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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.11 no.3 Itatiba jul./set. 2012

 

 

Primeiros resultados sobre respostas populares no Teste de Apercepção Familiar (FAT )

 

First results of popular responses on the Family Apperception Test (FAT )

 

Primeros resultados sobre las respuestas populares en el Test de Apercepción Familiar (FAT )

 

 

Blanca Susana Guevara Werlang1,I; Liza FensterseiferII; Roberta Louzada SalvatoriI; Cristina Fiad AragonezI

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
IIPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

 

 


RESUMO

O objetivo foi identificar evidências da existência ou não de respostas populares (RP) nas verbalizações de 289 estudantes com idade entre 06 e 15 anos, às 21 lâminas do FAT. As RP permitem medir o ajustamento social e intelectual da pessoa em avaliação. Neste estudo, adotou-se a razão de 1/3, ou seja, uma resposta em cada três sujeitos. A análise das respostas permitiu a identificação de conteúdos que foram codificados em categorias, por meio da análise de conteúdo. Após tabulou-se as respostas dos estudantes, divididos em quatro grupos, considerando idade e sexo. Constatou-se que: não houve diferenças expressivas no que diz respeito ao conteúdo das categorias entre os quatro grupos analisados e que a média de RP dadas por cada participante foi superior ao apontado pela literatura como mínimo necessário para pessoas ajustadas socialmente.

Palavras-chave: teste projetivo; respostas populares; ajustamento social; ajustamento intelectual; Teste de Apercepção Familiar (FAT).


ABSTRACT

The objective was to identify evidences on the existence or not of popular responses (PR) in the verbalization of 289 students aged between 06 and 15 years old, on the 21 pictures of the FAT. The PRs allow the social and intellectual adjustment of the subject in an assessment process. For this study the ratio of 1/3 was used, meaning one response on each three subjects. The responses have permitted the identification of the contents that were codified in categories. After that the tabulation results of the students was made, who were divided in four groups, considering age and sex. It was verified that: there has not been presented too significant differences among the four groups in relation to the content of the categories and the average of the RP given by each participant was superior than the minimum described in the literature as necessary for socially adjusted people.

Keywords: projective tests; popular responses; social adjustment; intellectual adjustment; Family Apperception Test (FAT).


RESUMEN

El objetivo fue identificar evidencias de la existencia o no de respuestas populares (RP) en las verbalizaciones de 289 estudiantes de edades entre 06 y 15 años, en las 21 láminas del FAT. Las RP permiten medir el ajuste social e intelectual de la persona en evaluación. En este estudio, se adoptó la relación de 1/3, es decir, una respuesta a cada tres sujetos. El análisis de las respuestas permitió la identificación de contenidos que fueron codificados en categorías. Después se tabularon las respuestas de los estudiantes divididos en cuatro grupos conforme la edad y el sexo. Los resultados muestran que no hubo diferencias significativas en cuanto al contenido de las categorías entre los cuatro grupos analizados y que el promedio de las RP dadas por cada uno de los participantes fue mayor que la indicada en la literatura como el mínimo necesario para personas ajustadas socialmente.

Palabras-clave: técnicas proyectivas; respuestas populares; ajustamiento social; ajustamiento intelectual; Test de Apercepción Familiar (FAT).


 

 

A avaliação psicológica é, sem dúvidas, uma das mais importantes atividades atribuídas ao psicólogo, independentemente de sua área de atuação (clínica, hospitalar, organizacional, escolar, forense, entre outras). Os psicólogos têm se empenhado, nos últimos anos, na prática de avaliações com objetivos bastante claros e definidos, visando encontrar respostas a determinadas questões e, consequentemente, solucionar problemas. Os testes psicológicos se diferenciam de outras ferramentas de avaliação, pois como enfatizam Werlang, Villemor-Amaral e Nascimento (2010), eles são “instrumentos de mensuração padronizados, que avaliam características ou processos psicológicos fundamentados em uma teoria e precisam atender os requisitos de validade e precisão” (p. 93). Ainda, para Villemor-Amaral, Machado e Noronha (2009), os testes psicológicos são componentes do processo amplo de avaliação, que têm por objetivo a observação, a descrição e a classificação do comportamento do sujeito avaliado, de maneira sistêmica.

