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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.13 no.2 Itatiba ago. 2014

 

 

Estresse em um fio de cabelo: revisão sistemática sobre cortisol capilar1

 

Stress in a hair: Systematic review on capillary cortisol

 

El strés en el pelo: revisión sistemática de cortisol en el pelo

 

 

Andressa Melina Becker da Silva2; Sônia Regina Fiorim Enumo

IPontifícia Universidade Católica de Campinas

 

 


RESUMO

A avaliação psicológica do estresse tem mudado segundo os avanços tecnológicos, incluindo, além dos inventários, métodos psicofisiológicos, com medidas mais precisas, como a concentração do cortisol. Técnicas mais invasivas, como a avaliação do sangue, da saliva e da urina, estão sendo substituídas pela análise capilar. Esta pesquisa fez uma revisão sistemática dos últimos dez anos, com 19 estudos que utilizaram cortisol capilar como indicativo de estresse crônico, destacando o tipo de população e de metodologia da análise bioquímica. Conclui-se que o cortisol medido pelo fio de cabelo pode ser um biomarcador de estresse crônico, já que avalia o estresse retrospectivo, além de não necessitar de medidas repetidas para isso, reduzindo os gastos com reagentes bioquímicos. É uma medida potencialmente útil em contexto clínico e esportivo.

Palavras-chave: cortisol; psicofisiológico; marcadores biológicos.


ABSTRACT

The psychological stress has changed according to technological advances, including, besides the inventories, psychophysiological methods, with more precise measurements, as the concentration of cortisol. More invasive techniques, such as assessing blood or saliva and urine are replaced by hair analysis. This research analyzed by a systematic review of last ten years 19 studies using hair cortisol as an indicator of chronic stress, highlighting the type of population and methodology of biochemical analysis. It is concluded that cortisol measured by hair may be a biomarker of chronic stress, since evaluates the retrospective stress, besides not requiring repeated measures for this by reducing spending with biochemical reagents. It is potentially useful in clinical and sports contexts.

Keywords: cortisol; psychophysiology; biological markers.


RESUMEN

El estrés psicológico ha cambiado de acuerdo a los avances tecnológicos, además de los inventarios, los métodos psicofisiológicos, con mediciones más precisas, como la concentración de cortisol. Las técnicas más invasivas, tales como la evaluación de la sangre o la saliva y la orina son reemplazado por el análisis del pelo. Esta investigación analizó mediante una revisión sistemática de últimos diez años 19 estudios que utilizaran cortisol capilar como un indicador de estrés crónico, destacando el tipo de población y la metodología de análisis bioquímico. Se concluye que el cortisol medido por el pelo puede ser un marcador biológico del estrés crónico, ya que evalúa el estrés retrospectivo, y también no requieren medidas repetidas de este mediante la reducción de gastos con bioquímicos reactivos. Es una medida potencialmente útiles en contexto clínico y deportivo.

Palabras-clave: cortisol; psicofisiológico; marcadores biológicos.


 

 

A avaliação psicológica serve para conhecer as condições psíquicas do indivíduo que será atendido, para que intervenções sejam propostas de forma coerente (Nunes et al., 2012). Para análise do estresse, isto não seria diferente. Estresse é um termo científico, traduzido do inglês stress. Significa a quebra no equilíbrio interno do organismo ou homeostase. É uma resposta muito complexa do organismo, envolvendo reações físicas, psicológicas, mentais e hormonais às adversidades, sendo necessária, portanto, uma análise do contexto. Atualmente, o estresse é classificado em três níveis: a) positivo – quando a resposta é de curta duração, causa pequenos aumentos no batimento cardíaco e nas concentrações hormonais relacionadas ao estresse; b) tolerável – quando as reações são severas o suficiente para prejudicar a arquitetura cerebral; este tipo de estresse é minimizado por relacionamentos protetores que facilitam o enfrentamento e diminuem os efeitos negativos, desde que as reações ocorram em curto período de tempo; e c) tóxico – quando as reações são severas e prolongadas; causa danos na arquitetura cerebral, e leva a problemas permanentes de aprendizagem, de comportamento e de saúde física e mental (Shonkoff & Garner, 2012).

Por meio das consequências do estresse, vê-se a importância do processo neuropsicoimunológico. As respostas de defesa do estresse (luta ou fuga) estão relacionadas a alterações autonômicas, cognitivas, emocionais e comportamentais. Em condições normais, quando um desafio ou uma ameaça é percebido, o eixo hipotálamo- -pituitária-adrenal (HPA) é ativado, resultando num aumento do hormônio glicocorticóide cortisol. Este é sintetizado nas células do córtex das glândulas suprarrenais, sendo controlado pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o qual é, por sua vez, sintetizado na adeno-hipófise. Após o desafio ser resolvido, os níveis de cortisol retornam aos padrões basais; caso não estabilize sua secreção, o nível de cortisol se torna prejudicial (Hodgson, Freedman, Granger, & Erno, 2004).

