Rorschach pelo Sistema Integrado (Exner, 1993, 2003). Mesmo neste caso, um índice positivo não garante um diagnóstico correto em grande quantidade dos casos. Compete ao avaliador, e não ao demandante, indicar o melhor procedimento para os propósitos da avaliação.

Mesmo quando se tem um indicador diagnóstico positivo, ainda será necessário complementar estas informações com outros dados de entrevistas e outras técnicas que forneçam outros indicadores coerentes que corroborem a decisão de maneira mais segura, por exemplo, no diagnóstico da esquizofrenia, com a avaliação clínica de delírios e alucinações (Tavares, 2003). Em conjunto, as atividades de avaliação fornecem elementos que favorecem um diagnóstico diferencial, dinâmico e relacional mais rico e completo. Uma pergunta diagnóstica desse tipo pode requerer uma bateria de avaliação psicológica, incluindo uma entrevista clínica detalhada (Cunha, 2000b). Conforme o que se deseja avaliar, pode ser necessária uma entrevista com os pais, o cônjuge ou com a família.

Portando, a escolha dos procedimentos é uma função da avaliação da demanda. Em função da demanda (o que se deseja saber com a avaliação), o psicólogo deve decidir que instrumentos ou procedimentos irá utilizar e para quê. Um instrumento ou procedimento não deve ser utilizado se não tem um propósito relevante na avaliação. Em um relatório, apresentamos uma descrição sumária do caso, incluindo a situação que gerou o encaminhamento, acompanhada das questões que pretendemos responder e relacionamos os procedimentos e instrumentos utilizados. Quanto mais específicas e relevantes, para a compreensão do caso, forem as questões formuladas, mais clinicamente significativas poderão ser as conclusões da avaliação.

Por exemplo, o TAT é utilizado quando desejamos uma descrição do funcionamento (psicodinâmica, fantasias inconscientes e defesas predominantes), da estrutura da personalidade (impulsos, ego, superego), ou quando estamos interessados nos processos de identidade e identificação, na descrição da autoimagem, da autoestima ou da dinâmica das relações objetais. Mas também não é a única técnica que permite o exame dessas questões. A escolha deve considerar a adequação de cada técnica para atender aos aspectos importantes das demandas associadas a uma solicitação de avaliação. Quanto mais se conhece a fundo uma técnica, as teorias e pesquisas referentes a ela, melhor se compreende a sua utilidade em profundidade e abrangência. Essa compreensão requer estudo das técnicas específicas que, por questões de espaço, não serão abordadas neste texto.

1.2 Influências institucionais na demanda e no processo de avaliação

Frequentemente, a demanda sofre influências da instituição que direcionam, vão além ou contradizem as necessidades e os interesses formulados pelo profissional. A instituição também tem seus interesses. Por exemplo, uma instituição pode entender a avaliação como um modo de retardar a demanda ou como meio de recusar oferecer tratamento para alguns casos. Essa contradição fica clara quando a avaliação evidencia a necessidade de tratamento e este não está disponível. Pode haver receio, na instituição, de que a avaliação revele alguns de seus problemas. Deve-se refletir sobre o impacto da avaliação na e para a instituição. Uma situação particularmente delicada é quando demandante e avaliador pertencem à mesma instituição, repercutindo em questões éticas difíceis de serem contornadas. Tantas são as possibilidades que podemos aqui apenas indicar a necessidade de estarmos atentos e abertos para compreender e contextualizar essas situações no processo de avaliação. Reconhecer o lugar institucional do demandante pode ser relevante.

Muitas vezes, a demanda institucional afeta o próprio sujeito a ser avaliado. Isso é muito mais facilmente percebido em situações forenses (avaliação de competência, divórcio litigioso, situações de abuso de menores etc.) ou organizacionais (avaliação de aptidão, inteligência, habilidades, progressão funcional etc.). Nas prisões, a progressão do regime de liberdade pode depender da avaliação psicológica. Nesses casos, a instituição possui interesses que vão além das necessidades de cada caso específico. Entretanto, o sujeito também tem interesses específicos, não necessariamente conscientes, como o de criar ou manter uma imagem positiva ou negativa de si, quando visualiza que poderá assim obter algum benefício. Problemas dessa ordem são menos frequentes na avaliação clínica, contudo, ainda podem ocorrer. Uma pessoa com sensibilidade paranóica tende a ocultar seus sintomas por receio do que pode ser feito a ela; outra que abusa do álcool pode não querer revelar a frequência de seu uso. Alguns exageram sintomas para serem atendidos. O psicólogo poderá melhor responder a essas demandas conhecendo a instituição e procurando compreender como as necessidades da instituição influenciam o profissional que solicita a avaliação e a pessoa a ser avaliada, facilitando ou prejudicando o processo de avaliação.

