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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015

 

 

Propriedades psicométricas da versão brasileira do Inventário de Perspectiva Temporal para adolescentes1

 

Psychometric properties of the Brazilian version of the Time Perspective Inventory for adolescents

 

Propiedades psicométricas de la versión Brasileña del Inventario de Perspectiva Temporal para adolescentes

 

 

Marucia Patta Bardagi2, I; Marco Antônio Pereira TeixeiraII; Maria Célia Pacheco LassanceII; Isabel Nunes JaneiroIII

IUniversidade Federal de Santa Catarina
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIIUniversidade de Lisboa

 

 


RESUMO

A perspectiva temporal tem sido sistematicamente associada a vários construtos psicológicos. No âmbito do desenvolvimento de carreira de adolescentes, uma orientação para o futuro parece facilitar o planejamento de carreira a médio e longo prazo. O objetivo deste estudo foi investigar as propriedades psicométricas de uma versão brasileira do instrumento português Inventário de Perspectiva Temporal (IPT), composto por quatro escalas: orientação ao futuro, orientação ao presente, orientação ao passado e visão ansiosa do futuro. Participaram 587 homens e mulheres, estudantes de ensino médio de escolas públicas e privadas, com idades entre 13 e 18 anos. Foram realizadas análises de componentes principais para verificar se as quatro dimensões propostas emergiriam empiricamente. De um modo geral, os resultados foram compatíveis com as expectativas, sugerindo a validade de construto e a fidedignidade da medida. Embora o instrumento possa ser aprimorado, os resultados indicam que possa ser utilizado em pesquisas em sua versão atual.

Palavras-chave: perspectiva temporal; adolescentes; validação.


ABSTRACT

Time perspective has been systematically associated with various psychological constructs. Concerning the career development of adolescents, a future oriented perspective seems to facilitate career planning in medium and long term. The aim of this study was to evaluate psychometric properties of a Brazilian version of the Portuguese instrument called Inventário de Perspectiva Temporal (IPT – Time Perspective Inventory) composed by four scales: Future orientation, Present orientation, Past orientation, and Anxious view of the future. Participants were 587 men and women high school students from public and private schools, aged between 13 and 18 years. Principal components analysis were conducted in order to verify if the four proposed dimensions would emerge empirically. Overall results were compatible with the expectations, providing evidences of validity and reliability for the instrument. Although the measure may be further refined, results suggest it can be used for research purposes in its current form.

Keywords: time perspective; adolescents; validation.


RESUMEN

La perspectiva temporal ha sido sistemáticamente asociada con diversos constructos psicológicos. Dentro de lo desarrollo de carrera de los jóvenes, una perspectiva orientada al futuro parece contribuir para la planificación de la carrera en el mediano y largo plazo. El objetivo de este estudio fue evaluar las propiedades psicométricas de la versión brasileña del instrumento portugués llamado Inventário de Perspectiva Temporal (IPT), compuesto por cuatro escalas: orientación al futuro, orientación al presente, orientación al pasado, y visión ansiosa del futuro. Los participantes fueron 587 hombres y mujeres estudiantes de secundaria de escuelas públicas y privadas, con edades comprendidas entre 13 y 18 años. Análisis de componentes principales se llevaron a cabo con el fin de verificar si las cuatro dimensiones propuestas emergerían empíricamente. En general, los resultados fueron compatibles con las expectativas, proporcionando evidencias de validez y confiabilidad del instrumento. Aunque la medida pueda ser refinada, los resultados sugieren que puede ser utilizado para fines de investigación en su forma actual.

Palabras-clave: perspectiva temporal; jóvenes; validación.


 

 

Desde Kant (1781/1997), que identificava no tempo um marco estruturante das experiências do indivíduo, ou James (1890/1950), para quem o estudo do tempo era um aspecto fundamental da ciência psicológica, os cientistas, em especial na física e na psicologia, se debruçam sobre a análise da relação do tempo com o comportamento humano. Kurt Lewin (1965) foi um dos principais difusores da ideia de uma noção subjetiva do tempo. Segundo ele, o tempo presente inclui uma dimensão temporal na qual coexistem o passado psicológico, o presente psicológico e o futuro psicológico, cada um sendo um constituinte do espaço de vida do sujeito em um determinado momento.