Essas respostas fisiológicas, especialmente em condições de estresse crônico, são difíceis de medir. Mas a avaliação do cortisol foi incrementada devido ao desenvolvimento tecnológico. Por muitos anos, só era possível obter valores de cortisol através de coleta sanguínea, urinária ou salivar. Estas técnicas são de alto custo financeiro, são invasivas e necessitam de várias coletas para controlar o ciclo circadiano. Para facilitar os procedimentos estatísticos e controlar o ciclo circadiano, Pruessner, Kirschbaum, Meinlschmid, e Hellhammer (2003) desenvolveram um método matemático – pelo qual basta inserir os valores de cortisol em uma derivada proveniente da fórmula trapezóide, em que o eixo x é o tempo (tempo entre uma coleta e outra, necessitando, portanto, de medidas repetidas) e o eixo y, os valores de cortisol em nMol/L. Os valores são expressos pela área abaixo da curva (AUCG). Para o cálculo, são utilizadas duas fórmulas, uma quando se tem intervalos de tempos constantes e outra quando esse controle não é possível.

Contudo, outros testes já eram realizados com fio de cabelo, por exemplo, no ambiente policial, para investigação de uso de drogas pelo indivíduo, ou no ambiente esportivo, pelo Comitê Olímpico, para investigação de doping em atletas. Considerando, então, a necessidade de desenvolver uma forma de mensuração de estresse crônico, a medida de cortisol capilar foi descoberta e validada (Raul, Cirimele, Lurdes, & Kintz, 2004). Essa medida é relativamente nova, especialmente no Brasil, mas muito promissora, por ser menos invasiva, por necessitar de um controle metodológico menor e reduzir os gastos com análises bioquímicas, já que é possível verificar o nível de estresse acumulado em longo prazo – agora considerado estresse crônico. Segundo Pragst e Balikova (2006), o cabelo cresce em média um centímetro ao mês. Assim, se analisarmos três centímetros de cabelo, estaremos avaliando o estresse acumulado ao longo de três meses. Estas análises são feitas de centímetro a centímetro, ou seja, de mês a mês. Cabe ressaltar que existem variações de crescimento de cabelo, relacionadas principalmente ao tipo de cabelo, entre africanos, asiáticos e caucasianos (Loussouarn & Genain, 2005). Condições clínicas também podem resultar em diferenças, além da região do couro cabeludo em que é realizada a coleta. Porém, sabe-se que a amostragem do vértice posterior do couro cabeludo supera essas diferenças intraindividuais. É, portanto, o local com maior precisão (Russel, Koren, Rieder, & Van Uun, 2012).

Em resumo, para extrair o cortisol pelo cabelo, o fio é picado de cm em cm e incubado em solvente (o solvente mais utilizado é o metanol). O resultante da solução é evaporado até secar e, em seguida, é reconstituído por uma solução salina tamponada com fosfato (Sauve, Koren, Walsh, Tokmakejian, & Van Uun, 2007). Após a extração, utilizam-se imunoensaios, por exemplo, o kit de análise para cortisol – ELISA (Gow, Thomson, Reider, Van Uum, & Koren, 2010). Este último procedimento já era realizado em análises de cortisol salivar. Portanto, percebe-se que não há muita alteração entre as análises de cortisol, apenas que a forma capilar é menos invasiva, não exige tanto rigor de conservação de amostra e é mais econômica, pois não requer medidas repetidas, poupando-se reagentes do imunoensaio.

Mesmo que seja possível medir o cortisol com o fio de cabelo, a maneira como o cortisol penetra o fio ainda gera controvérsias. As explicações são baseadas nos estudos com detecção capilar de drogas (Boumba, Ziavrou, & Vougiouklakis, 2006). Entende-se, por uma hipótese, que a penetração ocorra na região da medula da haste do cabelo através de difusão passiva do sangue, em que esta é a fração de cortisol livre. Outra hipótese é que o cortisol revista a cutícula externa a partir de secreções presentes no sebo ou no suor; mas não foram realizados estudos para confirmação desta hipótese (Raul et al., 2004). Segundo Ito et al. (2005), os folículos capilares contêm um equivalente funcional do eixo HPA e podem sintetizar cortisol após estimulação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH). Por esta razão, é possível que a coleta de dados seja influenciada, mesmo que minimamente, por concentrações de cortisol produzidas no cabelo pela secreção no sebo ou pelo suor, e não apenas pela concentração do cortisol livre (Stalder & Kirschbaum, 2012). Além disso, há a relação da cronicidade da exposição ao estressor, com um grande efeito da exposição a estressores crônicos nas concentrações de cortisol capilar, o que demonstra a desregulação do eixo HPA (Staufenbiel, Pennix, Spijker, Elzinga, & Van Rossum, 2013).

