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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471
Aval. psicol. vol.13 no.2 Itatiba ago. 2014
Metáforas e pensamento divergente: criatividade, escolaridade e desempenho em Artes e Tecnologias1
Metaphors and divergent thinking: Creativity, schooling and achievement in Arts and Technology
Metáforas, pensamiento divergente: creatividad, educación y el rendimiento en Artes y Tecnologia
Ana Paula DavidI; Maria de Fátima Morais I; Ricardo Primi1, II; Fabiano Koich MiguelIII
IUniversidade do Minho
IIUniversidade São Francisco
IIIUniversidade Estadual de Londrina
RESUMO
Esta pesquisa objetivou estudar as competências criativas no contexto educativo. Foram avaliados 193 alunos de escolas secundárias de Portugal, em relação a: mesmo ano de escolaridade e áreas curriculares diferentes (Artes Visuais – AV; Ciências e Tecnologias – CT); mesma área curricular e anos de escolaridade diferentes (10º e 12º); relacionamento entre aproveitamento escolar e competências criativas nos diferentes anos e áreas. Foram aplicados o Torrance Tests of Creative Thinking e o Teste de Criação de Metáforas. Diferenças significativas foram constatadas, com superioridade para o 12º ano e AV. Tomando a área curricular, encontraram-se correlações significativas entre sucesso escolar e desempenho em metáforas e fluência, particularmente em CT. Os resultados sugerem participação da escola no desenvolvimento da criatividade nos alunos e na sua valorização acadêmica. Porém, alguns questionamentos foram levantados sobre a relação da criatividade com o desempenho escolar.
Palavras-chave: criatividade; escolarização; produção de metáforas; avaliação psicológica.
ABSTRACT
This research aimed to study creative skills in educational context. We evaluated 193 high school students from Portugal in relation to: same grade and different curriculum areas (Visual Arts – VA; Science and Technology – ST); same curriculum area and different grade (10 and 12); relationship between school performance and creative skills in different years and areas. Assessment was performed with Torrance Tests of Creative Thinking and Test of Metaphors Creation. We found significant differences, with superiority to 12th year and VA. Taking the curricular area, we found significant correlations between academic success and performance in metaphors and fluency, particularly in ST. The results suggest involvement of the school in developing creativity in students and their academic value. However, some questions were raised in relation to the creativity and school performance.
Keywords: creativity; schooling; metaphor creation; psychological assessment.
RESUMEN
Esta investigación tuvo como objetivo estudiar la capacidad creativa en el contexto educativo. Se evaluaron 193 estudiantes de secundaria de Portugal en relación con: mismas áreas y diferentes planes de estudio de grado (Artes Visuales – AV; Ciencias y Tecnología – CT); misma área curricular y diferente grado (10º y 12º); la relación entre el rendimiento escolar y las habilidades creativas en diferentes años y áreas. Se realizaran las Pruebas de Torrance de Pensamiento Creativo y Prueba de Creación de Metáforas. Se encontraron diferencias significativas, con superioridad de 12º año y AV. Tomando el área curricular, se encontró una correlación significativa entre el éxito académico y el desempeño en metáforas y fluidez, sobretodo en CT. Los resultados sugieren la participación de la escuela en el desarrollo de la creatividad en los estudiantes y su valor académico. Sin embargo, algunas cuestiones se suscitaron en relación con la creatividad y el rendimiento escolar.
Palabras-clave: creatividad; escolaridad; creación de metáforas; evaluación psicológica.
Criatividade é atualmente reclamada como sendo quase uma necessidade de sobrevivência. Contornos sociopolíticos e tecnológicos de rapidez, risco, incerteza e complexidade implicam competências de resolução criativa de problemas. Não é mais suficiente a adaptação ao que existe ou o ganho e a reprodução do conhecimento, senão que a inovação impõe-se aos indivíduos e organizações (Lubart, 2007).