2. Contextualizando a demanda: a perspectiva do sujeito e a qualidade da relação

Acima indicamos que a melhor pessoa para formular a demanda é o profissional que “encomenda” a avaliação. Contudo, por melhor e mais completa que seja a informação fornecida pelo profissional, isto não é suficiente para uma boa análise de demanda. Ao compreendê-la do ponto de vista profissional, o psicólogo deverá ainda avaliá-la do ponto de vista do sujeito. O que foi dito a ele? Ele sabe o que está sendo requisitado e para quê? Ele sabe como a avaliação será utilizada? Que riscos ou benefícios ele imagina? Que riscos e benefícios são realisticamente possíveis? Ele se sente escrutinado, estudado, controlado, violado? Ele resiste obstinadamente ou participa como um colaborador ativo e interessado? Ele tem expectativas mágicas ou exageradas de benefícios? Sua compreensão é adequada, realista ou representa distorções fantasiadas sobre a avaliação e suas possíveis consequências? Ele concorda em participar livremente? Até que ponto? Ele se sente constrangido ou obrigado a participar do processo de avaliação psicológica? Se sim, seu direito ético de recusar a participar da avaliação e as consequências que pode sofrer com isto foram adequadamente compreendidos por ele?

No contato direto com o sujeito, o psicólogo começará a desenvolver uma compreensão mais global e completa dos problemas envolvidos na demanda inicialmente formulada. Esse é um dos objetivos técnicos importantes da entrevista inicial. Porém, o primeiro objetivo dessa entrevista (e do qual os outros objetivos dependem) é estabelecer rapport suficiente para sustentar a atividade com o sujeito (Tavares, 2000a). Além disso, procura-se avaliar as expectativas do sujeito e como ele poderá ser influenciado pelo significado que atribui à avaliação, por influência de suas experiências passadas em situações semelhantes ou pelas fantasias que tem sobre a demanda e sobre o impacto da avaliação em sua vida. Tem-se ainda por objetivo, no transcorrer da entrevista, observar seu modo de interagir e começar a formar uma impressão acerca de seu estilo, de sua capacidade de estabelecer e manter o vínculo e de como estes aspectos influenciam a qualidade da relação que estabelece com o avaliador. Desse processo, surgem elementos que permitirão inferir o lugar que o sujeito atribui - em fantasia - ao avaliador, para antecipar o impacto que isto terá no processo de avaliação. Finalmente, o psicólogo terá a oportunidade de redirecionar o processo, procurando evitar ou atenuar os efeitos indesejados da insegurança, da falta de cooperação ou da resistência, ou corrigindo quaisquer enganos ou distorções por parte do sujeito sobre a avaliação, seus objetivos ou consequências.

Em síntese, o essencial, no início do primeiro contato, é criar um contexto de suporte para a relação com o sujeito avaliado de modo a vencer as resistências mais óbvias e a tê-lo, preferencialmente, como um colaborador participativo. Essa entrevista preliminar é indispensável em qualquer avaliação que tenha por meta articular informações sobre o sujeito e compreender seu modo de ser em profundidade, como é o objetivo, em geral, da avaliação na clínica psicológica - independentemente dos instrumentos ou procedimentos que venham a ser utilizados.

Esses objetivos - de procurar favorecer a qualidade da relação, estabelecer o rapport e facilitar a motivação para a tarefa - são meios, ferramentas que visam criar condições adequadas para alcançarmos o objetivo final (finalidade), que é avaliar a pessoa. Contudo, tais objetivos já constituem parte do processo de avaliação. As dificuldades que o sujeito impõe ao processo já nos informam sobre quem ele é, como ele pensa, sente e interage. Na entrevista, procuramos observar os aspectos essenciais do modo de funcionamento da pessoa no contexto imediato da relação com o psicólogo. Nesse sentido, tudo o que o sujeito diz ou faz poder ser legitimamente apreciado do ponto de vista da avaliação. Quando o sujeito não colabora, ou resiste, ele não está impedindo a avaliação; ele está justamente comunicando o seu modo de funcionar naquela situação. Procurar compreender o que motiva esse tipo de comportamento e como influenciar essa situação favoravelmente também são aspectos importantes do ponto de vista da avaliação. É útil observar se ele muda de atitude ao longo do processo e o que parece motivar esta mudança. Mais tarde, esse contexto de observação poderá ser ampliado para situações mais estruturadas, projetivas ou não, por meio de técnicas ou procedimentos específicos, validando observações menos estruturadas. Porém, não devemos passar para os procedimentos específicos de avaliação sem termos desenvolvido uma compreensão suficiente acerca dos empecilhos à avaliação psicológica, sejam eles situacionais ou caracterológicos.