Sabe-se que, com o tempo, o cabelo acumula substâncias provenientes do ambiente, torna-se mais velho e mais desgastado, exige mais lavagens etc. – e estas, entre outras situações, poderiam comprometer a validade desta medida (Hamel et al., 2011; Kirschbaum, Tietze, Skoluda, & Dettenborn, 2009). Com base em estudos que avaliaram a influência da lavagem do cabelo sobre a mensuração do cortisol, Dettenborn, Tietze, Kirschbaum, e Stalder (2012) admitem que não há influência da frequência de lavagens de cabelo nos segmentos proximais ao couro cabeludo, mas sim, nas partes distais. Com isso, percebe-se que o viés da pesquisa se deveria aos períodos longos entre uma coleta e outra. E, para controlar essa variável confundidora, Hamel et al. (2011) afirmam que se deve perguntar à pessoa avaliada qual a frequência com que lava os cabelos. Além disso, outros autores ressaltam a importância de que estudos assim sejam feitos em humanos, tendo em vista que os estudos preliminares foram realizados com macacos, cuja higienização tem uma especificidade diferente da humana.

Qual a diferença entre cortisol capilar e os outros métodos? O cortisol capilar é um método relativamente novo, com vantagens, mas cujo desempenho depende do que se quer avaliar. Conforme relatado, o cortisol capilar é um bom preditor de estresse crônico, ou seja, de longo tempo. Mas, caso seja necessário avaliar o estresse em uma situação pontual, outras formas de coleta são recomendadas. Para colocar em síntese os prós e contras de cada uma, Russel et al. (2012) apresentam uma comparação das propriedades de medidas de cada forma de mensuração do cortisol (Tabela 1).

 

 

Apesar de ser um método novo, outros modos de análise do cortisol já estão em tese, como a análise através das unhas. Já que uma das possibilidades do cortisol ser inserido no cabelo é pelo suor, daqui a alguns anos, provavelmente, também usaremos o suor na coleta. Recentemente, um estudo-piloto proposto por Warnock et al. (2010) encontrou aumento na concentração de cortisol nas unhas em situações estressantes. A principal limitação desse método é que o crescimento das unhas depende de fatores ambientais (mudança de estação, por exemplo) e de comportamentos pessoais (fazer ou roer as unhas, tirar cutícula etc.), tornando-se difícil a sistematização de um método de coleta. Ben Khelil et al. (2011) também mensuraram o cortisol pelas unhas e obtiveram resultados semelhante, mas sustentam que são necessários mais estudos para validar o método.

Embasando-se nessa relativa novidade – a medida do cortisol capilar –, o objetivo deste trabalho é analisar, através de uma revisão sistemática, os estudos publicados nos últimos dez anos que utilizaram cortisol capilar como indicativo de estresse crônico, atentando-se para quais populações foram avaliadas e para qual metodologia de análise bioquímica foi empregada.

 

Método

Participantes

Para a revisão sistemática dos artigos, utilizou-se o site de buscas de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), restringindo-a para o Conjunto de Bases Multidisciplinares. As produções dos cursos de Mestrado e Doutorado foram buscadas no Banco de Teses e Dissertações da CAPES. A busca ocorreu entre 08 e 10 de novembro de 2012.

Os critérios de inclusão, tanto para artigos quanto para teses e dissertações, foram: publicação nos últimos dez anos (2002-2012), pesquisa com coleta de dados ou análise teórica do cortisol capilar. Os critérios de exclusão foram: relato de pesquisa apenas com resumo e publicação de eventos científicos, como simpósios e congressos. Os descritores foram buscados na Terminologia Psi da Biblioteca Virtual em Saúde de Psicologia (BVS – Psi), selecionando-se: cortisol capilar e cortisol pelo fio de cabelo, com seus correspondentes em espanhol e em inglês.