Assim, a criatividade, enquanto competência a desenvolver, deve ter presença importante numa escola que prepara os cidadãos, num percurso cada vez mais obrigatoriamente longo, para um mundo imprevisível e desafiante, estando a própria escola em permanente transformação (Cropley, 2009). Pode-se dizer que o incentivo à criatividade nas escolas, quer em nível curricular, quer extracurricular, é, no momento atual, uma exigência para a realização pessoal e social futura dos alunos.
O presente estudo, reconhecendo a relevância atual da criatividade na escola, pretende analisar esta temática em tal contexto. A relação entre aproveitamento escolar e criatividade tem sido abordada há décadas, mas os resultados não são pacíficos até a atualidade. Tem havido a sugestão de uma relação significativa e positiva embora baixa (Freund & Holling, 2008; Rindermann & Neubauer, 2004; Torrance, 1980), sendo atribuídos coeficientes de correlação entre 0,20 e 0,35 nesta perspectiva. Há, porém, investigações que não encontram tal relação significativa (Furnham, Zhang, & Chamorro-Premuzic, 2006; Koke & Vernon, 2003).
Vários tipos de explicação são avançados para estes resultados, como a complexidade da avaliação de criatividade (Rindermann & Neubauer, 2004), a metodologia de tratamento dos dados (Freund & Holling, 2008) ou as características/ exigências do contexto escolar. Este último se apresenta essencialmente voltado para a produção de respostas convergentes, para o raciocínio analítico e para a memorização, e é frequentemente pautado pela intolerância ao erro, à fantasia ou à imprevisibilidade (Alencar, 2007). Estudos como os de Willings (1985), por exemplo, observaram que mesmo alunos considerados muito criativos repetiam anos ou abandonavam a escola em número superior aos considerados pouco criativos. Toth e Baker (1990) salientaram que elevados níveis de criatividade podem se incompatibilizar com o pensamento convergente tão exigido nas aulas, podendo daí resultarem dificuldades escolares em sujeitos criativos. Freeman (2006) refere, face aos universitários, que tal ensino- aprendizagem pode matar o desejo de ser criativo.
Criatividade versus rendimento escolar é, assim, um tema polêmico, porém fundamental para a investigação da criatividade no contexto da escola, já que o sucesso é um dos critérios mais valorizados neste contexto (Freund & Holling, 2008) Se a criatividade favorece o aproveitamento escolar, deve-se simplesmente promovê-la. Se não favorece, ocorre algo contraditório no sistema educativo, pois esta competência é frequentemente evocada por ele. A literatura aponta, ainda, relacionamentos inequívocos entre criatividade e competências cognitivas como: a resolução e a descoberta de problemas; os pensamentos crítico, analógico e metafórico; a capacidade de insight (conforme Glover, Ronning, & Reynolds, 2010; ora, pressupõe-se que tais competências não poderão ser alheias aos objetivos educacionais que conduzem ao sucesso acadêmico). Desta forma, o relacionamento entre criatividade e sucesso acadêmico foi uma das características exploradas no estudo.
No que diz respeito ao desenvolvimento da criatividade e ao percurso escolar, Torrance (1979) especificou três decréscimos de criatividade: quando as crianças entram na escola e ficam em contato com regulamentos e formas de estar mais normalizadas; no fim do primeiro ciclo do ensino básico, quando se aprofunda a aquisição de competências sociais e culturais; e no início da adolescência, quando há um maior esforço de integração com os pares e uma consequente diluição de individualidade. Após este último decréscimo de criatividade, o autor constatou tendência para o aumento de criatividade até a idade adulta.
