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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015

 

 

Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes: adaptação e propriedades psicométricas1

 

Cognitive Triad Inventory for Children: Adaptation and psychometrics properties

 

Inventario de la Tríade Cognitiva para niños y adolescentes: adaptación y propiedades psicométricas

 

 

Maycoln L. M. Teodoro2; Mariana V. G. Froeseler; Vanessa M. Almeida; Priscilla M. Ohno

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 

RESUMO

A tríade cognitiva é um construto relacionado às visões do indivíduo sobre o self, o mundo e o futuro. O objetivo desse estudo foi adaptar e investigar algumas propriedades psicométricas do Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITCCA). Participaram 594 crianças e adolescentes de nove a 16 anos (M=12,4; DP=4,95), que completaram o ITC-CA e a Escala de Pensamentos Automáticos para Crianças e Adolescentes (EPA). Os resultados do ITC-CA foram analisados com modelos fatoriais confirmatórios para um, dois, três e seis fatores, que indicaram o modelo com seis fatores como melhor solução. A validade convergente foi avaliada por meio de correlações entre os escores do ITC-CA e da EPA, sugerindo correlações significativas em todos os fatores (-0,54 a 0,63). Os resultados do ITC-CA indicaram propriedades psicométricas adequadas, mostrando assim que o instrumento é apropriado para a investigação da tríade cognitiva em crianças e adolescentes.

Palavras-chave: terapia cognitiva; crianças; adolescentes; avaliação psicológica.


ABSTRACT

Cognitive triad is a construct related to the individual visions about the self, world and future. The aim of the present study was the adaptation and the investigation of some psychometric properties of the Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C). The sample was composed of 594 children and adolescents between nine to sixteen years old (M=12.41; SD=4.95), which filled the CTI-C and the Children Automatic Thoughts Scale (CATS). Confirmatory factor analyses with the CTI-C were made, comparing models based on one, two, three and six factors. Results indicated that the 6-factor model presented the best factorial solution. The convergent validity was evaluated through the correlation between the CTI-C and CATS scores, suggesting significant statistic correlation in all the factors, ranging from -0.54 to 0.63. The evaluation of the Cognitive Triad Inventory for Children showed valid psychometric properties, indicating that this instrument is appropriated for the investigation of the cognitive triad in children and adolescents.

Keywords: cognitive therapy; children; adolescents; psychological assessment.


RESUMEN

La tríade cognitiva es un constructo relacionado a la visión que lo individuo tiene de sí mismo, del mundo y del futuro. El objetivo de lo presente estudio es la adaptación e investigación de algunas propiedades psicométricas de lo Cognitive Triad Inventory for Children (Inventário de la Tríade Cognitiva para Ninõs y Adolescentes – ITC-CA). Participaron 594 niños y adolescentes de nueve a 16 años (M=12,41; DP=4,95), que completaron el ITC-CA y la Escala de Pensamientos Automáticos para Niños y Adolescentes (EPA). Los resultados obtenidos en el ITC-CA fueron analizados a partir de modelos factoriais confirmatorios para uno, dos, tres y seis factores, que indicaran en el modelo con seis factores la mejor solución. La validad convergente fue evaluada a través de la correlación entre la puntuación en el ITC-CA y en la EPA, que presentaran correlaciones significativas en todos los factores, variando de -0,54 a 0,63. Los resultados obtenidos en el ITC-CA indicaran propiedades psicométricas adecuadas, mostrando que el instrumento es apropiado a la investigación en la tríade cognitiva de niños y adolescentes.

Palabras-clave: terapia cognitiva; niños; adolescentes; evaluación psicológica.


 

 

A depressão vem se mostrando uma patologia com prevalência alta e crescente entre a população geral (APA, 1994). Segundo a Disability Adjusted Life Years, método utilizado pela Organização Mundial de Saúde para determinar a morbidade e mortalidade de uma doença, em 2020 a depressão será a segunda causa geradora de sobrecarga na população mundial (Bahls, & Bahls, 2002). De acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2003), por volta de 3 a 5% da população será afetada pela depressão em algum momento da vida. Artigos de revisão indicam uma variância da prevalência do transtorno de 0,4 a 10% entre os jovens, com maior incidência em meninas e indícios de aumento importante ao longo da passagem da infância para a adolescência (Bahls, & Bahls, 2002).