Existem dois grandes tipos de testes psicológicos: os psicométricos e os projetivos. Os primeiros se caracterizam por quantificar um determinado construto psicológico, de maneira geral, com base em respostas corretas ou incorretas. Os segundos analisam aspectos dinâmicos, globais e não observáveis do funcionamento dos sujeitos, que caracterizam determinado construto psicológico. Nesse sentido, Villemor-Amaral e Pasqualini-Casado (2006) entendem que os instrumentos projetivos se atentam mais às questões qualitativas e psicológicas do indivíduo avaliado, sinalizando tendências mais espontâneas, motivadas por aspectos implícitos.

Especificamente acerca dos testes projetivos, Fensterseifer (2008) postula que estes instrumentos se baseiam em uma situação-estímulo que não possui um significado específico e sobre a qual cada indivíduo imprime um sentido próprio e singular. Nessa direção, os postulados de Rapaport (1971) já destacavam que os testes projetivos se baseiam na hipótese de que toda atividade humana é permeada e influenciada por questões individuais do sujeito que a empreendeu. Assim, a interpretação das condutas desse sujeito dá subsídios importantes para a compreensão dos aspectos de sua personalidade e de seu funcionamento. Werlang e Cunha (1993) apontam que os diversos testes projetivos existentes revelam, em sua totalidade, por meio da projeção, material dinâmico dos sujeitos a eles submetidos, seja este material patológico ou não. Eles retratam o mundo interno do sujeito, avaliando áreas sadias e patológicas de sua personalidade, revelando os recursos de cada sujeito para lidar com seus conflitos, fazendo com que o mesmo atribua qualidades, percepções e necessidades próprias a estímulos externos, de maneira não consciente.

Consideradas essas premissas centrais de todo instrumento projetivo, vale comentar que dentro desta importante categoria de testes psicológicos, duas diferentes famílias podem ser diferenciadas: a dos testes projetivos estruturais, que têm o Rorschach como seu maior representante e que avaliam a estrutura da personalidade dos sujeitos, e a dos temáticos, que revelam a dinâmica e o funcionamento do sujeito que a eles se submete, e o Teste de Apercepção Temática (TAT) é apontado como seu maior protótipo (Anzieu, 1981). Apesar de essa distinção ser mais didática do que funcional, ela se faz relevante neste estudo, uma vez que o mesmo trata de uma técnica projetiva temática e, neste cenário em particular, ganha destaque o conceito de apercepção.

Segundo Werlang (2002), a apercepção é “o processo pelo qual uma experiência é assimilada e transformada pelo resíduo da experiência passada, ou seja, é a interpretação subjetiva da percepção, que é apenas a interpretação objetiva de um estímulo” (p. 410). Dessa forma, frente a uma percepção, e influenciada por suas vivências e conteúdos internos, cada pessoa deformará aperceptivamente o que percebeu, fornecendo respostas que retratam aspectos dela própria. É em função disso e pela riqueza de informações que fornecem que esses testes são tão populares no meio clínico (Anastasi & Urbina, 2000; Fensterseifer, 2008; Fensterseifer & Werlang, 2008). O primeiro teste que se baseou nessa ideia foi o TAT, criado no fim da década de 1930. A partir dele, outros testes aperceptivos foram criados, como o Teste de Apercepção Temática Infantil – CAT (em versão animal e humana), o Teste de Apercepção Suplementar – CAT-S, o Teste Sênior de Apercepção – SAT, o Teste de Relações Objetais de Phillipson e o Teste de Apercepção Familiar – FAT.

