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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471
Aval. psicol. vol.12 no.3 Itatiba dez. 2013
Teste de Retenção Visual de Benton: apresentação do manual brasileiro1
Joice Dickel Segabinazi2; Sergio Duarte Junior; Jerusa Fumagalli de Salles; Denise Ruschel Bandeira; Clarissa Marceli Trentini; Claudio Simon Hutz
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
A necessidade de instrumentos adequados à realidade brasileira para a avaliação neuropsicológica vem impulsionando pesquisas que objetivam reunir evidências de validade de testes neuropsicológicos em nosso país (Pawlowski, Trentini, & Bandeira, 2007). O objetivo desta nota técnica é apresentar, de forma sucinta, as habilidades avaliadas pelo teste, suas principais características, bem como destacar o processo de adaptação para o contexto brasileiro e a busca por evidências de validade do Teste de Retenção Visual de Benton (BVRT) (Benton Sivan, 1992). As investigações culminaram na organização do manual brasileiro do BVRT (Salles, Bandeira, Trentini, Segabinazi, & Hutz, no prelo), cujos capítulos serão brevemente discutidos. Ao final, ressaltam-se indicações de uso do teste em diferentes contextos.
Teste de Retenção Visual de Benton
O BVRT é um instrumento neuropsicológico internacionalmente utilizado para avaliação do processamento perceptivo, da memória visual e das habilidades visoconstrutivas (Burin, Drake, & Harris 2007). Durante a realização do BVRT, o examinando analisa e integra as características do estímulo para realizar uma representação visual, podendo ou não compará-la com representações armazenadas em sua memória (Burin, 2007). Na Administração Tipo A (Memória), os componentes visoespacial e buffer episódico do modelo de memória de trabalho podem ser recrutados para execução da tarefa (Baddeley, 2007). O instrumento também requer apropriadas habilidades visoconstrutivas, visoperceptivas e espaciais para perceber os detalhes que compõem as figuras, função motora (práxica) apropriada para copiá- -las graficamente, além de boa capacidade executiva para planejar o desenho e realizá-lo na mesma proporção que o modelo (Rodrigues, Duarte Junior, Czermainski, & Salles, no prelo).
O teste foi descrito pela primeira vez em 1945 e as contínuas revisões nos anos subsequentes contribuíram para que o BVRT se tornasse um dos instrumentos neuropsicológicos mais frequentes na composição de baterias de avaliação neuropsicológica em estudos internacionais. Nos Estados Unidos, o BVRT está em sua quinta edição, publicada em 1992 pela The Psychological Corporation, de autoria de Abigail Benton Sivan (Benton Sivan, 1992), e o teste também possui uma versão em espanhol (Benton, 2002). O BVRT consiste em dez lâminas apresentadas sucessivamente, com uma, duas ou três figuras geométricas, as quais possuem três formas alternativas (Formas C, D e E), sendo que cada uma dessas formas pode ser administrada de quatro modos diferentes (Administração A, B, C e D). Para a adaptação brasileira, selecionaram- -se as formas e administrações mais utilizadas nas publicações internacionais (Administração A - Forma C, para avaliação de memória visual, e Administração C - Forma D, para avaliação das habilidades visoconstrutivas). No manual brasileiro, as duas formas de aplicação foram denominadas Administração A (Memória) e Administração C (Cópia). Enquanto na Administração A as lâminas são apresentadas durante 10 segundos, na Administração C não há tempo limite de apresentação das lâminas. Em relação aos itens, os primeiros dois Estímulos possuem apenas uma figura geométrica, e os outros oito Estímulos de cada forma consistem de duas figuras maiores e uma figura periférica menor (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006) (Figura 1).
Para a pontuação do teste, dois escores principais são calculados: o número de reproduções corretas (Escore de Acertos) e o número total de erros (Escore de Erros). Um terceiro escore complementa a compreensão do desempenho do examinando e permite qualificar a frequência dos tipos específicos de erros a partir de seis diferentes categorias: Omissões, Distorções, Perseverações, Rotações, Trocas de Posição e Erros de Tamanho. Além disso, o levantamento permite a identificação da figura na qual o erro ocorre (centrais, esquerda ou direita e figuras periféricas) e a posição do erro considerando o estímulo como um todo (central, esquerda ou direita). Apesar de parecer inicialmente complexo, a prática e o conhecimento do sistema de levantamento do BVRT simplificam o processo após um período de treino, conforme demonstraram os estudos realizados durante a construção do manual brasileiro no BVRT (Salles e cols., no prelo), cujos capítulos serão brevemente descritos na seção seguinte.
