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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.1 Itatiba abr. 2014

 

 

Estudo psicométrico do Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias

 

Psychometric study of the Computerized Test of Primary Emotions Perception

 

Estudio psicométrico del Test Computarizado de Percepción de Emociones Primarias

 

 

Fabiano Koich Miguel1,2,I; Ricardo PrimiII

IUniversidade Estadual de Londrina
IIUniversidade São Francisco

 

 


RESUMO

A percepção de emoções é apresentada como uma das capacidades de inteligência emocional. O Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias foi construído com a proposta de avaliar este construto, e a presente pesquisa teve como objetivo estudar suas características psicométricas, mais especificamente sua estrutura fatorial, índices de ajuste, precisão e DIF. Participaram 924 pessoas que responderam ao teste. Foram estudadas soluções de 1, 3 e 5 fatores. Para cada solução, foram criadas pontuações baseadas nas cargas fatoriais e também foi utilizado o modelo de Rasch. Já os índices de precisão foram calculados por meio de alfa de Cronbach, Rasch e teste-reteste em uma subamostra de 34 pessoas. As análises indicaram adequação das estruturas de 1 e 3 fatores. O artigo discute os resultados em detalhes.

Palavras-chave: inteligência emocional; percepção emocional; testes psicológicos.


ABSTRACT

Emotional perception is presented as one of the abilities in emotional intelligence. The Computerized Test of Primary Emotions Perception was built with the purpose of evaluating this construct, and the present study aimed to study its psychometric properties, specifically its factorial structure, indices of fit, reliability and DIF. Participants were 924 people who responded the test. Solutions of 1, 3, and 5 factors were studied. For each solution, scores were created based on factor loadings and also using the Rasch model. Reliability indices were calculated using Cronbach's alpha, Rasch and test-retest in a subsample of 34 persons. The analyses indicated the suitability of 1 and 3 factors structures. The article discusses the results in detail.

Keywords: emotional intelligence; emotional perception; psychological tests.


RESUMEN

La percepción emocional se presenta como una de las habilidades de la inteligencia emocional. El Test Computarizado de Percepción de las Emociones Primarias fue construido con el propósito de evaluar este constructo y el presente estudio tuvo como objetivo estudiar sus propiedades psicométricas, específicamente su estructura factorial, los índices de ajuste, la fiabilidad y el DIF. Los participantes fueron 924 personas que respondieron la prueba. Se estudiaron las soluciones de 1, 3 y 5 factores. Para cada solución, se crearon las puntuaciones basadas en las cargas factoriales, así como con el modelo de Rasch. Los índices de fiabilidad se calcularon mediante el alfa de Cronbach, Rasch y test-retest en una sub muestra de 34 personas. Los análisis indicaron la idoneidad de las estructuras de 1 y 3 factores. El artículo analiza los resultados detalladamente.

Palabras-clave: inteligencia emocional; percepción emocional; pruebas psicológicas.


 

 

O construto inteligência emocional diz respeito à utilização do raciocínio sobre informações afetivas provenientes tanto do ambiente quanto da própria pessoa. Nesse sentido, estaria relacionado à capacidade de reconhecer os próprios estados emocionais e aqueles expressados pelas outras pessoas, e utilizar estes sentimentos para auxiliar o raciocínio frente às situações, proporcionando desenvolvimento pessoal e social (Mayer & Geher, 2002; Mayer, Salovey, & Caruso, 2002, 2008; Rivers, Brackett, & Salovey, 2008; Salovey, Detweiler-Bedell, Detweiler- Bedell, & Mayer, 2008).

A percepção de emoções é proposta nesse modelo como a capacidade fundamental para a adequada utilização da inteligência emocional (Mayer et al., 2002, 2008). Trata-se, portanto, da "porta de entrada" das informações que serão processadas pelo indivíduo, a fim de que possa regular seus estados emocionais ou do meio externo.

