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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.3 Itatiba dez. 2014

 

 

Escrita em grupo de escolares

 

Writing in a group of school children

 

Escritura en un grupo de escolares

 

 

Adriana Cristina Boulhoça Suehiro1; Vitória Lage Hohlenwerger

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivos avaliar a habilidade de escrita de estudantes de ensino fundamental e identificar eventuais diferenças entre as crianças pelos critérios sexo, série e idade. Participaram 519 estudantes, de ambos os sexos, entre sete e 10 anos, do 2º ao 5º ano do ensino fundamental de escolas públicas de uma cidade do Recôncavo da Bahia. Os instrumentos aplicados, coletivamente, foram um questionário de identificação e a Escala de Avaliação da Escrita (EAVE). Os resultados indicaram que os escolares apresentaram desempenho em escrita abaixo do esperado para o nível de escolarização em que se encontram. A pontuação das meninas, em coerência com a literatura, foi significativamente mais baixa que a dos meninos. As crianças de oito anos obtiveram pior desempenho quando comparadas às demais. Verificou-se, como esperado, uma progressão no desempenho dos alunos com o avançar da escolaridade.

Palavras-chave: aprendizagem; ortografia; avaliação psicoeducacional.


ABSTRACT

This study aimed to assess the writing skills of elementary school students, as well as to identify any differences between children with regard to gender, grade and age. Five hundred nineteen students participated, of both sexes, between seven and 10 years old, from the 2nd to the 5th grade in public schools in a city in the Reconcavo, Bahia. The instruments applied, collectively, were an identification questionnaire and the Writing Assessment Scale (EAVE). The results indicate that the students performed as a lower level than expected given their grade level. The girls' scores, consistent with findings in the literature, were significantly lower than boys', and 8-year-old children had the worst performance when compared to the others. Aside from this, the expected increase in performance in accordance with advancing education was found.

Keywords: learning; orthography; spelling; psycho-educational assessment.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo evaluar las habilidades de escritura de los estudiantes de primaria, así como para identificar las diferencias entre los niños con respecto al género, grado y edad. Quinientos diecinueve estudiantes participaron, ambos sexos, entre 7 y 10 años, el segundo para el quinto año de la escuela primaria en las escuelas públicas en una ciudad en el Recôncavo da Bahía. Las herramientas, en conjunto, tienen un cuestionario de identificación y la Escala de Evaluación de la Escritura (EAVE). Los resultados indicaron que los estudiantes tenían que realizar por escrito por debajo del nivel que se espera de la educación donde se encuentren. Las chicas puntuación, en consonancia con la literatura, fue significativamente menor que la de los chicos y niños de 8 años tuvieron peor rendimiento en comparación con los demás. Junto a esto, se encontró, como era de esperar, un aumento de rendimiento de los estudiantes con el avance de la educación

Palabras-clave: aprendizaje; ortografía; evaluación psicoeducativa.


 

 

A linguagem é um dos objetos primordiais da educação, pois possibilita ao indivíduo não apenas obter conhecimentos, mas se expressar (Afonso & Sola, 2013; Barbeiro & Carvalho, 2013; Sousa, 2012; Zorzi, 2006). Por esse motivo, alfabetizar, ou seja, fazer com que o aluno domine a língua escrita é uma das primeiras metas da escola.

Dada a relevância da linguagem escrita, diferentes teorias tentam compreender seu desenvolvimento. No campo da psicologia, há teorias que a explicam como simples decorrência do hábito de treinar a coordenação motora fina e da associação de sons e símbolos visuais. Outras teorias a explicam como decorrente do amadurecimento de estruturas cognitivas ou da elaboração de hipóteses individuais e espontâneas sobre tal técnica cultural, baseadas na prontidão neurocognitiva e na inserção em ambiente alfabetizador estimulante (Bereiter & Scardamalia, 1987; Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003; Demont & Gombert, 1996; Ellis, 1995; Ferreiro & Teberosky, 2008; Flower & Hayes, 1981; Graham, 1990; Pontecorvo & Orsolini, 1996; Rego & Bryant, 1993; Simões, 2000).