Em adultos, o Transtorno Depressivo Maior caracteriza- se por no mínimo dois episódios caracterizados por humor deprimido ou perda de interesse e prazer nas atividades, além de outras alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas, tendo duração mínima de duas semanas (APA, 2003). É importante destacar que, entre os jovens, a alteração de humor pode ser caracterizada pela irritabilidade e instabilidade. Quando ocorre na infância, a depressão se relaciona ao declínio do desempenho escolar e pobreza no relacionamento com os pares (Bahls, 2002). Na adolescência, a depressão tem impactos negativos importantes no desempenho escolar, além de associar- se ao uso de álcool e drogas e tentativas de suicídio (Argimon, Terroso, Barbosa, & Lopes, 2013).

Diante da gravidade da depressão e de seus impactos no funcionamento cognitivo, emocional e social dos indivíduos, é fundamental desenvolver e verificar empiricamente modelos de compreensão desse transtorno visando, sobretudo, à construção de estratégias de intervenção mais eficazes. Nesse sentido, o modelo cognitivo da depressão desenvolvido por Aaron T. Beck e sua abordagem psicoterápica, a Terapia Cognitiva, se destacam como ferramentas importantes na compreensão e no tratamento da depressão (Powell, Abreu, Oliveira, & Sudak, 2008).

De acordo com o modelo cognitivo da depressão, o surgimento e manutenção de sintomas depressivos relacionam- se diretamente à ativação de padrões cognitivos disfuncionais (Beck & Alford, 2011). Esses padrões são compostos pela visão negativa com a qual o indivíduo percebe a si mesmo, o mundo e seu futuro, formando a chamada tríade cognitiva. Esses padrões de interpretação emergiriam na infância, tornando-se mais estáveis ao longo da adolescência (Beck, 1997; Cole et al., 2009).

Estudos internacionais conduzidos com diferentes faixas etárias apontam correlações significativas entre pensamentos negativos relacionados à tríade cognitiva e sintomas e transtornos psicopatológicos, sobretudo depressivos (Beckham, Leber, Watkins, Boyer, & Cook, 1986; Esbensen & Benson, 2007; Greening, Stoppelbein, Dhossche, & Martin, 2005; LaGrange et al.,2008; Pössel & Thomas, 2011). Também foram encontradas correlações negativas entre a tríade negativa e construtos como autoestima, autoconceito, competência percebida e correlações positivas com desesperança (Beckham et al, 1986; Esbensen & Benson, 2007; LaGrange et al.,2008).

Com o objetivo de construir um instrumento de avaliação sistemática da tríade cognitiva, Beckham et al. (1986) desenvolveram o Cognitive Triad Inventory (CTI). Voltado para a população adulta, o inventário é composto por 36 itens, escritos na direção direta e inversa e divididos em três subescalas que representam a tríade cognitiva negativa. Os sujeitos são solicitados a lerem as sentenças e indicarem, em uma escala do tipo Likert de sete pontos, como estão pensando no momento da testagem. Entre os itens que compõem a escala, podem ser citados I can do a lot of things well (Eu posso fazer várias coisas bem), The world is very hostile place (O mundo é um lugar muito hostil) e There is nothing to look forward to in the years ahead (Não há nada para desejar nos próximos anos) como exemplo de visões do self, do mundo e do futuro, respectivamente. Nesse instrumento, escores mais altos indicam uma tríade cognitiva mais negativa. Ao analisarem o instrumento, Beckham et al. (1986) encontraram índices de consistência interna variando de boas a excelentes (0,81< α > 0,95). Evidência de validade convergente foi obtida pelas análises de correlação entre o CTI e o Beck Depression Inventory (r=0,77; p<0,001). Apesar do artigo original sustentar o modelo teórico de três fatores, os autores não analisaram empiricamente a estrutura interna do instrumento. Posteriormente, outros pesquisadores investigaram a validade fatorial do CTI e encontraram resultados diferentes do esperado, com modelos de um (McIntosh & Fischer, 2000) e de cinco fatores (Anderson & Skidmore, 1995).

Especialmente com relação ao trabalho de Anderson e Skidmore (1995), esses autores encontraram uma solução na qual os itens positivos e negativos ficaram separados (exceto os itens negativos sobre o self, que carregaram em dois fatores, um positivo e outro negativo). Diante desse resultado, Anderson e Skidmore (1995) sugeriram que o modelo original de três fatores era válido, mas deveria ser compreendido em duas dimensões independentes (positiva e negativa). Para os autores, a tendência dos itens a se agruparem de acordo com a direção de sua escrita deve ser levada em consideração pelos teóricos interessados na investigação da tríade cognitiva de Beck. Cabe destacar que evidências de independência entre dimensões positivas e negativas também são encontradas em outros construtos cognitivos relacionados à depressão, como pensamentos automáticos (Hogendoorn et al., 2010; Ingram & Wisnicki, 1988; Wenze, Gunthert, & Forand, 2006) e estilo atribucional (Hull & Mendolia, 1991).