Então, podemos considerar que, nessa entrevista, já iniciamos a avaliação de alguns elementos da estrutura e do funcionamento da pessoa. Quando voltamos nossa atenção para a situação total, podemos apreciar como a entrevista começa a tornar evidentes os primeiros elementos que entrarão na formulação final da avaliação. Um desses elementos mais importantes é a queixa principal ou o motivo que gerou o encaminhamento. Por exemplo, para determinar o foco terapêutico desejamos relacionar a queixa (incluindo quaisquer sintomas associados) à dinâmica do funcionamento da pessoa, a suas defesas mais frequentes, a sua motivação para mudança. Sem essa entrevista inicial, corremos o risco de aplicar os instrumentos psicológicos mecânica e friamente, o que pode ser contraprodutivo ou até mesmo comprometer os resultados. A qualidade do inquérito nos instrumentos projetivos pode ficar prejudicada, em especial os de natureza narrativa, como o TAT.

2.1 Alternativas de procedimento de avaliação e a entrevista inicial

Podemos delinear várias estratégias de entrevista com o fim de obter uma noção direta do quadro. Essa entrevista pode ser mais breve, focalizada nas dificuldades da pessoa e nos motivos que levaram à avaliação. Se a avaliação está inserida no contexto de uma clínica, digamos, a pessoa busca uma psicoterapia, a entrevista pode ser utilizada para objetivos específicos relacionados à provável modalidade de atendimento a ser oferecida. Por exemplo, podem-se incluir, nessa entrevista, aspectos ligados ao desenvolvimento psicodinâmico ou à estrutura e dinâmica familiar (genograma), dependendo, respectivamente, se a modalidade de atendimento indicada ou pretendida é psicodinâmica ou sistêmica. Na psicoterapia focal, pode-se pedir à pessoa para descrever as três dificuldades mais importantes que ela tem e que mais gostaria de mudar em sua vida.

Na prática, procuramos delinear uma estratégia que possa fornecer um mínimo de informações sobre a pessoa de modo coerente com o propósito da avaliação. Se o conjunto das atividades tiver duração acima de duas horas, corremos o risco de tornar o procedimento cansativo, diminuindo o interesse, a motivação e envolvimento do sujeito. Mas, uma estratégia que funciona com a maioria das pessoas em avaliação integra mudanças de uma a outra atividade em intervalos dinâmicos (breves) entre elas. Tais mudanças estabelecem um ritmo e quebram a intensidade, permitindo às pessoas lidar mais facilmente com a ansiedade e as exigências das tarefas. Assim, fica mais tolerável trabalhar de duas a três horas em um processo de avaliação, que pode envolver uma bateria de procedimentos, por exemplo, entrevista, Rorschach e TAT em uma manhã, e em outra, avaliação cognitiva, as técnicas gráficas, inventários etc. Mesmo pessoas com fragilidade de ego ou mais ansiosas se recompõem o suficiente para fazer várias atividades em um período, dado que o psicólogo esteja sensível a seus limites e proporcione um ambiente de apoio na avaliação. Contudo, é importante manter-se atento a sinais de cansaço ou estresse por parte da pessoa e poder reavaliar a necessidade de continuar o processo em outro momento.

Em clínicas ou instituições de saúde mental, onde a entrevista inicial pode ser realizada por um terapeuta da equipe com observação do psicólogo avaliador ou ser extensamente discutida com o entrevistador, ou quando há um relatório descritivo detalhado da mesma, a entrevista inicial de avaliação pode ser substituída por um breve contato destinado a preencher os primeiros objetivos citados: estabelecer o rapport, avaliar as expectativas e suas influências e criar um clima de participação cooperativa. No contexto de equipes, o psicoterapeuta e o psicólogo avaliador podem elaborar em conjunto as questões que esperam responder com a avaliação e selecionar os instrumentos a serem utilizados. Por exemplo, no caso do TAT, podem selecionar as pranchas para aplicação segundo os critérios desta técnica. Eles também podem colaborar na análise dos resultados. Esse é um procedimento ideal no contexto de equipes e como estratégia de treinamento. Contudo, não é facilmente viável no cotidiano profissional privado.