Entre os principais modelos de perspectiva temporal que se baseiam nas ideias de Lewin, destaca-se o desenvolvido por Zimbardo, Keough e Boyd (1997) e por Zimbardo e Boyd (1999). Esse modelo propõe que a perspectiva temporal pode ser entendida como uma tendência individual relativamente estável a enfatizar o passado, o presente ou o futuro na análise das situações cotidianas, criando um viés temporal que exerce influência sobre as cognições e comportamentos do indivíduo. De acordo com o modelo, a perspectiva temporal apresenta um impacto importante na motivação, nas emoções, na criatividade, na tendência ao risco, na resolução de problemas e na tomada de decisão, sendo um processo não consciente em que as diferentes experiências pessoais e sociais são categorizadas em marcos temporais, ajudando a dar ordem, sentido e coerência a essas experiências (Zimbardo et al., 1997). Os três marcos temporais são o passado (em que a principal influência resulta das memórias dos eventos ou situações semelhantes vividas anteriormente), o presente (no qual pesam as variáveis situacionais, biológicas e sociais que se encontram presentes no contexto atual dos indivíduos) e o futuro (que exerce sua influência pela antecipação e as expectativas sobre possíveis benefícios do comportamento atual) (Zimbardo & Boyd, 1999). Conforme apontam Holman e Silver (1998), a relação entre perspectiva e orientação temporal forma uma tendência cognitiva abrangente, que filtra e interpreta o significado da experiência pessoal, funcionando como uma resposta organizadora do comportamento humano.

Memórias relativas aos custos e benefícios de ações anteriores de indivíduos voltados predominantemente ao passado desempenham um papel fundamental na vida cotidiana presente. Esses indivíduos costumam ser mais apegados às tradições e apresentam maior dificuldade em lidar com situações novas ou mudanças (Zimbardo et al., 1997). A orientação temporal para o passado mostra-se, na revisão de estudos feita por Jones e Brown (2005), quando avaliada juntamente com a perspectiva do Big Five de personalidade, correlacionada positivamente ao neuroticismo, negatividade e depressão. A orientação para o presente relaciona-se positivamente com extroversão, otimismo e impulsividade, e negativamente com o planejamento de metas. Indivíduos orientados ao presente apresentam mais frequentemente comportamentos de risco ao dirigir (Zimbardo et al., 1997), uma maior frequência e quantidade no consumo de tabaco, bebidas alcoólicas e outras drogas (Keough, Zimbardo & Boyd, 1999) e menores percepções de risco associadas ao consumo de drogas (Apostolidis, Fieulaine, & Soule, 2006). Já a orientação para o futuro está relacionada positivamente com conscienciosidade, extroversão, otimismo, planejamento de metas, e negativamente com impulsividade e depressão (Jones & Brown, 2005). Em um estudo de revisão de literatura, identificou-se que a perspectiva temporal futura estava relacionada a inúmeros resultados positivos nos contextos escolar e de saúde (Carvalho, Pocinho, & Silva, 2010). Em adultos trabalhadores, também se observou uma relação positiva entre orientação ao futuro e comprometimento organizacional (Santos, 2010). Keough et al. (1999) alertam, no entanto, que pessoas orientadas ao futuro, apesar de terem facilidade para desenvolver estratégias para atingir objetivos a longo prazo e adiar gratificações (Abousselam, 2005), podem, por consequência, apresentar uma certa negligência nos âmbitos pessoal e social.