Diante dos resultados divergentes em relação à estrutura fatorial do CTI, Pössel (2009) propôs uma comparação entre os modelos encontrados na literatura. A partir da aplicação da versão alemã do CTI em uma amostra não clínica, o autor realizou análises fatoriais confirmatórias, replicando os modelos com um, três e cinco fatores. A esses, foi acrescentado o modelo de seis fatores, hipotetizado no trabalho de Anderson e Skidmore (1995). A partir da comparação entre as quatro soluções fatoriais, Pössel (2009) confirmou a hipótese de Anderson e Skidmore, encontrando na solução de seis fatores o modelo que melhor se ajustava aos dados. Diante desse resultado foram realizadas análises de correlação dos seis fatores entre si e com a escala total. Foram obtidos índices de correlação altos entre as seis subescalas e a escala total, e índices baixos entre as subescalas, confirmando a importância de cada fator independente na compreensão da tríade cognitiva. Entre as conclusões finais, Pössel destaca a possibilidade de a tríade cognitiva ser um construto formado por dois elementos (positivo e negativo).

Kaslow, Stark, Printz, Livingston, e Tsai (1992) reescreveram os itens do Cognitive Triad Inventory, de modo a deixá-los mais claros e simples para crianças e adolescentes, desenvolvendo o Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C). O CTI-C, assim como o CTI original (Beckham et al., 1986), compreende três subescalas que avaliam a tríade cognitiva de Beck. Metade das sentenças foi escrita na direção direta (negativa), e metade na inversa (positiva). A escala do tipo Likert de sete pontos da versão adulta foi substituída por uma de três pontos ("Sim", "Talvez" e "Não"). Dessa forma, um escore baixo no CTI-C indica que o indivíduo possui uma visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro.

Kaslow et al. (1992) aplicaram o CTI-C em uma amostra de 132 crianças e adolescentes com idades entre nove e 14 anos (M=11,8; DP=NA), e encontraram indícios de validade concorrente adequados, com as subescalas visão do self e visão do futuro se correlacionando fortemente com medidas de autoestima e expectativas futuras. Além disso, níveis aceitáveis de consistência interna foram encontrados para o self (α=0,83), mundo (α=0,69), futuro (α=0,85) e a escala total (α=0,92). As crianças desse estudo também foram avaliadas com medidas de depressão e ansiedade. A partir dos escores nesses instrumentos, a amostra foi dividida em quatro grupos: apenas depressivos, depressivos e ansiosos, apenas ansiosos e grupo controle. As crianças depressivas e ansiosas e apenas depressivas apresentaram uma visão mais negativa do self, do mundo e do futuro em comparação com o grupo de crianças ansiosas e do grupo controle. Além disso, a análise de função discriminante realizada classificou apuradamente 62% dos sujeitos, mais especificamente 50% dos depressivos, 50% dos depressivos e ansiosos, 45,5% dos ansiosos e 100% do grupo controle.

Em estudo conduzido com adolescentes, com idades entre 13 e 16 anos, Jacobs e Joseph (1997) encontraram, assim como Kaslow et al. (1992), correlações mais fortes do CTI-C com sintomas depressivos do que com sintomas ansiosos. Os resultados apontaram que os escores do CTI-C explicaram, nas meninas, 20% da variância em relação à ansiedade e 50% em relação à depressão. Já nos meninos, os escores dessa escala explicaram 29% da variância na medida de ansiedade e 39% na medida de depressão.

Em outro estudo psicométrico, Esbensen e Benos (2007) aplicaram o CTI-C em uma amostra de adultos com deficiência intelectual leve e moderada. Os autores encontraram um índice de consistência interna de 0,78 para a escala total, 0,56 para o fator mundo e 0,73 para o futuro. Para o self, o resultado não foi adequado, apresentando um valor de 0,38. Já a validade discriminante foi evidenciada pela capacidade do CTI-C de diferenciar os adultos com deficiência intelectual que apresentaram sintomas depressivos daqueles que não apresentaram.