Os estudos dedicados a avaliar a capacidade de perceber emoções são abundantes, sejam eles ligados à área de inteligência emocional ou não. Entre tais estudos, diversos autores propõem que existe um número limitado de expressões emocionais primárias, enquanto expressões mais complexas seriam derivadas de sua mescla. Contudo, ainda não existe consenso quanto à quantidade de expressões emocionais básicas do ser humano. Por exemplo, Darwin (1872/2009), considerado o pioneiro nessa área, propôs oito emoções básicas universais: alegria, desdém, felicidade, medo, nojo, raiva, surpresa e tristeza. Ekman (1999, 2003) propôs seis emoções básicas: alegria, medo, nojo, raiva, surpresa e tristeza. Plutchik (1997, 2002) também propôs oito emoções básicas, mas diferentes daquelas de Darwin: alegria, amor ou aceitação, curiosidade ou expectativa, medo, nojo, raiva, surpresa, tristeza. Esses são alguns exemplos entre vários autores.

Dada essa indefinição quanto ao número de emoções básicas, também não está claro se a percepção emocional se trata de uma capacidade única, ou pode ser subdivida em capacidades menores, como o reconhecimento de grupos menores de emoções. Exemplos disso seriam a diferenciação entre emoções positivas e negativas; ou então emoções intensas, moderadas e brandas. Nos modelos de inteligência emocional e de capacidades cognitivas Cattell-Horn-Carroll (CHC; Schneider & McGrew, 2012), essa capacidade aparece como única, apesar de não ser claramente especificada como unifatorial.

Entre os instrumentos propostos para avaliar a inteligência emocional por meio do desempenho encontra-se o Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test (MSCEIT; Mayer et al., 2002). O MSCEIT dispõe de uma grande quantidade de pesquisas que apontam para seu adequado funcionamento (para revisões do assunto, ver: Gonzaga & Monteiro, 2011; Miguel, 2010b; Salovey et al., 2008; Woyciekoski & Hutz, 2010). Entretanto, possíveis limitações desse teste são o fato de apresentar fotos estáticas das expressões emocionais, diferindo da manifestação real, e também ser pontuado predominantemente por meio do consenso, em vez de apresentar pontuações inequívocas como outros instrumentos de avaliação de inteligência (Miguel & Primi, no prelo; Schneider & McGrew, 2012).

Nesse sentido, um instrumento informatizado de avaliação psicológica foi desenvolvido com a proposta de avaliar a capacidade de perceber expressões emocionais em vídeos apresentando rostos de pessoas, baseado no modelo de oito emoções de Plutchik, com pontuações definidas (Miguel, 2010a; Miguel & Primi, 2010, no prelo). A presente pesquisa teve como objetivo estudar as características psicométricas desse teste, chamado Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias. Mais especificamente, fez-se um estudo exploratório da estrutura fatorial do teste, assim como análise das pontuações por meio das cargas fatoriais e por meio do método de Rasch, análise da precisão destas pontuações e teste-reteste.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 924 pessoas, sendo 522 (56,5%) do sexo feminino, 202 (21,9%) do masculino e 200 (21,6%) não informaram. As idades tiveram média de 26,7 anos (DP=9,5), com mínimo de 18 e máximo de 67 anos. Um total de 724 participantes relatou escolaridade, sendo que desses 14 (1,9%) não haviam completado o ensino médio, 353 (48,8%) completaram o ensino médio, 288 (39,8%) possuíam nível superior e 69 (9,5%) possuíam pós-graduação.

Instrumento

Esta pesquisa estudou as características psicométricas do Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias (PEP). Esse instrumento foi desenvolvido em versão informatizada e aplicado via internet. O teste é composto por 38 vídeos de pessoas expressando emoções, sendo que os três primeiros são exemplos para instruir o participante sobre como proceder. Os vídeos foram originalmente construídos filmando-se pessoas enquanto assistiam a apresentações de imagens e trechos de filmes. Os detalhes desse procedimento estão apresentados em Miguel & Primi (no prelo).