Coerentemente com Torrance (1980) e Smolucha e Smolucha (1985), estudos como o de caráter longitudinal conduzidos por Claxon, Pannels, e Rhoads (2005) ou como o de Lau e Cheung (2010) mostraram que pré- -adolescentes (11/12 anos) diminuem a produção criativa. Estes últimos autores mostram ainda que tal produção aumenta no meio da adolescência. Coerentemente também com estes estudos mais antigos, Kleibeuker, De Dreu, e Crone (2013) atualmente, afirmam que há ganhos, ao longo da adolescência, em competências criativas de insight e em originalidade. O final da adolescência aparece, então, como um período em que criatividade tem potencial para crescimento, sendo assim um bom alvo de rentabilização de competências que podem atingir o máximo de desempenho no início da vida adulta. Será este o período etário considerado no presente estudo, entrando com dois momentos importantes no percurso educativo português (início e final do estudo em áreas de saber específicas, correspondendo o segundo momento ao último ano de escolaridade antes da universidade).
Por último, outra polêmica que tem atravessado a investigação em criatividade está relacionada com a globalidade/ especificidade da sua manifestação. Pode-se questionar se a realização criativa é algo essencialmente genérico e que apela a competências transversais e comuns a qualquer área de conhecimento ou se, pelo contrário, dela emergem essencialmente singularidades em função de domínios de conhecimento específicos (Silvia, Kaufman, & Pretz, 2009; Sternberg, Grikorenko, & Singer, 2006). Muitos autores têm considerado a segunda hipótese. Modelos teóricos como o das inteligências múltiplas de Gardner (2006), as posturas sistêmicas que incluem os domínios (Abuhamdeh & Csikszentmihalyi, 2004; Feist, 2008) e as que enfatizam o conhecimento e as competências procedimentais específicas (Amabile, 1996; Sternberg & Lubart, 1995) sublinham a necessidade de exploração da criatividade em função de áreas em que ela se expressa. Há mesmo taxonomias da criatividade. Nesse sentido, fala-se em artes e ciências para Baer (1998) ou para Lubart e Guignard (2008). Já Vernon (1989) defendeu a criatividade artística, social e científica, sublinhando a maturidade afetiva e a experiência de vida nos artistas, e o conhecimento nos cientistas. Cramond (2004) refere ainda uma criatividade adaptativa, mais característica das ciências, que identifica e resolve problemas, e uma criatividade expressiva, típica das artes, em que as emoções e o sentido estético do criador se identificam por meio de uma produção. Kaufman e colaboradores têm apontado as áreas de criatividade artística-visual, artística-verbal, empreendedora, interpessoal, científico-matemática, de realização (realização, representação) e de resolução de problemas mecânicos e lógicos (Kaufman, Cole & Baer, 2009)
Apesar da perspectiva da especificidade ter ganhado, há uma década, relevo na investigação, alguns autores continuam defendendo uma criatividade genérica, sublinhando, por exemplo, a partilha, por artistas e por cientistas, de aptidões criativas semelhantes (Root-Bernstein & Root-Bernstein, 2008), a similaridade do processo criativo em diferentes domínios de expressão (Martindale, 2005), e o tempo e esforço investidos numa única área criativa como razão do sucesso nessa área (Plucker & Beghetto, 2008). As implicações desta temática para a prática, nomeadamente no contexto educativo, são diversificadas e importantes (Baer. 2013). Por exemplo, uma visão de criatividade que privilegia domínios reforça a necessidade de ampliar as competências criativas dos alunos nas áreas em que eles demonstram maior talento, e, além disso, implica maior atenção à presença intencional da criatividade em cada área. Já numa perspectiva global de criatividade, o desenvolvimento de aptidões criativas genéricas será a estratégia mais eficaz de promoção e incentivará a inexistência de áreas mais e menos importantes nessa promoção (Morais & Azevedo, 2008).