Independentemente da perspectiva adotada, pode- -se afirmar que aprender a escrever pressupõe a compreensão de particularidades do sistema ortográfico, e isso requer um conjunto amplo de habilidades. Uma dessas habilidades é a diferenciação visual entre o traçado das letras, o conhecimento dos sons a que elas correspondem, o estabelecimento de correspondências quantitativas, a identificação da posição da letra dentro da palavra, a compreensão de como a palavra pode ser falada de um modo e escrita de outro, a compreensão de que uma mesma letra pode representar vários sons e que um mesmo som pode ser representado por diversas letras (Bellocchi & Bastien- Toniazzo, 2011; Ferreiro & Teberosky, 2008; Rebelo & Sola, 2013; Simões, 2000; Zorzi, 2006; Zuanetti, Correa- Schnek, & Manfredi, 2008). O aprendizado implica planificação da mensagem, construção das estruturas sintáticas, seleção das palavras e processos motores (Barbeiro & Pereira, 2008; Cuetos, 2009).

Neste sentido, a prática da escrita supõe tomada de decisões acerca do que vai ser escrito, como será escrito, que letras devem ser empregadas (Bartolomeu, Sisto, & Rueda, 2006). Assim, por exemplo, caso se peça ao sujeito que escreva a palavra aniversário, ele terá que organizar as letras em um plano coerente e revisar o que foi escrito. Para tanto, deverá ter construído a noção de letra, de número, de vogal, de consoante, de palavra e de frase. Terá, ainda, que lidar com diferenciações e negações, isto é, terá de saber diferir os signos e eliminar as letras que não devem ser usadas. Esse procedimento é, inicialmente, lento, mas, com o tempo, pela mecanização, será feito com economia de memória e atenção, de forma mais simples e rápida (Zucoloto & Sisto, 2002).

Entre os modelos explicativos desse processo, um dos mais conhecidos é de Flower e Hayes (1981), cujo foco é a identificação e a descrição dos subprocessos (planificação, redação e revisão) do processo geral da escrita. Tais subprocessos giram em torno de quatro componentes: o contexto da atividade; os esquemas de conhecimento do escritor (mais especificamente, a memória de longo prazo); as ações metacognitivas (o conhecimento do processo de escrita); o controle das ações e decisões apropriadas a sua execução.

Há, ainda, modelos como os de Bereiter e Scardamalia (1987), que relacionam o processo de escrita ao estudo das capacidades adquiridas de forma natural (interna), menos dependentes do meio e de intervenções educativas (externa), requerendo, assim, determinados métodos de ensino-aprendizagem. Dessa forma, há uma distinção entre as capacidades adquiridas, quase inevitavelmente, pelas experiências cotidianas (capacidades naturais) e as que requerem esforço ou intenção para que as limitações, reproduzidas de forma natural, possam ser transgredidas (capacidades problemáticas). Nesse caso, a escrita é abordada como capacidade adquirida, tanto de forma natural como de forma problemática.

Na concepção de Ferreiro e Teberosky (2008), as crianças manifestam, desde cedo, vontade de explorar e conhecer a linguagem escrita partindo de conhecimentos já adquiridos, refletindo e aventando hipóteses sobre a escrita. Para tanto, percorrem um processo de elaboração progressiva, constituído por cinco etapas, cada uma integrando as aquisições da etapa precedente. Essas etapas envolvem desde a reprodução de formas gráficas associadas às letras (mesmo sem distinguir entre elementos icônicos e não-icônicos) até a capacidade de análise dos fonemas e a correspondência adequada dos grafemas (escrita alfabética).

Como o português dispõe de irregularidades imprevistas por regras de conversão fonema-grafema, são necessários não apenas o aprendizado das regras ortográficas (Correa, 2005; Mota, Moussatchè, Castro, Moura, & D'Angelis, 2000), mas, sobretudo, o esmero em seu processo avaliativo (Bazi, 2000; Sisto, 2001). Segundo Sisto (2001), até certo ponto, os erros gramaticais e erros como inventar ou omitir palavras são comuns no início da aprendizagem, adquirindo caráter problemático com o prolongamento da experiência escolar. Outro fator é que a escrita, por depender do ensino, depende também do gosto pela escola, estreitamente ligado à adaptação afetiva da criança, e das relações com os pais, professores e pares (Ajuriaguerra et. al., 1988).