Em relação à estrutura fatorial do CTI-C, os resultados ainda são inconclusivos, com estudos apontando resultados contrastantes. Greening et al. (2005) aplicaram o CTI-C em uma amostra de adolescentes com idade entre 14 e 17 anos. Os resultados da análise fatorial exploratória (rotação oblíqua) apontaram três fatores na escala, que explicaram 43% da variância. No entanto, cada fator foi composto pela combinação de itens de todas as três subscalas. O primeiro fator foi constituído por itens sobre o self e o futuro, sendo 12 itens positivos e três negativos. O segundo fator foi composto por sete itens negativos, sendo cinco sobre o futuro, um sobre o self e um sobre o mundo. Por fim, o terceiro fator foi formado por seis itens negativos, sendo quatro sobre o mundo e dois sobre o self. Nas análises conduzidas pelos autores, seis itens (do total de 36) apresentaram cargas fatoriais abaixo de 0,40 e não foram incluídos nos fatores.

Em um estudo longitudinal, LaGrange et al. (2008) buscaram acompanhar as mudanças nas cognições relacionadas à tríade cognitiva em crianças e adolescentes pelo CTI-C. No início do estudo, a faixa etária das crianças mais novas era de sete anos, e no fim do estudo a faixa etária das crianças mais velhas era de 14 anos. Esses autores encontraram, por análises fatoriais exploratórias (rotação oblíqua), dois fatores em todas as faixas etárias. No entanto, a natureza do fator mudou no desenvolvimento, possivelmente refletindo mudanças na estrutura dessas cognições. Foi verificado que apenas nas crianças mais velhas a estrutura fatorial começou a se estabilizar, apresentando, de modo mais claro, um fator positivo e um fator negativo. Considerando todas as faixas etárias, as correlações entre os dois fatores variaram entre 0,45 e 0,54, resultados esses que apontam para uma independência parcial dessas dimensões.

Cole et al. (2009) também conduziram um estudo longitudinal para investigar mudanças desenvolvimentais na estrutura da tríade cognitiva e possíveis diferenças de gênero. Participaram 593 crianças e adolescentes, alunos do quarto ao nono ano, divididas em duas coortes. Por meio de análises de equações estruturais, os autores testaram vários modelos traço-estado-ocasião, separados por sexo e coorte dos participantes. Entre os resultados, os autores encontraram que a tríade cognitiva, tanto positiva quanto negativa, é mais estável e relacionada a um traço (trait-like) entre as meninas, enquanto que, entre os meninos, é mais afetada por fatores situacionais. Entre suas conclusões, Cole e colaboradores hipotetizaram que, no que se referem aos sintomas depressivos, as diferenças de sexo encontradas podem estar mais relacionadas à persistência das cognições negativas nas meninas do que na relação entre essas cognições e os sintomas.

Diante da importância da tríade cognitiva na compreensão dos aspectos cognitivos da depressão e da ausência de um instrumento de avaliação desse construto no Brasil, este estudo visou a adaptar e investigar algumas propriedades psicométricas do Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITC-CA). Para verificar sua estrutura interna, os diferentes modelos encontrados na literatura foram replicados e comparados por análises fatoriais confirmatórias. Índices de validade convergente foram obtidos por análises de correlação entre o ITC-CA e um instrumento de pensamentos automáticos (EPA; Teodoro, Andrade, & Castro, 2013). Também serão apresentadas evidências de consistência interna do instrumento.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 594 crianças e adolescentes de nove a 16 anos (M=12,41, DP=4,95). A amostra foi composta por 254 meninos (42,80%) e 340 meninas (57,20%), provenientes de escolas públicas (55,1%) e particulares (44,9%). A seleção da amostra foi por conveniência.

Instrumentos

Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITC-CA).

O Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes é a versão adaptada do Cognitive Triad Inventory for Children (CTI-C Kaslow et al., 1992). O instrumento original foi aplicado a 132 crianças e adolescentes com idades entre nove e 14 anos (M=11,8; DP=NA). O CTI-C foi construído para investigar a tríade cognitiva negativa em crianças e adolescentes, contendo 36 itens que avaliam as visões de self, mundo e futuro dos respondentes. Por uma escala Likert de três pontos ("Sim", "Talvez" e "Não"), os sujeitos devem indicar se as sentenças descrevem ou não seus pensamentos no momento da aplicação. Análises com o CTI indicaram coeficientes de consistência interna adequados (self=0,83; mundo=0,69; futuro=0,85; escala total=0,92) (Kaslow et al., 1992).

Escala de Pensamentos Automáticos para Crianças e Adolescentes (EPA).