O presente trabalho se insere no contexto destas três temáticas sobre a criatividade – sua relação com o desempenho, os padrões de desenvolvimento, e a questão da globalidade e da especificidade de sua manifestação em diferentes domínios correspondentes a áreas de conhecimento estruturado. Pretendeu-se investigar as questões: a criatividade está correlacionada com desempenho escolar? Há diferenças de criatividade entre alunos, tomando como pontos de análise momentos distintos do ensino médio? Diferentes áreas de estudo estão associadas a diferentes perfis em termos das capacidades criativas? Aqui, apresenta-se um estudo empírico, investigando- se diferenças na manifestação de criatividade por alunos de diferentes áreas curriculares do ensino médio (Artes Visuais e Ciências e Tecnologia), em diferentes anos de escolaridade (10º e 12º). Além disso, verificou-se a associação entre criatividade e desempenho escolar. Na avaliação de criatividade, esteve em causa tanto o pensamento divergente (verbal e figurativo) – uma das competências mais associadas à realização criativa (Cropley, 2009) – como o pensamento metafórico, considerado uma forma válida e interessante de estudar a cognição criativa (Silvia & Beaty, 2012).
Método
Participantes
Numa amostra de conveniência, foram estudados 193 alunos portugueses de Artes Visuais (AV) e de Ciências e Tecnologia (CT), do 10º e 12º anos de escolaridade, em escolas secundárias públicas. Tinham idades compreendidas entre 15 e 18 anos. Na Tabela 1, encontra- se a distribuição dos alunos segundo a área, o ano de escolaridade e o sexo, verificando-se 94 alunos em AV e 99 em CT, assim como 114 no 10º ano e 79 no 12º.
Em AV, a maioria dos alunos é do sexo feminino (68,1%), sendo a distribuição em CT mais equitativa (53,5% feminino e 46,5% masculino). Existem, por seu lado, mais alunos no 10º ano (62,8%) em AV do que no 12º (32,7%), sendo tal diferença menos acentuada em CT (55,6% no 10º e 44,4% no 12º).
Instrumentos
Testes de Pensamento Criativo de Torrance (TTCT).
As provas corresponderam às adaptações de Oliveira (1992) – forma verbal – e de Weschler (2002) – forma figurativa. Foram avaliados os parâmetros de elaboração (detalhes na composição da resposta), fluência (número de respostas válidas), flexibilidade (número de categorias de resposta) e originalidade (raridade estatística das respostas); os três primeiros foram medidos por meio das provas figurativas e os três últimos, pelas verbais.
O TTCT é considerado o instrumento de avaliação de criatividade mais conhecido, traduzido, usado e analisado (Neumeister & Cramond, 2004). Vários estudos têm apontado bons resultados de validade de construto (Kim, 2006; Torrance, 2003), validade externa ou preditiva (Kim, 2006; Prieto, 2007) e precisão (Kim, Cramond, & Bandalos, 2006). Especificamente, tomando as versões usadas no estudo, a adaptação brasileira de Weschler (2002) mostrou validade concorrente e discriminativa, assim como precisão. O estudo de Oliveira (1992) é uma adaptação portuguesa das provas verbais do TTCT para a faixa etária em questão, tendo sido também assegurados, nesta adaptação, bons indicadores de precisão (alfas de Cronbach entre .70 e .85)
Teste de Criação de Metáforas (TCM).
A versão do TCM usada no estudo foi aperfeiçoada por Primi et al. (2006), levando em conta o modelo teórico de Tourangeau e Sternberg (1981), uma prova de Morais (2001) e um primeiro estudo de Nogueira, Dias, e Primi (2003). Assim, foram apresentados nove itens, cada um constituído por uma frase incompleta, cuja lacuna devia ser usada para a construção de uma metáfora (por exemplo, "as estrelas são os/as ___ da noite").
Na avaliação das metáforas, consideraram-se três características: (a) fluência calculada pelo número de ideias (metáforas válidas); (b) flexibilidade associada ao número de diferentes categorias de ideias; e (c) qualidade da metáfora a partir da consideração de três critérios: equivalência (até que ponto as duas palavras têm relações análogas em seus respectivos campos semânticos), remoticidade (até que ponto as duas palavras pertencem a campos semânticos distantes) e clareza das ideias expostas. Foram feitos estudos investigando a precisão do sistema de correção (Primi, Miguel, Couto, & Muniz, 2007) e a validade (Barros, Primi, Miguel, Almeida, & Oliveira, 2010; Dias, Couto, & Primi, 2009; Primi et al., 2007) – os estudos mostram resultados positivos.