Para cada item, deve-se clicar no botão que executa um vídeo com duração entre três e oito segundos, que apresenta uma pessoa expressando uma ou mais emoções, sendo que algumas são expressões autênticas e outras são falseadas. O vídeo pode ser executado quantas vezes se desejar. O participante deve então assinalar quais das seguintes emoções está presente naquela expressão: alegria, amor, medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva e curiosidade. Além disso, também deve assinalar se aquela é uma expressão autêntica ou falseada.

A presente pesquisa focou os estudos na pontuação de percepção das emoções, não estudando a percepção de expressões autênticas e falseadas. O procedimento de pontuação dos itens foi estudado anteriormente por meio de análises psicométricas e qualitativas das expressões emocionais contidas em cada vídeo (Miguel, 2010a; Miguel & Primi, no prelo). No PEP, as pontuações são calculadas de acordo com a presença de emoções em cada item. Por exemplo, se um dos itens contém expressões de alegria, surpresa e curiosidade, o participante recebe 1 ponto para cada uma destas emoções que assinala. Nesse item de exemplo, a pontuação máxima é três. No teste todo, a pontuação máxima é de 57 pontos, sendo que há itens com uma, duas ou três emoções presentes. Ao final, a pontuação é dividida pelo número de itens que o participante respondeu, criando uma nota média.

Procedimento

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina. Os participantes foram contatados para explicação dos objetivos do estudo e indicados ao website onde o PEP estava armazenado. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi preenchido online, sendo os resultados armazenados em um banco de dados.

Análise de Dados

As principais análises estatísticas foram realizadas no software SPSS versão 15. Para se estudar a estrutura fatorial do PEP, foi utilizado o software Mplus versão 6.12, efetuando-se uma análise fatorial exploratória por informação completa de variáveis categóricas no programa Mplus (Muthén & Muthén, 2010). Foi utilizado o estimador Weighted Least Squares Mean and Variance – Adjusted (WLSMV) e rotação oblíqua GEOMIN. Uma vantagem do programa Mplus é que ele fornece índices clássicos de ajuste da análise fatorial confirmatória. Assim foram extraídos três modelos em cada análise, e os índices de ajuste foram recuperados permitindo-se verificar o ajuste dos vários modelos. Foram examinados os índices χ2 (qui- -quadrado), a razão χ2/gl, o Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI) e o Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA).

O estudo pela teoria de resposta ao item segundo o modelo de Rasch foi feito pelo software Winsteps 3.69.1.7. Ao se realizar as análises de ajuste, foram tomados como critério os valores sugeridos por Linacre (2009): índices menores que 0,5 não são produtivos para avaliação, embora não prejudiciais; índices entre 0,5 e 1,5 são indicados; índices entre 1,5 e 2,0 também não são produtivos, embora não prejudiciais; e valores acima de 2,0 podem distorcer os resultados.

 

Resultados

Inicialmente foi realizada a estatística descritiva da pontuação total no PEP. A variável que representa essa pontuação foi chamada de Fp. A média foi 0,90 (DP=0,14), com pontuação mínima de 0,31 e máxima de 1,43.

Os itens foram então estudados quanto a sua estrutura fatorial por meio do software Mplus. Em uma primeira análise, o software indicou que o item 03 apresentava correlação de 0,99 com os itens 20 e 27. Por esse motivo, optou-se pela remoção do item 03, ficando com 34 itens no total, e nova execução das análises. A Figura 1 apresenta o scree plot.

 

 

Ao realizar a análise fatorial exploratória, o software Mplus apresenta soluções de diversos fatores. Por meio de observação dos eigenvalues e das distribuições dos itens nos fatores propostos, optou-se por estudar as estruturas mais coerentes, que foram as soluções de 1, 3 e 5 fatores. A Tabela 1 apresenta os índices de ajuste dos modelos.