Lamentavelmente, apesar da complexidade e da importância da aquisição da escrita, não há testes padronizados para avaliar a alfabetização. Recorre-se, normalmente, a testes produzidos de forma artesanal, que não respeitam os princípios psicométricos mais elementares, o que acaba gerando pouco conhecimento útil ou generalizável (Oliveira, 2005). Esse aspecto foi ressaltado nas pesquisas realizadas por Suehiro, Cunha, e Santos (2007) e Suehiro e Cunha (2012) sobre a produção científica acerca da avaliação da leitura e da escrita em periódicos científicos. As autoras verificaram que o instrumento mais utilizado na avaliação da escrita foi o ditado. Somente 28,1% dos instrumentos apresentavam evidências de validade e, portanto, critérios realmente científicos.

A Escala de Avaliação da Escrita (EAVE) é um dos instrumentos sobre o qual, apesar dos poucos estudos sistematizados, há dados relativos às suas propriedades psicométricas. A escala é um instrumento de 2005, com fácil aplicação e correção, derivado da Escala de Avaliação das Dificuldades de Aprendizagem da Escrita (ADAPE), que avalia a dificuldade de representação de fonemas, ou seja, de grafar letras e palavras com um sistema linguístico estruturado e arbitrário. Isso permite inferir a respeito das dificuldades apresentadas no aprendizado da escrita.

Instrumentos como a EAVE são importantes, pois, como salientam Souza e Sisto (2001), em quase todas as salas de aula das escolas públicas do ensino fundamental, há crianças com dificuldades na aprendizagem da escrita. Tal fato, por si só, justifica não apenas as preocupações relatadas, mas, sobretudo, a necessidade e a relevância de analisar como se encontram as crianças com relação à aquisição da escrita nas séries iniciais. Essa análise permitirá o estabelecimento de estratégias de intervenção mais adequadas à realidade encontrada e, portanto, ajudará na luta contra o fracasso escolar (Carneiro et al., 2003; Cunha, Sisto, & Machado, 2007).

Considerando os aspectos ressaltados, estudiosos têm avaliado o desempenho de crianças do ensino fundamental com a escala de avaliação da escrita (Aguena, 2010; Guidetti & Martinelli, 2007; Lima, 2012; Lima, Mognon, & Santos, 2009; Suehiro, 2008).

Guidetti e Martinelli (2007) pesquisaram as relações entre a compreensão de leitura e a escrita de estudantes do ensino fundamental. Para tanto, utilizaram um texto elaborado segundo a técnica de Cloze, além da EAVE. As autoras realizaram a pesquisa em três escolas municipais de uma cidade do interior de São Paulo. Contaram com a participação de 148 alunos regularmente matriculados entre a 2ª e a 4ª série do primeiro ciclo do ensino fundamental (atuais 3º e 5º ano), com idades entre 8 e 12 anos. Eram 80 crianças do sexo masculino (53,7%) e 68 do feminino (46,3%).

A pontuação média das crianças no EAVE, que poderia variar de 0 a 55, foi 21,65 erros (DP=13,38). Para o Cloze, encontrou-se uma média de 7,36 acertos (DP=3,68). Quanto ao EAVE, 25,7% (n=38) dos participantes obtiveram pontuação de 0 a 11, considerados com bom desempenho em escrita; 49,3% (n=73) apresentaram pontuação entre 12 e 29, sendo, portanto, classificados com desempenho mediano; por último, 25% (n=37) alcançaram uma pontuação entre 30 e 55, apresentando, por conseguinte, o menor desempenho em escrita.

Guidetti e Martinelli (2007) obtiveram, ainda, índice de correlação negativo e significativo entre os construtos compreensão de leitura e desempenho na escrita. Isso indicou que, quanto maior o entendimento de leitura das crianças, melhor o desempenho em escrita apresentado por elas, pois a quantidade de erros na escrita de palavras foi menor. Segundo as autoras, o instrumento EAVE foi eficiente na aplicação nas séries iniciais do ensino fundamental, atingindo o objetivo proposto pelo estudo.

A leitura e a escrita também foram estudadas por Suehiro (2008), que, em sua pesquisa, buscou evidências de validade de critério convergente-discriminante em instrumentos de avaliação da compreensão em leitura, aprendizagem da escrita, desenvolvimento perceptomotor e consciência fonológica. A amostra foi composta por 221 crianças, que cursavam da 1ª à 4ª série do ensino fundamental (2º ao 5º ano na terminologia atual), entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos, de escola pública de São Paulo. Do total da amostra, 120 crianças eram do sexo masculino (54,3%) e 101 do feminino (45,7%).