Outra possibilidade é o próprio psicoterapeuta aplicar e analisar o TAT ou outra técnica de suporte para o processo de psicoterapia. Isso é necessário, na maior parte das avaliações, considerando o profissional que trabalha independentemente. Nesse caso, é importante que o profissional tenha consciência da diferença entre os objetivos de cada etapa - entrevista inicial, procedimentos de avaliação, devolutiva e início do processo psicoterapêutico - para evitar algumas dificuldades apresentadas por alguns sujeitos que não compreendem ou não lidam bem com as diferenças de setting no limite entre a situação de avaliação e de psicoterapia. Cabe ao psicólogo esclarecer os pontos de transição de suas funções como avaliador e psicoterapeuta e cuidar para que estes settings não sejam confundidos. Por exemplo, o paciente pode querer usar a avaliação como uma extensão da sessão terapêutica. Pode ficar com fantasias no curso do tratamento sobre o que foi “revelado” pela avaliação que o terapeuta não lhe deseja comunicar. Separar os papéis pela atribuição de tarefas a profissionais diferentes ameniza esse inconveniente. Contudo, se o psicólogo deseja utilizar instrumentos de avaliação como técnica de suporte ao planejamento do tratamento psicológico, recomendamos que o faça o mais cedo possível, de preferência imediatamente após a primeira entrevista. Deixar para “daqui a pouco” representa investir na configuração de um setting terapêutico, de forma que aumenta o risco de este interferir com as técnicas de avaliação e vice-versa, criando problemas potenciais de validade ou criando dificuldades na relação terapêutica pelas alterações de setting.

No contexto clínico, recomendamos uma devolução completa e cuidadosa dos resultados ao sujeito, prestando atenção na relação destes com a queixa manifesta e com os objetivos da avaliação. Tal devolutiva deve ocorrer o mais rapidamente possível, preferencialmente na sessão seguinte à avaliação. Deve-se poder avaliar a reação do sujeito à devolutiva e buscar compreender seu modo de internalizar a informação oferecida, sua compreensão dos objetivos terapêuticos e das estratégias para alcançá-los. A dosagem da informação deve respeitar a capacidade de assimilação do sujeito e sua tolerância à angústia provocada. O que queremos é que a devolutiva seja internalizada como fator positivo, facilitador de mudanças, e não como um ataque a sua autoestima ou uma crítica a sua pessoa. Esses são aspectos que fortalecem a aliança terapêutica e reduzem o risco de o paciente abandonar o processo precocemente (Ceitilin & Cordiolli, 1998; Luborsky, 1976; Luborsky, Cris-Cristoph, Alezander, Margolis & Cohen, 1983).

Uma alternativa, mais recomendada, é que o psicoterapeuta “encomende” a avaliação a um psicólogo independente, devidamente treinado. Ele deve explicitar o que o psicoterapeuta espera da avaliação e obter algumas informações preliminares sobre o paciente. A partir disso, o avaliador elabora uma estratégia de avaliação, deixando pronto o material a ser utilizado. Ao entrar em contato com a pessoa a ser avaliada, informa que irá fazer uma entrevista e utilizar algumas técnicas de avaliação. A palavra teste deve ser evitada, pelas conotações indesejáveis culturalmente difundidas. O psicólogo avaliador deve, para fazer a entrevista, preparar mais tempo para a atividade. Após uma entrevista na qual estabelece o rapport e esclarece, com o sujeito, alguns pontos levantados no contato com o terapeuta, ele decide se aplicará o conjunto de procedimentos preparado ou se o modificará de alguma maneira. Somente então inicia a aplicação de instrumentos. Por exemplo, as figuras do TAT são escolhidas em função de temáticas universais, mas também em função de especificidades conhecidas ou observadas, algumas das quais podem ficar claras somente na entrevista.