Procedimento
A coleta de dados foi realizada pela primeira autora deste artigo, em sala de aula, com pequenos intervalos entre cada prova. Fez-se uma apresentação sumária dos objetivos do trabalho e procurou-se realizar as atividades de forma descontraída, após motivação inicial para as tarefas. Em primeiro lugar, foram realizadas as provas figurativas dos TTCT, seguindo-se das verbais e do TCM. Quanto ao desempenho escolar, coletaram- se as notas nas seguintes disciplinas: Português, Matemática, Biologia e Físico-Química, Inglês, Área de Projeto, História da Cultura e das Artes, Oficina Multimídia, Geometria Descritiva, Oficina de Artes, Educação Visual, TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação), Desenho e Filosofia. Como cada área curricular tem disciplinas diferentes, o aluno não tem necessariamente notas em todas as disciplinas. Também foram calculadas as médias em disciplinas comuns.
Resultados
Com o intuito de resumir as variáveis indicadoras de criatividade do TTCT verbal e figural e do TCM, efetuou-se uma análise fatorial exploratória por componentes principais e rotação oblimin de todos os indicadores de criatividade. O gráfico scree plot indicou a extração de quatro fatores que explicaram 57% da variância dos dados (para mais detalhes desta análise, ver: Primi, Nakano, Morais, Almeida, & David, 2013). A partir das cargas maiores que 0,40, foram selecionadas as variáveis que compuseram cada fator (ver Tabela 2): (a) F1 fluência e originalidade: escores de fluência no TTCT nas atividades verbais 1 e 5 e figurais 2 e 3, fluência no TCM, e escores de originalidade nas atividades verbais 1 e 5 do TTCT; (b) F2 elaboração figural: escores de elaboração nas atividades figurais 2 e 3 do TTCT; (c) F3 flexibilidade: escores de flexibilidade nas atividades figurais 2 e 3 e verbais 1 e 5 do TTCT; (d) F4 produção de metáforas: escores de qualidade e flexibilidade no teste TCM. Para o cálculo dos escores fatoriais, cada variável foi transformada em z e depois foram calculadas as médias das variáveis que compunham cada fator. As correlações significativas (p<0,05) entre os fatores foram 0,41 (F1 X F3), 0,21 (F1 X F4) e 0,19 (F3 X F4).
Os resultados dos quatro fatores foram utilizados para abordar o objetivo da pesquisa de duas maneiras: verificando se havia diferença entre áreas e anos escolares; correlacionando-se os fatores com o desempenho escolar. A Tabela 3 apresenta as estatísticas descritivas dos quatro fatores para o 10º e o 12º anos e áreas AV e CT, tomando como variáveis dependentes os quatro fatores, em que anos e áreas são fatores de grupo. Nota-se que os escores fatoriais estão em escala z cuja média geral é 0,0 e cujo desvio padrão é igual a 1,0.
Para analisar mais detidamente as médias apresentadas pelos subgrupos formados por ano e área curricular, efetuou-se uma MANOVA 2 X 2 tendo como fatores de grupo o ano (10º e 12º) e as áreas AV e CT, e tendo como variáveis dependentes os quatro fatores de criatividade. Na Tabela 4, são apresentados os resultados.
Analisando-se o efeito principal do ano escolar nos fatores de criatividade, não houve efeito significativo para o F2 (elaboração figural), mas houve para os outros três, em que aparecem notas mais altas do 12º ano em relação ao 10º nesses três fatores. Analisando-se unicamente a área escolar, no seu efeito principal, encontrou-se efeito significativo, sendo que os alunos de AV apresentam desempenho mais alto do que os de CT em F2 (elaboração figural), e os alunos de CT têm desempenho mais alto que os de AV em F3 (flexibilidade). Quanto ao efeito da interação ano escolar e área escolar, foi encontrada uma diferença marginalmente significativa para a pontuação em F2. Para os alunos de AV, os do 12º ano têm notas mais altas do que os do 10º. Contudo, nos alunos de CT, há um padrão inverso: no 12º ano, eles têm notas mais baixas do que no 10º.