 

 

Em seguida, procedeu-se à análise das cargas fatoriais, com rotação geomin. A Tabela 5 mostra as cargas fatoriais dos itens, para as soluções de 1, 3 e 5 fatores e está opcionalmente disponível para consulta em apêndice online (www.labape.com.br/PEP/2014Anexos.pdf). A pontuação que representa a solução de 1 fator com 34 itens foi chamada de Fg, enquanto as outras receberam nomes relacionados: F3.1, F3.2 e F3.3 para a solução de três fatores; e F5.1, F5.2, F5.3, F5.4 e F5.5 para a solução de cinco fatores.

A solução de cinco fatores agrupou os itens predominantemente da seguinte maneira: alegria no primeiro fator; surpresa no segundo fator; nojo e curiosidade no terceiro fator; amor e tristeza no quarto fator; raiva no quinto fator; medo espalhou-se nos três primeiros fatores. Já na solução de três fatores, notou-se um padrão de agrupamento mais claro dos itens: o primeiro fator agrupou predominantemente as emoções de alegria e amor; o segundo fator, as emoções de tristeza, nojo e raiva; o terceiro fator, as emoções de medo, surpresa e curiosidade. Não obstante, um ou outro item com a emoção típica de cada um desses fatores às vezes apresentava carga também em outro fator. Por isso, adotou-se como critério a coerência teórica sobre a distribuição das emoções, e elas foram agrupadas conforme o padrão inicial de cada fator. Por exemplo, um item contém expressões de alegria e curiosidade. Então, esse item foi incluído nos fatores 1 e 3, com a carga respectiva de cada fator.

Os valores das cargas foram utilizados como pesos para se calcular um escore total para cada fator. Por exemplo, o F3.1 foi calculado somando-se a nota no seu primeiro item multiplicada por 0,878, mais a nota no seu segundo item multiplicada por 0,492, e assim por diante, e extraindo-se a média ao final. Os escores resultantes desse procedimento foram chamados de pontuação fatorial.

Também foram feitas análises dos itens pelo modelo de Rasch. Nesse caso, os itens foram analisados sem os pesos das cargas fatoriais, e os escores resultantes foram chamados de pontuação Rasch. No que diz respeito aos índices de ajuste ao modelo (infit e outfit), de maneira geral os fatores obtiveram médias desses índices próximas de 1,00. Mesmo individualmente, os itens tenderam a apresentar ajuste dentro da faixa indicada (entre 0,5 e 1,5). Apenas quatro exceções foram encontradas: na solução Fp, um item com outfit de 0,41; na solução F3.1, um item com outfit de 1,65; na solução F5.1, um item com outfit de 1,97 e um item com outfit de 0,40.

Em seguida, foram estudados os itens quanto a sua dificuldade e ajuste, cujos resultados para cada um dos fatores são apresentados nas Tabelas 7 a 9, opcionalmente disponíveis para consulta em apêndice online (www.labape.com.br/PEP/2014Anexos.pdf). Nelas é possível perceber ampla distribuição das dificuldades, especialmente nos fatores que abarcam uma quantidade maior de itens. Quanto menos itens um fator inclui, é maior a presença de lacunas nas dificuldades entre um item e o seguinte.

Com a calibração dos itens em todas essas soluções, foram então estudadas as pontuações dos participantes. A Tabela 2 apresenta a média de pontuações Rasch. Como o Winsteps fixa as médias de dificuldades dos itens em 0,00, foi possível perceber que a habilidade média dos participantes mostrou-se levemente superior à dificuldade média do PEP.