2.2 Especificando as questões para análise: a entrevista e a escolha do material da avaliação

Embora formulemos áreas ou temas descritivos genéricos em nosso procedimento, não os tomamos indiscriminadamente em qualquer caso. Vamos agora apresentar alguns exemplos com o intuito de demonstrar a importância de se fazer um levantamento preliminar dos aspectos essenciais de cada caso na entrevista inicial. Vamos exemplificar a relação desses aspectos com o material empregado, e sugerir uma integração desta informação na análise final. Tomaremos o TAT como exemplo. Uma descrição detalhada da utilidade potencial, assim como dos aspectos específicos de cada técnica devem fazer parte da formação do psicólogo que deseja empregá- -las. Por exemplo, no caso do TAT, a utilidade da técnica requer uma avaliação do potencial de cada figura para provocar determinadas respostas. Isso requer conhecimento da técnica e do potencial projetivo de cada prancha como estímulo (por análise do conteúdo que tende a eliciar).

Por exemplo, uma paciente foi encaminhada com a informação de que uma das queixas estava vinculada a um relacionamento familiar caótico. Na entrevista inicial, a paciente, por um lado, descreve a mãe em termos persecutórios, considerando-a mesquinha e maldosa. Relata que a mãe prefere a irmã que a persegue, enquanto a mãe faz vista grossa para esta situação. Descreve, por outro lado, a mãe do namorado e sua família em termos afetuosos e idealizados. A intensidade dos afetos e a projeção dos mesmos de forma polarizada e extrema nos levaram a acrescentar, além da prancha 6MF (Édipo feminino - sugestiva de relacionamento materno), as pranchas 9MF (as moças) relativa ao relacionamento entre pares (irmãs - sugestiva de competição e inveja), e a prancha 12MF (a mulher e a velha - sugestiva de conflitos de identificação-competição no relacionamento com a figura materna). Esse conjunto facilitou a análise da cisão da imagem materna: uma imagem negativa era projetada na mãe real, enquanto a imagem positiva era buscada em outras figuras maternas, como a futura sogra. A prancha 12 (a mulher e a velha) nos permitiu avaliar melhor essa situação. A prancha 9 (as moças) trouxe um contexto de inveja e destrutividade que nos permitiu melhor compreender a natureza das fantasias inconscientes e sua relação com as dificuldades relatadas na relação mãe-filha.

Outro exemplo é o de uma mãe, com uma depressão grave prolongada, que durava alguns anos após a perda precoce do filho com quem mantinha uma relação com simbolismos incestuosos. Ela descrevia o filho em termos idealizados e falava de uma intimidade incomum para o relacionamento de uma mãe com um filho adulto jovem. Dizia que eles passavam horas juntos, que ele fazia tudo para ela, que contava para ela “todas” as suas relações íntimas com moças e namoradas. Dizia que também era confidente delas. A prancha 6RH (Édipo masculino), normalmente aplicada apenas para pessoas do sexo masculino, foi essencial para avaliar a natureza dessa relação, e compreender melhor a relação de vínculo mãe-filho na fantasia inconsciente da mãe.

Desse modo, a seleção do material a ser utilizado tem muito a se beneficiar do conhecimento que adquirimos da situação que está sendo avaliada. Em suma, acreditamos que a aplicação às cegas do TAT ou de qualquer conjunto de procedimentos é um recurso relevante como exercício de treinamento ou como coleta de dados de pesquisa. No âmbito da prática clínica, a aplicação às cegas corre o risco de reduzir sensivelmente o potencial, a validade e a utilidade da avaliação (Tavares, 2003).

3. As características pessoais do avaliador

Na formação de psicólogos em atividades clínicas, como a avaliação, cujo trabalho depende intrinsecamente do contato entre ele e o outro, não se pode deixar de mencionar que a própria pessoa do avaliador é um dos elementos fundamentais no processo. Existem vários aspectos pessoais e profissionais relevantes que devem ser considerados.

Em primeiro lugar, a formação geral do profissional contribui com características importantes que irão nortear o seu modo de responder a situações clínicas. Portanto, devemos considerar sua formação geral e a qualidade do seu treinamento com as técnicas específicas que irá utilizar. Não iremos comentar mais profundamente esses pontos, pois entendemos que são óbvios. Apenas destacamos o papel da supervisão na avaliação psicológica, um aspecto que ainda consideramos incipiente no Brasil. De modo análogo a outras especialidades em psicologia, na avaliação psicológica, a supervisão cumpre um papel fundamental, não apenas no aspecto formal do treinamento, como obter a informação adequada ou dendo a desvencilhar-se de situações pessoais que possam bloquear ou prejudicar o processo de avaliação, principalmente, aquelas que possam se colocar fora da consciência imediata do avaliador. Esses aspectos recaem dentro do conceito transferência– contratransferência, resistência–contrarresistência, análogos ao processo de supervisão em psicoterapia. Porém, considerando a brevidade dos encontros em avaliação psicológica, esses elementos podem ser muito mais difíceis de serem percebidos. Essa dificuldade torna a supervisão em avaliação psicológica muito mais crucial.