Em seguida, foram estudadas as relações dos fatores de criatividade com o desempenho escolar. Foram usadas notas de diversas disciplinas, cujas estatísticas descritivas são apresentadas na Tabela 5. Note-se que, no sistema educativo português, nestes anos de escolaridade, as notas oscilam entre 0 e 20.
Algumas disciplinas fazem parte apenas de uma área, por isso não existem valores para estudantes da outra área. Estas classificações foram correlacionadas com os quatro fatores de criatividade propostos, e os resultados encontram-se na Tabela 6.
Realizando-se uma leitura global desses dados, foram encontradas, em maior número, correlações significativas entre criatividade e desempenho na área de CT. Nesta área, o fator F1 (fluência e originalidade) e F4 (metáforas) apresentam mais associações significativas com quase todas as disciplinas. O fator F3 (flexibilidade) apresentou correlações significativas somente com Português. Já em AV, há um menor número de correlações significativas, havendo principalmente correlações de F4 (metáforas) com Português. É interessante notar que F2 (elaboração figural) tem correlação significativa com disciplinas de conteúdo curricular mais artístico e visual (desenho, história das artes, educação visual).
Em síntese, a relação entre sucesso escolar e as competências criativas mostrou-se mais expressiva em CT do que em AV, envolvendo mais o TCM e menos o TTCT. Contudo, os conteúdos de F1 destacaram-se em CT. Além disso, o F2 apresentou relações específicas em função da similaridade de seu conteúdo figural com disciplinas envolvendo arte.
Discussão
Este estudo teve como principais objetivos investigar se havia diferenças de criatividade entre alunos de momentos distintos do ensino médio; a questão da generalidade e especificidade do construto criatividade em relação às áreas curriculares de artes e tecnologias; e em que medida a criatividade se relaciona com o desempenho. Em geral, constatou-se que alunos no final do ensino médio têm níveis mais altos de criatividade, especialmente em sua competência para produzir ideias (F1), para produzir ideias diferentes (F3) e para produzir associações abstratas que ressignificam ideias conhecidas (F4). Em suma, pode-se observar um aumento da criatividade associado ao aumento da escolaridade. Tais resultados podem potencialmente refletir tanto a influência da escolarização quanto a maturação psicológica, uma vez que nesta fase se desenvolvem competências de abstração, há um sentimento crescente de segurança e de autoeficácia, e se estabelecem os contornos de uma identidade cada vez mais questionada e vivida (Sprinthall & Sprinthall, 2000). Pode-se pensar, deste modo, que uma estimulação verbal contínua feita no contexto escolar, e otimizada por uma trajetória de desenvolvimento, trouxe os efeitos desejados. Será possível, no entanto, questionar se este aumento de criatividade no final da adolescência se deve a tal conjugação ou apenas ao desenvolvimento natural que pode acontecer sem a intencionalidade do currículo. A natureza transversal dos dados e as características do delineamento não nos permitem inferir com mais segurança a influência causal dessas variáveis. Mais estudos seriam necessários para retirar conclusões neste sentido (por exemplo, em jovens não escolarizados desta faixa etária). Porém, os dados estão de acordo com a maioria dos estudos sobre criatividade ao longo do desenvolvimento, que indicam um aumento desta competência no final da adolescência (Lau & Cheung, 2010; Torrance, 1979).