 

 

Além disso, ambas as pontuações fatoriais e Rasch também foram analisadas quanto à estabilidade, por meio de teste-reteste. Para tanto, foi selecionada uma subamostra de 36 pessoas, que foi a quantidade de participantes que havia respondido ao PEP uma segunda vez. A duração entre as duas testagens foi em média 217 dias, com mínimo de 161 e máximo de 263 dias. Foram realizadas correlações de Pearson entre as pontuações fatoriais na primeira e na segunda testagem, assim como entre as pontuações Rasch na primeira e na segunda testagem. Todos os índices de precisão por alfa de Cronbach, Rasch e estabilidade por teste-reteste estão apresentados na Tabela 3.

 

 

Em relação à TRI, fica explícita a relação entre a precisão e a dificuldade dos itens, uma vez que itens muito fáceis ou difíceis relativamente à habilidade de um sujeito não trazem muita informação para saber qual seu nível de habilidade. Assim, a análise mais adequada da precisão de um teste pode ser feita por meio da curva de informação, que indica o grau de precisão pelos níveis da medida Rasch dos sujeitos, também chamada de theta. Como a função de informação é apresentada em unidade de medida arbitrária dependente do número de itens do teste, Daniel (1999) propôs uma transformação do erro padrão de medida, calculado para cada sujeito pela TRI, para coeficiente de precisão tradicional. O autor chamou esse coeficiente de precisão local, pois informa a magnitude da precisão para cada nível de theta. A Figura 2 mostra os coeficientes de precisão local dos participantes.

 

 

Pode-se notar que, aproximadamente de -3,40 a 4,20 na medida Rasch, a precisão da pontuação Fg encontra-se entre 0,60 e 0,70. Aproximadamente entre -2,70 e 2,90 na medida Rasch, a precisão supera 0,70. Também foi possível perceber que a pontuação Rasch F3.3 tem um comportamento semelhante à pontuação Fg, enquanto F3.1 possui níveis maiores de precisão, e F3.2, menores.

As pontuações desenvolvidas foram, então, correlacionadas entre si. Num primeiro momento, foram analisadas as correlações entre as pontuações de apenas 1 fator do PEP. Os resultados encontram-se na Tabela 4. Foi possível encontrar correlações muito próximas da unidade para todas as pontuações.

 

 

Em seguida, foram estabelecidas correlações entre as pontuações das soluções de 1, 3 e 5 fatores. Nesse momento, foram analisadas apenas as pontuações Rasch. Os resultados são apresentados também na Tabela 4. Foi possível perceber que os todos os fatores apresentaram correlação significativa com o fator geral, sendo que a solução de 3 fatores apresentou índices de correlação maiores do que a solução de 5 fatores.

Avaliando-se as pontuações que compõem cada solução entre si, foram encontradas correlações baixas a moderadas entre as pontuações da solução de 3 fatores, e correlações baixas entre as pontuações de 5 fatores, sendo que a correlação entre F5.1 e F5.5 não foi significativa. Além disso, foi possível encontrar correlações baixas a elevadas entre algumas pontuações da solução de 3 e 5 fatores.

Por fim, foi estudada a possibilidade de funcionamento diferencial do item (DIF) em relação ao gênero do participante. Nesse caso, foram avaliados os 34 itens que compõem a pontuação Fg. Os resultados dessa análise encontram-se na Tabela 6, opcionalmente disponível para consulta em apêndice online (www.labape.com.br/PEP/2014Anexos.pdf). Foi possível perceber que quatro itens do PEP apresentaram DIF, da seguinte maneira: dois apresentaram dificuldades menores para os homens, e dois apresentaram dificuldades menores para as mulheres.