Outros dados circunstanciais como idade, sexo, aparência, identidade de gênero e outras características pessoais do profissional também são fatores que podem influenciar a relação e condicionar a maneira de o sujeito portar-se na avaliação. Tais características reais podem ter significados especiais para o sujeito avaliado e, quando existem, o profissional pode procurar explicitar isto diretamente. Essa influência recai no âmbito da relação transferencial e dependerá da sensibilidade do avaliador de perceber e compreender o seu impacto. O profissional pode ajustar alguns aspectos pessoais para adequar-se à situação, como adotar um modo profissional de vestir-se e portar-se. Porém, os dados objetivos de sua pessoa, como a idade, por exemplo, não podem ser alterados. Portanto, é importante saber lidar com o impacto dessas características pessoais no processo. Por exemplo, o paciente que diz, na primeira entrevista “Pensei que você fosse mais velho”, pode estar revelando, na expectativa de estar com um profissional mais experiente, uma desqualificação do avaliador, entre outras possibilidades a serem exploradas. O psicólogo deve poder interagir com situações que envolvem sua pessoa de modo natural para compreender seu significado e administrar sua influência no processo.

Certos aspectos de sua personalidade, principalmente os mais visíveis ou mais facilmente identificáveis, podem exercer uma influência no sujeito acerca de seu modo de relacionar-se com o avaliador. Há, nos pacientes, certa “astúcia inconsciente” tanto para identificar aspectos da personalidade do profissional que podem interagir com a própria dinâmica pessoal, quanto para engajar o profissional no jogo inconsciente pelo qual tentam controlar ou evadir-se da ansiedade. Um paciente pode se sentir ameaçado pela postura afetiva de um avaliador, enquanto outro pode se sentir incomodado com uma postura mais objetiva. A sensibilidade será sempre importante na opção consciente por uma conduta ou outra. Caso não esteja preparado para lidar com esses aspectos, como na capacidade de utilizar o processo de contratransferência como instrumento de compreensão do outro, o psicólogo corre o risco de atuar como participante num interjogo inconsciente entre ele e o sujeito ou paciente. Novamente, aqui entra o papel da supervisão, que deve, entre outras coisas, ajudar o psicólogo avaliador a desenvolver sua sensibilidade e capacidade de perceber essas situações e lidar com elas adequadamente.

 

Conclusão

Neste texto examinamos quatro fatores preliminares, fundamentais ao processo de avaliação psicológica, com grande capacidade de influenciar seu curso e resultado: (1) a análise da demanda, a relação do psicólogo avaliador com o profissional que solicita a avaliação e as influências institucionais; (2) a avaliação da compreensão que o sujeito tem dessa demanda, sua postura e atitudes em relação à avaliação psicológica; (3) a qualidade da relação entre o psicólogo avaliador e o sujeito, no primeiro contato e na entrevista inicial, gerando as primeiras formulações e orientando o processo; e (4) a influência de características pessoais do psicólogo avaliador.

Complexa como é a interação dos elementos associados a esses fatores, nada substitui uma boa dose de treinamento, supervisão e experiência na formação do psicólogo especializado em avaliação psicológica. Destacamos a importância da supervisão na formação em avaliação psicológica, considerando que o reconhecimento desses fatores poderá levar a resultados mais satisfatórios. Apesar de o foco ter sido a avaliação em situações clínicas, acreditamos que essas reflexões possam ser aplicadas em outros contextos. As discussões apresentadas apenas iniciam uma reflexão que precisa avançar, posta a enorme diversidade das situações e contextos que se apresentam para a avaliação psicológica.

 

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Recebido em dezembro de 2011
Reformulado em junho de 2012
Aceito em julho de 2012

 

 

Sobre o autor

Marcelo Tavares: Doutor em Psicologia Clínica pela Alliant International University. Coordenador do Núcleo de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio. Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.


1Endereço para correspondência:
ISS Sul, Caixa Postal 4500 - Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília; Brasília, DF 70910-900