Manual brasileiro do BVRT
Em relação aos procedimentos empíricos para a legitimação de instrumentos, tem sido aceita a teoria que entende o conceito de validade como o grau em que as evidências acumuladas corroboram a interpretação pretendida dos escores de um teste para os fins propostos (AERA, APA, & NCME, 1999). Para Urbina (2007), evidências de validade dos escores de um teste podem ser obtidas por meio de qualquer pesquisa sistemática que confirme ou acrescente algo ao seu sentido, independente de quando ela ocorre, sendo necessárias diversas fontes de evidências de validade para considerar um instrumento válido. Assim, no processo de adaptação do BVRT para o contexto brasileiro foram considerados múltiplos aspectos da validade de construto.
Os primeiros dois capítulos do manual dizem respeito à validade de conteúdo do teste, uma vez que discutem a relevância e representatividade do BVRT e a validade de face do teste. Mais especificamente, o capítulo 1 oferece uma revisão das principais funções cognitivas avaliadas pelo BVRT, retomando resultados de pesquisas internacionais que empregaram o teste, e fornecendo indicações de uso do instrumento em diferentes contextos. Já o capítulo 2 trata do processo de adaptação do BVRT, com o relato do processo de tradução das normas de instrução e pontuação do teste, a avaliação da compreensão por parte da população alvo por meio de estudos piloto, bem como o treinamento inicial da equipe para a pontuação do teste.
O aspecto da validade de construto abordado nos capítulos seguintes são os padrões de convergência do BVRT. O capítulo 3 traz como fonte de validade os estudos de correlação do BVRT com outros testes disponíveis no Brasil para avaliação da memória visual, a saber: Teste Figuras Complexas de Rey (Oliveira & Rigoni, 2010) e o Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M; Rueda & Sisto, 2007), sendo que parte dos resultados já se encontra publicada (Zanini, Wagner, Bandeira, Salles & Trentini, 2012). As investigações foram realizadas em amostras de adolescentes e idosos e os resultados indicaram que o BVRT apresenta correlações significativas com os dois testes, conforme era esperado pela literatura da área. A fidedignidade do instrumento foi também cuidadosamente investigada. Foram utilizadas medidas de concordância entre avaliadores e teste- reteste. No primeiro estudo do capítulo 5, a concordância entre os dois juízes sobre a pontuação dos testes de uma amostra de estudantes universitários foi avaliada utilizando- se o Índice Kappa e Correlações Intraclasse. Os valores de concordância encontrados nesse estudo superam aqueles relatados em outras pesquisas de confiabilidade entre juízes com o BVRT (Swan, Morrison, & Eslinger, 1990) e evidenciam altos índices de confiabilidade no julgamento dos escores do teste. O segundo estudo desse capítulo avalia a concordância da medida em protocolos de estudantes universitários em um intervalo de, no máximo, três meses entre o teste e o reteste. Encontraram-se Correlações Intraclasse em nível moderado para a Administração A (Memória), porém os resultados para a Administração C (Cópia) não foram significativos, sendo plausível que tenha ocorrido um efeito de aprendizagem no teste, estando de acordo com resultados já apontados anteriormente por outros estudos (Youngjohn, Larrabee, & Crook, 1993).
O capítulo 8 diz respeito aos estudos de construção de normas de desempenho utilizando como fonte de validade a investigação de diferenças nos escores de acordo com aquelas esperadas com base na idade, anos de estudo e contexto educacional (escolas públicas e privadas). Entre as investigações realizadas para a composição dos dados normativos, pode-se citar um estudo no qual não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em relação ao tipo de escola pública ou privada em uma amostra de crianças (Souza, Segabinazi, Salles, & Bandeira, 2011) e outro no qual se encontraram diferenças significativas para a variável escolaridade entre o grupo dos idosos (Czermainski e cols., 2011). Assim, além das normas diferenciadas por escolaridade entre os idosos, o manual apresenta tabelas normativas tanto por idade como por escolaridade para os grupos de crianças e adolescentes, e normas divididas para jovens no ensino médio e estudantes universitários.