Com relação à questão da globalidade e especificidade por domínios do construto criatividade, os dados indicam aspectos relevantes favoráveis às duas posições. Por um lado, a análise fatorial exploratória indicou um conjunto de habilidades das quais duas combinam conteúdos verbais e figurais. Mas, em geral, as medidas de produção divergente se organizam por processos subjacentes (produção de ideias em número e em raridade, originalidade – F1, reclassificação de ideias conhecidas ou indefinidas – F2, e produção de abstrações que ressignificam ideias conhecidas – F4, ver Primi et al., 2013) e, no estudo, estiveram correlacionadas, indicando uma medida geral subjacente. A favor da especificidade, encontrou-se um fator que agrega medidas de elaboração figural associado à imaginação e à exposição de detalhes expressos em forma de desenho (F2). Esse fator se apresentou mais elevado nos alunos de AV. Apesar do efeito principal da escolaridade não ter sido significativo neste fator, há uma interação importante com a área curricular, sendo que a associação entre escolaridade e criatividade neste fator foi positiva para os alunos AV, cujos escores dos alunos do 12o ano são mais altos que os do 10º ano, e foi negativa para os alunos de CT, cujos escores se reduziram com escolaridade. Tal resultado é compreensível, lembrando a associação privilegiada que tem sido feita entre criatividade e artes (Runco, 2008), e o fato de os curriculares de cursos de artes apelarem mais explicitamente a competências criativas (Morais, 2001) e aos conteúdos figurativos. Este apelo curricular poderá ter tido impacto na elaboração figurativa (a composição rica em detalhes numa resposta). Em suma, a ideia de se observar tantos aspectos gerais quanto específicos é condizente com um modelo hierárquico de organização das capacidades gerais cognitivas e, dentro delas, das habilidades criativas.
Ainda, um ponto sobre as medidas de criatividade chama atenção por ter se formado um fator no qual o TCM está separado do TTCT, pelas correlações relativamente baixas entre os fatores, e pela relação mais forte entre o TCM e desempenho acadêmico. Em conjunto, estes dados poderiam sugerir que o TCM é mais próximo de uma medida cognitiva do que da criatividade. No entanto, há que se considerar que essa posição assume que criatividade deveria ter relação zero com medidas de inteligência e desempenho acadêmico. Recentemente, isso tem sido questionado por estudos da relação entre criatividade e inteligência e por novas formas de medir criatividade, mais baseadas na qualidade do que na quantidade de ideias em testes divergentes. Tais estudos apontam que a relação entre criatividade e inteligência é mais alta do que se pensava, sendo similar ao que se encontrou no presente estudo com o teste TCM. Assim, este tema parece ser um bom tópico para futuras pesquisas com o TCM (Nusbaum & Silvia, 2011; Silvia & Beaty, 2012).
Por último, a análise das relações entre criatividade e desempenho acadêmico mostrou, de maneira geral, que se destacam os fatores F4 (metáforas) e F1 (fluência verbal e figurativa) no número de correlações estatisticamente significativas. Por um lado, tendo em conta que F1 exibe apenas correlações em CT, e que F2 e F3 demonstram poucas correlações no panorama geral das duas áreas, o TCM se sobrepõe ao TTCT na avaliação da relação entre criatividade e sucesso escolar nesta amostra. O TCM apresenta correlações entre moderadas e altas, principalmente com o desempenho nas disciplinas que envolvem linguagem em ambas as áreas. Estes resultados em CT podem ser explicados pela ênfase curricular, nesta área, a competências de pensamento analógico numa metodologia de resolução de problemas, possivelmente valorizando o raciocínio divergente mais abstrato. Também, as competências de fluência/originalidade do F1 (verbal e figurativa) se correlacionam razoavelmente com as médias de ciências humanas e exatas. Isso pode estar relacionado com a valorização, pela avaliação acadêmica, da produção de diferentes ideias no domínio das ciências.