Ao se buscar descritores nas bases de dados citadas, 877 artigos foram localizados. Pela análise do material, 231 artigos não se enquadraram nos critérios de inclusão; 518 eram repetidos ou se enquadravam nos critérios de exclusão; 94 não apresentavam a temática cortisol capilar como método de pesquisa (era somente mencionada ou envolvia apenas cortisol, não necessariamente capilar). Os 34 artigos restantes foram lidos na íntegra e aplicou-se critérios de verificação de qualidade científica dos estudos, semelhante aos usados pela escala PEDro (Shiwa et al., 2011). Os critérios foram adaptados para a realidade das pesquisas – cálculo amostral, grupo controle, amostra aleatória, procedimentos éticos, controle do ciclo circadiano, cuidados prévios em relação à coleta de dados, programa estruturado e detalhado, emprego de métodos estatísticos coerentes, descrição metodológica e resultados compatíveis com os objetivos. Atribuiu-se um ponto para cada critério presente nos estudos e zero para critério ausente. Assim, o artigo poderia ter uma pontuação de zero a 100 em qualidade, optando-se pela exclusão dos artigos que totalizassem uma qualidade inferior a 70. Após aplicação desses critérios, foram analisados 19 artigos. Não foi encontrada nenhuma tese ou dissertação nesse período. As referências completas dos estudos incluídos estão destacadas com asterisco (*) na lista de referências.

 

Resultados e Discussão

Onde os estudos são realizados? Qual é a posição do Brasil?

Dos 19 artigos analisados, dois eram de revisão de literatura, três foram realizados com animais e 14 com seres humanos, em pesquisas empíricas. Apesar do primeiro trabalho a validar esta metodologia ter sido publicado há quase dez anos (Raul et al., 2004), somente em seis países foram encontradas publicações – Alemanha (n=6), Canadá (n=5), Estados Unidos (n=3), China (n=2), França (n=2) e Suécia (n=1). Não foram identificadas publicações nacionais, mesmo considerando que os resultados bioquímicos não necessitam de validação transcultural, como ocorre com determinados instrumentos. Alguns possíveis motivos: a) dificuldades na compra de reagentes, já que normalmente são importados da Alemanha, dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos; b) falta de mão de obra especializada, ou seja, falta de bioquímicos que trabalhem com o tema estresse nos laboratórios de pesquisa em Psicologia e outras áreas da Saúde e das Humanas; c) falta de conhecimento sobre o novo método; d) demora dos periódicos na aprovação de manuscritos. Portanto, supõe-se que pesquisas sobre este tema são feitas no Brasil, mas ainda não são publicadas.

Quais periódicos publicam sobre cortisol capilar?

Analisando os periódicos em que esses estudos foram publicados, percebe-se o alto nível das pesquisas. Quatro dos dez periódicos que publicaram sobre o assunto têm nível mínimo B1 internacional, segundo o Qualis/CAPES. Os demais não foram qualificados pela área da Psicologia, pois ainda não apresentam trabalhos de pesquisadores brasileiros inseridos em programas de pós-graduação da área (Tabela 2).

 

 

Amostras dos estudos

Dos 19 artigos resultantes desta revisão sistemática, 14 foram realizados com seres humanos, do quais nove com adultos, dois com adolescentes, dois com crianças e um com diferentes faixas etárias. Raul et al. (2004) relataram diferença significativa entre as faixas etárias e as concentrações de cortisol capilar. Indivíduos entre 0-20 anos apresentavam os maiores valores. Este dado é contrário ao constatado em modelos animais, em que as concentrações de cortisol capilar, menores na adolescência, aumentavam na idade adulta, o que sugere influência social (Laundenslager, Jorgensen, & Fairbanks, 2012).

Os estudos foram agrupados conforme características semelhantes em suas amostras, gerando quatro categorias para facilitar a análise: 1) fatores socioeconômicos como estressores (n=3), incluindo desemprego; 2) condições clínicas (n=5): grávidas e pacientes com infarto agudo do miocárdio, com dor crônica e com avaliação de índice de massa corporal relacionado ao cortisol; 3) quadro psicopatológico (n=1): pacientes diagnosticados com estresse pós-traumático; 4) atletas (n=3): maratonistas, aspectos metodológicos de coleta do cortisol capilar e a estabilidade intraindividual, considerando diversos participantes.

Outros estudos avaliaram os diferentes métodos de análise do cortisol. Vanaelst et al. (2012) examinaram a extensão do estresse na infância com questionário de estressores e marcadores biológicos (cortisol sanguíneo, salivar e capilar) em 272 meninas. Concluíram que o cortisol salivar é mais indicado para períodos curtos e que o cortisol capilar é o único capaz de medir o estresse em períodos longos. Li et al. (2012) questionaram a redução da concentração de cortisol no fio de cabelo com a imersão do fio em água quente – afinal, o fato de que as pessoas lavam os cabelos em água quente poderia ser uma limitação à coleta. Participaram 58 homens, sendo coletado um centímetro de cabelo em diferentes locais, mostrando que o córtex posterior da cabeça é o local que melhor representa a atividade do eixo HPA. O ambiente quente, a lavagem com água quente e a exposição aos raios ultravioletas reduzem significativamente as concentrações de cortisol. Estes, portanto, seriam fatores limitantes a este método.