A pontuação média obtida pelas crianças no EAVE foi de 22,47 erros (DP=14,72), sendo que a pontuação mínima foi 1 e a máxima foi 55 pontos. Observou-se, ainda, que metade da amostra teve pontuação abaixo de 19 pontos. Sobre as diferenças entre sexos, os meninos apresentaram média de 24,07 pontos, enquanto as meninas obtiveram média de 20,56 erros, diferença estatisticamente não significativa, t=1,77; p=0,079. No entanto, no que diz respeito às séries, Suehiro (2008) observou, pela análise de variância (ANOVA), diferença significativa entre a pontuação total no EAVE e as séries focalizadas no estudo, F(3,218)=55,87; p<0,001. Desse modo, verificou que a 3ª e a 4ª série formaram o primeiro grupo, com melhor desempenho; a 2ª série, o grupo com desempenho intermediário; e a 1ª série, o terceiro, com pior desempenho. A autora concluiu que o desempenho aumenta à medida que a escolarização aumenta. Assim, os alunos da primeira série, como demonstrado, obtiveram pior desempenho.

Nessa perspectiva, Suehiro, identificou diferenças estatisticamente significativas em razão da idade dos participantes, F(3,218)=55,87; p<0,001. As crianças de 9, dez ou mais anos se diferenciaram das de até 7 e 8 anos, mas o teste de Tukey não evidenciou um decréscimo no número de erros das crianças mais velhas. Os participantes com 10 anos ou mais obtiveram média menor quando comparados aos de 8 (M=24,25) e 7 anos (M=34,53). Contudo, apresentaram resultado superior (M=14,92) aos de 9 anos (M=14,15) e, portanto, um número maior de erros no instrumento utilizado.

Outro estudo que empregou o EAVE em sua metodologia foi o de Aguena (2010). Para analisar as crenças e atitudes parentais e o desempenho escolar de estudantes do ensino fundamental, a autora pesquisou alunos regularmente matriculados na 2ª e 4ª série do ensino fundamental (3º e 5º ano), em três escolas estaduais, de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Participaram 262 estudantes e seus respectivos pais, sendo 130 crianças do sexo masculino (49,6%) e 132 do feminino (50,4%), entre 7 e 13 anos. Com relação aos dados parentais, as mães representaram 83,2% (n=218) dos participantes.

Os resultados revelaram média de erros na escrita de 21,53 pontos, com desvio padrão de 14,2 pontos; a pontuação variou de 0 a 55 erros. Com base na análise descritiva da frequência de pontuação obtida pelos alunos na EAVE, pode-se verificar que somente 32,06% (n=84) dos alunos fizeram de zero a 13 erros, 41,98% (n=110) cometeram de 14 a 27 erros na escrita, 12,60% (n=33) dos estudantes fizeram 28 a 41 erros e 13,35% (35) erraram a escrita de 42 a 55 das palavras.

Para Aguena (2010), há relação entre as crenças e as atitudes dos pais sobre o filho, com impacto na escrita do filho, uma vez que a pesquisa revelou existir correlação significativa entre o fator 1 (Crenças dos pais sobre a capacidade e conduta dos filhos) e o desempenho na escrita (r=-0,38, p<0,001) e também entre o fator 2 (Atitudes negativas dos pais em relação aos filhos) e o desempenho na escrita (r=-0,17, p=0,006). Destarte, quanto maior a frequência das crenças positivas reveladas pelos pais, menor a quantidade de erros na escrita do estudante. Do mesmo modo, quanto menor a frequência de atitudes negativas dos pais, menor a quantidade de erros na escrita do seu filho.

Já a pesquisa de Lima (2012) estudou a depressão infantil, a leitura e a escrita em estudantes do ensino fundamental. O objetivo era verificar a associação entre sintomas de depressão infantil, leitura e escrita, buscando compreender como esses sintomas podem afetar a criança no processo de ler e escrever. Para tanto, participaram 293 estudantes do ensino fundamental, de duas escolas públicas do interior do estado de São Paulo, sendo uma periférica (n=127; 43,3%) e uma central (n=166, 56,7%). A amostra contou com crianças entre 7 e 11 anos (M=9,19; DP=0,973), de ambos os sexos, do 3º ao 5º ano, com 164 do sexo masculino (56%) e 129 do feminino (44%). A habilidade de escrita foi avaliada com base nos resultados da EAVE, cuja pontuação poderia variar de 0 a 55. A média dos alunos (N=293) foi 22,14 (DP=12,21). As pontuações mínima e máxima corresponderam a 1 e 55, respectivamente. No entanto, só uma criança alcançou a pontuação máxima, ou seja, só uma errou todas as palavras.