A EPA (Schniering & Rapee, 2002) possui 40 itens que investigam pensamentos automáticos em crianças e adolescentes por uma escala Likert de cinco pontos (variando de nunca até todo o tempo). A adaptação para o português foi realizada por Teodoro, Andrade, e Castro (2013), e contou com a participação de 326 crianças e adolescentes com idades entre nove e 16 anos (M=12,34; DP=1,48), sendo 58% do sexo feminino. Análises fatoriais exploratórias indicaram os mesmos fatores do estudo original. O fator fracasso pessoal indica pensamentos de desvalorização pessoal (por exemplo, "Eu não sirvo para nada"), o fator ameaça social inclui itens de desvalorização social (por exemplo, "Eu tenho medo de fazer papel de bobo"), o fator ameaça física expressa ideias de preocupação com acidentes e mortes (por exemplo, "Eu vou me machucar"), e, finalmente, o fator hostilidade contempla ideias relacionadas à vingança pessoal e desvalorização dos outros (por exemplo, "Eu não vou deixar barato quando alguém me incomodar"). Análises de consistência interna indicaram alfas de Cronbach variando de 0,76 a 0,91 para os fatores. Esses resultados se aproximam de estudos internacionais, como os de Schniering e Lyneham (2007) e Schniering e Rapee (2002), que encontraram escores superiores a 0,85.

Procedimentos

Procedimentos de tradução e adaptação do instrumento.

A tradução do Cognitive Triad Inventory for Children para o português foi realizada por três juízes bilíngues de maneira independente. Posteriormente, as traduções de cada item foram comparadas e discutidas por um comitê formado por três juízes com experiência em docência em inglês e estudantes de Psicologia, produzindo a versão inicial do Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITC-CA). Essa versão foi traduzida para o inglês e comparada com a versão original, resultando na versão final em português. A comparação entre a tradução e o instrumento original foi feita por uma mestre em linguística com experiência em língua inglesa, sendo que a partir desse procedimento foram feitas pequenas alterações na versão inicial do ITC-CA. A título de exemplo, o item "Most people are friendly and helpful" foi traduzido como "A maioria das pessoas é amigável e prestativa", e o item "The world is a very mean place", como "O mundo é um lugar muito malvado".

Procedimentos de coleta de dados e considerações éticas.

A aplicação dos instrumentos foi realizada coletivamente em sala de aula, em horários previamente combinados com as escolas, tendo duração média de 60 minutos. Cabe ressaltar que a participação das crianças e adolescentes foi condicionada à entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado por seus pais ou responsáveis. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética da universidade dos autores.

Análise de Dados

A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva e inferencial. Foram calculadas médias, desvios-padrão, e correlações item-escala total entre os itens e os fatores da tríade cognitiva. Esse foi o primeiro estudo a verificar as correlações entre os itens e os três fatores da tríade, já que tanto no artigo original (Kaslow et al., 1992) quanto no estudo de Greening et al. (2005) foram avaliadas apenas as correlações entre os itens e seus respectivos fatores.

Em seguida foram calculados modelos fatoriais confirmatórios para um, dois, três e seis fatores. O modelo unifatorial (McIntosh & Fisher, 2000) apresenta todos os itens do CTI como provenientes de uma variável latente. O modelo bifatorial (LaGrange et al., 2008) apresentou uma divisão clara entre itens positivos e negativos apenas para as crianças mais velhas. Entretanto, no presente estudo, adotou-se a mesma divisão dos itens em positivos e negativos para toda a faixa etária avaliada. O modelo trifatorial foi calculado com 12 itens para cada fator teórico da tríade cognitiva negativa de Beck. Já o modelo de seis fatores foi baseado nos três fatores originais de Beck divididos em positivos (funcionais) e negativos (disfuncionais).

Para avaliar o ajuste do modelo aos itens, foram utilizados cinco indicadores principais (maiores detalhes em Hooper, Coughlan, & Mullen, 2008). O primeiro consiste na razão entre o qui-quadrado e o grau de liberdade, sendo que valores inferiores a cinco indicam que o modelo teórico se ajusta aos dados. O Root Mean Squared of the Residuals (RMSEA) deve ter valores até 0,10 para a aceitação do modelo, sendo que um RMSEA inferior a 0,05 indica ótimo ajuste. O Comparative Fit Index (CFI) e o Goodness of Fit Index (GFI) devem ter escores superiores a 0,90, sendo que valores iguais ou superiores a 0,95 são mais adequados. Os modelos foram comparados pelo Akaike Information Criterion (AIC), no qual o menor valor indica o melhor modelo (Akaike, 1974). As associações entre as variáveis foram feitas por correlação de Pearson, e a consistência interna dos fatores e da escala total pelo alfa de Cronbach.