O desenvolvimento de carreira é um dos contextos em que a perspectiva temporal é identificada como aspecto fundamental, sendo muito estudado, tanto para fins de pesquisa quanto de intervenção. A perspectiva temporal aparece como um determinante de maturidade de carreira em diversos modelos teóricos. Por exemplo, Super (1983, 1990) postulou que a maturidade vocacional pode ser concebida como a capacidade de exploração, planejamento e tomada de decisão. Nesse sentido, a perspectiva temporal orientada para o futuro possibilitaria a busca dos resultados de experiências passadas para a tomada de decisão com vistas a situações futuras, tornando-se dimensão relevante do desenvolvimento vocacional. Especialmente na adolescência e na adultez jovem, por ser uma etapa de ênfase na exploração de possibilidades de trabalho e formação, de capacidade de planejamento, decisão, elaboração de projetos pessoais e vocacionais (Paixão, 2004; Savickas, Silling, & Schwartz, 1984), a perspectiva temporal, e principalmente a orientação para o futuro, ocupa papel de destaque.

Os estudos sobre perspectiva temporal e desenvolvimento de carreira mostram que uma orientação para o futuro, em jovens, está associada à adaptação acadêmica e atitude acadêmica positiva em adolescentes e universitários (Horstmanshof & Zimitat, 2007; Nobre, 2009; Nobre & Janeiro, 2010); exploração vocacional, planejamento de carreira, autoestima e locus de controle interno (Janeiro & Ferreira-Marques, 2010); estabelecimento de metas de carreira, decisão de carreira e motivação dos estudantes (Abousselam, 2005), etc. Janeiro e Ferreira- Marques (2010) encontraram também relações negativas entre planejamento de carreira e orientação temporal ao presente. Inclusive, os trabalhos de Marko e Savickas (1998), com estudantes de ensino superior estadunidenses, e de Neto (2009), com adolescentes portugueses, buscaram testar intervenções relativas à perspectiva temporal para promoção de orientação temporal de futuro, objetivando potecializar o desenvolvimento de carreira, ambos com resultados positivos.

Não foram encontrados estudos sobre as relações entre a perspectiva temporal e variáveis de carreira no Brasil, à exceção do resultado de Leite e Pasquali (2008) associando perspectiva temporal futura e melhores resultados acadêmicos em universitários, o que configura uma lacuna importante na área, levando-se em conta a relevância do tema em outros países. Para que se possa ampliar a gama de estudos existentes acerca da perspectiva temporal no país e construir um corpo de conhecimento específico sobre a perspectiva temporal no âmbito vocacional obtidos por instrumentos de medida, é necessário que esses instrumentos reúnam boas qualidades psicométricas. No estudo da perspectiva temporal, são diversos os instrumentos desenvolvidos ou adaptados para sua avaliação, como Consideration of Future Consequences Scale (Strathman, Faith, Boninger, & Edwards, 1994), Long-Term Personal Direction Scale – LTPD (Marko & Savickas, 1998; Wessman, 1973), Future Time Perspective Questionnarie (Peetsma, 2000), a Localização dos Motivos no Tempo (Paixão & da Silva, 2001), e o mais utilizado e conhecido, Zimbardo Time Perspective Inventory – ZTPI (Zimbardo & Boyd, 1999), que possui três estudos de validação para o Brasil (Leite & Pasquali, 2008; Milfont, Andrade, Belo, & Pessoa, 2008; Oliveira & Pinheiro, 2007). No entanto, esses instrumentos tendem a focalizar apenas uma dimensão temporal, ou a não serem específicos para a população adolescente.