 

Discussão

Três soluções fatoriais para os itens do PEP foram estudadas nesta pesquisa. No que diz respeito ao ajuste das estruturas fatoriais encontradas, os índices de χ2 (qui-quadrado) em relação aos graus de liberdade das três soluções indicaram adequação para análise. Além disso, todos os índices RMSEA apresentaram-se abaixo de 0,050, o que sugere bom ajuste dos modelos. É indicado que os valores CFI e TLI se aproximem de 1,00, o que acontece conforme se aumenta o número de fatores. Nesse caso, a solução de 5 fatores foi a que mais se aproximou desse critério. Por esses resultados, foi considerado que, de maneira geral, as estruturas fatoriais encontradas estavam adequadas. Há que se considerar que, em construtos complexos hierarquicamente organizados para os quais se empregam itens como indicadores, os índices confirmatórios nem sempre atingem os níveis recomendados como aceitáveis para análises fatoriais confirmatórias tradicionais com variáveis contínuas (Hopwood & Donnellan, 2010; Wright et al., 2012).

A análise foi exploratória, uma vez que não havia uma indicação teórica clara de em quantos fatores a capacidade de perceber emoções poderia se subdividir. Contudo, foi possível encontrar alguns resultados que se aproximam dos modelos teóricos, especialmente na solução de três fatores. O agrupamento das emoções alegria e amor em um único fator aproxima-se da proposta de Ekman (2003) de apenas um grupo que inclua as emoções prazerosas. Contudo, esse mesmo autor considera as emoções tristeza, nojo e raiva como distintas, e no presente estudo elas foram agrupadas em um único fator. Fredrickson (1998) também considera o agrupamento de emoções positivas, contudo inclui curiosidade junto de alegria e amor. Na presente pesquisa, curiosidade foi localizada em outro fator, junto de medo e surpresa. Seitz, Lord e Taylor (2007) sugerem um modelo emocional composto por duas dimensões: prazer-desprazer e ativação-desativação. Pode-se considerar que a solução de três fatores representa uma dessas dimensões, pois o F3.1 agrupa emoções de prazer (alegria e amor) e o F3.2 agrupa emoções de desprazer (tristeza, nojo e raiva). Contudo, no PEP há a existência de um terceiro fator, não contemplado por esse modelo. Ademais, a dimensão ativação-desativação não foi encontrada. Dentro de um mesmo fator há emoções em todos seus níveis, ou seja, dos mais brandos e pouco ativados até os mais expressivos e ativados. Portanto, embora haja alguma coerência com propostas teóricas, os resultados sugerem uma maior complexidade da estrutura emocional que ainda necessita ser investigada.

Por meio da análise das medidas Rasch dos itens pode-se encontrar uma distribuição ampla das dificuldades, variando de -5,47 a 2,56 no caso da pontuação Fp de 35 itens. Foi possível perceber, também, o aparecimento de saltos ou lacunas entre os índices de dificuldade conforme se estudavam fatores com menor quantidade de itens, como no caso de F5.1 e F5.5. Portanto, a utilização de fatores com poucos itens pode prejudicar a avaliação do construto devido à redução de precisão da informação obtida. Nesse caso, seria mais recomendada a utilização dos fatores com maior quantidade de itens.

No que diz respeito aos índices de ajuste, os fatores em média apresentaram ajustes adequados. Contudo, examinando-se os itens individualmente, pode-se perceber a presença de quatro valores outfits diferentes dos desejados. Dois desses valores foram abaixo de 0,50, o que, segundo Linacre (2009), indica redundância do item. Um deles foi encontrado na solução Fp de 35 itens, e trata-se do item 03, que na análise fatorial já havia sido sugerida sua exclusão, confirmando essa sugestão. O outro item, no fator F5.1, trata-se do primeiro item do teste. Seria possível estudar a possibilidade de remoção do mesmo, dada a sua elevada taxa de acerto (97,3%). Contudo, por se tratar justamente do primeiro item, talvez sua presença possa ser justificada como uma forma de auxiliar o avaliando a compreender e se envolver com o teste.

Já em relação aos outros dois itens que apresentaram índices outfit acima do esperado, eles não superaram 2,00, o que não indicaria a necessidade imediata de remoção. Não obstante, outros estudos poderiam investigar a hipótese de melhoria da precisão dos fatores com a exclusão dos itens.