 

Resultados

As médias, desvio-padrão e correlações item-escala do ITC-CA estão descritas na Tabela 1. Para cada item, foram calculadas as correlações item-total para cada fator teórico descrito por Kaslow et al. (1992). As correlações item-escala total marcadas em negrito indicam o fator original do item. Dos 36 itens que compõem a escala, 27 tiveram a maior correlação item-total no fator teórico esperado. Três itens (16, 29 e 35) tiveram a mesma correlação em dois fatores, e seis apresentaram maior correlação em outro fator (04, 07, 14, 23, 27 e 34).

Dos itens que tiveram o mesmo índice de correlação item-escala em dois fatores, dois deles (29, "Eu me sinto culpado por um monte de coisas"; 35, "Eu tenho problemas com o meu jeito de ser"), que pertencem ao fator original self, na versão brasileira apresentaram escores elevados no fator mundo. Possivelmente esses escores refletem uma ambiguidade do pensamento do jovem, na qual tanto a culpa quanto os problemas, apesar de internos (self), são influenciados e possuem impactos diretos no mundo social. O terceiro item (16, "Meus problemas e preocupações nunca vão acabar") foi criado inicialmente para investigar o futuro, mas apresentou escore de correlação idêntico ao fator self. Uma explicação plausível para esse resultado é que, apesar da perspectiva futura do item, os pensamentos referem-se a problemas atuais do indivíduo.

Considerando os itens mais fortemente correlacionados a outros fatores, quatro deles (14, "As pessoas gostam de mim"; 23, "Coisas ruins acontecem comigo frequentemente"; 27, "Minha família não se importa com o que acontece comigo"; 34, "Eu me deparo com várias dificuldades") pertenciam ao mundo e apresentaram correlações mais altas com o self (itens 14, 23 e 34) e futuro (item 27). Os outros itens (4, "Nada tende a dar certo para mim"; 7, "Eu faço bem a minha tarefa de casa") pertenciam ao futuro e self, e apresentaram escores mais altos nos fatores self e mundo, respectivamente. Desses itens, destaca-se que a maior diferença de correlação foi encontrada no item 4 (r=0,10), de modo que não houve discrepância considerável entre o fator teórico esperado e o empírico. A média dos escores das correlações item-total dos fatores teóricos self, mundo e futuro variou de 0,23 a 0,59 (Mrit=0,42, calculada por transformação Z-Fisher). Tendo em vista essa análise inicial, decidiu-se manter os itens nos fatores originais para a análise confirmatória, o que possibilitará, inclusive, comparações dos resultados de amostras brasileiras aos de estudos internacionais.

A partir das soluções fatoriais do ITC-CA encontradas na literatura, foram elaborados modelos confirmatórios para serem testados na versão brasileira. Os resultados de cada modelo estão descritos na Tabela 2. Todos os modelos possuíam variáveis latentes (fatores) que explicavam o comportamento das variáveis observadas (itens). Para cada item foi acrescentada uma medida de erro. Naqueles casos em que houve mais de um fator, foi permitido que eles se correlacionassem. O modelo com fator latente único (McIntosh & Fisher, 2000) possuía todos os 36 itens vinculados a ele. O modelo bifatorial, encontrado empiricamente por LaGrange et al. (1992), possuía dois fatores latentes, nos quais foram alocados itens positivos e negativos separadamente. O modelo com três fatores seguia o estudo original, com a distribuição dos itens obedecendo à teoria da tríade cognitiva. Finalmente, o modelo com seis fatores foi baseado na solução encontrada por Pössel (2009), na qual o Inventário da Tríade Cognitiva para Adultos foi dividido em uma tríade positiva e outra negativa. Todos os resultados apresentados na Tabela 2 são aceitáveis ou satisfatórios, segundo Hu e Bentler (1999). No entanto, uma comparação dos diferentes índices entre os quatro modelos mostra que a solução com seis fatores possui a menor razão qui-quadrado/grau de liberdade, o menor RMSEA e os maiores CFI e GFI. Da mesma maneira, o modelo com seis fatores obteve o menor AIC, confirmando que, empiricamente, trata-se do melhor modelo.