Já o Inventário de Perspectiva Temporal (IPT) foi construído em um estudo português (Janeiro, 2012) com o objetivo de avaliar as dimensões da perspectiva temporal em estudantes do ensino básico e secundário de Portugal. As principais referências do instrumento são as concepções sobre a estrutura da perspectiva temporal de futuro (Nutin & Lens, 1985; Ringle & Savickas, 1983) e a noção de independência estrutural das três zonas de orientação temporal – passado, presente e futuro (Zimbardo & Boyd, 1999). As primeiras versões do inventário basearam-se ainda na Long-Term Personal Direction Scale (LTPD) (Marko & Savickas, 1998; Wessman, 1973). Os resultados obtidos com os estudos preliminares originaram a versão final do IPT (Janeiro, 2012) em quatro subescalas com um total de 32 itens. A subescala de Orientação para o Futuro é composta por dezesseis itens que abordam diferentes aspectos relacionados à perspectiva temporal de futuro, quais sejam, a extensão temporal, densidade, clareza, continuidade e otimismo; a subescala de orientação para o presente é composta por oito itens que têm como objetivo avaliar crenças e atitudes em relação ao presente; a subescala de orientação para o passado é composta por quatro itens que estimam as atitudes em relação ao passado; e a subescala visão negativa do futuro também é constituída por quatro itens que avaliam as percepções negativas ou ansiosas em relação ao futuro.

O objetivo deste estudo foi investigar as propriedades psicométricas da versão brasileira do IPT (Janeiro, 2012), a fim de oferecer aos pesquisadores em desenvolvimento de carreira de adolescentes no Brasil uma medida adequada desse construto. Especificamente, buscou- se verificar a estrutura dimensional do instrumento (sendo esperada a identificação das quatro dimensões propostas no inventário), bem como a fidedignidade de suas subescalas. Espera-se que o instrumento possa contribuir para a ampliação dos estudos sobre perspectiva temporal no país.

 

Método

Participantes

A amostra analisada neste estudo foi composta por 587 adolescentes, sendo 51,8% mulheres, estudantes de escolas públicas (53,7%) e privadas (46,3%) da grande Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com idades entre 13 e 18 anos (M=15,9; DP=1,08). Os participantes estavam matriculados no Ensino Médio, sendo 41,5% alunos do primeiro ano, 31,6% do segundo e 27,0% do terceiro. Os participantes responderam ao instrumento quando da coleta de dados de uma pesquisa mais extensa que incluía outras variáveis relacionadas ao desenvolvimento vocacional. A amostra final foi constituída a partir de uma amostra total de 699 respondentes. Contudo, foram excluídos os casos que tinham respostas incompletas ao conjunto de itens do instrumento, idade superior a 18 anos, e que foram identificados como casos outliers multivariados pelo procedimento de Mahalanobis, resultando em 587 protocolos analisados.

Instrumentos e Materiais

Foi utilizada uma versão brasileira do IPT (Janeiro, 2012). O IPT constitui-se em uma escala de 32 itens, com chave de resposta tipo Likert de sete pontos, e está organizado em quatro subescalas: três relacionadas com as zonas de orientação temporal (orientação para o futuro, orientação para o presente e orientação para o passado) e uma com uma visão negativa ou ansiosa do futuro (visão negativa do futuro). O estudo de validação do IPT original apresentou índices de consistência interna satisfatórios (0,86 para orientação para o futuro, 0,75 para orientação para o presente, 0,70 para visão negativa do futuro), à exceção da dimensão orientação para o passado, com índice de 0,51. A versão brasileira utilizada neste estudo foi constituída pelos itens originais em português de Portugal, apenas adaptados quanto à grafia sempre que necessário (por exemplo, a palavra “projectos” foi subsituída por “projetos”). O único item que foi modificado em sua estrutura foi “Gostaria de voltar a ser criança porque tudo era mais fácil nessa altura”, que passou para “Gostaria de voltar a ser criança, quando tudo era mais fácil”. Antes da coleta de dados, o instrumento foi aplicado a dez adolescentes, com o objetivo de verificar a compreensão dos itens e das instruções, não sendo identificadas necessidades de outras alterações. Além do IPT, foram utilizados como instrumentos e materiais um breve questionário para caracterização sociodemográfica dos participantes e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimentos

A coleta de dados foi conduzida nas escolas de forma coletiva, com prévio consentimento dos responsáveis institucionais, em horário de aula, em aplicações de aproximadamente 25 minutos conduzidas por um pesquisador treinado. Os poucos alunos que não quiseram participar do estudo foram orientados pelos professores a dar continuidade à atividade de classe, em silêncio. A instrução utilizada para o instrumento foi a mesma da versão portuguesa: “Para responder a este questionário, indique o seu grau de concordância com as frases que se seguem. Se considerar que a frase corresponde a uma descrição muito próxima de si próprio, assinale 7. Se a frase não corresponde em nada à forma como se descreve, assinale 1. Se considera que se encontra entre estes dois casos, assinale 2, 3, 4, 5 ou 6. Quanto mais alto o número que assinalar, mais forte será a concordância com a frase para se descrever a si próprio”.

A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atendendo às determinações éticas da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 1996) sobre a pesquisa com seres humanos. Os adolescentes (e seus responsáveis diretos) assinaram o TCLE quando da aceitação para participação no estudo.

Análise de Dados

Para investigar a estrutura dimensional do IPT, foram empregadas análises de componentes principais, com rotação oblíqua (uma vez que são esperadas correlações entre as dimensões). Já a fidedignidade foi avaliada por meio do alfa de Cronbach. Foram ainda utilizadas análises descritivas e correlações de Pearson para verificar as relações existentes entre as dimensões do instrumento.

 

Resultados

Inicialmente, foi realizada uma análise de componentes principais com todos os 32 itens do instrumento. O teste de esfericidade de Bartlett significativo (p<0,001) e o coeficiente Kaiser-Meyer-Olkin de 0,90 indicaram que a matriz de correlações era adequada para esse tipo de análise. Os resultados mostraram sete componentes com autovalores maiores do que um. Contudo, foram retidos para rotação apenas quatro, de acordo com a expectativa teórica. Como eram esperadas correlações entre as dimensões, empregou-se um método de rotação oblíqua. Os quatro componentes explicaram 46,3% da variação total. Nessa análise, cinco itens apresentaram cargas inferiores a 0,40, e dois apresentaram cargas acima de 0,40 em outro componente que não o esperado. A partir desse resultado, optou-se por eliminar do instrumento os itens com cargas inferiores a 0,40. Já os dois itens que carregaram em componentes não previstos haviam sido concebidos para avaliar (negativamente) a orientação ao futuro (item 22, “Não gosto de me imaginar num futuro distante”, e item 24, “Tenho apenas uma vaga ideia do que irei fazer no futuro”). Esses dois itens foram mantidos, pois julgou-se que seus conteúdos eram adequados para avaliar as dimensões nas quais carregaram na análise (orientação ao presente, item 22; visão ansiosa do futuro, item 24).

Uma nova análise de componentes principais foi então realizada sem os itens eliminados (totalizando 27 itens na análise). O índice Kaiser-Meyer-Olkin obtido foi de 0,90, e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p<0,001). Quatro componentes apresentaram autovalores maiores do que um, e o gráfico de scree também sugeriu a retenção de quatro componentes para a rotação, em conformidade com as expectativas. Esses componentes explicaram, respectivamente, 25,8%, 12,6%, 6,2% e 5,5% da variação, totalizando 50,1%. O método de rotação empregado foi oblimin. A Tabela 1 apresenta os resultados dessa análise (são exibidas apenas as cargas maiores do que 0,40).

 

 

A solução obtida foi clara, e correspondeu à expectativa de quatro dimensões subjacentes ao instrumento, com os itens de cargas mais elevadas (0,40), permitindo interpretar cada um dos componentes identificados: Orientação ao futuro (componente I), Orientação ao presente (componente II), Visão ansiosa do futuro (componente III) e Orientação ao passado (componente IV). Os itens de carga mais elevada em cada componente foram então considerados constituindo escalas, e a consistência interna (alfa de Cronbach) e as médias foram computadas. As médias foram calculadas considerando o espectro de resposta dos itens (ou seja, podem variar de 1 a 7). A Tabela 2 apresenta esses resultados, além das correlações entre as escalas.