Como analisar os dados do cortisol?

Os métodos utilizados podem variar entre os laboratórios, mas sua essência é semelhante. Inicialmente, a amostra é recolhida de forma não invasiva, através de corte de um fio de cabelo na base do vértice posterior da cabeça, para evitar problemas com amostragem. O importante é utilizar uma tesoura fina e cortar rente ao couro cabeludo. O comprimento necessário dependerá do objetivo do estudo, levando em consideração que cada centímetro de cabelo corresponderá ao estresse acumulado em um mês, aproximadamente. Considerando a limitação em decorrência da frequência de lavagem do cabelo, dos raios ultravioletas, e de outros fatores ambientais, o ideal é analisar poucos centímetros de cabelo, num período não muito longo, evitando, assim, o viés de pesquisa (Li et al., 2012).

Como mencionado, este método possui a seguinte vantagem: o fio de cabelo pode ser facilmente transportado e armazenado em envelopes ou frascos de laboratório em temperatura ambiente (Gow et al., 2010).

Cortisol capilar e estressores socioeconômicos

A pesquisa de Dettenborn et al. (2010) comparou as concentrações de cortisol capilar entre indivíduos empregados e desempregados. Foi realizada uma coleta de dados com 6 cm de cabelo (estresse retrospectivo em seis meses), dividindo-o em dois segmentos de 3 cm cada, ou seja, os 3 cm proximais ao couro cabeludo – segmento 1 – seriam correspondentes aos últimos 3 meses, e os 3 cm distais – segmento 2 – seriam correspondentes ao estresse dos 3 a 6 meses anteriores. Coletaramse amostras capilares de 59 participantes (46 mulheres; 31 desempregados). Houve diferença significativa nos desempregados, que tiveram maiores concentrações de cortisol capilar nos últimos seis meses. Mas, não houve correlação com variáveis psicossociais (gênero, idade, nível educacional, índice de massa corporal, fumante ou não, uso regular de remédios e anticoncepcionais, em tratamento capilar).

Os resultados da pesquisa geram questionamentos. Primeiro, sobre a precisão desta medida no prazo longo, acima de seis meses. Segundo, como levantado pelos próprios autores, é a possível haver influência da frequência de lavagem do cabelo em um prazo tão longo. Além disso, não há correlação com variáveis psicossociais. Devese considerar que questionários, inventários e instrumentos subjetivos dependem da memória do indivíduo e de outros fatores que podem interferir na precisão do resultado. Isso não ocorre com a medida psicofisiológica, que representa um resultado real da situação de estresse do indivíduo no longo prazo (Silva, 2011).

Quanto à questão socioeconômica, Vaghri, Guhn, Weinberg, Greenau, e Hertzman (2012) examinaram a relação entre cortisol capilar das crianças e o status socioeconômico da família, medido por educação e renda familiar. Selecionaram aleatoriamente 339 crianças (M=4,6 anos), de ambos os sexos. A educação dos pais e familiares foi correlacionada negativa e significativamente com o cortisol capilar das crianças, ao contrário da renda familiar. Discutem por que pais e familiares com nível educacional mais alto conseguem cuidar melhor de seus filhos. Entretanto, não discutem por que a renda familiar não se correlaciona com o cortisol capilar. Esta é uma limitação desse estudo, o primeiro sobre essa temática, de acordo com estas bases de dados investigadas.

Karlen, Ludvigson, Frostell, Theodorsson, e Faresjo (2011) investigaram se as concentrações de cortisol capilar são correlacionadas com estresse percebido, experiências estressantes e percepção de saúde em jovens adultos. Participaram 99 estudantes universitários de ambos os sexos, coletando-se 3 cm de cabelo, ou seja, estresse relativo aos últimos três meses. A concentração de cortisol capilar foi significativamente relacionada aos eventos estressantes da vida, mas pouco correlacionado ao estresse percebido, e sem correlação com gênero, cabelo tingido ou saúde autorrelatada. Os eventos de vida estressantes são, portanto, indicadores mais próximos ao cortisol capilar do que o estresse percebido, segundo este estudo. Isto possivelmente evidencia o quanto as escalas de estresse percebido se distanciam das medidas psicofisiológicas, tendo em vista que as escalas perpassam a subjetividade do avaliado. Este, muitas vezes, está com altos níveis de estresse, mas, por estar acostumado a uma rotina estressante, não se percebe como tal. O ideal, portanto, é uma análise completa, empregando-se mutuamente medidas psicológicas, mais subjetivas, e medidas psicofisiológicas, com resultados quantitativos mais objetivos.