 

O modelo com seis fatores acrescenta um aspecto novo à estrutura do ITC-CA, já que agrupa os itens em pensamentos positivos e negativos separados de acordo com a tríade cognitiva. Essa solução, apresentada anteriormente para a versão adulta da escala (Pössel, 2009), foi parcialmente encontrada no modelo bi-fatorial de LaGrange et al. (2008), que se valeu de análises fatoriais exploratórias. A vantagem em se manter a versão positiva se deve à possibilidade de investigar o papel das cognições positivas no adoecimento e no bem-estar psicológicos nessa faixa etária. Além disso, apesar de vários estudos apontarem para a importância das cognições positivas na compreensão de psicopatologias, como a depressão, as evidências ainda são fracas e imprecisas, evidenciando a necessidade de mais pesquisas com enfoque nessas cognições positivas.

 

 

Especificamente para o modelo de seis fatores, a porcentagem de variância explicada por cada item variou de 0,05 a 0,48, sendo que os fatores com maiores percentuais foram self negativo (0,14 a 0,34) e self positivo (0,05 a 0,29), bem próximos aos encontrados em futuro negativo (0,13 a 0,26) e positivo (0,1 a 0,22). Mundo negativo (0,06 a 0,20) e mundo positivo (0,07 a 0,21) apresentaram os percentuais mais baixos.

Os itens 2 ("Tarefas escolares são sem graça") e 1 ("Eu faço bem muitas coisas diferentes") tiveram escores baixos de porcentagem de variância explicada, 0,05 e 0,06 respectivamente, o que produziu escores de erros elevados para esses dois itens (0,95 e 0,94, respectivamente). Da mesma maneira, esses itens apresentaram baixa correlação com os fatores teóricos, conforme apresentado na Tabela 1. É interessante destacar que a versão adulta do Inventário da Tríade Cognitiva descarta os itens 1, 2, 7, 14 e 22. A explicação, encontrada em Pössel (2009), é que esses itens seriam distratores. No entanto, essa informação não foi encontrada no artigo original da escala adulta, e os itens foram mantidos na versão infantil. Tendo em vista essa divergência na utilização dos itens, decidiu-se manter a estrutura original do artigo infantil. Excetuando-se a porcentagem de variância explicada dos itens 1 e 2, o menor índice encontrado foi de 0,16.

Os alfas de Cronbach para os fatores foram de 0,61 para self positivo, 0,74 para self negativo, 0,68 para mundo positivo, 0,59 para mundo negativo, 0,71 para futuro positivo e 0,70 para futuro negativo. Os índices de consistência interna encontrados podem ser considerados baixos em alguns casos. No entanto, comparando aos escores encontrados por Pössel (2009) (alfas entre 0,47 e 0,86), que investigou a mesma estrutura com a versão adulta da escala, pode-se inferir que a quantidade de item pode ter um papel importante no baixo alfa encontrado.

As correlações entre os seis fatores foram todas significativas, e variaram de -0,54 (visão negativa do self e visão positiva do self) a 0,49 (visão positiva do mundo e visão positiva do self) (vide Tabela 3). Esses resultados são interessantes na medida em que indicam haver uma relação entre as crenças da tríade cognitiva, sejam elas positivas ou negativas. No entanto, a magnitude das correlações mostra que a força dessas relações vai de fracas a moderadas, o que sugere que os fatores são independentes e estão medindo construtos diferentes, mas relacionados.

 

 

As correlações do ITC-CA com a Escala de Pensamentos Automáticos (EPA) estão descritas na Tabela 3. Todos os escores foram significativos e variaram de -0,16 a 0,62. Esse resultado aponta para indícios de validade convergente, na medida em que as crenças cognitivas e os pensamentos automáticos são teoricamente ligados. O fator fracasso pessoal possui os maiores índices de correlação (0,62 e 0,54 para os fatores self e mundo negativos), o que mostra que pensamentos automáticos com conteúdo de fracasso pessoal podem estar relacionados a crenças negativas pessoais ou sociais. Correlações moderadas repetem-se entre os fatores self e mundo negativos, com os fatores ameaça social e física. Esses resultados, aliados a uma correlação moderada entre as visões negativas do self e do mundo (0,63), podem indicar uma relação entre essas visões negativas e a percepção do mundo como ameaçador e de si mesmo como vulnerável a essas possíveis ameaças. Por outro lado, o fator hostilidade apresentou correlações com escores mais baixos, dentre os quais os mais elevados são com os fatores positivo e negativo do mundo (-0,36 e 0,34 respectivamente). Esses resultados podem ser melhor compreendidos se considerarmos que os pensamentos hostis que temos sobre as pessoas estão relacionados à forma com a qual as percebemos. Dessa forma, aqueles que possuem visões mais positivas do mundo também apresentam menos pensamentos hostis, ao contrário daqueles que veem o mundo de uma forma mais negativa.