Para a construção do manual também foram pesquisados aspectos da validade do BVRT relacionados ao critério, por meio do estudo das diferenças de desempenho entre grupos clínico e controle. Para tanto, o capítulo 4 apresenta dois estudos, o primeiro compara os desempenhos no BVRT de crianças com e sem o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, enquanto o segundo examina diferenças no desempenho do teste em idosos com e sem o diagnóstico de Demência de Alzheimer possível. Ambos os estudos evidenciaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (clínico/ controle) nos escores principais do BVRT. Os capítulos 9, 10 e 11 complementam o estudo da precisão das decisões baseadas na validação concorrente, por meio da comparação do desempenho no BVRT em três casos clínicos com os dados normativos, a saber: pacientes com Traumatismo Cranioencefálico, Demência de Alzheimer possível e Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.
O manual é composto ainda pelos capítulos 6 e 7, os quais apresentam, respectivamente, as normas de aplicação e as instruções para pontuação do BVRT. Ressalta-se que, em comparação ao manual original americano, esse último capítulo apresenta alterações nas definições das categorias de erros com o objetivo de minimizar a subjetividade, além de uma seção completamente nova com exemplos de erros cometidos na amostra brasileira. Assim, entende-se que a composição do manual brasileiro do BVRT agrupa uma série de estudos que corroboram a validade de construto do teste a partir de múltiplas fontes.
Considerações Finais
Confirmando resultados encontrados em estudos realizados em outros países, o BVRT demonstrou características psicométricas apropriadas nos estudos organizados no manual brasileiro do teste (Salles e cols., no prelo). Outras investigações sobre os aspectos psicométricos do instrumento continuam por meio de estudos que utilizarão a Teoria da Resposta ao Item e Modelos de Equações Estruturais, da construção de normas para uma população de adultos brasileiros, e também no estudo do desempenho de pacientes que tiveram Acidente Vascular Cerebral. A publicação do manual proporcionará, aos profissionais e pesquisadores com conhecimentos na área, o uso de um teste neuropsicológico reconhecido e bastante utilizado internacionalmente nos contextos clínicos e de pesquisa. Assim, seguindo as indicações iniciais de Lezak, Howieson e Loring (2004) encoraja-se o uso da adaptação brasileira do BVRT para a composição de baterias neuropsicológicas, nas avaliações de eficácia de processos de reabilitação neuropsicológica, para caracterizar o desempenho de pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, diversos tipos de demência, e na identificação de casos de agnosia visual, heminegligência, déficits de memória visual e práxicos.
Referências
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Recebido em novembro de 2012
Reformulado em abril de 2013
Aprovado em setembro de 2013
Sobre os autores
Joice Dickel Segabinazi: é Psicóloga, mestre e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora convidada do curso de Especialização em Avaliação Psicológica na Faculdades Integradas de Taquara e supervisora do curso de Especialização em Avaliação Psicológica da UFRGS.Sergio Duarte Junior: é Psicólogo, Especialista em Psicologia Clínica, ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Psicólogo no Núcleo de Reabilitação em Linguagem e Cognição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Jerusa Fumagalli de Salles: é fonoaudióloga, mestre e doutora em psicologia, profa. adjunta do Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS, coordenadora do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (Neurocog).
Denise Ruschel Bandeira: é Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professor Adjunto da Graduação em Psicologia e da Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia (UFRGS).
Clarissa Marceli Trentini: é Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Claudio Simon Hutz: é psicólogo, mestre e Ph.D. pela University of Iowa (USA) e Professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista de Produtividade I-A do CNPq.
1Financiamento da Editora Casa do Psicólogo e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
2Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia da UFRGS, R. Ramiro Barcelos, 2600, sala 120, 90035-003, Porto Alegre-RS. Tel.: (51) 3308-5352. E-mail: jsegabinazi@gmail.com