No tocante a variável sexo, os meninos pontuaram significativamente mais na EAVE (M=23,00; DP=12,44), isto é, cometeram mais erros do que as meninas. Quanto à escolaridade, Lima (2012) verificou que os alunos do 5º ano apresentaram o menor número de erros (17,71), seguidos dos do 4º, que obtiveram uma pontuação de 22,78 e, por último, pelos do 3º, que alcançaram uma pontuação superior, de 25,55, considerando- -se que o EAVE pontua erros.

Com base nas pesquisas relatadas, pôde-se observar que, com o EAVE, é possível avaliar o desempenho na escrita dos alunos do ensino fundamental. Como afirmam Cunha e Machado (2006), é por meio da avaliação das habilidades de escrita que casos críticos podem ser identificados antecipadamente. Assim, é possível tomar providências em tempo hábil, para que se recupere o próprio indivíduo dentro do contexto educacional, afastando-o, desta forma, da probabilidade do fracasso escolar.

Neste sentido, para que o desenvolvimento dessas habilidades ocorra de forma salutar e ajude no desempenho dos alunos no processo de aprendizagem da escrita, faz-se necessário a utilização de instrumentos como a escala de avaliação da escrita (EAVE), uma vez que, por meio desses, pode ser possível avaliar de maneira mais adequada a escrita. Dessa forma, buscou-se, nesta pesquisa, avaliar a habilidade de escrita de estudantes de ensino fundamental, de quatro escolas públicas municipais, da cidade de Santo Antônio de Jesus- Bahia. Ao lado disso, pretendeu-se identificar eventuais diferenças entre as crianças avaliadas quanto a sexo, série e idade.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 519 crianças, de ambos os sexos, entre sete e 10 anos (M=9,66; DP=1,5), do 2º ao 5º ano do ensino fundamental de escolas públicas de uma cidade do Recôncavo da Bahia. Do total da amostra, 90 crianças (17,3%) frequentavam o 2º ano; 143 (27,6%), o 3º ano; 131 (25,2%), o 4º ano; 155 (29,9%), o 5º ano. A maioria era do sexo masculino (n=264; 50,9%).

Instrumentos

Identificação: os sujeitos informaram os seguintes aspectos, nome, idade, sexo e série escolar.

Escala de Avaliação da Escrita (EAVE) – (Sisto, 2005): visa a avaliar a dificuldade de representação de fonemas, ou seja, de grafar letras e palavras com um sistema linguístico estruturado e arbitrário. Consiste em um ditado de 55 palavras, em que 42 apresentam algum tipo de dificuldade classificada como encontro consonantal (lt, mp, nd, nt, rc, rs, rt, st), dígrafo (ch, lh, nh, qu, rr, ss), sílaba composta (br, dr, gr, tr) e sílaba complexa (ão, ci, sa). Foi atribuído um ponto para cada erro e zero ponto para cada acerto. Foram considerados os seguintes critérios de correção: cada palavra será considerada uma unidade; consideraram-se erros de ortografia, ausências de palavras, acentuação errada e uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, totalizando 55 pontos possíveis.

As palavras que compõem o EAVE foram escolhidas por meio de estudo com 3365 escolares de ambos os sexos, provenientes de escolas públicas e particulares do interior do estado de São Paulo. O estudo realizado permitiu a seleção das palavras inseridas na escala de avaliação da escrita, em seu formato atual, como as que ofereciam maior possibilidade de discriminação entre as diferentes séries. Um estudo preliminar (Sisto, 2005) apresentou evidência de validade convergente, demonstrando alto índice de correlação (r=0,89) com a Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE), desenvolvida pelo mesmo autor em 2001. Mesmo que tenha sido criada em 2005, a escala não conta com dados normativos até hoje.