O FAT, instrumento-alvo do presente estudo, foi desenvolvido nos Estados Unidos por Sotile, Julian III, Henry e Sotile (1991) e assim, como grande parte dos testes projetivos temáticos, propõe que o sujeito elabore histórias para diferentes lâminas-estímulo. Ele é destinado a crianças e adolescentes com idade entre 06 e 15 anos. Foi criado para ser uma ponte entre a avaliação individual e a familiar de determinado indivíduo, sendo, desta forma, baseado na Teoria Sistêmica. O FAT é constituído por uma série de 21 lâminas-estímulo, que representam diversas situações do cotidiano de uma família e que induzem diversas associações projetivas a respeito do funcionamento e da estrutura familiar, bem como sentimentos vinculados ao relacionamento específico da família (Sotile e cols., 1991). A administração do FAT é similar a de outros testes projetivos temáticos: pede-se ao sujeito que, para cada lâmina, conte uma história com início, meio e fim. Posteriormente é realizado um inquérito adicional para tirar dúvidas e/ou completar a história: “o que está acontecendo?”, “o que aconteceu antes?”, “e depois?”, “como eles estão se sentindo?”, “como esta história termina?”.

Acredita-se que uma das principais contribuições do FAT é o fato de propor uma avaliação baseada na teoria sistêmica, pois não há dúvidas de que cada vez mais o contexto familiar tem se mostrado relevante na avaliação dos sujeitos que buscam auxílio psicológico. No entanto, são poucos os instrumentos, até o momento, que se prestam a realizar uma avaliação sistêmica familiar do sujeito avaliado e, justamente por isto, o FAT ganha relevância e surge como um instrumento especificamente desenhado e elaborado para que variáveis do sistema familiar do indivíduo avaliado possam ser evocadas. Então, diferentemente da maioria dos testes projetivos, seu enfoque não é psicanalítico, mas sim sistêmico, avaliando aspectos da estrutura e do funcionamento familiar a partir da perspectiva de quem responde ao teste (Sotile e cols., 1991).

Por se tratar de um instrumento originalmente norte-americano, o FAT deve passar por um estudo de adaptação à realidade brasileira antes que possa ser utilizado e comercializado no país. Nesse sentido, o estudo das propriedades psicométricas do FAT está sendo desenvolvido num projeto maior, com o intuito de se poder contar com um instrumento confiável para a identificação de aspectos do funcionamento e da estrutura familiar, do ponto de vista do sujeito avaliado. Dessa forma, estudos de evidências de validade de conteúdo e de fidedignidade entre avaliadores já foram realizados (Fensterseifer, 2008), e novos estudos de evidências de validade de estrutura interna e de critério estão sendo operacionalizados em projetos de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS.

Pensando ainda na qualificação dos instrumentos projetivos, um conceito bastante utilizado em investigações de propriedades psicométricas, estudos de normatização e padronização de testes como o Rorschach, o TAT, o CAT-A e o Teste das Fábulas, é o de respostas populares. Cunha, Nunes, Oliveira e Werlang (1989) definem resposta popular como sendo uma medida de concordância social, representando a opinião que determinado sujeito compartilha com seu grupo de referência. Frente ao fato de que as respostas populares são eliciadas por estímulos – borrões de tinta no Rorschach, figuras no TAT, no CAT e no FAT, e figuras e histórias no Teste das Fábulas – é importante entender por que certas respostas se tornam suficientemente frequentes para serem consideradas populares.

No século passado, Hermann Rorschach (1921/1967) mostrou a associação de respostas populares com a adaptação intelectual do sujeito, pressupondo que as mesmas revelam sua participação na maneira com que a coletividade percebe e concebe o mundo. Outros autores também têm sido unânimes quanto à significação das respostas populares, seja enfatizando sua participação no pensamento da coletividade ou a conformidade do sujeito com seus pares (Beck, 1945), seja salientando a receptividade do mesmo à opinião compartilhada pelo grupo (Bochner & Halpern, 1948). Especificamente para crianças e adolescentes, Peceguina, Santos e Daniel (2008) afirmam que a presença de resposta popular pode ser analisada como uma boa medida de competência social que, de acordo com a maioria das concepções, implica em ter eficácia e habilidade nas relações estabelecidas com os pares. Mesmo com pequenas diferenças nas definições e significados das respostas populares, que são mais complementares do que excludentes entre si, é possível dizer que há consenso entre os pesquisadores, no que diz respeito a dois pontos: elas se referem à capacidade que a pessoa tem de perceber o que a maioria das pessoas que pertencem ao seu grupo de referência percebe, e podem ser interpretadas como um termômetro para o ajustamento e a capacidade da pessoa de se adaptar e de resolver seus problemas e tarefas, denotando a forma com que ela se organiza no contexto geral (Cunha, Nunes, Oliveira & Werlang, 1989; Vaz, 1997, 1998).