Cortisol capilar em condições clínicas

Dois estudos se destacam por avaliarem gestantes, para as quais há dificuldades para coletar o cortisol mensalmente. Este impedimento foi resolvido com

a coleta do cortisol capilar, que pode ser retrospectivo. Kalra, Einarson, Karaskov, Van Uum e Koren (2007) fizeram um estudo-piloto em 25 mulheres grávidas, coletando amostras capilares de 1 cm a 1,5 cm. O cortisol capilar foi significativamente correlacionado à Escala de Estresse Percebido (PSS), apresentando-se como bom biomarcador de estresse crônico em gestantes. Comparando-se este estudo ao de Karlen et al. (2011), percebe-se que essas gestantes apresentam uma boa percepção de estresse. Este dado indica que as escalas não são métodos inválidos, mas que precisam ser analisadas com cautela, já que tratam de pessoas com capacidades de autopercepção distintas e com maior ou menor grau de precisão.

Kirschbaum et al. (2009) comprovaram a hipótese de que medidas de cortisol de segmentos distintos do cabelo podem prover um calendário retrospectivo de produção de cortisol. Nesse estudo, avaliou-se o cortisol capilar dos últimos 12 meses em 102 gestantes e em 20 mulheres não grávidas (grupo controle). Houve redução das concentrações de cortisol do segmento mais próximo do couro cabeludo para segmentos mais distais em 30- 40%. Isto comprova a hipótese levantada anteriormente sobre as condições externas prejudiciais às análises após seis meses (prazo muito longo). No terceiro mês de gestação, quando muitos órgãos importantes do bebê estão se formando, as gestantes apresentaram concentrações significativamente maiores de cortisol, mostrando a necessidade de intervenções clínicas psicológicas para redução do estresse.

Feito com pacientes com dor crônica severa (15 casos versus 39 controles), Van Uum et al. (2008) também analisaram o cortisol capilar como marcador de estresse no longo prazo, porém, a medida foi dada em peso (mg) do cabelo e não em tamanho (cm), diferentemente dos demais estudos. Tanto o estresse percebido – avaliado pela Escala de Estresse Percebido (PSS) – quanto o cortisol capilar foram maiores significativamente em pacientes com dor crônica. Isso mostra que o cortisol é um indicativo de estresse crônico. Os autores discutem o quanto esses resultados condizem com a literatura que utiliza outras formas de mensuração de estresse, no sentido de que pacientes com dor crônica possuem alteração do estresse, tanto perceptiva quanto fisiologicamente, devido à desregulação do eixo HPA.

Outro quadro clínico foi analisado por Pereg et al. (2011), que avaliaram se o estresse crônico, medido pelo cortisol capilar, estava associado ao desenvolvimento de infarto agudo do miocárdio (IAM). A pesquisa avaliou 112 pessoas, divididas em dois grupos. O cortisol capilar foi mensurado com 3 cm de fio de cabelo, correspondendo ao estresse de três meses anteriores. Após regressão logística, o cortisol capilar foi a variável que mais se relacionou ao infarto agudo do miocárdio. Conclui-se que pessoas com elevado nível de cortisol capilar estão mais propensas a ter infarto agudo do miocárdio, mostrando a aplicabilidade dessa medida para ajudar na redução da mortalidade por IAM, adotando-se medidas preventivas.

Stalder et al. (2012) investigaram associações entre estresse relatado, cortisol capilar e índice de massa corporal (IMC) em 213 indivíduos, de ambos os sexos, sendo a maioria com IMC normal e alguns com sobrepeso ou obesidade. Coletaram 3 cm de cabelo, mostrando associação positiva entre IMC e cortisol capilar, e deste com sobrecarga social autorrelatada.

Analisando esses dois estudos, vê-se que o IMC, frequentemente, é associado ao infarto agudo do miocárdio. Assim, recomendam-se mais estudos com todas essas variáveis para se chegar a conclusões mais aprofundadas.