Procedimento

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, os instrumentos foram aplicados, coletivamente, em horário de aula concedido pelo professor nas escolas que autorizaram a pesquisa. Inicialmente, as crianças, cujos pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, preencheram as questões de identificação do sujeito. Em seguida, a professora da classe explicou o ditado à turma: as crianças teriam tempo para escrever uma palavra ao lado da outra, deixando espaço entre elas, e as palavras seriam ditadas uma a uma, sem repetição. A professora foi orientada, ainda, a solicitar que os alunos não repetissem a palavra ditada e a escrevessem como a compreenderam. Ela também ressaltou que, quando a palavra começasse com letra maiúscula, ela avisaria. Após as explicações, a professora iniciou o ditado das palavras da Escala de Avaliação da Escrita (EAVE), de forma sistemática, palavra por palavra, tendo em vista a familiaridade das crianças com sua entonação de voz.

 

Resultados

Considerando-se os objetivos do estudo, foram utilizadas provas de estatística descritiva e inferencial. As crianças avaliadas obtiveram pontuação média de 37,58 pontos (DP=14,09) no EAVE. A pontuação mínima foi 3 e a máxima, 55 erros. Esses resultados indicam que os estudantes avaliados estão um pouco acima da pontuação média preconizada para o instrumento, que seria de 27,5 pontos, sendo que 31,6% (n=164) deles apresentaram desempenho abaixo do esperado.

Buscou-se, ainda, verificar se as pontuações no EAVE sofreriam alterações ao se considerarem variáveis como o sexo, a idade e a série escolar. A Tabela 1 traz as diferenças relativas ao sexo dos participantes do estudo.

 

 

Como mostra a Tabela 1, a média de erros dos meninos foi significativamente mais alta que a das meninas. Para verificar se haveria diferenças por idade, recorreu- -se à análise de variância (ANOVA). A análise evidenciou diferenças significativas entre o desempenho das crianças no EAVE, F(3,515)=17,07; p<0,001. Para verificar quais idades justificavam as diferenças encontradas, o teste de Tukey (nível de significância de 0,05) agrupou os participantes do estudo em dois grupos. Esses resultados são mais bem visualizados na Tabela 2.

 

 

O teste de Tukey discriminou dois gurpos de idade. Embora as crianças de nove, 10 e 11 ou mais anos não tenham se diferenciado entre si, elas se diferenciaram das de até oito anos. Houve uma inversão das idades nove e 11 ou mais anos, pois a média de erros das crianças de 11 anos ou mais foi superior à das de nove anos. Da mesma forma, verificou-se que as crianças de 10 anos erraram mais quando comparadas às de nove anos.

Para verificar se haveria diferenças na aquisição da escrita de acordo com a série escolar, recorreu-se, mais uma vez, à ANOVA. A análise apontou diferenças significativas entre as pontuações no EAVE e as séries dos participantes, a saber, EAVE, F(3,515)=53,47; p<0,001.

Sobre a série frequentada, o teste de Tukey separou os estudantes em três grupos de desempenho. O 2º ano formou o primeiro grupo, com pior desempenho; o 3º ano, o grupo com desempenho intermediário, e o 4º e 5º ano formaram o terceiro grupo, com melhor desempenho. A análise mostrou que o 4º e 5º ano não se diferenciam entre si, porém ambos se diferenciaram do 2º e do 3º ano. Esses resultados evidenciaram que, conforme esperado, diminuiu-se o número de erros no EAVE com o avançar da escolaridade, como demonstrado na Tabela 3.

 

 

Tais achados estão em consonância com os da literatura da área: à medida que a criança progride nas séries escolares, tende a diminuir os erros e a melhorar sua escrita. (Lima, 2012; Suehiro, 2008).

 

Discussão

Aprender a ler e a escrever é muito importante. É nesse processo que a criança aprende e conhece o que é produzido historicamente, insere-se na sociedade letrada e conquista mais instrumentos para expressar seus sentimentos, ideias e emoções, revelando seu universo psíquico (Barbeiro & Carvalho, 2013; Guidetti & Martinelli, 2007). Isso justifica o lugar central da leitura e da escrita na ação educacional na escola. Assim, a deficiência nessas habilidades é um dos principais empecilhos para a realização do processo de ensino-aprendizagem, causando o fracasso escolar.