Para que uma pessoa possa ser considerada ajustada no convívio social, pelo menos 25% de suas respostas devem ser populares (Vaz, 1998). Para a definição desse tipo de resposta, a maioria dos autores utiliza a razão de 1/3, o que equivale a uma resposta em cada três, correspondendo a 33,3% dos sujeitos verbalizando o mesmo conteúdo para a mesma questão (Kloper & Kelly, 1972). Outros adotam a razão de 1/4 ou de 1/6 (Vaz, 1998; Exner, 1999). Neste estudo adotou-se a razão de 1/3.

Nascimento e Güntert (2000) entendem que as respostas populares são as que aparecem com mais frequência na população em que foi realizado o levantamento. As autoras mencionam que podem existir diferenças entre as respostas populares, em diferentes grupos culturais. Em função disso, a proposta deste artigo é apresentar evidências da existência ou não de respostas populares nas respostas dadas por crianças e adolescentes brasileiros às 21 lâminas do FAT. A pertinência e a relevância desta investigação se apoiam na ideia de que a identificação de respostas populares se faz importante, pois é uma forma de medir o ajustamento social e intelectual da pessoa que está sendo avaliada, sendo possível ter acesso a informações sobre a forma com que a mesma se relaciona com seus pares. O presente artigo destaca, então, a análise e a classificação de respostas populares e a operacionalização dos procedimentos estatísticos realizados para alcançar o objetivo proposto.

 

Método

Participantes

A amostra, localizada por conveniência, ficou constituída por 289 estudantes com idade entre 06 e 15 anos, dos sexos masculino e feminino, de escolas públicas e privadas das cidades de Belo Horizonte-MG e Porto Alegre-RS.

Instrumentos

A fim de obter dados para caracterização dos participantes, foi utilizada uma Ficha de Dados Sociodemográficos, elaborada para uso específico deste estudo e do projeto maior em que ele está inserido. A ficha tem itens para registrar informações sobre sexo, idade, escolaridade, composição do núcleo familiar, dados socioeconômicos, entre outros.

Para excluir casos com suspeita de comprometimento intelectual, de forma a evitar que esta variável gerasse um viés nos resultados, foi administrado, de forma individual, o Teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999), para os sujeitos com idade entre 06 e 11 anos e meio, e o Teste Matrizes Progressivas – Escala Geral (Raven, 2003), para os de 11 anos e 07 meses a 15 anos. A administração foi realizada seguindo as instruções usuais que constam dos manuais, prevendo- se uma duração média de 20 a 30 minutos. O Teste de Matrizes Progressivas foi desenvolvido originariamente pelo psicólogo J. C. Raven como medida do fator “g” de inteligência, com base no referencial de Charles Spearman. Como uma tarefa a ser cumprida, esse instrumento pode ser descrito como um teste de completamento e, em termos do tipo de item, oferece uma escolha entre soluções alternativas (Cunha, 2002). O caderno utilizado é dividido em séries de matrizes ou desenhos que apresentam um problema introdutório, cuja solução é clara, fornecendo um padrão para a tarefa, que se torna progressivamente mais difícil. A Escala Especial compreende três séries (A, Ab, e B) e a Geral cinco séries (A, B, C, D e E). As respostas são classificadas como corretas ou incorretas, e, para cada resposta certa, o indivíduo recebe um ponto, sendo que o total de pontos obtidos representa seu escore. Esse escore é transformado em percentil, por meio do uso de uma tabela específica constante do manual do instrumento, em associação com a idade do sujeito, para que, assim, seja estimado o nível intelectual de cada participante da amostra.