 

 

Como se verifica, a consistência interna obtida variou de satisfatória a muito boa, com exceção da escala de Orientação ao passado. As médias ficaram acima do ponto médio da escala (4) nas escalas orientação ao futuro e orientação ao passado, e abaixo nas escalas orientação ao presente e visão ansiosa do futuro. Orientação ao futuro correlacionou-se fraca e negativamente a Orientação ao presente e visão ansiosa do futuro, mas não se mostrou correlacionada a orientação ao passado. Orientação ao passado e orientação ao presente apresentaram uma correlação positiva e fraca. Por fim, orientação ao presente e orientação ao passado mostraram-se positivamente correlacionadas a visão ansiosa do futuro (a primeira variável uma correlação moderada e a segunda uma correlação fraca).

Discussão

Este estudo testou as qualidades psicométricas de uma versão em português brasileiro do Inventário de Perspectiva Temporal (Janeiro, 2012), originalmente desenvolvido em Portugal. Os resultados das análises de componentes principais indicaram uma estrutura de quatro componentes mais relevantes, sendo que as cargas dos itens nos componentes corresponderam ao esperado para a maioria dos itens. Apesar de cinco itens terem sido eliminados e dois alocados em dimensões não previstas, a solução obtida com a análise foi bastante clara, permitindo identificar as quatro dimensões esperadas para o instrumento: orientação ao futuro, orientação ao presente, orientação ao passado e visão ansiosa do futuro. Em seu conjunto, os resultados podem ser tomados como uma evidência de validade para o instrumento, ao menos no que diz respeito à sua estrutura dimensional. Os resultados sugerem também a independência estrutural das dimensões presente, passado e futuro no que diz respeito à perspectiva temporal (Janeiro, 2012; Leite & Pasquali, 2008).

Em relação à fidedignidade das escalas, os valores obtidos foram bons para Orientação ao futuro e Orientação ao presente, satisfatório para Visão ansiosa do futuro e insatisfatório para Orientação ao passado. Os resultados são bastante semelhantes aos obtidos em Portugal, nos quais as escalas de Orientação ao futuro e Orientação ao presente mostraram-se mais consistentes do que as demais (Janeiro, 2012). Isso é esperado, na medida em que essas escalas apresentam mais itens do que as outras. No que diz respeito à dimensão Orientação ao passado, cabe apontar que tanto no estudo de Janeiro (2012) quanto neste estudo, o componente associado a esse tipo de orientação apresentou apenas três itens com cargas mais salientes (os mesmos itens nas versões portuguesa e brasileira), o que indica tratarse de uma escala que necessita de revisão e a ampliação do número de itens em versões futuras. Com a versão aqui estudada, recomenda-se cautela na interpretação de resultados que sejam obtidos, na medida em que o construto está possivelmente não muito bem representado por esse conjunto de três itens.

Embora não houvesse expectativas a priori, as correlações entre as escalas revelaram padrões coerentes. A correlação negativa entre Orientação ao futuro e Orientação ao presente, embora com menor magnitude do que se encontrou no estudo original (Janeiro, 2012), sugere que essas orientações constituem-se em modos distintos e até mesmo opostos de orientação temporal. De fato, a orientação ao futuro implica uma atitude positiva frente ao que pode ocorrer, bem como uma atitude de planejamento e de antecipação. Assim, pessoas orientadas ao futuro visualizam possíveis cenários que acreditam poderão tornar-se realidade para elas. Este tipo de orientação implica, de certa forma, uma esperança de que certos objetivos possam ser atingidos (Jones & Brown, 2005; Zimbardo & Boyd, 1999). Por essa razão, indivíduos com escores altos em orientação ao futuro exibem mais facilmente comportamentos que visam obter resultados a longo prazo do que indivíduos com escores baixos nesse tipo de orientação (Abousselam, 2005; Carvalho et al., 2010). Por outro lado, a orientação ao presente configura-se como uma tendência a focalizar no aqui-e-agora, visando a resultados imediatos. Há uma crença de que investir no futuro não valha a pena, dado que os retornos são incertos. Pessoas com níveis altos de orientação presente apresentam menor tendência a antecipar e planejar o futuro (Jones & Brown, 2005). Deve-se considerar, no entanto, que a correlação não foi expressiva em magnitude, o que indica também uma certa independência entre essas variáveis.