 

Discussão

É possível afirmar que o Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITA-CA) apresentou boas propriedades psicométricas do ITCCA, mostrando-se um instrumento adequado à avaliação da tríade cognitiva de crianças e adolescentes. Em relação à estrutura fatorial, os resultados apontam para um modelo de seis fatores, destacando uma possível independência entre os elementos positivos e negativos da tríade cognitiva. Na literatura internacional, esses resultados reforçam a hipótese elaborada por Anderson e Skidmore (1995) e os resultados encontrados por Pössel (2009), ambos os estudos realizados com a versão adulta do inventário. Entretanto, entre as investigações desenvolvidas com a versão infanto-juvenil, o resultado que mais se aproxima dos obtidos neste estudo foram os de LaGrange et al. (2008). A partir de análises exploratórias, os autores identificaram mudanças desenvolvimentais na estrutura da tríade cognitiva que culminam em uma estrutura bifatorial (um fator positivo e um negativo). É importante considerar que, no presente trabalho, o modelo bifatorial também apresentou índices de ajuste adequados (Vide Tabela 3), ficando logo atrás do modelo de seis fatores. Além disso, pode-se pensar que o modelo de seis fatores reflita de forma mais precisa a estrutura da tríade cognitiva em adolescentes, já que 77% da amostra foi composta por sujeitos com idades iguais ou superiores a 12 anos.

Os resultados divergentes em relação à estrutura fatorial do inventário remetem a uma possível falta de critério no processo de construção da escala original por Kaslow et al. (1992). Esses autores apenas reescreveram os itens do CTI, deixando-os mais claros para as crianças e adolescentes, não ocorrendo um processo mais rigoroso de construção da escala. Isso seria necessário, já que a tríade cognitiva dos adultos não pode simplesmente ser transposta para o universo infantil sem uma análise criteriosa de suas especificidades.

Além de evidências para a estrutura fatorial com seis fatores, o ITC-CA apresentou neste estudo índices de consistência interna que variaram de baixos a satisfatórios, e índices satisfatórios de validade convergente com a Escala de Pensamentos Automáticos (EPA). Entre os resultados destacam-se as correlações verificadas entre as visões negativas do self e do mundo e pensamentos de fracasso pessoal e de vulnerabilidade a ameaças física e social.

Entre as limitações do presente estudo encontra-se o fato de a amostra não ter sido selecionada aleatoriamente, mas por conveniência, aliada à ausência de uma investigação mais precisa de possíveis quadros clínicos. Destaca-se também que a inclusão de um grupo de crianças e adolescentes com diagnóstico de depressão possibilitaria a verificação das características psicométricas do ITC-CA com sujeitos clínicos, além de identificar possíveis diferenças na estrutura fatorial do instrumento entre esses grupos. Outra limitação do estudo é a não realização de avaliações de crianças e adolescentes nas diversas cidades brasileiras, a fim de que fosse verificada a adequabilidade do inventário na gama de subculturas presentes em todo o território nacional.

Sendo este o primeiro estudo internacional a apresentar uma estrutura de seis fatores para o Cognitive Triad Inventory for Children (ITC-CA), é importante que novos estudos sejam feitos, para que se verifique a replicabilidade da estrutura encontrada. Estudos que avaliem a estabilidade temporal do inventário (teste-reteste) poderão contribuir para a verificação do padrão de desenvolvimento da tríade cognitiva ao longo da infância e adolescência.

Investigações acerca do poder de discriminação do inventário em subamostras clínicas e não clínicas também se mostram necessárias para que, futuramente, o instrumento possa ser utilizado de forma segura como ferramenta diagnóstica complementar e no acompanhamento de progressos terapêuticos. No mais, o ITC-CA poderá ser um recurso interessante para a utilização por clínicos e pesquisadores que carecem de medidas para avaliação da tríade cognitiva em crianças e adolescentes no cenário nacional.

 

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Recebido em abril de 2014
Reformulado em setembro de 2014
Aprovado em outubro de 2014

 

 

Sobre os autores

Maycoln L. M. Teodoro:é Doutor pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha), professor adjunto do programa de pósgraduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista produtividade do CNPq.
Mariana V. G. Froeseler: é Psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora do curso de Psicologia da Faculdade Ciências da Vida (Sete Lagoas, MG).
Priscilla Moreira Ohno: é Psicóloga e mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Vanessa Maria de Almeida: é Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.

1Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2Endereço para correspondência: R. Olinto Magalhães, 961, 302, Padre Eustáquio, 30730-500, Belo Horizonte-MG. E-mail: mlmteodoro@hotmail.com

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