Além do Raven, cada participante foi submetido à aplicação do instrumento alvo deste estudo, o Teste de Apercepção Familiar (Sotile e cols., 1991), que compreende 21 lâminas com os seguintes títulos: Jantar, Som, Castigo, Vestido, Assistindo televisão, Faxina, Andar superior, Shopping center, Cozinha, Baseball, Atraso, Tarefas escolares, Hora de dormir, Brincadeira, Jogo, Chaves, Maquiagem, Viagem, Trabalho, Espelho e Encontro/Despedida. Essas lâminas-estímulo foram apresentadas uma a uma ao sujeito, e, para cada uma delas, ele elaborou uma história sobre o que estava ocorrendo, enfatizando que acontecimentos levaram àquela situação e qual foi o desfecho, caracterizando-se como uma história com início, meio e fim. Ao final de cada história, foi realizado um inquérito para aprofundar e esclarecer aspectos da narrativa. A avaliação das histórias contadas foi registrada em um protocolo específico e analisada com base no sistema de categorização das respostas do FAT, desenvolvido em um estudo anterior (Fensterseifer, 2008) e que pode ser conferido na Tabela 1.

 

 

Procedimentos

O presente estudo integra um projeto maior de pesquisa, de adaptação brasileira do Teste de Apercepção Temática – FAT, que foi avaliado e aprovado pelo do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (Ofício nº152/05 CEPPUCRS). Obtida essa aprovação, foram realizados contatos com 48 escolas, 21 da cidade de Belo Horizonte (12 escolas públicas e 09 escolas privadas) e 27 da cidade de Porto Alegre (15 escolas públicas e 12 escolas privadas), que possuíam alunos com idade entre 06 e 15 anos, para obter a autorização necessária para a testagem dos estudantes.

Previamente à administração dos instrumentos, foi encaminhada uma carta aos pais e/ ou responsáveis dos alunos, acompanhada de uma Ficha de Dados Sociodemográficos e de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com o objetivo de explicar a natureza e a relevância do trabalho a ser desenvolvido, bem como obter (dos pais e/ou responsáveis) autorização de participação da criança ou adolescente. De posse do consentimento de participação e da ficha sociodemográfica, a administração dos instrumentos foi realizada de forma individual, em dois encontros (um para o Teste Raven e 10 lâminas do FAT e outro para as outras 11 lâminas) de aproximadamente 40 minutos, na própria instituição, durante o período escolar.

Conforme mencionado, para cada uma das 21 lâminas do instrumento, o participante elaborou uma história com início, meio e fim, e ao final de cada uma delas foi feito um inquérito. Foi considerada para este estudo somente a verbalização (e sua respectiva ideia) espontânea da criança ou adolescente, admitindo-se apenas verbalizações resultantes do uso de incentivos simples (“e daí?”, “então?”), destinados a estimular a produção do participante.

A coleta dos dados foi seguida da transcrição das histórias, da compilação e organização dos dados em programas específicos, para processamento posterior. Em relação à caracterização da amostra, as variáveis qualitativas foram descritas por meio de frequências (f) e porcentagens (%).

Com o intuito de identificar a presença ou não de respostas características – respostas populares – dadas ao FAT, a amostra de 289 crianças e adolescentes da população geral foi dividida em quatro grupos, conforme o sexo e a idade dos sujeitos. Assim, os quatro grupos ficaram com a seguinte configuração: Grupo 1: 73 meninos de menor idade (06 a 10 anos); Grupo 2: 82 meninas de menor idade (06 a 10 anos); Grupo 3: 64 meninos de maior idade (11 a 15 anos) e Grupo 4: 70 meninas de maior idade (11 a 15 anos).

Para a identificação da presença ou não de respostas populares dadas pelos participantes deste estudo, no FAT foi realizado o seguinte procedimento. Inicialmente, as respostas de todos os sujeitos para as 21 lâminas foram registradas, fazendo-se uma divisão em quatro grupos distintos, conforme o sexo e a idade do sujeito. Após cuidadosa leitura e análise do material e a partir da lista de respostas dadas em cada um dos grupos, foram criadas categorias de respostas e cada resposta foi, então, localizada em determinada categoria (resposta popular), conforme seu conteúdo.