Com relação aos estudantes de AV, há um número menor de associações observadas entre criatividade e desempenho acadêmico. No entanto, há correlações bem específicas entre F2 e as disciplinas de Desenho e História da Cultura e da Arte, as quais envolvem facetas mais artísticas e apelativas à valorização de criatividade figurativa. Estes dados reforçam a noção de domínios criativos. Pode-se formular uma hipótese de que o desempenho em CT se associa mais a processos criativos envolvidos na solução de problemas (fluência, originalidade e associações abstratas), enquanto nos alunos de AV aparece também a associação com uma habilidade criativa relativamente não-verbal, podendo ser um aspecto distintivo da expressão criativa nesta área.
Os dados do padrão diferencial de correlações mostram a validade incremental da avaliação de diferentes dimensões da criatividade ao se predizer desempenho acadêmico. Quando se considera o desempenho acadêmico agregado e baseado em medidas mais tradicionais (que aqui se refeririam às disciplinas comuns, como Português e Matemática), tem-se encontrado correlação da produção divergente verbal do TTCT com desempenho, mas não com produção divergente figural (Plucker, 1999). Todavia, segundo Plucker (1999, p. 110), "a importância de atividades divergentes verbais relativas às figurais pode ser devido ao viés linguístico nas escalas de avaliação de realização criativa". Este estudo reforça, então, tal ideia, já que, em razão do variado leque de disciplinas, foi possível verificar a capacidade preditiva específica das tarefas divergentes figurais.
De maneira global, AV, comparada com CT, é uma área em que o sucesso escolar claramente se relaciona menos com a criatividade avaliada nesta amostra. Tal dado não deixa de ser curioso. Se parece haver uma maior intencionalidade da expressão criativa neste contexto (Morais, 2001), se as representações dos professores sobre criatividade sublinham a associação da criatividade às artes (Fryer, 1996; Morais & Azevedo, 2008), parece estranho ou mesmo preocupante que o sucesso escolar apareça de forma relativamente independente do que pressupostamente se valoriza ou se diz valorizar em sala de aula nesta área curricular. Por outro lado, a área CT aparece como implicando uma maior transversalidade da valorização de criatividade no que é exigido academicamente.
Em síntese, deste estudo parecem sair sinais positivos quanto ao desenvolvimento de criatividade em áreas curriculares diferentes, o mesmo se passando na relação entre criatividade e sucesso escolar. O estudo ressalta a importância da consideração das tarefas divergentes em suas facetas relacionadas a processos e domínio (verbal e figural), de forma a trazer mais informações sobre as habilidades criativas de estudantes de diferentes áreas e sobre a previsão do desempenho acadêmico. Todavia, não se pode esquecer do caráter exploratório e transversal deste estudo na interpretação dos resultados. Isto não impede que este estudo possa fornecer pistas para investigações futuras. Neste sentido, sugerem-se estudos longitudinais com os anos de escolaridade e áreas de estudo envolvidos, e estudos que analisem também as duas restantes áreas do sistema educativo português (Línguas e Humanidades/Ciências socioeconômicas), Pode-se ainda investigar se há efeitos do sexo neste tipo de estudo, assim como analisar a relação entre notas escolares e as diferentes competências criativas, controlando-se o efeito de desenvolvimento mental ou de percurso escolar. Os dados já obtidos e os que podem ser obtidos nos estudos sugeridos poderão ajudar o contexto da formação de professores – um dos aspectos fundamentais face à rentabilização da criatividade em contexto escolar.
Referências
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Recebido em janeiro de 2013
Reformulado em outubro de 2013
Aprovado em fevereiro de 2014
Sobre os autores
Ana Paula David: é Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Minho.
Maria de Fátima Morais: é Doutora em Psicologia da Educação, Professora Auxiliar do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.
Ricardo Primi: é Psicólogo pela PUC-Campinas, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e professor associado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco.
Fabiano Koich Miguel: possui graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é mestre e doutor pela Universidade São Francisco. Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
1Esta pesquisa teve financiamento do CNPq.
2Endereço para correspondência: R. Dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, 225, Cond. 4, Town House 8, 13091-611, Campinas-SP. Tel.: (19) 3365-5164. E-mail: rprimi@mac.com