No tocante à precisão, todas as pontuações apresentaram índices inferiores a 0,70, sejam pontuações fatoriais ou Rasch. Um dos motivos para esse resultado pode ser a baixa quantidade de itens, o que é possível visualizar principalmente na solução de 5 fatores, cujas pontuações apresentaram os menores índices de precisão. Levando isso em consideração, também nesse caso seria sugerida a utilização de pontuações que incluíssem mais itens, a fim de reduzir a presença de erros de medida.

No entanto, outra característica que poderia influenciar na precisão do teste é a quantidade de expressões semelhantes de cada uma das oito emoções. Por exemplo, a emoção alegria é apresentada em variadas intensidades e dificuldades, sendo poucos os vídeos com intensidades semelhantes da mesma emoção. Além disso, alguns itens podem apresentar até três emoções, fazendo com que a pontuação máxima nele seja 3, enquanto outros itens têm pontuação máxima de apenas 1 por apresentarem somente uma emoção. Levanta-se a hipótese de que essa heterogeneidade nos itens possa ser responsável por uma redução dos índices de precisão no teste. A fim de solucionar esse problema, outras formas de se avaliar a precisão deveriam ser utilizadas.

Nesse sentido, também foi estudada a precisão local para a pontuação Rasch Fg e as pontuações da solução de 3 fatores. A pontuação Fg mostrou medir com precisão alta (acima de 0,70) as habilidades aproximadamente entre -2,70 e 2,90, e com precisão aceitável (acima de 0,60) entre -3,40 e 4,20. A pontuação Rasch F3.3 mostrou-se semelhante à Fg em termos de precisão local.

O fator F3.2 apresentou índices menores de precisão local. Possivelmente isso se deva ao fato de esse fator agregar emoções mais discrepantes (tristeza, nojo e raiva) do que as emoções presentes nos outros dois fatores, mais próximas entre si. Isso faria do F3.2 um fator com emoções mais heterogêneas, o que também pode ser percebido com os índices de correlação ponto-bisserial levemente menores do que nos fatores F3.1 e F3.3.

Já no caso do fator F3.1, pode-se notar uma região de alta precisão (acima de 0,70), aproximadamente de -4,0 até 1,40. Curiosamente, tem-se precisão novamente acima de 0,70 para thetas a partir de 3,20. Um possível motivo para isso talvez seja a existência de lacunas entre as dificuldades dos itens, aumentando a possibilidade de erro de medida para pessoas com habilidade naquela região. Nesse caso, a criação de itens que suprissem essas lacunas seria recomendada.

Além disso, também foi realizada análise da precisão por teste-reteste, com intervalo médio de cerca de 7 meses. Apesar do número relativamente baixo de participantes (N=36) que responderam ao teste uma segunda vez nesta pesquisa, as correlações encontradas foram todas acima de 0,70 para as soluções de 1 e 3 fatores, tanto para as pontuações fatoriais quanto Rasch. Isso evidencia uma relativa estabilidade temporal da capacidade avaliada pelo teste, o que seria esperado por se tratar de uma capacidade cognitiva. Contudo, a solução de 5 fatores apresentou índices de teste-reteste moderados, sugerindo necessidade de maior cautela na utilização dessa estrutura fatorial. O estudo de teste-reteste confirma que o teste é mais preciso do que julgado somente pelos índices de precisão alfa e Rasch.

Também foram realizadas correlações entre as pontuações do PEP. As correlações entre todas as pontuações que medem o teste por meio de apenas 1 fator apresentaram- se próximas da unidade, o que sugere que essas pontuações estão medindo o construto de maneira muito próxima. As pontuações Rasch das soluções de 3 e 5 fatores foram comparadas com a pontuação Rasch Fg de 34 itens. A solução de 3 fatores apresentou índices de correlação elevados, enquanto a solução de 5 fatores tendeu a apresentar índices moderados, sugerindo que a trifatorial encontra-se mais relacionada a uma capacidade geral de percepção emocional.