 

Resultados

A amostra foi constituída por 289 crianças e adolescentes (M = 10,36; DP = 2,57), sendo 192 crianças de Porto Alegre e 97 de Belo Horizonte. Quanto ao sexo, 137 eram do sexo masculino e 152 do sexo feminino. Considerando o tipo de escola, 161 eram de escolas públicas e 128 de escolas privadas. Em relação à série escolar frequentada pelos participantes, a grande maioria deles estava entre a 1ª e a 9ª série do Ensino Fundamental (267, 92,4%), 6 (2,1%) estavam na Pré-escola e 16 (5,5%) no Ensino Médio. Esses dados justificam-se, uma vez que constituía critério de inclusão na amostra deste estudo ter idade entre 06 e 15 anos, faixa etária que normalmente corresponde a alunos de Ensino Fundamental.

Dos 289 participantes, somente 18 (6,2%) repetiram alguma série, resultado que está de acordo com o fato de que, na opinião dos pais ou responsáveis, a grande maioria dos estudantes tem um desempenho escolar entre ótimo e bom (90,7%). Sobre o núcleo familiar em que os participantes estavam inseridos, os dados coletados mostraram que a maioria residia com o pai e a mãe (70,2%), 24,6% residia apenas com a mãe, 2,8% apenas com o pai e 2,4% com outros familiares (avós, tios). No que diz respeito à renda familiar dos participantes do presente estudo, os dados revelaram que na família de 132 crianças e adolescentes (45,7%) a renda era superior a cinco salários mínimos, na de 61 (21,15%) ela era de um a três salários mínimos, na de 73 (25,3%) era de três a cinco, na de 20 (6,9%) era de até um salário mínimo, e 3 (1%) participantes não forneceram esta informação.

A partir da aplicação do Teste Matrizes Progressivas de Raven, utilizado como instrumento de triagem cognitiva, os participantes que obtiveram percentis abaixo de 25 foram excluídos da amostra. Os resultados do desempenho no Raven, dos 289 integrantes da amostra, atestaram desempenhos médios, em sua maioria – da escola privada, 64% dos participantes obteve percentil entre 75 e 95, e da escola pública, 54%. Acredita-se que esses dados apontam para as características de funcionalidade das crianças e adolescentes que participaram deste estudo, tendo em vista que pertencem à população geral.

Finalmente, para análise das respostas dadas ao FAT, tabularam-se as respostas de todas as crianças e adolescentes, e foram calculadas frequências e porcentagens, chegando-se à resposta popular de cada grupo, para cada lâmina. Esses resultados constam nas Tabelas 2, 3, 4 e 5. Foi considerada resposta popular aquela que, com conteúdo idêntico, fosse dada uma vez a cada três sujeitos (33,3%), estando em conformidade com o utilizado por Vaz (1998) e Exner Júnior (1999). Também foi calculada a média de respostas populares por participante, considerando que, do total de respostas de uma pessoa socialmente ajustada, 25% devem ser populares (Vaz, 1998).

 

 

 

 

 

 

Discussão

Por meio dos resultados que constam nas Tabelas sobre a identificação de respostas populares dadas no FAT, verifica-se que não houve diferenças expressivas no que diz respeito ao conteúdo das mesmas entre os quatro grupos analisados. Em relação à média de respostas populares dadas por cada participante, constatou-se que o valor encontrado é superior ao apontado pela literatura como mínimo necessário para pessoas ajustadas socialmente. Em investigação sobre respostas populares para o Teste das Fábulas, Cunha e Nunes (1993) observaram médias de 2,75 a 3,44, o que está um pouco acima do preconizado por Vaz (1998), de que, do total de respostas de uma pessoa socialmente ajustada, 25% devem ser populares, considerando que este teste tem dez fábulas e apenas nove foram utilizadas para fins de cálculos. No presente estudo, cada participante deu 21 respostas (uma para cada lâmina-estímulo) passíveis de classificação como populares. As médias encontradas apontam para valores superiores aos 25%. Acredita- -se que ambos os resultados – mesmos conteúdos nos quatro grupos e médias elevadas de respostas populares, por sujeito – têm uma relação direta com o fato de os sujeitos constituírem uma amostra da população geral, da qual se espera adaptação e compartilhamento de ideias com seu grupo de referência.