Já a correlação positiva observada entre visão ansiosa do futuro e orientação ao presente sugere que uma visão negativa do futuro leva os indivíduos a focalizar mais no presente, dada sua percepção de que não há controle sobre o que está por vir (a direcionalidade do efeito é uma conjectura, já que se trata de uma correlação). Em consequência, essas pessoas apresentariam também menor orientação ao futuro, que pressupõe um sentimento de controle sobre os acontecimentos. O caráter positivo da orientação ao futuro, como operacionalizado pelo instrumento, é reforçado pela correlação negativa encontrada entre essa variável e a visão ansiosa do futuro. Essa correlação também foi encontrada no estudo original do instrumento (Janeiro, 2012).

Verificou-se ainda uma correlação positiva e fraca entre orientação ao passado e orientação ao presente. Santos (2010), utilizando uma amostra de adultos e o instrumento de Zimbardo e Boyd (1999) para investigar a relação entre perspectiva temporal e comprometimento organizacional, também encontrou correlações positivas entre orientação ao passado e orientação ao presente. Uma explicação possível para essa relação é de que pessoas com uma maior orientação ao presente apresentem uma tendência a pensar no passado de um modo saudosista, como uma época em que a vida era melhor. Talvez a falta de perspectivas para o futuro (visão ansiosa do futuro) produza uma orientação temporal mais focada no presente, que em parte se apoia em uma visão do passado mais positiva ou saudosista. No entanto, esse entendimento precisa ser melhor explorado por outros estudos futuros, inclusive de caráter qualitativo. No estudo de Janeiro (2012), a escala de orientação ao passado apresentou correlações praticamente nulas com as demais escalas, indicando uma possível independência dessa escala em relação às outras. Ainda, pode-se argumentar que o baixo índice de precisão da escala, tanto neste estudo quanto no original, seja responsável pelas correlações fracas encontradas, ponto que merece maior atenção no processo de refinamento do instrumento.

Além de buscar uma maior consistência para a escala de orientação ao passado, novas investigações com adolescentes em diferentes contextos culturais do Brasil, não somente do Sul, como feito neste estudo, podem contribuir para o aperfeiçoamento da medida. No entanto, os resultados iniciais permitem identificar condições de uso da versão em português brasileiro do IPT com adolescentes, o que abre possibilidades para a realização de estudos comparativos com adolescentes portugueses, além de permitir a avaliação das relações entre perspectiva temporal e outras variáveis de carreira nessa população.

 

Referências

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Recebido em outubro de 2013
Reformulado em março de 2014
Aprovado em maio de 2014

 

 

Sobre os autores

Marucia Patta Bardagi: é Psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora adjunta II da Universidade de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Laboratório de Informação e Orientação Profissional (LIOP).
Marco Antônio Pereira Teixeira: é Psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Maria Célia Pacheco Lassance: é Psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atua junto ao Serviço de Orientação Profissional e ao Núcleo de Apoio ao Estudante como convidada do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade pela UFRGS.
Isabel Nunes Janeiro: é Professora auxiliar na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), na qual leciona disciplinas na área da Psicologia Vocacional e dos Métodos de Investigação em Psicologia.


1Esta pesquisa contou com apoio financeiro do CNPq e da FAPERGS.
2Endereço para correspondência: Sala 14A, Laboratório de Informação e Orientação Profissional, Departamento de Psicologia CFH/UFSC, Campus David Ferreira Lima, Trindade, 88040-900, Florianópolis-SC. E-mail: marucia.patta@ufsc.br


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