Souza e Sisto (2001) salientam que há crianças com dificuldade de escrita em quase todas as salas de aula das escolas públicas do ensino fundamental. Tal fato, por si só, justifica não apenas as preocupações relatadas, mas, sobretudo a necessidade e a relevância de analisar a aquisição da escrita por crianças nas séries iniciais, o que ajudará a estabelecer estratégias de intervenção mais adequadas à realidade e, portanto, mais efetivas na luta contra o fracasso escolar (Carneiro et al., 2003; Cunha et al., 2007).

Os resultados deste estudo evidenciaram a dificuldade na escrita de alunos do município do Recôncavo Baiano, com média de erros significativa, tanto com relação à média esperada para o instrumento, quanto com à obtida por estudantes de outras regiões do país. Tais achados estão em dissonância com os obtidos por Guidetti e Martinelli (2007), Suehiro (2008); Aguena (2010) e Lima (2012), pois essas autoras encontraram médias para o EAVE (22,14; 22,47; 21,53 e 21,65, respectivamente) consideradas compatíveis com a média de instrumento de 55 pontos, que seria de 27,5. No presente estudo, os participantes obtiveram média de 37,58 pontos, ou seja, maior quantidade média de erros, superando em 10 pontos o ponto médio de erros possíveis para o instrumento, que, até o momento, não conta com dados normativos.

Outro dado que chamou atenção nesta pesquisa foi que os participantes obtiveram pontuação mínima de 3 pontos, ao passo que, nas pesquisas anteriormente citadas, a pontuação mínima foi de 0 a 1. Isso significa que, nos estudos citados, os participantes acertaram todas as escritas das palavras ou erraram apenas uma, ao passo que, nesta pesquisa, nenhum dos estudantes acertou todas as palavras, escrevendo errado pelo menos três delas. Esses resultados sugerem a necessidade de avaliar como está o ensino da escrita nas escolas do município avaliado. Estratégias, metodologias de ensino e variáveis afetivas envolvidas no ensino-aprendizagem (como a motivação e autoestima) precisam ser reavaliadas para se tornarem mais efetivas na criação de um ambiente catalisador e propício para a aprendizagem.

Além disso, esta pesquisa revelou, a exemplo de outras, que as meninas tiveram um melhor desempenho quando comparadas aos meninos. Esse resultado evidencia que os meninos tendem a ter a mais problemas na aquisição da escrita, tal como observado por Suehiro (2008) e Lima (2012).

Essa pontuação mais alta por parte dos meninos pode estar relacionada a diversos fatores. Se, por um lado, pode-se aventar a hipótese de que os meninos tendem a ser mais agitados, dispersos e, talvez por isso, menos concentrados nas aulas, por outro lado, é possível atribuir o melhor desempenho das meninas ao hábito, por exemplo, de escrever diários, cartas, entre outros.

Quando à idade, houve diferença entre as crianças de oito anos e as de nove, 10, 11 ou mais anos. Contudo, diferentemente do esperado, houve uma inversão das idades 9 anos e 11 anos ou mais, pois a média de erros das crianças de 11 anos ou mais foi superior à das de 9 anos. É possível aventar a hipótese de que essa diferença esteja relacionada à repetência das crianças mais velhas. Com a idade de 11 anos ou mais, a criança deveria estar numa série mais adiantada, o que pode evidenciar, por conseguinte, a dificuldade apresentada por elas na aquisição da escrita. É possível pensar, ainda, na possibilidade de o estudante mais velho ter sido aprovado sem, no entanto, ter obtido o conhecimento necessário para escrever satisfatoriamente, de modo compatível com sua idade. Esse dado aponta para a necessidade de que pais e professores estejam atentos aos erros cometidos pelo estudante durante a aprendizagem da escrita. Isto permitirá ao professor definir as prioridades no planejamento de suas intervenções, como o tratamento didático adequado a essas dificuldades, tomando em consideração a natureza de cada erro, e para os múltiplos fatores e variáveis intervenientes, tais como as relações interpessoais, a qualidade do estudo desse aluno e as questões afetivo-motivacionais aí presentes. Essas variáveis são de extrema importância para esse processo, especialmente porque tendem a gerar um ciclo vicioso que pode afastar, em vez de aproximar, o estudante de suas atividades e de seus desafios.