Para algumas lâminas, não foi possível identificar a presença de respostas populares, o que quer dizer que menos de 1/3 das crianças e adolescentes deram resposta de mesmo conteúdo para a mesma

lâmina-estímulo (os conteúdos encontrados e os respectivos valores de frequência e porcentagem podem ser observados nas Tabelas 2, 3, 4 e 5). Entretanto, destaca-se que mesmo não tendo atingido a porcentagem de repostas necessária para sua caracterização como popular, em determinadas lâminas, o conteúdo que apareceu é bastante semelhante entre os quatro grupos. Dessa forma, é possível pensar que se o número de sujeitos que compõem cada grupo fosse maior, provavelmente a razão de 1/3 seria atingida, chegando-se à definição do conteúdo já apresentado como resposta popular.

 

Conclusão

Retomando as ideias de Vaz (1997, 1998), que sustenta que a resposta popular fornece um importante parâmetro para a avaliação do ajustamento e da capacidade da pessoa de se organizar e de se colocar no mundo e em relação aos seus pares, evidencia-se a importância do estudo das respostas populares em um teste como o FAT. O que se demonstrou na investigação empreendida para identificação desse tipo de resposta é que elas estão presentes e representam uma medida de concordância social. No entanto, é certo que ainda há muito em que se avançar. Um novo estudo, com uma amostra de 312 sujeitos, encontra-se em andamento.

Dessa forma, tem-se a intenção de dar continuidade ao trabalho já iniciado, buscando, cada vez mais, fortalecer a utilidade e a cientificidade do FAT, instrumento promissor para a avaliação da família e de seu papel na criação e/ou manutenção dos sintomas, a partir da percepção de um de seus membros – o sujeito avaliado. Os resultados encontrados neste estudo são fruto de crianças e adolescentes provenientes de uma amostra da população geral, o que não significa que não tenham problemas ou conflitos, mas sim, que possuem mais recursos para o enfrentamento de possíveis dificuldades. Em testes projetivos, como já foi destacado, as respostas populares demonstram a opinião que uma pessoa tem em comum com às do grupo ao qual pertence. Nessa direção, é possível dizer que essas respostas podem variar conforme o contexto ou as circunstâncias em que determinado sujeito está envolvido. Sendo assim, partindo-se da hipótese de que sujeitos com Transtorno Depressivo, de Conduta e de Déficit de Atenção/Hiperatividade apresentariam respostas comuns (específicas para cada diagnóstico), diferentes das respostas populares observadas para crianças e adolescentes da população geral, está previsto também, no projeto maior de pesquisa, desenvolver um estudo para descrever as respostas mais frequentes entre crianças e adolescentes com um diagnóstico clínico, de forma a compará-las com as respostas populares observadas para a amostra (padronizada) final da população geral, a serem explicitadas no futuro Manual Brasileiro do FAT.

 

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Recebido em dezembro de 2011
Reformulado em maio de 2012
Aceito em junho de 2012

 

 

Sobre os autores:

Blanca Susana Guevara Werlang: Psicóloga. Doutora em Ciências Médicas/Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Titular da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Liza Fensterseifer: Psicóloga. Doutora em Psicologia pela PUCRS. Professora do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Roberta Louzada Salvatori: Psicóloga. É mestranda em Psicologia Clínica do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUCRS.
Cristina Fiad Aragonez: Psicóloga. Mestranda em Psicologia Clínica na Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.


1Endereço para correspondência:
Programa de Pós-Graduação em Psicologia PUCRS, Av. Ipiranga 6681- Prédio 11, 9º andar, sala 924. Bairro Partenon – CEP 90619-900 – Porto Alegre, RS – Brasil. Fone (51) 3320-3500 – Ramal 7786 E-mail: bwerlang@pucrs.br

Financiamento: CNPq, CAPES