Cortisol capilar em quadro psicopatológico

O único artigo que relaciona o cortisol capilar ao quadro psicopatológico foi proposto por Luo et al. (2012). Este artigo avaliou mudanças acumulativas nas concentrações de cortisol capilar em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (PTSD, em inglês), após o terremoto na China de 2008. Avaliaram 64 indivíduos, 32 com PTSD, estudantes do sexo feminino, com idade entre 12 e 15 anos. Já o grupo controle, sem PTDS, foi recrutado em escolas a 500 km de distância do epicentro do terremoto, conforme sexo, idade e nível escolar semelhante ao grupo experimental. Todos os participantes foram recrutados sete meses após o desastre. Coletou-se, de uma única vez, 12 cm de fio de cabelo, analisados separadamente de 3 em 3 cm. A medida basal (o quarto segmento de 3 cm, logo, o mais distal, correspondente a um período de 9 a 12 meses, ou seja, dois meses antes e um mês após o terremoto) não teve diferença significativa entre os grupos. Após o episódio traumático, o cortisol aumentou em ambos os grupos, mas diferentemente: maiores concentrações de cortisol para o grupo sem PTSD entre 2 e 4 meses e entre 5 e 7 meses, mostrando diferenças de resposta do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal nos dois grupos. Os autores argumentam que o aumento mais constante de cortisol ajudou o grupo sem PTSD (resposta de luta ou fuga) a não desenvolver o estresse pós-traumático (benefício de proteção contra o desenvolvimento de PTSD), ao contrário do outro grupo, que, com menor cortisol, não tinha respostas psicofisiológicas suficientes para defesa. Apesar de usar medida longitudinal – 12 meses –, o método foi capaz de aferir diferenças entre os grupos ao longo do período.

Cortisol capilar em atletas

O primeiro artigo que validou o método de cortisol capilar foi realizado por Raul et al. (2004), presumivelmente em atletas ou ex-atletas. Participaram 44 pessoas (17 homens e 27 mulheres), com 2 a 90 anos de idade. As idades foram estratificadas por quatro faixas de aproximadamente 20 anos – 0 a 20, 20 a 40, 40 a 60, 60 ou mais. Além disso, compararam diferentes cores de cabelo (loiro: n=3; castanho: n=26; preto: n=8; grisalho: n=7). As concentrações de cortisol capilar variaram de 5 a 91 pg/mg (M=18 pg/mg). As concentrações de cortisona foram de 12 a 163 pg/mg (M=70 pg/mg). Não houve diferença significativa entre os gêneros, mas as concentrações de cortisona foram significativamente maiores em indivíduos com até 20 anos. De acordo com os autores, a incorporação do cortisol e da cortisona no cabelo, provavelmente, se dá por difusão passiva através do suor, após conversão de parte do cortisol em cortisona nas glândulas sudoríparas. Não foram encontradas diferenças significativas em relação à cor do cabelo, possivelmente pelo fato de que os grupos apresentavam números distintos de participantes, o que não favorece respostas estatísticas mais robustas. Também não foram encontradas diferenças significativas considerando a interação entre sexo e idade para as concentrações de cortisona.

Outro estudo que, apesar de não focar em esportes, utilizou atletas foi o realizado por Stalder et al. (2012). O objetivo era examinar os padrões de estabilidade intraindividual de concentrações de cortisol capilar. Foram feitos dois estudos com 109 indivíduos, de ambos os gêneros. Um dos estudos foi feito com duas coletas, em intervalo de um ano; o outro, com três coletas intercaladas por dois meses cada. Os resultados dos dois estudos independentes mostram forte relação teste-reteste entre avaliações de medidas repetidas de cortisol capilar ao longo de um ano (Estudo 1), bem como ao longo de um período de 2 e 4 meses (Estudo 2). Estes dados, segundo os autores, sugerem um alto nível de estabilidade intraindividual nas concentrações de cortisol capilar, sendo que o modelo de equação estrutural mostrou que apenas as avaliações do cortisol capilar explicaram 59% a 82% da variância das medidas. Isso mostra um forte componente de traço e menor influência de fatores externos (de confusão entre variáveis).

Ao contrário dos estudos que investigaram aspectos metodológicos do procedimento de avaliação psicológica, Skoluda, Dettenborn, Stalder, e Kirschbaum (2012) avaliaram esportes de endurance e as concentrações de cortisol capilar em 395 indivíduos, dos quais 319 atletas (190 mulheres) e 76 como controle (41 mulheres). A coleta foi realizada entre junho (uma coleta) e novembro (três coletas), antes da competição ou do treinamento (entre agosto e outubro, o período de treinamento é mais intenso). O pré-requisito era ter mais do que 3 cm de cabelo, indicando um estresse retroativo de três meses. Foram aplicados também questionários sociodemográficos relacionados à saúde, percepção sobre o esforço do treinamento e estresse percebido. Não havia diferenças significativas entre os grupos para idade, IMC, uso de medicamentos, escala de estresse percebido, tratamento cosmético capilar e coloração natural do cabelo. Entretanto, havia mais mulheres e fumantes no grupo controle. Utilizou-se ANOVA para avaliar esta possível variável confundidora, a qual mostrou não haver associação significativa com o cortisol capilar. Não houve correlação significativa entre estresse percebido e cortisol capilar.