O decréscimo esperado na quantidade de erros por idade também não foi verificado por Suehiro (2008). Em sua pesquisa, a autora observou que as crianças de nove, 10 ou mais anos se diferenciaram das de até sete e oito anos, porém os alunos de 10 anos ou mais apresentaram resultado inferior, ou seja, cometeram mais erros do que os de nove.

De acordo com a autora, esses resultados podem indicar que as crianças de 10 ou mais anos da amostra por ela analisada podem ter sofrido a influência do regime de ciclos adotado pelas escolas focalizadas, pelo qual o estudante é retido apenas ao chegar no terceiro ano. Logo, o fato de o aluno ser aprovado sem conhecimento suficiente para estar numa série à frente pode ter contribuído para que ele apresente resultado abaixo do esperado, com mais erros na escrita, em relação às crianças de nove anos.

Observou-se, ainda, conforme esperado, uma diminuição no número de erros no EAVE com o avançar da escolaridade. Esses achados estão em consonância com a literatura da área, pela qual, à medida que a criança progride nas séries escolares, ela tende a diminuir os erros e a melhorar sua escrita (Lima, 2012; Suehiro, 2008). Os resultados aqui obtidos indicam que a escolaridade, comparada à idade, parece ter sido um fator mais relevante para a redução dos erros ortográficos. Sendo assim, sugere- se que novos estudos procurem verificar qual dessas variáveis, idade e escolaridade, devem ser altamente correlacionadas, é o principal responsável pela variação encontrada com a progressão escolar.

Entre as limitações desta pesquisa estão o foco apenas em escolas públicas, a quantidade ainda restrita de estudos sobre a Escala de Avaliação da Escrita, a não exploração do número de reprovações e variáveis afetivas nesse contexto (como motivação, autoestima etc.). Assim, estudos com maior aprofundamento devem ser realizados levando em conta as possibilidades de investigação citadas anteriormente. Outra questão que merece aprofundamento é o fato de que as médias obtidas pelas crianças de 4º e 5º ano aqui avaliadas são muito próximas, por exemplo, das obtidas pelos estudantes de 2º ano do interior do estado de São Paulo no estudo de Suehiro (2008). Este dado pode indicar que a educação no nordeste precisa de reformas para melhorar a habilidade de escrita dos alunos.

Investigações futuras poderiam, ainda, fazer análise qualitativa dos tipos de erros mais cometidos em cada série ou faixa etária, para se obter informações relevantes sobre o desempenho ortográfico e o processo de aquisição da escrita da amostra estudada. Ao lado disso, análises estatísticas que controlem a influência da idade e da escolaridade no cálculo das relações dessas duas variáveis no desempenho em escrita seriam relevantes para uma melhor compreensão dos achados aqui obtidos.

Diante do exposto, considera-se relevante o presente estudo, pois detectou as dificuldades apresentadas na escrita com a escala de avaliação da escrita. Neste sentido, os dados apresentados servem como alerta para pensar e buscar estratégias de intervenção com o intuito de amenizar o déficit da escrita em escolares do ensino fundamental de Santo Antônio de Jesus, Bahia. Pesquisas desse porte são relevantes não apenas por possibilitarem o desenho e o desenvolvimento da área, mas, sobretudo, por indicarem as lacunas que precisam ser preenchidas, contribuindo para a disseminação, a qualidade e o progresso do conhecimento acerca da aprendizagem da escrita.

Do mesmo modo, ressalta-se a relevância dessa investigação para a avaliação psicológica, uma vez que o uso de instrumentos válidos possibilita que as intervenções e estratégias para sanar problemas detectados sejam mais eficazes e confiáveis. A escala de avaliação da escrita, embora não conte até a presente data com dados normativos, tem se mostrado eficaz para uma avaliação inicial da escrita em diferentes contextos. Verificar como essa avaliação se dá em amostra de uma região tão pouco estudada, certamente, contribuirá para o seu desenvolvimento e aprimoramento.

 

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Recebido em outubro de 2013
Reformulado em maio de 2014
Aprovado em maio de 2014

 

 

Sobre os autores

Adriana Cristina Boulhoça Suehiro: é Psicóloga. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – Santo Antônio de Jesus.
Vitória Lage Hohlenwerger: é Graduanda em Psicologia. Bolsista CNPq.


1Endereço para correspondência: R. Rosalvo Fonseca, 225, São Cristóvão, 44571-037, Santo Antônio de Jesus-BA. E-mail: dricbs@yahoo.com.br