Porém, poderiam ser esperadas correlações baixas a moderadas entre os fatores, uma vez que todos compartilham de uma capacidade cognitiva comum, que é a percepção das expressões emocionais. Nesse sentido, apenas a solução de 3 fatores satisfez essa premissa, sugerindo maior coesão nesse modelo do que o modelo de 5 fatores, no qual algumas pontuações mostraram-se independentes das outras.

Ainda assim, as correlações entre as pontuações da solução trifatorial não se mostraram tão elevadas. Esse resultado sugere que a capacidade de perceber emoções possa não ser unidimensional, mas subdividida em capacidades menores relacionadas. Seguindo esse modelo, seria possível dizer que existe uma relação moderada entre as capacidades de perceber emoções positivas (F3.1 – alegria e amor), emoções negativas (F3.2 – tristeza, nojo e raiva) e emoções avaliativas ou apreciativas (F3.3 – medo, surpresa e curiosidade). Porém, não necessariamente essas três capacidades teriam níveis semelhantes nas pessoas. Isso quer dizer que um indivíduo poderia ter uma elevada capacidade de perceber expressões de emoções positivas, mas uma capacidade média de perceber emoções negativas.

No que diz respeito à análise de DIF, encontrou-se que dois itens poderiam privilegiar os homens por terem níveis de dificuldade mais baixos para eles, enquanto outros dois itens poderiam privilegiar as mulheres por terem níveis de dificuldade mais baixos para elas. Por esse motivo, deve-se investigar a hipótese de criação de tabelas interpretativas diferentes quanto ao gênero. No entanto, a quantidade de itens com DIF para cada gênero é a mesma, e por isto possivelmente seus efeitos acabem se anulando na pontuação total.

Esta pesquisa teve como objetivo analisar algumas características psicométricas do Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias (PEP). De maneira geral, foram encontradas evidências de validade para o instrumento, por meio de análises da coerência de sua estrutura fatorial, dos seus índices de precisão e correlações teste-reteste. Os resultados indicaram que a utilização das pontuações Rasch das soluções de 1 ou 3 fatores poderia estar mais livre de erros de medida e apresentar resultados mais coerentes com a expectativa teórica.

Além disso, outros estudos poderiam ser realizados a fim de verificar a possibilidade de melhora da estrutura fatorial do instrumento. Por exemplo, poderiam ser eliminados itens com índices de ajuste fora do esperado, ou itens cujas correlações item-total ou mesmo cargas fatoriais fossem abaixo do adequado.

Ademais, há necessidade de se compreender o construto medido pelo instrumento. Nesse sentido, sugere-se a realização de estudos relacionados ao PEP com outros construtos. Mais especificamente, deve-se estudar a relação das pontuações do PEP com medidas semelhantes, como inteligência emocional e percepção de emoções; com medidas relacionadas, como outras formas de inteligência; com medidas pouco ou não relacionadas, como traços de personalidade; e também critérios, como quadros em que a percepção de emoções esteja diferenciada (por exemplo, autismo).

 

Referências

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Recebido em março de 2013
Reformulado em junho de 2013
Aprovado em setembro de 2013

 

 

Sobre os autores

Fabiano Koich Miguel: é Psicólogo, mestre e doutor pela Universidade São Francisco, professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Recebe financiamento CNPq e Fundação Araucária.
Ricardo Primi: é Psicólogo, Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo com parte desenvolvida na Yale University (EUA), docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Recebe financiamento do CNPq (produtividade em pesquisa), FAPESP e CAPES.


1O primeiro autor agradece o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2Endereço para correspondência: Depto. de Psicologia e Psicanálise – CCB, UEL, Campus Universitário, Caixa Postal 6001, 86051-980, Londrina-PR. E-mail: fabiano@avalpsi.com.br