Os resultados do estudo mostram maiores concentrações de cortisol capilar em atletas de endurance se comparados ao grupo controle (p<0,001). A maior diferença é para maratonistas (p<0,001), seguidos se atletas de triátlon e meia maratona (p<0,05). Houve correlação positiva e significativa entre o cortisol capilar e o volume de treinamento – quilômetros de treinamento por semana (r=0,32; p<0,001); horas de treinamento por semana (r=0,22; p<0,001); número de competições por ano (r=0,29; p<0,001). Os autores concluíram que repetidos estresses físicos com o treinamento aumentam o cortisol por um longo período, o que pode ser prejudicial ao desempenho e à saúde dos atletas.

Cortisol capilar em animais

Laudenslager et al. (2012) descreveram as mudanças potenciais do desenvolvimento em concentrações de cortisol capilar em 350 macacos, machos e fêmeas. As concentrações de cortisol capilar eram maiores nos mais jovens, diminuindo gradativamente com o tempo. As fêmeas apresentaram diminuição um ano antes dos machos. Apesar de os autores não levantarem essa limitação, seriam interessantes novos estudos, agora com humanos para testar a ocorrência de resultados semelhantes.

Outro estudo do mesmo grupo de pesquisa (Fairbanks et al., 2011) investigou influências genéticas e ambientais nas concentrações de cortisol capilar, antes e depois de mudanças ambientais. Avaliaram 226 macacos fêmeas, com análise de cortisol capilar, correspondente ao estresse retroativo de seis meses. Os efeitos genéticos e ambientais mostraram atividade do eixo HPA, indicando que a genética e os fatores ambientais podem interferir no aumento de cortisol capilar. Algo semelhante deve ocorrer em humanos, tendo em vista que fatores ambientais e genéticos estão relacionados a respostas comportamentais que auxiliam a reduzir ou a provocar um quadro de estresse crônico (Haberstick, Scmitz, Young, & Hewitt, 2005).

Pesquisa semelhante foi desenvolvida por Dettmer, Novak, Suomi, e Meyer (2012), que examinaram as reações comportamentais e fisiológicas de macacos infantis (dois anos de idade) criados em três ambientes artificiais, com aumento de estressores. O cortisol capilar foi coletado, prevendo-se estresse em 24 meses - análises feitas em 6, 12, 18 e 24 meses. Portanto, quatro coletas de dados, com intervalo de seis meses cada, evitando-se assim as variáveis confundidoras. Houve elevadas concentrações de cortisol capilar nos primeiros momentos de vida, o que indica ser biomarcador para que, futuramente, desenvolvam-se comportamentos ansiosos em resposta ao meio estressor. É importante testar essas hipóteses em seres humanos para verificar se o padrão de resposta é semelhante.

 

Considerações finais

A presente revisão sistemática localizou estudos sobre cortisol capilar tanto em humanos quanto em animais. Neles, o cortisol capilar foi analisado de diferentes formas, em amostras distintas, porém todos os estudos tentaram provar a eficiência desse método bioquímico relativamente novo de análise do cortisol. Apesar de recentes, as pesquisas nos últimos anos têm se baseado nesse método, por facilitar a coleta (não invasivo), a análise (não precisa manter a amostra em refrigeração) e a questão dos custos (não necessita de medidas repetidas). Não há, no Brasil, estudo publicado com as bases de dados buscadas com esse novo método. Por isso, a pesquisa na área não tem visibilidade internacional. Espera-se que novos estudos nacionais possam ser desenvolvidos com esta metodologia, com apoio de agências de fomento à pesquisa, viabilizando a instrumentação para análise, já que novas técnicas estão sendo avaliadas e consideradas – por exemplo, a análise do cortisol por meio das unhas e pelo suor. Para acompanhar as publicações mundiais, é preciso usar instrumentos mais objetivos, validados em mais países.

 

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Recebido em julho de 2013
Reformulado em dezembro de 2013
Aprovado em fevereiro de 2014

 

 

Sobre as autoras

Andressa Melina Becker da Silva: é Educadora Física (PUC-PR), Mestre em Educação Física, com ênfase em Psicologia do Esporte (UFPR), Doutoranda em Psicologia (PUC-Campinas), bolsista de doutorado da CAPES, Finalista de Graduação em Psicologia (UNIP-Campinas).
Sônia Regina Fiorim Enumo: é Doutora em Psicologia (USP). Professora Emérita da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq/ MCTI, em nível 1B.


1Apoio: CAPES (bolsa de Doutorado para primeira autora); CNPq/MCTI (bolsa de produtividade em pesquisa em nível 1B)

Endereço para correspondência: R. Capistrano de Abreu, 165, Jardim Proença, 13100-430, Campinas-SP. Tel.: (19) 98400-7922. E-mail: andressa_becker@hotmail.com